A integração do Islão na Europa Introdução O presente trabalho analisa a integração do Islão nos países europeus com base nos seguintes pontos: • as relações “Estado-Igreja”, isto é, as relações entre os Estados europeus e as suas comunidades muçulmanas;1 • os diferentes órgãos de consulta “Estado-Igreja”, as suas características e configurações; • as medidas discutidas nesses órgãos para regular e ir ao encontro às reivindicações das comunidades muçulmanas; • as medidas, pós-11 de Setembro, adoptadas pelos Estados europeus para prevenir e combater o extremismo islâmico. Para tal, ter-se-á em consideração a já longa tradição de esforços que os governos dos diversos países europeus adoptados no diálogo com as minorias religiosas e étnicas que coexistem no espaço europeu. Apesar das tentativas de conciliação entre diferentes temas e interesses envolverem, normalmente, minorias religiosas como Judeus, Protestantes e Católicos ou grupos étnicos como catalães e bascos,2 este trabalho incidirá sobre as iniciativas que dizem respeito às comunidades 1 A expressão usada neste trabalho - relações “Estado-Igreja” – tem no contexto do Islão um significado diferente que requer uma explicação. O sentido da mesma é descrever o relacionamento entre o Estado e as comunidades muçulmanos, já que: (a) o Islão é uma religião muito diversificada e não una; (b) não existe clero no Islão. Por exemplo, a oração comunitária na mesquita ou sala de oração é dirigida pelos imãs que não são membros do clero, uma vez que não existe classe sacerdotal no Islão nem liturgia propriamente dita. O grande laço a unir os crentes é a fé expressa em termos de culto probatório e testemunhal : v. Maria do Céu Pinto, O Islão: os fundamentos, série Working Papers do Projecto O Pensamento Islâmico Radical e as Redes Terroristas na Europa (em http://www1.eeg.uminho.pt/riap/cp/ceupinto/ProjectoFCT/Resultado.html). 2 Jonathan Laurence, “Integrating Islam: a New Chapter in «Church-State» Relations”, Boston College, Outubro de 2007, p. 1. 1 muçulmanas, tendo por base, quer as diferentes tradições na relação Estado-Igreja, quer a opinião pública quanto aos processos de integração dos imigrantes nas sociedades europeias.3 A análise incidirá essencialmente sobre os modelos de integração aplicados na Alemanha, Grã-Bretanha e França, onde estão localizadas as maiores comunidades muçulmanas na Europa, que representam 4%, 3% e 8% das respectivas populações.4 O caso espanhol e o papel das políticas da União Europeia/UE5 serão também objecto de algumas referências e explicações. As relações “Estado-Igreja”6 Por relação “Estado-Igreja entende-se, sobretudo no caso vertente, que analisa a interacção dos Estados europeus com as minorias muçulmanas, o relacionamento e as políticas dos Estados europeus com a(s) minoria(s) islâmica(s), que por natureza, é diversificada, pois é o reflexo das diferentes políticas públicas. O estabelecimento das comunidades muçulmanas na Europa realizou-se de formas muito distintas, dando lugar a distintas políticas no que respeita à constituição de instituições representativas do Islão.7 Por sua vez, as distintas políticas fizeram com que o grau de reconhecimento das diferenças religiosas do Islão pelos países de 3 Berta Álvarez-Miranda, “Muslim Communities in Europe – Recognition of Religious Differences in Britain, Germany and France”, Fevereiro de 2005, p. 1. 4 Os indicadores demográficos revelam que em 2050, os Muçulmanos constituirão 20% do total populacional da UE, sendo que em algumas metrópoles este percentual será excedido (Laurence, op. cit., p. 1). Ibid. 5 No que respeita ao âmbito da UE, a definição e balizamento das liberdades religiosas e as relações “Estado-Igreja” são da competência dos Estados-Membros. No entanto, como veremos mais à frente, existem políticas europeias que têm influência nas relações “EstadoIgreja”. 6 V. Laurence, op. cit. 7 Bernard Godard, “Official Recognition of Islam”, in Samir Amghar; Amel Boubekeur e Michael Emerson, European Islam: Challenges for Society and Public Policy, Bruxelas, Centre for European Policy Studies, Novembro de 2007, p. 183. 2 acolhimento, fosse também variado. Na verificação deste aspecto, não é possível deixar de lado os elementos históricos relativos às sociedades8 onde as comunidades muçulmanas se fixaram. Quadro 1 - Variação no grau de reconhecimento de diferenças religiosas9 Reino Unido Alemanha França Reconhecimento diferenças religiosas Máximo Médio Mínimo Relações institucionais entre Estado e Igreja Estabelecimento (a favor) Cooperação (a favor) Separação (contra) Opinião pública sobre integração de imigrantes Multiculturalismo (a favor) Temporária (a favor) Assimilação (contra) Assim, a procura de diálogo Estado-Igreja não é de agora. A ascensão do Islão - a maior das religiões minoritárias - e o seu ritmo de crescimento, aliado aos atentados terroristas do 11/9, fizeram com que os governos dos países europeus intensificassem e diversificassem o diálogo com as comunidades muçulmanas. A postura liberal relativamente à supervisão organizativa do Islão nos Estados de acolhimento mudou. Se antes a mesma estava entregue a associações de imigrantes, o que agora se pretende é que seja feita uma administração conjunta dos assuntos religiosos entre as entidades oficiais do país de acolhimento e os representantes das associações muçulmanas. 8 Em certos casos, a introdução de políticas que favoreçam a expressão do Islão pode pôr em causa a neutralidade do Estado. Saliente-se a reacção da opinião pública francesa contra o apoio do governo francês ao estabelecimento do Conselho Muçulmano Francês (id., p. 184). 9 Adaptado de Álvarez-Miranda, op. cit., p. 10. 3 Contudo, apesar das diferentes perspectivas de aproximação seguidas pelos vários Estados, existem factores comuns nos conteúdos de todas elas. Esses factores são de ordem social, económica e política. Visam, através do diálogo, o reforço do sentimento de pertença ao país de acolhimento, abordar a temática do racismo e extremismo10 e evitar a marginalização das comunidades religiosas.11 Para chegar à formação destas instâncias de diálogo, vários passos tiveram que ser dados:12 - Selecçcionar os representantes; - Estabelecer a agenda das conversações; - Melhorar o nível de entendimento (local ou nacional); - Evitar que estes fóruns de diálogo subvertam os processos políticos. Vejamos qual é a importância e significado destes passos. Primeiro, como são seleccionados os representantes muçulmanos participantes no diálogo? Uma vez que tais mandatários não são interlocutores políticos, mas delegados religiosos, é muito importante que estes representem as diferentes tendências religiosas e organizações estabelecidas no país de acolhimento. A experiência determina que o número ideal de participantes deve ser entre 15 e 20, sendo estes escolhidos com base em três principais factores: terem relações estreitas com os países árabes/muçulmanos de origem; estarem alinhados com formas politizadas de Islão transnacional;13 serem peritos individuais 10 Note-se que a proximidade ao poder tende a induzir o comportamento civil em detrimento do fanatismo. A ausência de violência durante o caso das caricaturas de Maomé deveu-se à existência de canais institucionais onde o descontentamento pôde ser legalmente expresso (v. Laurence, op. cit.). 11 Ibid. 12 Ibid. 13 Significa que a observância da lei do país de acolhimento e a vontade de dialogar com outras tendências religiosas são pré-requisitos fundamentais para a participação no diálogo intercultural. 