A integração do Islão na Europa
Introdução
O presente trabalho analisa a integração do Islão nos países europeus
com base nos seguintes pontos:
• as relações “Estado-Igreja”, isto é, as relações entre os Estados
europeus e as suas comunidades muçulmanas;1
• os
diferentes
órgãos
de
consulta
“Estado-Igreja”,
as
suas
características e configurações;
• as medidas discutidas nesses órgãos para regular e ir ao encontro às
reivindicações das comunidades muçulmanas;
• as medidas, pós-11 de Setembro, adoptadas pelos Estados europeus
para prevenir e combater o extremismo islâmico.
Para tal, ter-se-á em consideração a já longa tradição de esforços que
os governos dos diversos países europeus adoptados no diálogo com as
minorias religiosas e étnicas que coexistem no espaço europeu.
Apesar das tentativas de conciliação entre diferentes temas e
interesses envolverem, normalmente, minorias religiosas como Judeus,
Protestantes e Católicos ou grupos étnicos como catalães e bascos,2 este
trabalho incidirá sobre as iniciativas que dizem respeito às comunidades
1
A expressão usada neste trabalho - relações “Estado-Igreja” – tem no contexto do Islão
um significado diferente que requer uma explicação. O sentido da mesma é descrever o
relacionamento entre o Estado e as comunidades muçulmanos, já que: (a) o Islão é uma
religião muito diversificada e não una; (b) não existe clero no Islão. Por exemplo, a oração
comunitária na mesquita ou sala de oração é dirigida pelos imãs que não são membros do
clero, uma vez que não existe classe sacerdotal no Islão nem liturgia propriamente dita. O
grande laço a unir os crentes é a fé expressa em termos de culto probatório e testemunhal :
v. Maria do Céu Pinto, O Islão: os fundamentos, série Working Papers do Projecto O
Pensamento
Islâmico
Radical
e
as
Redes
Terroristas
na
Europa
(em
http://www1.eeg.uminho.pt/riap/cp/ceupinto/ProjectoFCT/Resultado.html).
2
Jonathan Laurence, “Integrating Islam: a New Chapter in «Church-State» Relations”,
Boston College, Outubro de 2007, p. 1.
1
muçulmanas, tendo por base, quer as diferentes tradições na relação
Estado-Igreja, quer a opinião pública quanto aos processos de integração
dos imigrantes nas sociedades europeias.3
A análise incidirá essencialmente sobre os modelos de integração
aplicados na Alemanha, Grã-Bretanha e França, onde estão localizadas as
maiores comunidades muçulmanas na Europa, que representam 4%, 3% e
8% das respectivas populações.4
O caso espanhol e o papel das políticas da União Europeia/UE5 serão
também objecto de algumas referências e explicações.
As relações “Estado-Igreja”6
Por relação “Estado-Igreja entende-se, sobretudo no caso vertente,
que
analisa
a
interacção
dos
Estados
europeus
com
as
minorias
muçulmanas, o relacionamento e as políticas dos Estados europeus com
a(s) minoria(s) islâmica(s), que por natureza, é diversificada, pois é o
reflexo
das
diferentes
políticas
públicas.
O
estabelecimento
das
comunidades muçulmanas na Europa realizou-se de formas muito distintas,
dando lugar a distintas políticas no que respeita à constituição de
instituições representativas do Islão.7
Por sua vez, as distintas políticas fizeram com que o grau de
reconhecimento
das
diferenças
religiosas
do
Islão
pelos
países
de
3
Berta Álvarez-Miranda, “Muslim Communities in Europe – Recognition of Religious
Differences in Britain, Germany and France”, Fevereiro de 2005, p. 1.
4
Os indicadores demográficos revelam que em 2050, os Muçulmanos constituirão 20% do
total populacional da UE, sendo que em algumas metrópoles este percentual será excedido
(Laurence, op. cit., p. 1).
Ibid.
5
No que respeita ao âmbito da UE, a definição e balizamento das liberdades religiosas e as
relações “Estado-Igreja” são da competência dos Estados-Membros. No entanto, como
veremos mais à frente, existem políticas europeias que têm influência nas relações “EstadoIgreja”.
6
V. Laurence, op. cit.
7
Bernard Godard, “Official Recognition of Islam”, in Samir Amghar; Amel Boubekeur e
Michael Emerson, European Islam: Challenges for Society and Public Policy, Bruxelas,
Centre for European Policy Studies, Novembro de 2007, p. 183.
2
acolhimento, fosse também variado. Na verificação deste aspecto, não é
possível deixar de lado os elementos históricos relativos às sociedades8
onde as comunidades muçulmanas se fixaram.
Quadro 1 - Variação no grau de reconhecimento de diferenças religiosas9
Reino Unido
Alemanha
França
Reconhecimento
diferenças
religiosas
Máximo
Médio
Mínimo
Relações
institucionais
entre Estado e
Igreja
Estabelecimento (a
favor)
Cooperação (a
favor)
Separação
(contra)
Opinião pública
sobre integração
de imigrantes
Multiculturalismo (a
favor)
Temporária (a
favor)
Assimilação
(contra)
Assim, a procura de diálogo Estado-Igreja não é de agora. A
ascensão do Islão - a maior das religiões minoritárias - e o seu ritmo de
crescimento, aliado aos atentados terroristas do 11/9, fizeram com que os
governos dos países europeus intensificassem e diversificassem o diálogo
com as comunidades muçulmanas. A postura liberal relativamente à
supervisão organizativa do Islão nos Estados de acolhimento mudou. Se
antes a mesma estava entregue a associações de imigrantes, o que agora
se pretende é que seja feita uma administração conjunta dos assuntos
religiosos entre as entidades oficiais do país de acolhimento e os
representantes das associações muçulmanas.
8
Em certos casos, a introdução de políticas que favoreçam a expressão do Islão pode pôr em
causa a neutralidade do Estado. Saliente-se a reacção da opinião pública francesa contra o
apoio do governo francês ao estabelecimento do Conselho Muçulmano Francês (id., p. 184).
9
Adaptado de Álvarez-Miranda, op. cit., p. 10.
3
Contudo,
apesar
das
diferentes
perspectivas
de
aproximação
seguidas pelos vários Estados, existem factores comuns nos conteúdos de
todas elas. Esses factores são de ordem social, económica e política. Visam,
através do diálogo, o reforço do sentimento de pertença ao país de
acolhimento, abordar a temática do racismo e extremismo10 e evitar a
marginalização das comunidades religiosas.11
Para chegar à formação destas instâncias de diálogo, vários passos
tiveram que ser dados:12
- Selecçcionar os representantes;
- Estabelecer a agenda das conversações;
- Melhorar o nível de entendimento (local ou nacional);
- Evitar que estes fóruns de diálogo subvertam os processos políticos.
Vejamos qual é a importância e significado destes passos.
Primeiro, como são seleccionados os representantes muçulmanos
participantes
no
diálogo?
Uma
vez
que
tais
mandatários
não
são
interlocutores políticos, mas delegados religiosos, é muito importante que
estes representem as diferentes tendências religiosas e organizações
estabelecidas no país de acolhimento. A experiência determina que o
número ideal de participantes deve ser entre 15 e 20, sendo estes
escolhidos com base em três principais factores: terem relações estreitas
com os países árabes/muçulmanos de origem; estarem alinhados com
formas politizadas de Islão transnacional;13 serem peritos individuais
10
Note-se que a proximidade ao poder tende a induzir o comportamento civil em detrimento
do fanatismo. A ausência de violência durante o caso das caricaturas de Maomé deveu-se à
existência de canais institucionais onde o descontentamento pôde ser legalmente expresso
(v. Laurence, op. cit.).
11
Ibid.
12
Ibid.
13
Significa que a observância da lei do país de acolhimento e a vontade de dialogar com
outras tendências religiosas são pré-requisitos fundamentais para a participação no diálogo
intercultural.