4 relativamente ao crescimento das diversas tendências muçulmanas dentro do Islão no contexto dum Estado-membro.14 Estabelecimento da agenda de conversações: cabe às autoridades oficiais do Estado a disponibilização de um fórum neutro onde as diferentes perspectivas possam interagir. Para que as conversações sejam ordeiras, legais e politicamente irrepreensíveis, devem ser considerados os seguintes pontos: • Estabelecer que o objectivo do fórum é o diálogo e solicitar o acordo ou confirmação, por parte de todos os participantes no Conselho, do respeito dos princípios do Estado de Direito;15 • Coordenar a formação de comités ou grupos de trabalho para a realização de tarefas concretas;16 • Após um período experimental, se este for bem sucedido, as entidades oficiais devem ponderar a possibilidade de transformar as conversações numa instituição permanente, capaz de sobreviver às alternâncias políticas. Nestes fóruns são discutidos diferentes perspectivas sociais e são abordados pontos como: • Assegurar a observância dos princípios religiosos ao permitir a criação de locais apropriados à prática da fé; • Nomear “capelães” nos hospitais e prisões; • Certificar os fornecedores de comida kosher ou halal; 14 O que se procura é a representação das minorias dentro da minoria (muçulmana) de forma a obter a maior legitimidade possível do Conselho. Para tal, é necessário que a pluralidade de perspectivas esteja representada. Esta é a razão pela qual se incluem membros nomeados a título individual. 15 O objectivo deste ponto é o reconhecimento da solenidade da ocasião e a consciencialização do que está em jogo, para além do orgulho de ser parte numa actividade inovadora. 16 Inclusão de pontos pragmáticos como permissão para a construção de mesquitas, da supervisão da regulamentação da comida halal, nomeação de “capelães” para hospitais, prisões e escolas, entre outros. 5 • Supervisionar os rituais religiosos que envolvem o sacrifício de animais; • Disponibilizar peritos para questões administrativas e legais. É igualmente este o local apropriado para a discussão de uma agenda mais substantiva, como o financiamento dos locais de oração e a tipologia de imãs para guiar os crentes. Quadro 2 - Financiamento estatal para oração e ensino islâmico17 Reino Unido Alemanha França Local de oração Não Não Não Serviços sociais e culturais Sim Raramente Raramente Ensino islâmico escolas públicas Sim Raramente Sim Escolas islâmicas privadas Sim Sim Sim Máximo Médio Mínimo Mesquitas Educação Grau de reconhecimento No entanto, no que respeita ao financiamento, o papel do Conselho resumir-se-á a assegurar a existência dos canais administrativos apropriados à concessão de autorização para a construção de espaços 17 Adaptado de Álvarez-Miranda, op. cit., p. 5. 6 religiosos, assim como o desenvolvimento dos locais de formação para os membros do “clero”.18 Embora a tradição secular não permita o gasto de dinheiros públicos na construção de locais de oração, esta não impede contribuições financeiras para o efeito de organizações privadas e/ou de especialistas externos que, não terão qualquer tipo de problemas, se limitarem a sua acção ao aconselhamento.19 No que diz respeito aos comportamentos e costumes sociais das comunidades muçulmanas e a sua adequação às determinações dos países de acolhimento, é de referir em especial a questão dos direitos da mulher. É conveniente que esta temática seja abordada em termos genéricos e não seja dirigido a uma determinada corrente religiosa, mas a todas as que estiverem representadas no Conselho. Para além disso, tratando-se duma temática que levanta bastantes preocupações na sociedade contemporânea, ter o cuidado de não permitir que esta leve as autoridades a estigmatizar qualquer tipo de corrente de pensamento muçulmano. Terceiro, qual o melhor nível de entendimento? Local ou nacional? Os dois são necessários, pois apesar do reconhecimento nacional possuir um carácter simbólico de grande valor, não há dúvida que é muito difícil, em tal fórum, conseguir uma total unanimidade nos assuntos mais delicados. Como tal, é aconselhável a presença de interlocutores regionais, uma vez que estes são menos conhecidos, menos políticos e mais pragmáticos em relação às práticas religiosas. Para além disso, o diálogo realizado ao nível local e regional é mais eficiente em determinadas áreas na redução de tensões e choques entre diferentes comunidades de fé, uma vez que o seu âmbito de actuação é mais focalizado. E, por fim, o quarto ponto, como evitar que estes fóruns de diálogo subvertam os processos políticos? A existência do diálogo intercultural já é um passo nesse sentido, pois impede 18 19 que a discriminação religiosa favoreça a radicalização dos Laurence, op. cit. Id. 7 Muçulmanos e o recrutamento dos extremistas. Se a relação entre as comunidades religiosas e o Estado for adversa, a acção dos extremistas será facilitada. Por sua vez, a integração religiosa propicia a normalização das práticas religiosas, ao aproximar o Islão da esfera pública e fazendo com que o grau de tolerância e de protecção seja igual para todas as comunidades de fé, mesmo que as crenças e ritos em questão sejam diferentes da religião oficial do Estado de acolhimento. Finalmente, a nomeação de líderes civis para os Conselhos também serve para integrar os Muçulmanos seculares, impedindo que estes se sintam excluídos do processo. Independentemente da metodologia seguida, são incontornáveis as vantagens que resultam do diálogo intercultural e do empenho governamental junto das comunidades das minorias religiosas.20 Como tal, uma interacção regular possibilita que surjam laços entre os representantes de cada parte, de modo que a coabitação e a coexistência seja enriquecida e a presença destas instituições permita que os preconceitos e enganos sejam substituídos por clarificações factuais, possibilitando a criação de um ambiente positivo de discussão e debate. Paralelamente, a participação nestes fóruns de diálogo intercultural também representa, para aqueles que não possuem a cidadania do país de acolhimento, uma maneira de integração na sociedade. No que respeita à representatividade, estes fóruns representam o Islão no seu conjunto e não apenas uma denominação islâmica específica, sendo considerados como Conselho para a religião muçulmana e não Conselhos muçulmano. Daqui advém o mérito de estes fóruns de entendimento, pois abordam temas que não se focalizam apenas na segurança e terrorismo, o que 20 faz com que estes órgãos se sintam independentes. Laurence, op. cit. 8 Consequentemente, os líderes das comunidades assumem o papel de conselheiros e não de agentes governamentais. Apesar de não usufruírem de capacidade jurídica efectiva, o seu reconhecimento como participantes permite-lhes expor e representar os interesses das comunidades21 e representam-nas em recepções e iniciativas oficiais. Incarnam as suas comunidades nas instituições nacionais.22 Chegados a este ponto, pese embora se possa afirmar que quanto maior for a comunidade muçulmana, maior será o reconhecimento estatal à sua representação,23 deparamo-nos com um dos problemas que afectam as relações entre as comunidades muçulmanas e as entidades governamentais: o grau de legitimidade que os representantes muçulmanos gozam dentro da sua própria comunidade.24 Finalmente, iremos referenciar a papel da UE nesta problemática. Para tal, devemos ter em mente alguns elementos: • Primeiro, convém não esquecer que sendo uma organização supranacional, em que vigora o princípio da subsidiariedade,25 tanto a UE como os seus Estados-membros têm competências próprias, cabendo a estes últimos a responsabilidade da integração dos imigrantes; • Segundo, que o papel que a UE pode desempenhar será na prevenção da radicalização. Mas, os objectivos inerentes à sua política para a justiça, liberdade26 e segurança permitem-lhe alguma margem de manobra na promoção da integração. 21 Id. Id. 23 V. Godard, op. cit., p. 183. 24 Os líderes das comunidades muçulmanas envolvidos nos processos interculturais de diálogo nem sempre são bem vistos pelos jovens. Há líderes muçulmanos que são considerados como moderados pela sua comunidades e que não foram convidados a participar nestes processos. 25 Princípio segundo o qual a União só deve actuar quando a sua acção seja mais eficaz do que uma acção desenvolvida a nível nacional, regional ou local. 26 Devido à abertura das fronteiras internas da UE, os líderes europeus estão conscientes que a falha de um Estado-membro para enfrentar adequadamente os desafios da integração e prevenção da exclusão social, pode levar ao extremismo ou a actividades criminosas com graves consequências para os restantes Estados-membros da UE (v. Paul Gallis et al., 22 9 Apesar da inexistência nos tratados europeus que preveja uma acção directa na definição e implementação destas práticas, vários Estadosmembros manifestaram-se favoráveis a uma intervenção da UE nesta área através da harmonização e monitorização de políticas de integração.27 Não tardou, contudo, que a crescente importância do assunto na agenda da União provocasse uma reflexão28 sobre a necessidade de criar de uma estrutura que estabelecesse um equilíbrio entre o respeito multicultural e a tolerância pela definição clara das expectativas e de regras para os imigrantes de países.29 Em Outubro de 2002, os líderes da UE decidiram estabelecer pontos de contacto nacionais sobre integração visando o facilitar a troca de informações sobre os desafios e as melhores práticas entre os Estadosmembros, e, em Novembro de 2004, os líderes da UE adoptaram 11 princípios básicos comuns para a política de integração.30 Estes princípios básicos comuns declaram que a integração é um processo bidireccional de adaptação mútua para todos os imigrantes e residentes dos Estadosmembros, implicando o respeito pelos valores fundamentais da UE e, entre outros, identificam como essenciais para uma bem sucedida integração os seguintes factores:31 • O acesso ao emprego, educação e serviços públicos; • A protecção contra a discriminação; • O conhecimento básico da língua da sociedade de acolhimento, história e instituições; “Muslims in Europe: Integration Policies in Selected Countries”, CRS Report for Congress, 18 de Novembro de 2005 (http://www.fas.org/sgp/crs/row/RL33166.pdf, p. 5). 27 Ibid. 28 Algumas das iniciativas da UE na promoção da integração são anteriores ao assassinato de Theo Van Gogh (2004) e aos atentados de Londres de Julho de 2005, mas, no cômputo geral, as acções neste domínio são relativamente recentes. 29 Id., p. 6. 30 Ibid. 31 Ibid. 10 • A participação de imigrantes nos processos democráticos32 e de decisão política dos Estados-Membros. Em Setembro de 2005, a Comissão Europeia propôs a "Agenda Comum para a Integração", cujo conteúdo é composto pelas acções necessárias à colocação em prática destes princípios.33 Mas o papel de excelência da UE é na prevenção do recrutamento terrorista e na radicalização islâmica. Nesse sentido, já em Novembro de 2004, a UE tinha estabelecido o final de 2005 como termo para o desenvolvimento de uma estratégia de longo prazo para enfrentar os factores que contribuem para a radicalização e recrutamento para actividades terroristas e, em Setembro de 2005, a Comissão Europeia publicou um documento intitulado "Recrutamento terrorista: abordar os factores de radicalização violenta", para consideração dos líderes da UE aquando da formulação da estratégia.34 No entanto, as medidas contidas neste documento,35 que procuravam a aplicação dum reforço legislativo e de novas medidas de segurança contra o terrorismo, procuraram fazer a ponderação do equilíbrio entre o combate ao extremismo islâmico e ao recrutamento de terroristas e os ideais democráticos europeus, a protecções das liberdades civis36 e o respeito pelos direitos humanos.37 Consciente dessa circunstância, a UE reconhece que o empenho na criação de uma política comum para a integração e/ou luta contra o 32 Por exemplo, em França, entre os 331 membros do Senado, existem actualmente apenas dois membros de origem muçulmana, e entre os 577 membros da Assembleia, não há nenhum deputado muçulmano (v. Ahmet T. Kuru, “Secularism, State Policies, and Muslims in Europe: Analyzing French Exceptionalism”, Comparative Politics, vol. 41, nº 1, Outubro de 2008, p. 3). 33 V. Gallis, op. cit., p. 6. 34 V. Gallis, op. cit., p. 7. 35 Um dos aspectos mais controversos da proposta da Comissão é o tratamento aos meios de comunicação e à Internet e os eventuais limites à liberdade de expressão (Gallis, op. cit., p. 8). 36 Por exemplo, o limite da medida que as sociedades liberais devem tolerar aqueles que pregam a intolerância em nome da liberdade de expressão, é um desafio para muitos governos europeus. 37 V. Gallis, op. cit., p. 9. 11 extremismo religioso terá sempre limitações devido às diferentes histórias e culturas dos Estados-Membros.38 Mas não só: há que ter igualmente em conta o conteúdo dos tratados europeus, pois a legislação comunitária proíbe a deportação de pessoas para países onde possam ser torturados e/ou executados. Exemplificativo desta afirmação é a nova directiva proposta pela Comissão Europeia para a harmonização dos processos de expulsão de imigrantes ilegais e dos requerentes de asilo rejeitados, que não aborda explicitamente a questão da deportação dos estrangeiros suspeitos de terrorismo.39 38 É o caso da adopção da discriminação positiva pelos 27 Estados-membros da UE. Como se verá adiante, tal posição é inaceitável para a França. 39 Gallis, op. cit., p. 10. 12 Os diferentes órgãos de consulta “Estado-Igreja”, as suas 40 características e configurações No início deste trabalho referimos que, na Europa, o diálogo entre os diversos governos e as minorias religiosas não é um fenómeno recente.41 Vimos, igualmente que a tipologia de organização política é diferente nos diversos Estados-membros da UE. Naturalmente, em consonância com a estruturação pública e formação histórica de cada estado, as características e configurações dos órgãos de consulta “Estado-Igreja” são distintas. São precisamente, essas diferentes configurações e características que serão objecto de análise neste ponto. O Reino Unido No que respeita à integração, desde sempre que a posição britânica pende para o multiculturalismo. Por outras palavras, não são favoráveis à assimilação. Tendo em mente que o próprio Reino Unido é um conjunto de nações,42 esta postura é coerente. E, em conformidade com a cultura britânica, não é de estranhar que o Conselho Britânico dos Muçulmanos/ 40 Baseado em Godard, op. cit., pp. 183-203. Historicamente, nos países de acolhimento, a presença das comunidades muçulmanas não é uniforme. Se, no caso francês e inglês, a mesma remonta a época do colonialismo, já no caso da Alemanha e Espanha (apesar do longo relacionamento com os povos do norte de África), tal não é verificável. Foram principalmente, entre outros, os fluxos migratórios dos anos 50, 60 e 70 do século passado, que alteraram esta realidade (Gallis, op. cit., 10). No Anexo 1 podemos ficar com uma ideia da estimativa percentual dos “novos” muçulmanos e das suas origens nos países de acolhimento. Apesar da presença muçulmana no Reino Unido remontar ao colonialismo, os números da população actual devem-se às migrações dos anos 50 (ver Ceri Peach, “Muslim Population of Europe: A Brief Overview of Demographic Trends ans Socioeconomic Integration, with Particular Reference to Britain” in Steffen Angenendt, Muslim Integration: Challenging Conventional Wisdom in Europe and the United States, Setembro de 2007, p. 20). 42 Ingleses, escoceses, galeses e as comunidades da Irlanda do Norte. 41 13 Muslim Council of Britain (CBM), formado em 1997, seja constituído por mais de 475 organizações, religiosas e não-religiosas, geograficamente localizadas por todo o Reino Unido. Ora, esta dupla diversidade, de membros e de distribuição geográfica, permitiu que este órgão se tornasse a voz da comunidade muçulmana no interior da sociedade britânica.43 Sendo, até um certo ponto, uma atitude de “laissez-faire”, não é de admirar que, quando as autoridades abordavam esta temática, se concentrassem na promoção da tolerância e no combate à discriminação44. De facto, as diferentes comunidades muçulmanas no Reino Unido cedo adquiriram reconhecimento e protecção legal como membros da sua etnia e não como Muçulmanos.45 Assim, não é de estranhar que as autoridades britânicas começassem a financiar as escolas privadas e a abrir escolas públicas muçulmanas no mesmo ano em que formaram o CBM.46 Uma das iniciativas mais originais no que respeita à integração das comunidades muçulmanas em toda a Europa, é a criação do Banco Islâmico da Grã-Bretanha. Resulta de um envolvimento entre o poder político e sector bancário, através da entidade responsável pela regulação bancária, a Autoridade de Serviços Financeiros (ASF),47 que endereçou um convite aos bancos do Médio Oriente para criar uma instituição ad hoc.48 Na sequência desta acção, o governo inglês criou um grupo de trabalho com membros da comunidade muçulmana, os bancos e a ASF para discutir como o sistema de regulação poderia supervisionar novos produtos financeiros islâmicos, tendo sido o processo fiscal britânico modificado para a concretização deste novo sistema.49 43 Julianne Smith, “Muslims, Integration, and Security in Europe”, in Steffen Angenendt et al., Muslim Integration: Challenging Conventional Wisdom in Europe and the United States, Setembro de 2007, p. 66. 