4
relativamente ao crescimento das diversas tendências muçulmanas dentro
do Islão no contexto dum Estado-membro.14
Estabelecimento da agenda de conversações: cabe às autoridades
oficiais do Estado a disponibilização de um fórum neutro onde as diferentes
perspectivas possam interagir. Para que as conversações sejam ordeiras,
legais e politicamente irrepreensíveis, devem ser considerados os seguintes
pontos:
•
Estabelecer que o objectivo do fórum é o diálogo e solicitar o acordo
ou confirmação, por parte de todos os participantes no Conselho, do
respeito dos princípios do Estado de Direito;15
•
Coordenar a formação de comités ou grupos de trabalho para a
realização de tarefas concretas;16
•
Após um período experimental, se este for bem sucedido, as
entidades oficiais devem ponderar a possibilidade de transformar as
conversações numa instituição permanente, capaz de sobreviver às
alternâncias políticas.
Nestes fóruns são discutidos diferentes perspectivas sociais e são
abordados pontos como:
•
Assegurar a observância dos princípios religiosos ao permitir a criação
de locais apropriados à prática da fé;
•
Nomear “capelães” nos hospitais e prisões;
•
Certificar os fornecedores de comida kosher ou halal;
14
O que se procura é a representação das minorias dentro da minoria (muçulmana) de
forma a obter a maior legitimidade possível do Conselho. Para tal, é necessário que a
pluralidade de perspectivas esteja representada. Esta é a razão pela qual se incluem
membros nomeados a título individual.
15
O objectivo deste ponto é o reconhecimento da solenidade da ocasião e a
consciencialização do que está em jogo, para além do orgulho de ser parte numa actividade
inovadora.
16
Inclusão de pontos pragmáticos como permissão para a construção de mesquitas, da
supervisão da regulamentação da comida halal, nomeação de “capelães” para hospitais,
prisões e escolas, entre outros.
5
•
Supervisionar os rituais religiosos que envolvem o sacrifício de
animais;
•
Disponibilizar peritos para questões administrativas e legais.
É igualmente este o local apropriado para a discussão de uma agenda
mais substantiva, como o financiamento dos locais de oração e a tipologia
de imãs para guiar os crentes.
Quadro 2 - Financiamento estatal para oração e ensino islâmico17
Reino
Unido
Alemanha
França
Local de
oração
Não
Não
Não
Serviços
sociais e
culturais
Sim
Raramente Raramente
Ensino
islâmico
escolas
públicas
Sim
Raramente
Sim
Escolas
islâmicas
privadas
Sim
Sim
Sim
Máximo
Médio
Mínimo
Mesquitas
Educação
Grau de reconhecimento
No entanto, no que respeita ao financiamento, o papel do Conselho
resumir-se-á
a
assegurar
a
existência
dos
canais
administrativos
apropriados à concessão de autorização para a construção de espaços
17
Adaptado de Álvarez-Miranda, op. cit., p. 5.
6
religiosos, assim como o desenvolvimento dos locais de formação para os
membros do “clero”.18
Embora a tradição secular não permita o gasto de dinheiros públicos
na construção de locais de oração, esta não impede contribuições
financeiras para o efeito de organizações privadas e/ou de especialistas
externos que, não terão qualquer tipo de problemas, se limitarem a sua
acção ao aconselhamento.19 No que diz respeito aos comportamentos e
costumes sociais das comunidades muçulmanas e a sua adequação às
determinações dos países de acolhimento, é de referir em especial a
questão dos direitos da mulher. É conveniente que esta temática seja
abordada em termos genéricos e não seja dirigido a uma determinada
corrente religiosa, mas a todas as que estiverem representadas no
Conselho. Para além disso, tratando-se duma temática que levanta
bastantes preocupações na sociedade contemporânea, ter o cuidado de não
permitir que esta leve as autoridades a estigmatizar qualquer tipo de
corrente de pensamento muçulmano.
Terceiro, qual o melhor nível de entendimento? Local ou nacional?
Os dois são necessários, pois apesar do reconhecimento nacional
possuir um carácter simbólico de grande valor, não há dúvida que é muito
difícil, em tal fórum, conseguir uma total unanimidade nos assuntos mais
delicados. Como tal, é aconselhável a presença de interlocutores regionais,
uma vez que estes são menos conhecidos, menos políticos e mais
pragmáticos em relação às práticas religiosas. Para além disso, o diálogo
realizado ao nível local e regional é mais eficiente em determinadas áreas
na redução de tensões e choques entre diferentes comunidades de fé, uma
vez que o seu âmbito de actuação é mais focalizado.
E, por fim, o quarto ponto, como evitar que estes fóruns de diálogo
subvertam os processos políticos?
A existência do diálogo intercultural já é um passo nesse sentido, pois
impede
18
19
que
a
discriminação
religiosa
favoreça
a
radicalização
dos
Laurence, op. cit.
Id.
7
Muçulmanos e o recrutamento dos extremistas. Se a relação entre as
comunidades religiosas e o Estado for adversa, a acção dos extremistas
será facilitada.
Por sua vez, a integração religiosa propicia a normalização das
práticas religiosas, ao aproximar o Islão da esfera pública e fazendo com
que o grau de tolerância e de protecção seja igual para todas as
comunidades de fé, mesmo que as crenças e ritos em questão sejam
diferentes da religião oficial do Estado de acolhimento.
Finalmente, a nomeação de líderes civis para os Conselhos também
serve para integrar os Muçulmanos seculares, impedindo que estes se
sintam excluídos do processo.
Independentemente da metodologia seguida, são incontornáveis as
vantagens
que
resultam
do
diálogo
intercultural
e
do
empenho
governamental junto das comunidades das minorias religiosas.20
Como tal, uma interacção regular possibilita que surjam laços entre
os representantes de cada parte, de modo que a coabitação e a coexistência
seja
enriquecida
e
a
presença
destas
instituições
permita
que
os
preconceitos e enganos sejam substituídos por clarificações factuais,
possibilitando a criação de um ambiente positivo de discussão e debate.
Paralelamente, a participação nestes fóruns de diálogo intercultural
também representa, para aqueles que não possuem a cidadania do país de
acolhimento, uma maneira de integração na sociedade.
No que respeita à representatividade, estes fóruns representam o
Islão no seu conjunto e não apenas uma denominação islâmica específica,
sendo considerados como Conselho para a religião muçulmana e não
Conselhos muçulmano.
Daqui advém o mérito de estes fóruns de entendimento, pois
abordam temas que não se focalizam apenas na segurança e terrorismo, o
que
20
faz
com
que
estes
órgãos
se
sintam
independentes.
Laurence, op. cit.
8
Consequentemente, os líderes das comunidades assumem o papel de
conselheiros e não de agentes governamentais. Apesar de não usufruírem
de capacidade jurídica efectiva, o seu reconhecimento como participantes
permite-lhes expor e representar os interesses das comunidades21 e
representam-nas em recepções e iniciativas oficiais. Incarnam as suas
comunidades nas instituições nacionais.22
Chegados a este ponto, pese embora se possa afirmar que quanto
maior for a comunidade muçulmana, maior será o reconhecimento estatal à
sua representação,23 deparamo-nos com um dos problemas que afectam as
relações
entre
as
comunidades
muçulmanas
e
as
entidades
governamentais: o grau de legitimidade que os representantes muçulmanos
gozam dentro da sua própria comunidade.24
Finalmente, iremos referenciar a papel da UE nesta problemática.
Para tal, devemos ter em mente alguns elementos:
•
Primeiro,
convém
não
esquecer
que
sendo
uma
organização
supranacional, em que vigora o princípio da subsidiariedade,25 tanto a
UE como os seus Estados-membros têm competências próprias,
cabendo a estes últimos a responsabilidade da integração dos
imigrantes;
•
Segundo, que o papel que a UE pode desempenhar será na
prevenção da radicalização. Mas, os objectivos inerentes à sua
política para a justiça, liberdade26 e segurança permitem-lhe alguma
margem de manobra na promoção da integração.
21
Id.
Id.
23
V. Godard, op. cit., p. 183.
24
Os líderes das comunidades muçulmanas envolvidos nos processos interculturais de
diálogo nem sempre são bem vistos pelos jovens. Há líderes muçulmanos que são
considerados como moderados pela sua comunidades e que não foram convidados a
participar nestes processos.
25
Princípio segundo o qual a União só deve actuar quando a sua acção seja mais eficaz do
que uma acção desenvolvida a nível nacional, regional ou local.