44 A título exemplificativo, saliente-se que o uso do véu pelas mulheres muçulmanas é pacífico na sociedade britânica. 45 Álvarez-Miranda, op. cit., p. 15. 46 Godard, op. cit., p. 197. 47 No original, Finances Services Authority. 48 Ibid. 49 Ibid. 14 Em 2005, as autoridades britânicas organizaram uma série de consultas, denominadas Preventing Extremism Together, onde, pela primeira vez, foi elaborado uma análise global do culto muçulmano. Este foi o primeiro passo para uma parceria de longo prazo entre o governo e as comunidades muçulmanas, resultando em várias iniciativas importantes, nomeadamente na criação do Conselho Consultivo Nacional para as Mesquitas e Imãs (CCNMI).50 Foram ainda criados seis fóruns muçulmanos contra o extremismo e a islamofobia.51 França Herança da Revolução Francesa, o ideário republicano, apesar de garantir a liberdade religiosa, estabeleceu uma separação clara entre o Estado e a religião. Sendo a equidade de direitos garantida a todos os cidadãos, é esperado que estes vivam de acordo com os ideais que lhes asseguram estes direitos, ou seja, o Estado espera o respeito pela ordem pública e a assimilação destas circunstâncias. Muito naturalmente, o Estado francês não distingue nenhuma identidade religiosa com qualquer tipo de consideração especial. Todas são consideradas iguais e o secularismo francês impede a evocação de qualquer tipo de questão directamente relacionada com a prática da fé.52 Assim, ao longo do tempo, a assimilação foi promovida através do sistema de ensino público, serviço militar, evitando a discriminação laboral 50 V. Godard, op. cit., p. 197. Ibid., p. 198. 52 O que significa que as questões sociais, culturais e políticas não podiam ser abordadas numa perspectiva religiosa: Godard, op. cit., p. 185). 51 15 face às etnias e minorias religiosas e pela atitude das autoridades na gestão das práticas religiosas.53 Apesar da existência de aproximadamente 1600 associações e mesquitas muçulmanas,54 representando as mais variadas tradições e perspectivas, só em 2002/2003 é que o governo francês criou formalmente o Conselho Francês para a Religião Muçulmana55 (CFCM), que, embora representando a religião muçulmana, não representa todos os Muçulmanos nem todas as correntes do Islão presentes em França.56 Este Conselho, cujos membros tem que ser eleitos,57 é um fórum de diálogo político,58 dotado de dois níveis de representação: nacional e regional.59 As negociações para a criação deste órgão intercultural datam de 2000 e, pese embora nele estejam representadas as maiores organizações muçulmanas francesas,60 as organizações representativas dos jovens, 53 Em 1905, a separação entre o Estado e a Igreja foi reafirmada por uma lei que reconhecia o Catolicismo, Protestantismo e Judaísmo como religiões oficiais e pela qual lhes eram proporcionados os meios para os seus corpos representativos em discussões com o governo francês em matérias como os feriados religiosos e locais de oração. Só nos anos 80 do século passado é que a fé muçulmana obteve o reconhecimento oficial. Em 2002, adquiriu o direito a criar uma representação oficial face ao governo francês (Gallis, op. cit., p. 22). De salientar que esta lei não foi aplicada na Argélia (Godard, op. cit., p. 185). 54 Durante muitos anos, a Grande Mesquita de Paris, representativa da população argelina, foi vista como o principal interlocutor muçulmano com as autoridades francesas, mas o crescente destaque das comunidades ligadas à Arábia Saudita e a Marrocos revelou a existência de outras vozes (v. Gallis, op. cit., p. 23). 55 No original, Conseil Francais du Culte Musulman (CFCM). De realçar que este Conselho resulta das tentativas de 1999 para restabelecer o papel central da Mesquita de Paris e que em 1989, o Ministro do Interior Francês propôs a criação de um grupo de estudo, o Conselho de Reflexão para o Islão. Este projecto falhou (Godard, op. cit., 185). 56 Apesar de estarem representadas no CFCM tendências fundamentalistas, algumas das mais radicais declinaram o convite para participarem nas negociações. Para além disso, os governos dos países de origem dos imigrantes muçulmanos, procuram manter a sua influência na diáspora e incitam os Imãs a não participar no Conselho. 57 Os Muçulmanos franceses elegem dois terços dos representantes no CFCM, sendo os restantes indicados pelas organizações e mesquitas locais (ver Gallis, op. cit., 28). 58 Esta dimensão foi expressa pelo então Ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, que igualmente propôs a adopção de uma política de discriminação positiva em relação à comunidade muçulmana francesa, prontamente recusada pelo Presidente Chirac e pela opinião pública francesa como nociva à equidade e secularismo da República (v. Smith, op. cit., p. 67). 59 Ao nível regional, o Conseil Régional du Culte Musulman (CRCM) Provence-Alpes-Cotesd'Azur e o CRCM Rhones-Alpes são os mais bem sucedidos e conhecidos (v. Laurence, op. cit.). 60 Como a Grande Mesquita de Paris, a União das Organizações Islâmicas de França, a Federação Nacional dos Muçulmanos em França e o Comité dos Muçulmanos Turcos de França. 16 alguns nascidos em França, recusaram participar neste fórum, repudiando os pontos de princípios contidos na “Carta” do Conselho que classificaram como secularistas. Só em 2003, após consideráveis esforços do Ministro do Interior Francês, é que um acordo sobre o conteúdo da “Carta” foi possível. No entanto, é de mencionar que as mesquitas não possuem unidade organizativa sendo usualmente autónomas e divididas por diferenças nacionais e doutrinais, o que prejudica a acção do CFCM. Por fim, não é possível deixar de referir o caso do véu islâmico.61 A resolução dada ao problema foi a aprovação de uma lei que baniu os símbolos religiosos dos lugares públicos. As organizações membros do CFCM, apesar de lamentarem esta decisão, preferiram não desafiar a lei. Optaram por abrir escolas privadas.62 Alemanha A experiência funesta do nazismo fez com que a postura das autoridades alemãs no pós-Segunda Guerra fosse extraordinariamente aberta ao asilo ou desejo de residência e de trabalho no país por parte de imigrantes estrangeiros.63 Como tal, esta política, aliada à necessidade de mão-de-obra para a reconstrução do país e ao crescimento económico, levou a que, nos anos 50 e 60, se tenham verificado grandes fluxos de imigrantes.64 No entanto, apesar de toda esta abertura, o pressuposto para a concessão da nacionalidade não era o lugar do nascimento, mas a ancestralidade, mesmo para os imigrantes de segunda ou terceira geração. Para colmatar este tipo de discriminação social, o governo concedeu aos imigrantes uma série de direitos civis e sociais, assim como benefícios sociais, mas com o estatuto de não-cidadãos. 61 62 63 64 No original, “foulard”. V. Godard, op. cit., p. 186. V. Gallis, op. cit., p. 32. Id., 33. 