26
Devido à abertura das fronteiras internas da UE, os líderes europeus estão conscientes que
a falha de um Estado-membro para enfrentar adequadamente os desafios da integração e
prevenção da exclusão social, pode levar ao extremismo ou a actividades criminosas com
graves consequências para os restantes Estados-membros da UE (v. Paul Gallis et al.,
22
9
Apesar da inexistência nos tratados europeus que preveja uma acção
directa na definição e implementação destas práticas, vários Estadosmembros manifestaram-se favoráveis a uma intervenção da UE nesta área
através da harmonização e monitorização de políticas de integração.27
Não tardou, contudo, que a crescente importância do assunto na
agenda da União provocasse uma reflexão28 sobre a necessidade de criar de
uma estrutura que estabelecesse um equilíbrio entre o respeito multicultural
e a tolerância pela definição clara das expectativas e de regras para os
imigrantes de países.29
Em Outubro de 2002, os líderes da UE decidiram estabelecer pontos
de contacto nacionais sobre integração visando o facilitar a troca de
informações sobre os desafios e as melhores práticas entre os Estadosmembros, e, em Novembro de 2004, os líderes da UE adoptaram 11
princípios básicos comuns para a política de integração.30 Estes princípios
básicos comuns declaram que a integração é um processo bidireccional de
adaptação mútua para todos os imigrantes e residentes dos Estadosmembros, implicando o respeito pelos valores fundamentais da UE e, entre
outros, identificam como essenciais para uma bem sucedida integração os
seguintes factores:31
•
O acesso ao emprego, educação e serviços públicos;
•
A protecção contra a discriminação;
•
O conhecimento básico da língua da sociedade de acolhimento,
história e instituições;
“Muslims in Europe: Integration Policies in Selected Countries”, CRS Report for Congress, 18
de Novembro de 2005 (http://www.fas.org/sgp/crs/row/RL33166.pdf, p. 5).
27
Ibid.
28
Algumas das iniciativas da UE na promoção da integração são anteriores ao assassinato de
Theo Van Gogh (2004) e aos atentados de Londres de Julho de 2005, mas, no cômputo
geral, as acções neste domínio são relativamente recentes.
29
Id., p. 6.
30
Ibid.
31
Ibid.
10
•
A participação de imigrantes nos processos democráticos32 e de
decisão política dos Estados-Membros.
Em Setembro de 2005, a Comissão Europeia propôs a "Agenda
Comum para a Integração", cujo conteúdo é composto pelas acções
necessárias à colocação em prática destes princípios.33
Mas o papel de excelência da UE é na prevenção do recrutamento
terrorista e na radicalização islâmica. Nesse sentido, já em Novembro de
2004, a UE tinha estabelecido o final de 2005 como termo para o
desenvolvimento de uma estratégia de longo prazo para enfrentar os
factores
que
contribuem
para
a
radicalização
e
recrutamento
para
actividades terroristas e, em Setembro de 2005, a Comissão Europeia
publicou um documento intitulado "Recrutamento terrorista: abordar os
factores de radicalização violenta", para consideração dos líderes da UE
aquando da formulação da estratégia.34
No entanto, as medidas contidas neste documento,35 que procuravam
a aplicação dum reforço legislativo e de novas medidas de segurança contra
o terrorismo, procuraram fazer a ponderação do equilíbrio entre o combate
ao extremismo islâmico e ao recrutamento de terroristas e os ideais
democráticos europeus, a protecções das liberdades civis36 e o respeito
pelos direitos humanos.37
Consciente dessa circunstância, a UE reconhece que o empenho na
criação de uma política comum para a integração e/ou luta contra o
32
Por exemplo, em França, entre os 331 membros do Senado, existem actualmente apenas
dois membros de origem muçulmana, e entre os 577 membros da Assembleia, não há
nenhum deputado muçulmano (v. Ahmet T. Kuru, “Secularism, State Policies, and Muslims in
Europe: Analyzing French Exceptionalism”, Comparative Politics, vol. 41, nº 1, Outubro de
2008, p. 3).
33
V. Gallis, op. cit., p. 6.
34
V. Gallis, op. cit., p. 7.
35
Um dos aspectos mais controversos da proposta da Comissão é o tratamento aos meios de
comunicação e à Internet e os eventuais limites à liberdade de expressão (Gallis, op. cit., p.
8).
36
Por exemplo, o limite da medida que as sociedades liberais devem tolerar aqueles que
pregam a intolerância em nome da liberdade de expressão, é um desafio para muitos
governos europeus.
37
V. Gallis, op. cit., p. 9.
11
extremismo religioso terá sempre limitações devido às diferentes histórias e
culturas dos Estados-Membros.38
Mas não só: há que ter igualmente em conta o conteúdo dos tratados
europeus, pois a legislação comunitária proíbe a deportação de pessoas
para países onde possam ser torturados e/ou executados.
Exemplificativo desta afirmação é a nova directiva proposta pela
Comissão Europeia para a harmonização dos processos de expulsão de
imigrantes ilegais e dos requerentes de asilo rejeitados, que não aborda
explicitamente a questão da deportação dos estrangeiros suspeitos de
terrorismo.39
38
É o caso da adopção da discriminação positiva pelos 27 Estados-membros da UE. Como se
verá adiante, tal posição é inaceitável para a França.
39
Gallis, op. cit., p. 10.
12
Os
diferentes
órgãos
de
consulta
“Estado-Igreja”,
as
suas
40
características e configurações
No início deste trabalho referimos que, na Europa, o diálogo entre os
diversos governos e as minorias religiosas não é um fenómeno recente.41
Vimos, igualmente que a tipologia de organização política é diferente nos
diversos Estados-membros da UE.
Naturalmente,
em
consonância
com
a
estruturação
pública
e
formação histórica de cada estado, as características e configurações dos
órgãos de consulta “Estado-Igreja” são distintas.
São precisamente, essas diferentes configurações e características
que serão objecto de análise neste ponto.
O Reino Unido
No que respeita à integração, desde sempre que a posição britânica
pende para o multiculturalismo. Por outras palavras, não são favoráveis à
assimilação.
Tendo em mente que o próprio Reino Unido é um conjunto de
nações,42 esta postura é coerente. E, em conformidade com a cultura
britânica, não é de estranhar que o Conselho Britânico dos Muçulmanos/
40
Baseado em Godard, op. cit., pp. 183-203.
Historicamente, nos países de acolhimento, a presença das comunidades muçulmanas não
é uniforme. Se, no caso francês e inglês, a mesma remonta a época do colonialismo, já no
caso da Alemanha e Espanha (apesar do longo relacionamento com os povos do norte de
África), tal não é verificável. Foram principalmente, entre outros, os fluxos migratórios dos
anos 50, 60 e 70 do século passado, que alteraram esta realidade (Gallis, op. cit., 10). No
Anexo 1 podemos ficar com uma ideia da estimativa percentual dos “novos” muçulmanos e
das suas origens nos países de acolhimento. Apesar da presença muçulmana no Reino Unido
remontar ao colonialismo, os números da população actual devem-se às migrações dos anos
50 (ver Ceri Peach, “Muslim Population of Europe: A Brief Overview of Demographic Trends
ans Socioeconomic Integration, with Particular Reference to Britain” in Steffen Angenendt,
Muslim Integration: Challenging Conventional Wisdom in Europe and the United States,
Setembro de 2007, p. 20).
42
Ingleses, escoceses, galeses e as comunidades da Irlanda do Norte.
41
13
Muslim Council of Britain (CBM), formado em 1997, seja constituído por
mais de 475 organizações, religiosas e não-religiosas, geograficamente
localizadas por todo o Reino Unido. Ora, esta dupla diversidade, de
membros e de distribuição geográfica, permitiu que este órgão se tornasse
a voz da comunidade muçulmana no interior da sociedade britânica.43
Sendo, até um certo ponto, uma atitude de “laissez-faire”, não é de
admirar
que,
quando
as
autoridades
abordavam
esta
temática,
se
concentrassem na promoção da tolerância e no combate à discriminação44.