17 Em 2000, foi aprovada nova legislação pela qual os imigrantes de segunda geração são elegíveis à cidadania desde que os pais tenham uma residência legal no país.65 Esta nova lei, que entrou em vigor em Janeiro de 2005, permite, – embora estabeleça uma quota anual –, que estrangeiros altamente formados e qualificados tenham a oportunidade de adquirir residência imediatamente. Muito naturalmente, estas determinações também significam que aqueles que não possuem especializações dificilmente conseguirão permanecer na Alemanha,66 podendo, aqueles que forem considerados de risco, ser deportados. A Constituição alemã garante a liberdade religiosa e as autoridades alemãs respeitam as diferentes práticas.67 Igreja e o Estado estsão separados, apesar da forte parceria que existe entre aquele e os grupos religiosos dominantes. Note-se que o sistema fiscal alemão cobra uma “taxa de igreja” para subsidiar a construção e as actividades das igrejas e sinagogas. Porém, as organizações muçulmanas ainda não auferem destes subsídios.68 Paralelamente, devido ao modelo político alemão – Federação (Länder) – as relações com os Muçulmanos é uma competência dos Estados federados.69 Naturalmente, esses Estados puseram em prática diferentes abordagens, algumas delas com bons resultados. Por exemplo, na Renânia do Norte-Vestefália, onde vivem mais de um terço dos Muçulmanos e onde estão localizadas quatro das maiores organizações muçulmanas – o Conselho Central de Muçulmanos,70 o Conselho Islâmico para a República Alemã,71 a União Islâmica Turca para os 65 Id., 32. Id., 33. 67 O que não impede que se verifique alguma discriminação contra as minorias religiosas (id., p. 34). 68 Ibid. 69 Ver Godard, op. cit., p. 188. 70 No original, Zentralrat der Muslime. De salientar que esta é a única organização que manifestou o respeito pela Constituição Alemã. 71 No original, Islamrat fur die Bundesrepublik Deutschland. 66 18 Assuntos Religiosos72 e o Movimento Suleymanci –,73 a política de integração é exemplar.74 Apesar dos sucessos, existem várias organizações que competem entre si pela legalidade e legitimidade de representação da população muçulmana,75 o que nem sempre facilita a relação com as autoridades. Espanha Os atentados de 11 de Março de 2004, em Madrid, colocaram na ordem do dia a problemática da integração dos Muçulmanos na sociedade espanhola.76 Apesar da presença muçulmana em Espanha remontar ao al-Andalus e a população espanhola ter consciência que o Islão é parte da sua história,77 só aumentaram integração. recentemente é 78 consideravelmente que os e que números desta algo feito foi comunidade para a sua 79 Embora, em 1968, tivessem aparecido algumas associações islâmicas nos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, só em 1971 é que foi criada a primeira formação institucional muçulmana, a Associação Muçulmana de Espanha,80 que participou activamente na elaboração da primeira lei orgânica para a liberdade de culto de Julho de 1980.81 72 No original, Diyanet Isleri Turk-Islam Birligi (DITIB) (v. Godard, op. cit., p. 187). Ver Gonul Tol, “Institutionalization of Islam in Germany and the Netherlands: Beyond EU Jurisdiction”, European Diversity and Integration Conference, 2008, 8-9. 74 Ibid. 75 Smith, op. cit., p. 66. 76 Gallis, op. cit., p. 38. 77 V. Godard, op. cit., p. 193. 78 O número exacto de Muçulmanos que vive em Espanha é desconhecido, devido à substancial, mas difícil de documentar, imigração ilegal. Os imigrantes legais são perto de 600 mil (Gallis, op. cit., p. 40). 79 Ibid., p. 38. 80 No original, Asociación Musulmana de España. 81 Desde os anos 80 do século passado, foram constituídas mais de 40 entidades (Godard, op. cit., p. 193). 73 19 Em 1992, o governo espanhol assinou acordos com organizações representativas dos muçulmanos, Judeus e Protestantes, dando assim origem à Comissão Islâmica de Espana (CIE)82 que agregava duas instituições, a Federação Espanhola de Entidades Religiosas Islâmicas (FEERI)83 e a União das Comunidades Islâmicas de Espanha (UCIDE).84 Contudo, apesar dos acordos assinados com o governo central, as comunidades muçulmanas continuaram a sentir dificuldades, principalmente ao nível local. Em 2006, o presidente da CIE, numa análise muito crítica às relações entre o Estado espanhol e a fé islâmica, referiu os obstáculos à abertura e manutenção de mesquitas. Uma vez que estas dependem sobretudo dos municípios, as decisões que estes tomam não são uniformes. A islamofobia tende a limitar a construção de mesquitas.85 Apontou outros entraves. Nenhum novo cemitério foi aberto; apesar dos registos de algumas associações como entidades religiosas, as autoridades não lhes concedem as isenções fiscais a que têm direito; a nomeação de clérigos é esporádica e poucos avanços foram feitos na nomeação de professores de religião e na estruturação do ensino do Islão nas escolas.86 Porém, é de salientar uma medida tomada pelas comunidades autónomas: a colocação das crianças muçulmanas em turmas “ponte”, um ano abaixo do seu nível etário, de maneira a ensinar-lhes a língua espanhola, para ajudá-los a recuperar academicamente.87 82 83 84 85 86 87 No original, Comisión Islamica de España. No original, Federacion Española de Entidades Religiosas Islamicas. No original, Union de Comunidades Islamicas de España. Godard, op. cit., p. 193. Ibid., pp. 193-194. Gallis, op. cit., pp. 42-43. 20 As medidas discutidas nesses órgãos para regular e ir ao encontro das reivindicações das comunidades muçulmanas As realidades inerentes às diversas sociedades em que as comunidades muçulmanas estão inseridas pela Europa apresentam algumas nuances. Tal não é de estranhar, pois dizem respeito a diferentes países, com diferentes costumes e modelos de organização política. No entanto, há reivindicações que são comuns a todos os diferentes órgãos já abordados. Estas são: • Primeiro, a permissão e apoio à construção de mesquitas; • Segundo, a possibilidade de educar as crianças segundo os valores e costumes islâmicos. No Reino Unido, comparativamente a outros Estados europeus, as comunidades muçulmanas têm usufruído de generosos apoios financeiros88 e, como já se viu, existem escolas públicas e privadas muçulmanas financiadas pelo Estado.89 No CCNMI, um grupo de líderes muçulmanos trabalha em questões como a acreditação dos imãs, uma melhor gestão das mesquitas e das actividades inter-religiosas. Entre outras funções, este Conselho fornece orientações sobre a credenciação de imãs e procura assegurar que a profissão de imã atrai jovens muçulmanos nascidos em Inglaterra.90 O governo pediu à MINAB (Mosques and Imams National Advisory Board) para garantir que as mesquitas e imãs desempenham um papel na manutenção da coesão da comunidade e no combate ao extremismo. 88 Álvarez-Miranda, op. cit., p. 6. Ver supra - Os diferentes órgãos de consulta “Estado-Igreja”, as suas características e configurações. 90 Godard, op. cit., p. 198. 89 21 Contudo, uma tentativa visando o envolvimento directo do CMB na denúncia de suspeitos de terrorismo, foi rejeitada por todos os líderes muçulmanos.91 No caso francês, para além das revindicações acima referidas, cabe ao CFCM lidar com questões como enterros, o abate religioso de animais e o treino de imãs,92 a observância dos feriados religiosos, o fornecimento de comida apropriada e o acompanhamento religioso da população muçulmana que está presa.93 Uma vez que este órgão não é visto, nem pelo governo francês, nem pelos Muçulmanos, como instrumento de integração,94 temáticas como o sistema educacional e as actividades das organizações de juventude, não são abordadas nas suas reuniões.95 Contudo, a polemização que determinados assuntos adquirem é incontornável. A questão do véu é um desses casos. Apesar de não ter sido oficialmente abordada neste fórum, a controvérsia que gerou deu-lhe uma dimensão nacional. Este assunto está no cerne da problemática relacional entre o republicanismo do Estado e o grau de assimilação e/ou integração das comunidades muçulmanas na sociedade. Da mesma forma que os grupos moderados apoiaram a lei que proibiu os símbolos religiosos nas escolas públicas, pois nela viram uma redução da pressão islamista, para outros grupos, mais fundamentalistas, a integração na sociedade implica o renunciar das suas tradições culturais. 91 Ibid. Embora o Estado francês não apoie financeiramente o treino dos imãs, não deixa de ser preocupar com esta temática. A tentativa de criação, nas universidades, dum curso específico para imãs falhou. Apesar da solicitação governamental, o CFCM ainda não planificou qualquer tipo de estrutura curricular de ensino, nem acordou numa definição oficial de imã e do seu treino. E, por fim, também as tentativas regionais no ensino de francês falharam. 93 O aliciamento para o extremismo religioso islâmico é intenso na população prisional e a sua monitorização é difícil. Numa tentativa de contrariar esta lacuna, em Setembro de 2005, o CFCM nomeou um marroquino moderado como primeiro capelão muçulmano para as prisões (ver, op. cit., p. 70). 94 Como já vimos, este órgão é percepcionado como um fórum de diálogo político. 95 V. Gallis, op. cit., p. 28. 92 22 Quadro 3 - Tipologia de assimilação dos Muçulmanos em França96 Social Cívico Elo de ligação ao Islão 1 Plena Vota Nulo Sim Não 2 Misto Vota Cultural Sim Sim 3 Parcial Vota Secular Sim Sim 4 Nula Não vota Pleno Não Sim Grau de integração Percepção pessoal Cidadão Muçulmano Consequentemente, mesmo sendo o CFCM um instrumento funcional, poucos acreditam na sua eficácia como aparelho político de diálogo que possibilite uma maior integração dos Muçulmanos na sociedade.97 Previsivelmente, o caso alemão não é muito distinto dos anteriores. As preocupações relacionadas com a comunidade muçulmana são a alienação social, o desemprego e o financiamento das mesquitas. Sendo a Alemanha uma federação, o sistema de educação pública é gerido pelos diversos Estados federados. Estes têm vindo a introduzir a educação islâmica na estrutura do ensino, variando a metodologia de Estado para Estado.98 Na Renânia do Norte-Vestefália, onde estão localizadas quatro das maiores organizações muçulmanas, a administração está empenhado em assegurar, como acontece com as outras religiões, o ensino do Islão nas escolas, em permitir que as comunidades muçulmanas desfrutem de vantagens legais como corporação de direito público, particularmente a 96 Adaptado de Gallis, op. cit., pp. 23-24. Ibid., p. 29. 98 As medidas variam entre a mera inclusão em estudos comparativos, até à ajuda financeira de escolas islâmicas privadas (Gallis, op. cit., p. 35). 97 23 cobrança de impostos, a formação de imãs e a autorização para a construção de mesquitas.99 Todavia, em meados de 2006, para melhorar a integração das comunidades muçulmanas, o governo federal tomou a iniciativa de organizar um encontro com a Conferência Alemã-Islâmica,100 argumentando que eram necessárias estruturas de apoio para que as comunidades muçulmanas usufruíssem das mesmas vantagens das outras religiões.101 Trata-se de um projecto muito ambicioso que visa a compatibilidade entre o Islão e a Constituição alemã, tendo na sua agenda os seguintes pontos.102 • A ordem social alemã e o consenso sobre os seus valores: equidade dos direitos humanos e da mulher, formação em representação política, a família, educação, auto-determinação dos jovens, a tolerância pelas variadas culturas democráticas, a secularização; • As questões religiosas no contexto constitucional: princípio básico da separação entre a Igreja e o Estado, uso de símbolos religiosos, a construção de mesquitas, o ensino do Islão em alemão sob o controle dos Estados federados, aprendizagem do idioma alemão, direitos iguais para meninas e meninos, a educação conjunta no desporto, educação sexual, a formação dos imãs e o estudo do Islão no ensino superior; • Os meios de comunicação social e a economia como pontes: a questão dos jovens no mercado de trabalho, melhoria de qualificações, a política de eliminação dos preconceitos nos meios de comunicação turcos e alemães; • Segurança e Islão: este grupo, mais fechado e reservado, deveria abordar as questões da segurança interna, particularmente no alerta e prevenção de actos violentos contra a ordem democrática. 99 Godard, op. cit., p. 188. No original, Deutsche Islam Konferenz (DIK). 101 Godard, op. cit., p. 188. 102 Ibid., 189. 100 24 Por fim, o caso espanhol. Logo após a sua criação, em Abril de 1992, a CIE103 assinou acordos de cooperação com as autoridades espanholas, nos quais, entre outros, constavam estes objectivos: • A educação religiosa nas escolas; • A construção de mesquitas e cemitérios; • O regime de registo dos imãs na segurança social; • A nomeação de clérigos para as prisões e hospitais; • O ensino de espanhol aos imãs; • A observação dos feriados. Já no que respeita ao financiamento, foi criada, em 2005, uma fundação, a Fundação Pluralismo e Convivência,104 com o objectivo de auxiliar as minorias religiosas na concessão de subsídios mas não as actividades religiosas.105 103 Ver secção supra – Os diferentes órgãos de consulta “Estado-Igreja”, as suas características e configurações, p. 16. 104 No original, Fundación Pluralismo y Convivencia. 105 Godard, op. cit., p. 193. 25 Medidas adoptadas pelos Estados europeus no pós-11 de Setembro para combater os elementos extremistas106 A postura das autoridades dos países de acolhimento modificou-se após os atentados de 11 de Setembro. Se, por um lado, é verdade que as medidas aplicadas pelos diferentes Estados europeus podem ser perspectivadas como semelhantes, por outro lado, as características intrínsecas ao modelo de organização política de cada um desses Estados fazem com que estas não sejam integralmente uniformes. Vejamos então, quais foram as medidas implementadas nos países que temos vindo a seguir. Reino Unido No caso britânico, as iniciativas introduzidas pelas autoridades para a integração dos muçulmanos e o combater o extremismo são: • Novos requerimentos de cidadania e de língua inglesa107 – os imigrantes que requererem a cidadania britânica tem que demonstrar suficiente conhecimento da língua e cultura inglesa.108 Para tal, terão que passar num pequeno teste ou completar umas aulas de cidadania e língua inglesa oficialmente aprovadas. Paralelamente, novas cerimónias de cidadania, onde aqueles que adquirem nacionalidade 106 Baseado em Gallis, op. cit., pp. 10-43. Em 2002, apesar de não visar especificamente a integração dos Muçulmanos, o estudo de cidadania passou a ser obrigatório no ensino secundário tendo como objectivo a promoção da compreensão e responsabilidade cívica entre os jovens. 108 Estas medidas são bem vistas pelos líderes muçulmanos moderados que referem ser essencial o conhecimento de inglês para que os imãs cumpram as suas obrigações, não apenas religiosas, mas também sociais e comunitárias. 107 26 britânica juram fidelidade à Rainha e o respeito pelos direitos e liberdades, passaram a ser obrigatórias; • Melhoria do dialogo com as comunidades muçulmanas e a promover a moderação – as autoridades britânicas acreditam que a melhoria do diálogo é fundamental para uma melhor integração e que as comunidades muçulmanas têm um papel essencial na contenção do extremismo islâmico. Esta noção, anterior aos atentados de Julho de 2005, foi então demonstrada pelos esforços das autoridades no encorajamento das vozes moderadas nestas comunidades. Após este acontecimento, os contactos entre as comunidades muçulmanas e as autoridades intensificaram-se, tendo daí resultado a criação de 7 grupos de trabalho109 de líderes e peritos muçulmanos para consultas informais visando a prevenção da alienação e a radicalização dos jovens. Também a polícia britânica tem vindo a promover consultas com os líderes muçulmanos procurando o estabelecimento de parcerias com as comunidades muçulmanas, de maneira a que estas se possam policiar a si mesmas e a identificar problemas antecipadamente. Outro intuito é a possibilidade de utilização de imãs “nativos” em vez dos estrangeiros, pois estes não estão familiarizados com a tradição secular britânica; • Correcção das desvantagens e discriminação sociais – dois factores estão no centro das preocupações das autoridades: os maus resultados académicos e a situação socioeconómica das comunidades islâmicas. Trata-se de uma das principais causas de desilusão e do sentimento de revolta destas comunidades,110 servindo como factor de atracção ao extremismo. No que respeita às comunidades muçulmanas, dentre as políticas sociais do governo inglês, foram implementadas medidas concretas que visavam a equidade nas bolsas para projectos destas comunidades e a colocação de mais centros para a excelência e empreendedorismo nas áreas que apresentavam altos níveis de desemprego. No que respeita à 109 Os grupos abordavam as seguintes áreas: envolvimento com os jovens; combate ao extremismo; iniciativas locais e regionais; desenvolvimento da mulher; imãs e o papel das mesquitas; segurança, policiamento e islamofobia; educação. 