De facto, as diferentes comunidades muçulmanas no Reino Unido cedo
adquiriram reconhecimento e protecção legal como membros da sua etnia e
não como Muçulmanos.45
Assim, não é de estranhar que as autoridades britânicas começassem
a financiar as escolas privadas e a abrir escolas públicas muçulmanas no
mesmo ano em que formaram o CBM.46
Uma das iniciativas mais originais no que respeita à integração das
comunidades muçulmanas em toda a Europa, é a criação do Banco Islâmico
da Grã-Bretanha. Resulta de um envolvimento entre o poder político e
sector bancário, através da entidade responsável pela regulação bancária, a
Autoridade de Serviços Financeiros (ASF),47 que endereçou um convite aos
bancos do Médio Oriente para criar uma instituição ad hoc.48
Na sequência desta acção, o governo inglês criou um grupo de
trabalho com membros da comunidade muçulmana, os bancos e a ASF para
discutir como o sistema de regulação poderia supervisionar novos produtos
financeiros islâmicos, tendo sido o processo fiscal britânico modificado para
a concretização deste novo sistema.49
43
Julianne Smith, “Muslims, Integration, and Security in Europe”, in Steffen Angenendt et
al., Muslim Integration: Challenging Conventional Wisdom in Europe and the United States,
Setembro de 2007, p. 66.
44
A título exemplificativo, saliente-se que o uso do véu pelas mulheres muçulmanas é
pacífico na sociedade britânica.
45
Álvarez-Miranda, op. cit., p. 15.
46
Godard, op. cit., p. 197.
47
No original, Finances Services Authority.
48
Ibid.
49
Ibid.
14
Em 2005, as autoridades britânicas organizaram uma série de
consultas,
denominadas
Preventing
Extremism
Together,
onde,
pela
primeira vez, foi elaborado uma análise global do culto muçulmano. Este foi
o primeiro passo para uma parceria de longo prazo entre o governo e as
comunidades muçulmanas, resultando em várias iniciativas importantes,
nomeadamente na criação do Conselho Consultivo Nacional para as
Mesquitas e Imãs (CCNMI).50
Foram ainda criados seis fóruns muçulmanos contra o extremismo e a
islamofobia.51
França
Herança da Revolução Francesa, o ideário republicano, apesar de
garantir a liberdade religiosa, estabeleceu uma separação clara entre o
Estado e a religião.
Sendo a equidade de direitos garantida a todos os cidadãos, é
esperado que estes vivam de acordo com os ideais que lhes asseguram
estes direitos, ou seja, o Estado espera o respeito pela ordem pública e a
assimilação destas circunstâncias.
Muito naturalmente, o Estado francês não distingue nenhuma
identidade religiosa com qualquer tipo de consideração especial. Todas são
consideradas iguais e o secularismo francês impede a evocação de qualquer
tipo de questão directamente relacionada com a prática da fé.52
Assim, ao longo do tempo, a assimilação foi promovida através do
sistema de ensino público, serviço militar, evitando a discriminação laboral
50
V. Godard, op. cit., p. 197.
Ibid., p. 198.
52
O que significa que as questões sociais, culturais e políticas não podiam ser abordadas
numa perspectiva religiosa: Godard, op. cit., p. 185).
51
15
face às etnias e minorias religiosas e pela atitude das autoridades na gestão
das práticas religiosas.53
Apesar da existência de aproximadamente 1600 associações e
mesquitas muçulmanas,54 representando as mais variadas tradições e
perspectivas, só em 2002/2003 é que o governo francês criou formalmente
o Conselho Francês para a Religião Muçulmana55 (CFCM), que, embora
representando a religião muçulmana, não representa todos os Muçulmanos
nem todas as correntes do Islão presentes em França.56
Este Conselho, cujos membros tem que ser eleitos,57 é um fórum de
diálogo político,58 dotado de dois níveis de representação: nacional e
regional.59
As negociações para a criação deste órgão intercultural datam de
2000 e, pese embora nele estejam representadas as maiores organizações
muçulmanas francesas,60 as organizações representativas dos jovens,
53
Em 1905, a separação entre o Estado e a Igreja foi reafirmada por uma lei que reconhecia
o Catolicismo, Protestantismo e Judaísmo como religiões oficiais e pela qual lhes eram
proporcionados os meios para os seus corpos representativos em discussões com o governo
francês em matérias como os feriados religiosos e locais de oração. Só nos anos 80 do século
passado é que a fé muçulmana obteve o reconhecimento oficial. Em 2002, adquiriu o direito
a criar uma representação oficial face ao governo francês (Gallis, op. cit., p. 22). De salientar
que esta lei não foi aplicada na Argélia (Godard, op. cit., p. 185).
54
Durante muitos anos, a Grande Mesquita de Paris, representativa da população argelina,
foi vista como o principal interlocutor muçulmano com as autoridades francesas, mas o
crescente destaque das comunidades ligadas à Arábia Saudita e a Marrocos revelou a
existência de outras vozes (v. Gallis, op. cit., p. 23).
55
No original, Conseil Francais du Culte Musulman (CFCM). De realçar que este Conselho
resulta das tentativas de 1999 para restabelecer o papel central da Mesquita de Paris e que
em 1989, o Ministro do Interior Francês propôs a criação de um grupo de estudo, o Conselho
de Reflexão para o Islão. Este projecto falhou (Godard, op. cit., 185).
56
Apesar de estarem representadas no CFCM tendências fundamentalistas, algumas das
mais radicais declinaram o convite para participarem nas negociações. Para além disso, os
governos dos países de origem dos imigrantes muçulmanos, procuram manter a sua
influência na diáspora e incitam os Imãs a não participar no Conselho.
57
Os Muçulmanos franceses elegem dois terços dos representantes no CFCM, sendo os
restantes indicados pelas organizações e mesquitas locais (ver Gallis, op. cit., 28).
58
Esta dimensão foi expressa pelo então Ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, que
igualmente propôs a adopção de uma política de discriminação positiva em relação à
comunidade muçulmana francesa, prontamente recusada pelo Presidente Chirac e pela
opinião pública francesa como nociva à equidade e secularismo da República (v. Smith, op.
cit., p. 67).
59
Ao nível regional, o Conseil Régional du Culte Musulman (CRCM) Provence-Alpes-Cotesd'Azur e o CRCM Rhones-Alpes são os mais bem sucedidos e conhecidos (v. Laurence, op.
cit.).
60
Como a Grande Mesquita de Paris, a União das Organizações Islâmicas de França, a
Federação Nacional dos Muçulmanos em França e o Comité dos Muçulmanos Turcos de
França.
16
alguns nascidos em França, recusaram participar neste fórum, repudiando
os pontos de princípios contidos na “Carta” do Conselho que classificaram
como secularistas. Só em 2003, após consideráveis esforços do Ministro do
Interior Francês, é que um acordo sobre o conteúdo da “Carta” foi possível.
No entanto, é de mencionar que as mesquitas não possuem unidade
organizativa sendo usualmente autónomas e divididas por diferenças
nacionais e doutrinais, o que prejudica a acção do CFCM.
Por fim, não é possível deixar de referir o caso do véu islâmico.61 A
resolução dada ao problema foi a aprovação de uma lei que baniu os
símbolos religiosos dos lugares públicos. As organizações membros do
CFCM, apesar de lamentarem esta decisão, preferiram não desafiar a lei.
Optaram por abrir escolas privadas.62
Alemanha
A experiência funesta do nazismo fez com que a postura das
autoridades alemãs no pós-Segunda Guerra fosse extraordinariamente
aberta ao asilo ou desejo de residência e de trabalho no país por parte de
imigrantes estrangeiros.63 Como tal, esta política, aliada à necessidade de
mão-de-obra para a reconstrução do país e ao crescimento económico,
levou a que, nos anos 50 e 60, se tenham verificado grandes fluxos de
imigrantes.64
No entanto, apesar de toda esta abertura, o pressuposto para a
concessão da nacionalidade não era o lugar do nascimento, mas a
ancestralidade, mesmo para os imigrantes de segunda ou terceira geração.
Para colmatar este tipo de discriminação social, o governo concedeu aos
imigrantes uma série de direitos civis e sociais, assim como benefícios
sociais, mas com o estatuto de não-cidadãos.
61
62
63
64
No original, “foulard”.