110 Os Muçulmanos são o grupo de fé que apresentam a maior taxa de desemprego (15% contra a média nacional de 5%) e de inactividade económica. 27 educação, foram incrementados os fundos e o acesso às escolas muçulmanas111 e criados programas de apoio em áreas desfavorecidas, de modo a que o acesso aos estabelecimentos de ensino de topo não seja não difícil; • Reforço das medidas de segurança e policiais – Paralelamente ao implementar ou reforço autoridades também da medidas procuraram de conter integração os social, as extremistas e os terroristas islâmicos pelo apertar das medidas de segurança e pela reformulação das leis de asilo e imigração. Dentro destas, saliente-se os poderes especiais de revista da polícia, a detenção até ao máximo de 28 dias, a simplificação dos pressupostos de deportação de estrangeiros que defendam a violência e incitem ao ódio, a criação de uma lista de clérigos a quem será negado a entrada no Reino Unido, o recusar de asilo a quem tenha ligações a terroristas e o banir de grupos extremistas. França As preocupações francesas quanto ao fundamentalismo islâmico são anteriores ao 11 de Setembro. Os motivos que levaram as autoridades francesas a ter uma posição mais assertiva no relacionamento com a sua população muçulmana, têm a ver com à revolução iraniana de 1979. Os acontecimentos ocorridos nos anos 90 relacionados com o radicalismo argelino, o aparecimento de imãs radicais112 em mesquitas francesas, percepcionado como potencial ameaça à ordem pública, e o atentado, em 1995, no metro de Paris, perpetuado por um grupo terrorista argelino, acentuou essa perspectiva. Por fim, o falhanço dos efeitos desejados pelo 111 Embora esta medida tenha sido bem recebida pelas comunidades muçulmanas, a opinião pública reagiu negativamente expressando a sua preocupação quando à validade desta medida na coesão social. 112 O grupo fundamentalista Tablighi apelava à adesão a um Islão mais radical e estava envolvida na conversão de elementos da população prisional muçulmana. 28 ensino público enquanto instrumento de integração, do emprego e do exército, levou a uma mudança de atitude do governo francês.113 As recentes medidas implementadas pelo governo francês procuram a preservação dos ideais republicanos e reflectem uma atitude institucional coerente com o tradicional uso do aparelho da administração central no assegurar da ordem pública e da “domesticação” religiosa face aos ideais republicanos. Note-se que “laïcité”114 não é secularismo, mas antes o equilíbrio entre a liberdade religiosa e a ordem pública. Como tal, assegurada a liberdade religiosa, há que assegurar que os grupos religiosos não se envolvam em activismo político que provoque rupturas na sociedade.115 Como as autoridades francesas acreditam que apenas um pequena minoria da população muçulmana está envolvida em actividades radicais e de violência, a ênfase destas medidas incide no desenvolvimento de estruturas de diálogo entre representantes muçulmanos e o governo, mas também no reforço da lei e forças policiais que garantam a segurança pública.116 Todavia, não esquecendo quer as rivalidades que alguns imãs provocaram no seio da população muçulmana e a sua propensão para o fundamentalismo, quer o seu historial com grupos terroristas, o governo francês começou por desencorajar o envio de imãs que não falassem ou conhecessem a língua francesa e, posteriormente, exigiu a nomeação de imãs nascidos em território francês ou educados em França. Ao aplicar a lei, 113 Também não é de descurar a relação entre o aumento de actos anti-semitas em solo francês e os surtos de violência no Médio Oriente que se verificaram após a Guerra do Golfo de 1991, a Intifada palestiniana de 2000 e as acções militares de Israel em Gaza de 2002 (Gallis, op. cit., p. 27). 114 A. Kuru aprofunda a evolução do significado histórico deste termo: op. cit., pp. 4-6. 115 Gallis, op. cit., p. 28. 116 Na sequência dos motins de 2005, o governo francês rejeitou medidas que permitissem à população muçulmana obter condições especiais, como um sistema de quotas na educação e no emprego. Em alternativa, aumentou o número de bolsas de ensino disponíveis para jovens de famílias carenciadas e também propôs a aprendizagem profissional para adolescentes com dificuldades no ensino secundário. 29 deportou alguns imãs considerados como ameaças à segurança do Estado e, por fim, aprovou legislação que pune o incitamento ao ódio.117 Alemanha Os atentados de 11 de Setembro de 2001 alertaram as autoridades alemãs para a vulnerabilidade do país a ataques por parte de terroristas radicais islâmicos. Considerando que os pressupostos em que se baseava o regime de asilo estavam a permitir essa vulnerabilidade e julgando que as alterações entretanto efectuadas à lei do asilo118 não eram suficientes, o governo alemão implementou uma série de medidas que lhe facultassem maior autonomia na acção contra os grupos extremistas. Logicamente, em Novembro de 2001, novas leis antiterroristas foram aprovadas. Esta legislação visava preencher lacunas legais que permitiam o arrecadamento de fundos e a imunidade de investigação e vigilância de que alguns grupos religiosos e obras de caridade desfrutavam. Ambas foram revogadas, o que possibilitou a monitorização do interior das mesquitas. Os privilégios especiais no âmbito do direito de assembleia foram limitados.119 Para além disto, ao abrigo desta iniciativa legal, os terroristas podem agora ser julgados na Alemanha, mesmo se forem membros de organizações terroristas que actuem em terceiros países.120 Simultaneamente, decorrentes de investigações lançadas pelo governo alemão, três organizações islâmicas radicais – Kalifatstaat, Al-Aksa, e Hizb-ut-Tahrir – foram expulsas da Alemanha.121 117 Gallis, op. cit., pp. 30-31. V. supra - Os diferentes órgãos de consulta “Estado-Igreja”, as suas características e configurações. 119 Gallis, op. cit., p. 36. 120 Ibid. 121 Ibid., p. 37. 118 30 E, como já foi referido, a lei da imigração que entrou em vigor em Janeiro de 2005, facilitou a deportação de estrangeiros suspeitos de extremismo e fundamentalismo.122 Por fim, de salientar que ao nível dos Estados, a execução deste conjunto de medidas legislativas levou a que alguns estados alemães considerassem a implementação de leis que exigem aos imãs a pregação na língua alemã, enquanto outros consideraram a criação de programas de treino para os imãs em solo alemão.123 Espanha A mudança de governo que as eleições de Março de 2004 originaram, significou uma ruptura com a linha de orientação até então seguida. Longe de restringir a imigração, o governo Zapatero optou pela legalização dos imigrantes ilegais que trabalham em Espanha. Assim, aqueles que vivam há, pelo menos, seis meses em Espanha com um contrato de trabalho, recebem um visto de residência de um ano e licenças de trabalho.124. Na verdade, os Muçulmanos em Espanha têm-se queixado sobre a dificuldade de obter licenças para construir mesquitas, pelo que o culto informal é usual. Ora, como a ausência de locais de oração dificulta a monitorização dos extremistas, parte do problema na luta contra o extremismo islâmico em Espanha é o número relativamente pequeno de mesquitas no país, quando comparado com a rápida expansão da população muçulmana.125. 122 Ver supra - Os diferentes órgãos de consulta “Estado-Igreja”, as suas características e configurações. 123 Gallis, op. cit., p. 34. 124 O objectivo desta ideia é aumentar a segurança ao trazer esses trabalhadores para a luz do dia (Gallis, op. cit., p. 41). 125 Quando o governo espanhol tentou fazer com que o registo dos lugares de oração fosse obrigatório, as associações muçulmanas manifestaram-se contra esta medida e o registo voluntário mantêm-se em vigor (id., pp. 42-43). 