V. Godard, op. cit., p. 186.
V. Gallis, op. cit., p. 32.
Id., 33.
17
Em 2000, foi aprovada nova legislação pela qual os imigrantes de
segunda geração são elegíveis à cidadania desde que os pais tenham uma
residência legal no país.65
Esta nova lei, que entrou em vigor em Janeiro de 2005, permite, –
embora estabeleça uma quota anual –, que estrangeiros altamente
formados e qualificados tenham a oportunidade de adquirir residência
imediatamente.
Muito
naturalmente,
estas
determinações
também
significam que aqueles que não possuem especializações dificilmente
conseguirão permanecer na Alemanha,66 podendo, aqueles que forem
considerados de risco, ser deportados.
A Constituição alemã garante a liberdade religiosa e as autoridades
alemãs respeitam as diferentes práticas.67 Igreja e o Estado estsão
separados, apesar da forte parceria que existe entre aquele e os grupos
religiosos dominantes. Note-se que o sistema fiscal alemão cobra uma “taxa
de igreja” para subsidiar a construção e as actividades das igrejas e
sinagogas. Porém, as organizações muçulmanas ainda não auferem destes
subsídios.68
Paralelamente, devido ao modelo político alemão – Federação
(Länder) – as relações com os Muçulmanos é uma competência dos Estados
federados.69 Naturalmente, esses Estados puseram em prática diferentes
abordagens, algumas delas com bons resultados.
Por exemplo, na Renânia do Norte-Vestefália, onde vivem mais de um
terço dos Muçulmanos e onde estão localizadas quatro das maiores
organizações muçulmanas – o Conselho Central de Muçulmanos,70 o
Conselho Islâmico para a República Alemã,71 a União Islâmica Turca para os
65
Id., 32.
Id., 33.
67
O que não impede que se verifique alguma discriminação contra as minorias religiosas (id.,
p. 34).
68
Ibid.
69
Ver Godard, op. cit., p. 188.
70
No original, Zentralrat der Muslime. De salientar que esta é a única organização que
manifestou o respeito pela Constituição Alemã.
71
No original, Islamrat fur die Bundesrepublik Deutschland.
66
18
Assuntos Religiosos72 e o Movimento Suleymanci –,73 a política de
integração é exemplar.74
Apesar dos sucessos, existem várias organizações que competem
entre si pela legalidade e legitimidade de representação da população
muçulmana,75 o que nem sempre facilita a relação com as autoridades.
Espanha
Os atentados de 11 de Março de 2004, em Madrid, colocaram na
ordem do dia a problemática da integração dos Muçulmanos na sociedade
espanhola.76
Apesar da presença muçulmana em Espanha remontar ao al-Andalus
e a população espanhola ter consciência que o Islão é parte da sua
história,77
só
aumentaram
integração.
recentemente
é
78
consideravelmente
que
os
e
que
números
desta
algo
feito
foi
comunidade
para
a
sua
79
Embora, em 1968, tivessem aparecido algumas associações islâmicas
nos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, só em 1971 é que foi criada a
primeira formação institucional muçulmana, a Associação Muçulmana de
Espanha,80 que participou activamente na elaboração da primeira lei
orgânica para a liberdade de culto de Julho de 1980.81
72
No original, Diyanet Isleri Turk-Islam Birligi (DITIB) (v. Godard, op. cit., p. 187).
Ver Gonul Tol, “Institutionalization of Islam in Germany and the Netherlands: Beyond EU
Jurisdiction”, European Diversity and Integration Conference, 2008, 8-9.
74
Ibid.
75
Smith, op. cit., p. 66.
76
Gallis, op. cit., p. 38.
77
V. Godard, op. cit., p. 193.
78
O número exacto de Muçulmanos que vive em Espanha é desconhecido, devido à
substancial, mas difícil de documentar, imigração ilegal. Os imigrantes legais são perto de
600 mil (Gallis, op. cit., p. 40).
79
Ibid., p. 38.
80
No original, Asociación Musulmana de España.
81
Desde os anos 80 do século passado, foram constituídas mais de 40 entidades (Godard,
op. cit., p. 193).
73
19
Em 1992, o governo espanhol assinou acordos com organizações
representativas dos muçulmanos, Judeus e Protestantes, dando assim
origem à Comissão Islâmica de Espana (CIE)82 que agregava duas
instituições, a Federação Espanhola de Entidades Religiosas Islâmicas
(FEERI)83 e a União das Comunidades Islâmicas de Espanha (UCIDE).84
Contudo, apesar dos acordos assinados com o governo central, as
comunidades muçulmanas continuaram a sentir dificuldades, principalmente
ao nível local.
Em 2006, o presidente da CIE, numa análise muito crítica às relações
entre o Estado espanhol e a fé islâmica, referiu os obstáculos à abertura e
manutenção de mesquitas. Uma vez que estas dependem sobretudo dos
municípios, as decisões que estes tomam não são uniformes. A islamofobia
tende a limitar a construção de mesquitas.85 Apontou outros entraves.
Nenhum novo cemitério foi aberto; apesar dos registos de algumas
associações como entidades religiosas, as autoridades não lhes concedem
as isenções fiscais a que têm direito; a nomeação de clérigos é esporádica e
poucos avanços foram feitos na nomeação de professores de religião e na
estruturação do ensino do Islão nas escolas.86
Porém, é de salientar uma medida tomada pelas comunidades
autónomas: a colocação das crianças muçulmanas em turmas “ponte”, um
ano abaixo do seu nível etário, de maneira a ensinar-lhes a língua
espanhola, para ajudá-los a recuperar academicamente.87
82
83
84
85
86
87
No original, Comisión Islamica de España.
No original, Federacion Española de Entidades Religiosas Islamicas.
No original, Union de Comunidades Islamicas de España.
Godard, op. cit., p. 193.
Ibid., pp. 193-194.
Gallis, op. cit., pp. 42-43.
20
As medidas discutidas nesses órgãos para regular e ir ao encontro
das reivindicações das comunidades muçulmanas
As
realidades
inerentes
às
diversas
sociedades
em
que
as
comunidades muçulmanas estão inseridas pela Europa apresentam algumas
nuances. Tal não é de estranhar, pois dizem respeito a diferentes países,
com diferentes costumes e modelos de organização política.
No entanto, há reivindicações que são comuns a todos os diferentes
órgãos já abordados. Estas são:
•
Primeiro, a permissão e apoio à construção de mesquitas;
•
Segundo, a possibilidade de educar as crianças segundo os valores e
costumes islâmicos.
No Reino Unido, comparativamente a outros Estados europeus, as
comunidades muçulmanas têm usufruído de generosos apoios financeiros88
e, como já se viu, existem escolas públicas e privadas muçulmanas
financiadas pelo Estado.89
No CCNMI, um grupo de líderes muçulmanos trabalha em questões
como a acreditação dos imãs, uma melhor gestão das mesquitas e das
actividades inter-religiosas. Entre outras funções, este Conselho fornece
orientações sobre a credenciação de imãs e procura assegurar que a
profissão de imã atrai jovens muçulmanos nascidos em Inglaterra.90
O governo pediu à MINAB (Mosques and Imams National Advisory
Board) para garantir que as mesquitas e imãs desempenham um papel na
manutenção da coesão da comunidade e no combate ao extremismo.
88
Álvarez-Miranda, op. cit., p. 6.
Ver supra - Os diferentes órgãos de consulta “Estado-Igreja”, as suas características e
configurações.
90
Godard, op. cit., p. 198.
89
21
Contudo, uma tentativa visando o envolvimento directo do CMB na denúncia
de suspeitos de terrorismo, foi rejeitada por todos os líderes muçulmanos.91
No caso francês, para além das revindicações acima referidas, cabe
ao CFCM lidar com questões como enterros, o abate religioso de animais e o
treino de imãs,92 a observância dos feriados religiosos, o fornecimento de
comida apropriada e o acompanhamento religioso da população muçulmana
que está presa.93
Uma vez que este órgão não é visto, nem pelo governo francês, nem
pelos Muçulmanos, como instrumento de integração,94 temáticas como o
sistema educacional e as actividades das organizações de juventude, não
são abordadas nas suas reuniões.95
Contudo, a polemização que determinados assuntos adquirem é
incontornável. A questão do véu é um desses casos. Apesar de não ter sido
oficialmente abordada neste fórum, a controvérsia que gerou deu-lhe uma
dimensão nacional.