31 Devido à experiência do franquismo, as autoridades espanholas não são adeptas de medidas de segurança draconianas. Para além disso, há décadas que Espanha luta contra o terrorismo basco, pelo que a sua legislação e capacidade de resposta já era considerável.126 O governo Zapatero preferiu concentrar-se na integração, em vez de implementar medidas de segurança destinadas a uma pequena minoria radicalizada no seio da população muçulmana.127. No entanto, as autoridades espanholas não deixaram de aumentar consideravelmente os recursos das agências antiterroristas, criaram o Centro Nacional Antiterrorista e introduziram algumas mudanças na legislação:128 • Os suspeitos de terrorismo podem ser mantidos incomunicáveis pelo prazo de 5 dias antes de serem presentes a um juiz; • A expulsão de suspeitos cujas provas não sejam suficientes para julgamento em Espanha; • Novo regime de controlo sobre a venda de explosivos; • Criação de uma força polícia bilateral com a França para o combate ao terrorismo; • Reforço da cooperação em matéria de antiterrorismo no que se refere ao intercâmbio de informação com a UE. 126 127 128 Ibid. Ibid. Id., p. 44. 32 Conclusão Várias conclusões são possíveis d análise realizada neste trabalho Primeiro, face a diferentes modelos de cultura da qual resultam distintas formas de organização política, não é de estranhar que coexistam diversas políticas sobre a integração e prevenção da radicalização. Contudo, no limite, podemos afirmar que todas estas práticas emergem de duas raízes: multiculturalismo e republicanismo. Qual é a principal diferença? Enquanto este é entendido como um processo político, aquele é percepcionado como um processo espontâneo, onde o primeiro representa a diversidade e o segundo a equidade. Segundo, que em toda a Europa, determinadas circunstâncias socioeconómicas caracterizam os imigrantes das comunidades muçulmanas: o baixo nível educacional e o alto índice de desemprego. Terceiro, verifica-se um padrão nas reivindicações efectuadas pelas diferentes comunidades muçulmanas que vivem na Europa: todas essas reclamações dizem respeito a necessidades relacionadas com a prática e observação dos seus preceitos religiosos. Ao reflectirmos sobre estas três principais conclusões, percebemos a importância da necessidade de interlocutores representativos dos diversos movimentos para o estabelecimento do diálogo. É igualmente indesmentível os progressos realizados através do diálogo intercultural e dos contactos estabelecidos entre as entidades governamentais e os representantes das comunidades muçulmanas. 33 Ora, o modelo mais comum de representação é a formação ou constituição de Conselhos Estado-Islão. Trata-se de um instrumento que ainda carece de melhorias de forma a reforçar a representatividade dos vários movimentos e tendências islâmicas e, consequentemente, da sua legitimidade, mas tentando evitando o perigo de dar espaço aos movimentos demasiado conservadores e intolerantes. Como tal, todos estes avanços dependem do real grau de abertura das comunidades muçulmanas em relação às medidas que os governos para fomentar a sua integração e da tolerância para a diversidade dos países de acolhimento. Em França, por exemplo, a lei sobre o véu levou que as comunidades muçulmanas optassem pela criação de escolas privadas. Não prejudicará isto a assimilação do ideário republicano? Não servirá isto para diminuir a integração dos Muçulmanos na sociedade francesa? Independentemente da metodologia seguida, são incontornáveis as vantagens que resultam do diálogo intercultural e do empenho governamental para com as comunidades das minorias religiosas. Como tal, uma interacção regular possibilita que surjam familiaridades entre os representantes de cada lado, de modo a coabitação e a coexistência seja enriquecida. A existência destas instituições permite que os pressupostos e enganos sejam substituídos por clarificações factuais, possibilitando a criação de um ambiente positivo de discussão e debate. Quanto às iniciativas a nível comunitário, não há dúvida que existe uma correlação entre a integração e a prevenção da radicalização dos imigrantes. Dai que alguns observadores sugiram que a eficácia dos esforços da UE para tratar e prevenir a radicalização e o recrutamento islâmico, possam depender parcialmente da melhoria do controlo de imigração e asilo, de modo que os elementos considerados como ameaças à segurança pública, sejam efectivamente excluídos ou deportados do território na União. No entanto, um acordo comum nestas temáticas, asilo e questões de imigração, permanece difícil de atingir, não apenas devido às distintas sensibilidades e preocupações nacionais quanto à preservação dos direitos 34 humanos dos requerentes de asilo, migrantes e imigrantes ilegais, como também pelos limites legais impostos pela legislação comunitária. Mas a possibilidade de tal acordo ser atingido não deve ser descurada. Dada a uniformidade nas reivindicações expressas pelas várias comunidades muçulmanas espalhadas pela Europa, parece-nos ser aconselhável que os vários interlocutores políticos tentem afinar o diapasão. Devido à sua natureza, a UE pode contribuir para a definição de algumas normas e pode, sem qualquer dúvida, ser o elemento congregador. Como o que está aqui primordialmente em causa é a estabilidade e segurança das populações europeias e a manutenção pelo modo de vida europeu, é necessário demonstrar que o respeito é um diálogo de duas vias e que a tolerância é um valor fundamental a respeitar. No cerne de todas a medidas e acções implementadas, está o problema da condição socioeconómica dos Muçulmanos. Para estes, quanto maior for o seu nível educacional, maior será a possibilidade de conseguirem um emprego e de atingirem a estabilidade económica e social. Acontece, porém, que para alguns membros destas comunidades, usufruir de determinadas medidas que os Estados oferecem, pode pôr em causa as suas práticas e tradições. Conciliar as medidas de integração com as percepções dos Muçulmanos, é o grande desafio que se coloca ao Islão na Europa. 35 Bibliografia: ÁLVAREZ-MIRANDA, Berta, “Muslim Communities in Europe – Recognition of Religious Differences in Britain, Germany and France”, Fevereiro de 2005 (http://www.unavarra.es/migraciones/tallerAs1ryc.htm). ANGENENDT, Steffen, “Muslims, Integration, and Security in Europe”, in Steffen Angenendt et al., Muslim Integration: Challenging Conventional Wisdom in Europe and the United States, Setembro de 2007 (http://www.csis.org/media/csis/pubs/070920_muslimintegration.pdf). GALLIS, Paul et al., Muslims in Europe: Integration Policies in Selected Countries, CRS Report for Congress, 18 de Novembro de 2005 (http://www.fas.org/sgp/crs/row/RL33166.pdf). 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PEACH, Ceri, “Muslim Population of Europe: A Brief Overview of Demographic Trends and Socioeconomic Integration, with Particular Reference to Britain”, in Steffen Angenendt et al., Muslim Integration: Challenging Conventional 36 Wisdom in Europe and the United States, Setembro de 2007 (http://www.csis.org/media/csis/pubs/070920_muslimintegration.pdf). RATH, Jan, “The Politics of Recognizing Religious Diversity in Europe. Social Reactions to the Institutionalization of Islam in the Netherlands, Belgium and Great Britain” (http://www.janrath.com/downloads/@NJSS%20Islam%201999.pdf). SMITH, Julianne, “European Approaches to the Challenge of Radical Islam”, in ANGENENDT, Steffen et al., Muslim Integration: Challenging Conventional Wisdom in Europe and the United States, Setembro de 2007 (http://www.csis.org/media/csis/pubs/070920_muslimintegration.pdf) TOL, Gonul, “Institutionalization of Islam in Germany and the Netherlands: Beyond EU Jurisdiction”, European Diversity and Integration Conference, Abril de 2008 (http://www.miamieuc.org/pdf/institutionalizationofislamgonultol.pdf) 37 Anexo 1 Estimativa populacional da origem de “novos” muçulmanos129 Argélia Bangladesh Afeganistão Paquistão 129 40.000 280.000 26.000 750.000 Índia Turquia Bósnia Somália 13.000 30.000 30.000 43.373 Adaptado de Ceri Peach, op. cit., p. 11. 38 Argélia Marrocos Subsaara 1.750.000 1.000.000 550.000 Tunísia Turquia Somália 350.000 315.000 1.003 Tunísia Indonésia Afeganistão Paquistão Argélia 22.429 12.295 Turquia Bósnia 1.912.200 163.800 57.933 30.892 14.480 Macedónia Albânia Marrocos 58.250 10.449 73.027 Irão 65.187 39 Argélia Marrocos Tunísia Turquia 20.100 282.400 51.400 986 40