Este assunto está no cerne da problemática relacional entre o
republicanismo do Estado e o grau de assimilação e/ou integração das
comunidades muçulmanas na sociedade.
Da mesma forma que os grupos moderados apoiaram a lei que
proibiu os símbolos religiosos nas escolas públicas, pois nela viram uma
redução da pressão islamista, para outros grupos, mais fundamentalistas, a
integração na sociedade implica o renunciar das suas tradições culturais.
91
Ibid.
Embora o Estado francês não apoie financeiramente o treino dos imãs, não deixa de ser
preocupar com esta temática. A tentativa de criação, nas universidades, dum curso
específico para imãs falhou. Apesar da solicitação governamental, o CFCM ainda não
planificou qualquer tipo de estrutura curricular de ensino, nem acordou numa definição oficial
de imã e do seu treino. E, por fim, também as tentativas regionais no ensino de francês
falharam.
93
O aliciamento para o extremismo religioso islâmico é intenso na população prisional e a
sua monitorização é difícil. Numa tentativa de contrariar esta lacuna, em Setembro de 2005,
o CFCM nomeou um marroquino moderado como primeiro capelão muçulmano para as
prisões (ver, op. cit., p. 70).
94
Como já vimos, este órgão é percepcionado como um fórum de diálogo político.
95
V. Gallis, op. cit., p. 28.
92
22
Quadro 3 - Tipologia de assimilação dos Muçulmanos em França96
Social
Cívico
Elo de
ligação ao
Islão
1
Plena
Vota
Nulo
Sim
Não
2
Misto
Vota
Cultural
Sim
Sim
3
Parcial
Vota
Secular
Sim
Sim
4
Nula
Não vota
Pleno
Não
Sim
Grau de integração
Percepção pessoal
Cidadão
Muçulmano
Consequentemente, mesmo sendo o CFCM um instrumento funcional,
poucos acreditam na sua eficácia como aparelho político de diálogo que
possibilite uma maior integração dos Muçulmanos na sociedade.97
Previsivelmente, o caso alemão não é muito distinto dos anteriores.
As preocupações relacionadas com a comunidade muçulmana são a
alienação social, o desemprego e o financiamento das mesquitas.
Sendo a Alemanha uma federação, o sistema de educação pública é
gerido pelos diversos Estados federados. Estes têm vindo a introduzir a
educação islâmica na estrutura do ensino, variando a metodologia de
Estado para Estado.98
Na Renânia do Norte-Vestefália, onde estão localizadas quatro das
maiores organizações muçulmanas, a administração está empenhado em
assegurar, como acontece com as outras religiões, o ensino do Islão nas
escolas, em permitir que as comunidades muçulmanas desfrutem de
vantagens legais como corporação de direito público, particularmente a
96
Adaptado de Gallis, op. cit., pp. 23-24.
Ibid., p. 29.
98
As medidas variam entre a mera inclusão em estudos comparativos, até à ajuda financeira
de escolas islâmicas privadas (Gallis, op. cit., p. 35).
97
23
cobrança de impostos, a formação de imãs e a autorização para a
construção de mesquitas.99
Todavia, em meados de 2006, para melhorar a integração das
comunidades muçulmanas, o governo federal tomou a iniciativa de
organizar um encontro com a Conferência Alemã-Islâmica,100 argumentando
que eram necessárias estruturas de apoio para que as comunidades
muçulmanas usufruíssem das mesmas vantagens das outras religiões.101
Trata-se de um projecto muito ambicioso que visa a compatibilidade
entre o Islão e a Constituição alemã, tendo na sua agenda os seguintes
pontos.102
•
A ordem social alemã e o consenso sobre os seus valores: equidade
dos direitos humanos e da mulher, formação em representação
política, a família, educação, auto-determinação dos jovens, a
tolerância pelas variadas culturas democráticas, a secularização;
•
As questões religiosas no contexto constitucional: princípio básico da
separação entre a Igreja e o Estado, uso de símbolos religiosos, a
construção de mesquitas, o ensino do Islão em alemão sob o controle
dos Estados federados, aprendizagem do idioma alemão, direitos
iguais para meninas e meninos, a educação conjunta no desporto,
educação sexual, a formação dos imãs e o estudo do Islão no ensino
superior;
•
Os meios de comunicação social e a economia como pontes: a
questão
dos
jovens
no
mercado
de
trabalho,
melhoria
de
qualificações, a política de eliminação dos preconceitos nos meios de
comunicação turcos e alemães;
•
Segurança e Islão: este grupo, mais fechado e reservado, deveria
abordar as questões da segurança interna, particularmente no alerta
e prevenção de actos violentos contra a ordem democrática.
99
Godard, op. cit., p. 188.
No original, Deutsche Islam Konferenz (DIK).
101
Godard, op. cit., p. 188.
102
Ibid., 189.
100
24
Por fim, o caso espanhol.
Logo após a sua criação, em Abril de 1992, a CIE103 assinou acordos
de cooperação com as autoridades espanholas, nos quais, entre outros,
constavam estes objectivos:
•
A educação religiosa nas escolas;
•
A construção de mesquitas e cemitérios;
•
O regime de registo dos imãs na segurança social;
•
A nomeação de clérigos para as prisões e hospitais;
•
O ensino de espanhol aos imãs;
•
A observação dos feriados.
Já no que respeita ao financiamento, foi criada, em 2005, uma
fundação, a Fundação Pluralismo e Convivência,104 com o objectivo de
auxiliar as minorias religiosas na concessão de subsídios mas não as
actividades religiosas.105
103
Ver secção supra – Os diferentes órgãos de consulta “Estado-Igreja”, as suas
características e configurações, p. 16.
104
No original, Fundación Pluralismo y Convivencia.
105
Godard, op. cit., p. 193.
25
Medidas adoptadas pelos Estados europeus no pós-11 de Setembro
para combater os elementos extremistas106
A postura das autoridades dos países de acolhimento modificou-se
após os atentados de 11 de Setembro.
Se, por um lado, é verdade que as medidas aplicadas pelos diferentes
Estados europeus podem ser perspectivadas como semelhantes, por outro
lado, as características intrínsecas ao modelo de organização política de
cada um desses Estados fazem com que estas não sejam integralmente
uniformes.
Vejamos então, quais foram as medidas implementadas nos países
que temos vindo a seguir.
Reino Unido
No caso britânico, as iniciativas introduzidas pelas autoridades para a
integração dos muçulmanos e o combater o extremismo são:
•
Novos requerimentos de cidadania e de língua inglesa107 – os
imigrantes que requererem a cidadania britânica tem que demonstrar
suficiente conhecimento da língua e cultura inglesa.108 Para tal, terão
que passar num pequeno teste ou completar umas aulas de cidadania
e
língua
inglesa
oficialmente
aprovadas.
Paralelamente,
novas
cerimónias de cidadania, onde aqueles que adquirem nacionalidade
106
Baseado em Gallis, op. cit., pp. 10-43.
Em 2002, apesar de não visar especificamente a integração dos Muçulmanos, o estudo de
cidadania passou a ser obrigatório no ensino secundário tendo como objectivo a promoção
da compreensão e responsabilidade cívica entre os jovens.
108
Estas medidas são bem vistas pelos líderes muçulmanos moderados que referem ser
essencial o conhecimento de inglês para que os imãs cumpram as suas obrigações, não
apenas religiosas, mas também sociais e comunitárias.
107
26
britânica juram fidelidade à Rainha e o respeito pelos direitos e
liberdades, passaram a ser obrigatórias;
•
Melhoria do dialogo com as comunidades muçulmanas e a promover
a moderação – as autoridades britânicas acreditam que a melhoria do
diálogo é fundamental para uma melhor integração e que as
comunidades muçulmanas têm um papel essencial na contenção do
extremismo islâmico. Esta noção, anterior aos atentados de Julho de
2005, foi então demonstrada pelos esforços das autoridades no
encorajamento das vozes moderadas nestas comunidades. Após este
acontecimento, os contactos entre as comunidades muçulmanas e as
autoridades intensificaram-se, tendo daí resultado a criação de 7
grupos de trabalho109 de líderes e peritos muçulmanos para consultas
informais visando a prevenção da alienação e a radicalização dos
jovens. Também a polícia britânica tem vindo a promover consultas
com os líderes muçulmanos procurando o estabelecimento de
parcerias com as comunidades muçulmanas, de maneira a que estas
se
possam
policiar
a
si
mesmas
e
a
identificar
problemas
antecipadamente. Outro intuito é a possibilidade de utilização de
imãs “nativos” em vez dos estrangeiros, pois estes não estão
familiarizados com a tradição secular britânica;
•
Correcção das desvantagens e discriminação sociais – dois factores
estão no centro das preocupações das autoridades: os maus
resultados académicos e a situação socioeconómica das comunidades
islâmicas. Trata-se de uma das principais causas de desilusão e do
sentimento de revolta destas comunidades,110 servindo como factor
de atracção ao extremismo. No que respeita às comunidades
muçulmanas, dentre as políticas sociais do governo inglês, foram
implementadas medidas concretas que visavam a equidade nas
bolsas para projectos destas comunidades e a colocação de mais
centros para a excelência e empreendedorismo nas áreas que
apresentavam altos níveis de desemprego. No que respeita à
109
Os grupos abordavam as seguintes áreas: envolvimento com os jovens; combate ao
extremismo; iniciativas locais e regionais; desenvolvimento da mulher; imãs e o papel das
mesquitas; segurança, policiamento e islamofobia; educação.
110
Os Muçulmanos são o grupo de fé que apresentam a maior taxa de desemprego (15%
contra a média nacional de 5%) e de inactividade económica.
27
educação, foram incrementados os fundos e o acesso às escolas
muçulmanas111
e
criados
programas
de
apoio
em
áreas
desfavorecidas, de modo a que o acesso aos estabelecimentos de
ensino de topo não seja não difícil;
•
Reforço das medidas de segurança e policiais – Paralelamente ao
implementar ou reforço
autoridades
também
da medidas
procuraram
de
conter
integração
os
social, as
extremistas
e
os
terroristas islâmicos pelo apertar das medidas de segurança e pela
reformulação das leis de asilo e imigração. Dentro destas, saliente-se
os poderes especiais de revista da polícia, a detenção até ao máximo
de 28 dias, a simplificação dos pressupostos de deportação de
estrangeiros que defendam a violência e incitem ao ódio, a criação de
uma lista de clérigos a quem será negado a entrada no Reino Unido,
o recusar de asilo a quem tenha ligações a terroristas e o banir de
grupos extremistas.
França
As preocupações francesas quanto ao fundamentalismo islâmico são
anteriores ao 11 de Setembro. Os motivos que levaram as autoridades
francesas a ter uma posição mais assertiva no relacionamento com a sua
população muçulmana, têm a ver com à revolução iraniana de 1979. Os
acontecimentos ocorridos nos anos 90 relacionados com o radicalismo
argelino, o aparecimento de imãs radicais112 em mesquitas francesas,
percepcionado como potencial ameaça à ordem pública, e o atentado, em
1995, no metro de Paris, perpetuado por um grupo terrorista argelino,
acentuou essa perspectiva. Por fim, o falhanço dos efeitos desejados pelo
111
Embora esta medida tenha sido bem recebida pelas comunidades muçulmanas, a opinião
pública reagiu negativamente expressando a sua preocupação quando à validade desta
medida na coesão social.
112
O grupo fundamentalista Tablighi apelava à adesão a um Islão mais radical e estava
envolvida na conversão de elementos da população prisional muçulmana.
28
ensino público enquanto instrumento de integração, do emprego e do
exército, levou a uma mudança de atitude do governo francês.113
As recentes medidas implementadas pelo governo francês procuram a
preservação dos ideais republicanos e reflectem uma atitude institucional
coerente com o tradicional uso do aparelho da administração central no
assegurar da ordem pública e da “domesticação” religiosa face aos ideais
republicanos. Note-se que “laïcité”114 não é secularismo, mas antes o
equilíbrio entre a liberdade religiosa e a ordem pública. Como tal,
assegurada a liberdade religiosa, há que assegurar que os grupos religiosos
não se envolvam em activismo político que provoque rupturas na
sociedade.115
Como as autoridades francesas acreditam que apenas um pequena
minoria da população muçulmana está envolvida em actividades radicais e
de violência, a ênfase destas medidas incide no desenvolvimento de
estruturas de diálogo entre representantes muçulmanos e o governo, mas
também no reforço da lei e forças policiais que garantam a segurança
pública.116
Todavia, não esquecendo quer as rivalidades que alguns imãs
provocaram no seio da população muçulmana e a sua propensão para o
fundamentalismo, quer o seu historial com grupos terroristas, o governo
francês começou por desencorajar o envio de imãs que não falassem ou
conhecessem a língua francesa e, posteriormente, exigiu a nomeação de
imãs nascidos em território francês ou educados em França. Ao aplicar a lei,
113
Também não é de descurar a relação entre o aumento de actos anti-semitas em solo
francês e os surtos de violência no Médio Oriente que se verificaram após a Guerra do Golfo
de 1991, a Intifada palestiniana de 2000 e as acções militares de Israel em Gaza de 2002
(Gallis, op. cit., p. 27).
114
A. Kuru aprofunda a evolução do significado histórico deste termo: op. cit., pp. 4-6.
115
Gallis, op. cit., p. 28.
116
Na sequência dos motins de 2005, o governo francês rejeitou medidas que permitissem à
população muçulmana obter condições especiais, como um sistema de quotas na educação e
no emprego. Em alternativa, aumentou o número de bolsas de ensino disponíveis para
jovens de famílias carenciadas e também propôs a aprendizagem profissional para
adolescentes com dificuldades no ensino secundário.
29
deportou alguns imãs considerados como ameaças à segurança do Estado
e, por fim, aprovou legislação que pune o incitamento ao ódio.117
Alemanha
Os atentados de 11 de Setembro de 2001 alertaram as autoridades
alemãs para a vulnerabilidade do país a ataques por parte de terroristas
radicais islâmicos.
Considerando que os pressupostos em que se baseava o regime de
asilo estavam a permitir essa vulnerabilidade e julgando que as alterações
entretanto efectuadas à lei do asilo118 não eram suficientes, o governo
alemão implementou uma série de medidas que lhe facultassem maior
autonomia na acção contra os grupos extremistas. Logicamente, em
Novembro de 2001, novas leis antiterroristas foram aprovadas.
Esta legislação visava preencher lacunas legais que permitiam o
arrecadamento de fundos e a imunidade de investigação e vigilância de que
alguns grupos religiosos e obras de caridade desfrutavam. Ambas foram
revogadas, o que possibilitou a monitorização do interior das mesquitas. Os
privilégios especiais no âmbito do direito de assembleia foram limitados.119
Para além disto, ao abrigo desta iniciativa legal, os terroristas podem agora
ser julgados na Alemanha, mesmo se forem membros de organizações
terroristas que actuem em terceiros países.120
Simultaneamente,
decorrentes
de
investigações
lançadas
pelo
governo alemão, três organizações islâmicas radicais – Kalifatstaat, Al-Aksa,
e Hizb-ut-Tahrir – foram expulsas da Alemanha.121
117
Gallis, op. cit., pp. 30-31.
V. supra - Os diferentes órgãos de consulta “Estado-Igreja”, as suas características e
configurações.
119
Gallis, op. cit., p. 36.
120
Ibid.
121
Ibid., p. 37.
118
30
E, como já foi referido, a lei da imigração que entrou em vigor em
Janeiro de 2005, facilitou a deportação de estrangeiros suspeitos de
extremismo e fundamentalismo.122
Por fim, de salientar que ao nível dos Estados, a execução deste
conjunto de medidas legislativas levou a que alguns estados alemães
considerassem a implementação de leis que exigem aos imãs a pregação na
língua alemã, enquanto outros consideraram a criação de programas de
treino para os imãs em solo alemão.123
Espanha
A mudança de governo que as eleições de Março de 2004 originaram,
significou uma ruptura com a linha de orientação até então seguida.
Longe de restringir a imigração, o governo Zapatero optou pela
legalização dos imigrantes ilegais que trabalham em Espanha. Assim,
aqueles que vivam há, pelo menos, seis meses em Espanha com um
contrato de trabalho, recebem um visto de residência de um ano e licenças
de trabalho.124.
Na verdade, os Muçulmanos em Espanha têm-se queixado sobre a
dificuldade de obter licenças para construir mesquitas, pelo que o culto
informal é usual. Ora, como a ausência de locais de oração dificulta a
monitorização dos extremistas, parte do problema na luta contra o
extremismo islâmico em Espanha é o número relativamente pequeno de
mesquitas no país, quando comparado com a rápida expansão da população
muçulmana.125.
122
Ver supra - Os diferentes órgãos de consulta “Estado-Igreja”, as suas características e
configurações.
123
Gallis, op. cit., p. 34.
124
O objectivo desta ideia é aumentar a segurança ao trazer esses trabalhadores para a luz
do dia (Gallis, op. cit., p. 41).
125
Quando o governo espanhol tentou fazer com que o registo dos lugares de oração fosse
obrigatório, as associações muçulmanas manifestaram-se contra esta medida e o registo
voluntário mantêm-se em vigor (id., pp. 42-43).
31
Devido à experiência do franquismo, as autoridades espanholas não
são adeptas de medidas de segurança draconianas. Para além disso, há
décadas que Espanha luta contra o terrorismo basco, pelo que a sua
legislação e capacidade de resposta já era considerável.126 O governo
Zapatero preferiu concentrar-se na integração, em vez de implementar
medidas de segurança destinadas a uma pequena minoria radicalizada no
seio da população muçulmana.127.
No entanto, as autoridades espanholas não deixaram de aumentar
consideravelmente os recursos das agências antiterroristas, criaram o
Centro Nacional Antiterrorista e introduziram algumas mudanças na
legislação:128
•
Os suspeitos de terrorismo podem ser mantidos incomunicáveis pelo
prazo de 5 dias antes de serem presentes a um juiz;
•
A expulsão de suspeitos cujas provas não sejam suficientes para
julgamento em Espanha;
•
Novo regime de controlo sobre a venda de explosivos;
•
Criação de uma força polícia bilateral com a França para o combate
ao terrorismo;
•
Reforço da cooperação em matéria de antiterrorismo no que se refere
ao intercâmbio de informação com a UE.
126
127
128
Ibid.
Ibid.
Id., p. 44.
32
Conclusão
Várias conclusões são possíveis d análise realizada neste trabalho
Primeiro, face a diferentes modelos de cultura da qual resultam
distintas formas de organização política, não é de estranhar que coexistam
diversas políticas sobre a integração e prevenção da radicalização. Contudo,
no limite, podemos afirmar que todas estas práticas emergem de duas
raízes: multiculturalismo e republicanismo.
Qual é a principal diferença? Enquanto este é entendido como um
processo político, aquele é percepcionado como um processo espontâneo,
onde o primeiro representa a diversidade e o segundo a equidade.
Segundo, que em toda a Europa, determinadas circunstâncias
socioeconómicas caracterizam os imigrantes das comunidades muçulmanas:
o baixo nível educacional e o alto índice de desemprego.
Terceiro, verifica-se um padrão nas reivindicações efectuadas pelas
diferentes comunidades muçulmanas que vivem na Europa: todas essas
reclamações dizem respeito a necessidades relacionadas com a prática e
observação dos seus preceitos religiosos.
Ao reflectirmos sobre estas três principais conclusões, percebemos a
importância da necessidade de interlocutores representativos dos diversos
movimentos para o estabelecimento do diálogo. É igualmente indesmentível
os progressos realizados através do diálogo intercultural e dos contactos
estabelecidos entre as entidades governamentais e os representantes das
comunidades muçulmanas.
33
Ora, o modelo mais comum de representação é a formação ou
constituição de Conselhos Estado-Islão. Trata-se de um instrumento que
ainda carece de melhorias de forma a reforçar a representatividade dos
vários movimentos e tendências islâmicas e, consequentemente, da sua
legitimidade,
mas
tentando
evitando
o
perigo
de
dar
espaço
aos
movimentos demasiado conservadores e intolerantes.
Como tal, todos estes avanços dependem do real grau de abertura
das comunidades muçulmanas em relação às medidas que os governos para
fomentar a sua integração e da tolerância para a diversidade dos países de
acolhimento. Em França, por exemplo, a lei sobre o véu levou que as
comunidades muçulmanas optassem pela criação de escolas privadas. Não
prejudicará isto a assimilação do ideário republicano? Não servirá isto para
diminuir a integração dos Muçulmanos na sociedade francesa?
Independentemente da metodologia seguida, são incontornáveis as
vantagens
que
resultam
do
diálogo
intercultural
e
do
empenho
governamental para com as comunidades das minorias religiosas.
Como
tal,
uma
interacção
regular
possibilita
que
surjam
familiaridades entre os representantes de cada lado, de modo a coabitação
e a coexistência seja enriquecida. A existência destas instituições permite
que os pressupostos e enganos sejam substituídos por clarificações factuais,
possibilitando a criação de um ambiente positivo de discussão e debate.
Quanto às iniciativas a nível comunitário, não há dúvida que existe
uma correlação entre a integração e a prevenção da radicalização dos
imigrantes. Dai que alguns observadores sugiram que a eficácia dos
esforços da UE para tratar e prevenir a radicalização e o recrutamento
islâmico, possam depender parcialmente da melhoria do controlo de
imigração e asilo, de modo que os elementos considerados como ameaças à
segurança pública, sejam efectivamente excluídos ou deportados do
território na União.
No entanto, um acordo comum nestas temáticas, asilo e questões de
imigração, permanece difícil de atingir, não apenas devido às distintas
sensibilidades e preocupações nacionais quanto à preservação dos direitos
34
humanos dos requerentes de asilo, migrantes e imigrantes ilegais, como
também pelos limites legais impostos pela legislação comunitária.
Mas a possibilidade de tal acordo ser atingido não deve ser
descurada. Dada a uniformidade nas reivindicações expressas pelas várias
comunidades
muçulmanas
espalhadas
pela
Europa,
parece-nos
ser
aconselhável que os vários interlocutores políticos tentem afinar o diapasão.
Devido à sua natureza, a UE pode contribuir para a definição de algumas
normas e pode, sem qualquer dúvida, ser o elemento congregador.
Como o que está aqui primordialmente em causa é a estabilidade e
segurança das populações europeias e a manutenção pelo modo de vida
europeu, é necessário demonstrar que o respeito é um diálogo de duas vias
e que a tolerância é um valor fundamental a respeitar.
No cerne de todas a medidas e acções implementadas, está o
problema da condição socioeconómica dos Muçulmanos. Para estes, quanto
maior
for
o
seu
nível educacional,
maior
será
a
possibilidade
de
conseguirem um emprego e de atingirem a estabilidade económica e social.
Acontece, porém, que para alguns membros destas comunidades, usufruir
de determinadas medidas que os Estados oferecem, pode pôr em causa as
suas práticas e tradições. Conciliar as medidas de integração com as
percepções dos Muçulmanos, é o grande desafio que se coloca ao Islão na
Europa.
35
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37
Anexo 1
Estimativa populacional da origem de “novos” muçulmanos129
Argélia Bangladesh Afeganistão Paquistão
129
40.000
280.000
26.000
750.000
Índia
Turquia
Bósnia
Somália
13.000
30.000
30.000
43.373
Adaptado de Ceri Peach, op. cit., p. 11.
38
Argélia
Marrocos Subsaara
1.750.000 1.000.000
550.000
Tunísia
Turquia Somália
350.000 315.000
1.003
Tunísia Indonésia Afeganistão Paquistão Argélia
22.429
12.295
Turquia
Bósnia
1.912.200
163.800
57.933
30.892
14.480
Macedónia Albânia Marrocos
58.250
10.449
73.027
Irão
65.187
39
Argélia
Marrocos
Tunísia
Turquia
20.100
282.400
51.400
986
40
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