VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X
A ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NOS DIAS ATUAIS
Franco Ezequiel Harlos
Fátima Elisabeth Denari
Rosimeire Maria Orlando Zeppone
INTRODUÇÃO
A Educação Especial brasileira e contemporânea foi reestruturada em uma perspectiva de
Educação Inclusiva. Em 2008, com a publicação do documento a Política Nacional de
Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-EI/08), deu-se início a um
processo de reestruturação da Educação Especial que a partir da Lei nº 12.796, de 4 de abril
de 2013, provocou alterações em definições e conceitos desta modalidade de ensino,
expressos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Considerando a necessidade de estudos sobre estas reestruturações, nesta pesquisa objetiva-se
desvelar avanços, retrocessos e contradições inerentes à atual estrutura organizacional e
conceitual da Educação Especial brasileira, configurada nos documentos que orientam as
políticas públicas da Educação Especial e que foram publicados pelo governo federal entre
janeiro de 2008 e abril de 2013.
Assim, para tal análise, adota-se a expressão estrutura organizacional e conceitual como
sinônimo de ordenamento/arranjo do conjunto de conceitos e de propostas de serviços que,
nestes documentos, são estrategicamente inter-relacionados para a determinação do
funcionamento da modalidade de ensino em questão. Parte-se da hipótese de que tal estrutura,
apesar de apresentar aparentes avanços em relação às estruturas que a precederam, perpetua
falhas, concepções e/ou contradições semelhantes às identificadas nas mesmas.
Considerando o objetivo e a hipótese apresentada para a realização da presente pesquisa, na
sequência expõe-se o método que está sendo utilizado para a realização da mesma.
MÉTODO
Para coleta e análise dos dados, em uma abordagem qualitativa, nesta pesquisa conjuga-se a
análise documental com distintas técnicas da análise categorial temática. Assim, a coleta e
análise dos dados foram desenvolvidas em cinco fases, a saber: Fase I: constituição do corpus
da pesquisa; Fase II: pré-análise; Fase III: exploração do corpus da pesquisa; Fase IV:
tratamento e interpretação dos resultados; Fase V: sistematização.
Na Fase I, o corpus da pesquisa foi constituído mediante a seleção de documentos oficiais que
atendessem aos seguintes critérios: a) ser documento representativo/elucidativo da política de
educação especial na perspectiva inclusiva e/ou alterar conceitos e serviços da Educação
Especial ou a delimitação dos órgãos gestores desta modalidade ensino; b) não se constituir
em parecer ou nota técnica sobre projeto de lei; c) ter sido publicado entre janeiro de 2008 e
abril de 2013; d) não se constituir em documento revogado no recorte cronológico
estabelecido. Além destes critérios, em caso de documentos publicados duas vezes com o
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mesmo texto, não foram selecionados os documentos que não fossem a última versão
publicada.
Com estes critérios, entre os dia 02 e 15 de maio de 2013, procedeu-se a identificação e coleta
documentos que versam sobre o AEE/Educação Especial e que foram publicadas pelo
governo federal entre janeiro 2008 e abril de 2013, tendo como fontes 1 o Diário Oficial da
União (Imprensa Oficial), as homepages do MEC e do SECADI. Do Diário Oficial da União,
mediante buscas utilizando os descritores “Educação Especial”, “atendimento educacional
especializado” e “perspectiva inclusiva” foram identificados e selecionados os seguintes
documentos:
Quadro 1: Leis, Decretos, Resoluções e portarias
1
2
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4
5
6
7
BRASIL. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Altera a Lei n o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da
educação e dar outras providências. Diário Oficial da União, Seção 1, 5/4/2013, p. 1.
BRASIL. Resolução nº 04, de 02 de outubro de 2009. Institui as Diretrizes Operacionais para o
Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica – Modalidade Educação Especial. Diário
Oficial da União, Brasília, nº190, 05/10/2009. Seção 01.p.17.
BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Diário Oficial da União, Seção 1. 26/08/2009. p.3.
BRASIL. Decreto nº 7.480, de 16 de maio de 2011. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro
Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Educação. Diário
Oficial da União. Seção 1. 06/03/2012. p. 15
BRASIL. Decreto presidencial nº 7.611 de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o
atendimento educacional especializado. Diário Oficial da União. Seção 1. 18/11/2011. p. 12.
BRASIL. Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da
Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3 odo art. 98 da Lei n o 8.112, de 11 de dezembro de
1990. Diário Oficial da União - Seção 1 - 28/12/2012, p. 2.
BRASIL. MEC. SECADI. Portaria nº 25, de 19 de junho de 2012. Diário Oficial da União. Seção 1 - de
20/06/2012 , nº 118, p. 33.
Da homepage da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e InclusãoSECADI, mediante leitura dos documentos nela disponibilizados foram selecionados todos os
documentos que atendiam os critérios supracitados, obtendo-se um conjunto composto por 16
documentos apresentados como elucidativos das formas de organização e desenvolvimento da
Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar. O quadro 02 identifica os documentos.
1
Das fontes em questão, em função dos critérios supracitados, foram excluídos documentos oficiais importantes
para a legislação sobre os segmentos da Educação Especial por estes não serem diretamente associados com a
Educação Especial, como o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto nº 7.162 de 17 de
novembro de 2011). No entanto, foi selecionada a Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012 que não versa
especificamente sobre educação especial, porque esta interfere profundamente na estrutura da Educação Especial
na perspectiva da Inclusiva, ao instituir punição financeira(multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos) ao
gestor escolar ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista.
Além disso foram excluídos documentos oficiais ou pelo fato dos mesmos já terem sido revogados, como o
Decreto 6571 de 2008, e/ou por se constituírem em pareceres sobre projetos de lei ou documentos com seu texto
incorporado na íntegra por documento posterior, como parecer CNE-CEB nº 13/2009 que foi transformado na
Resolução nº 04, de 02 de outubro de 2009.
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Quadro 02: Documentos Explicativos/Orientadores
1
BRASIL.MEC.SEESP. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,
2008.
BRASIL.MEC.SEESP. Marcos políticos-legais da Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva. Secretaria de Educação Especial. Brasília: SEESP, 2010. Disponível em:
4
ROPOLI, E.A. [et.al.]. A escola comum inclusiva. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial;
[Fortaleza]: Universidade Federal do Ceará, 2010. v. 1.
5
GOMES, A. L. L. V. O atendimento educacional especializado para alunos com deficiência intelectual.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial; [Fortaleza] : Universidade Federal do
Ceará, 2010. v. 2.
6
DOMINGUES, C. dos A. [et.al.]. Os alunos com deficiência visual: baixa visão e cegueira. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial; [Fortaleza]: Universidade Federal do Ceará,
2010. v. 3.
7
ALVEZ, C.B. [et.al.]. Abordagem bilíngue na escolarização de pessoas com surdez. Brasília: MEC,
Secretaria de Educação Especial; [Fortaleza]: Universidade Federal do Ceará, 2010. v. 4.
8
BOSCO, I.C.M.G. [et.al.]. Surdocegueira e deficiência múltipla. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Especial; [Fortaleza]: Universidade Federal do Ceará, 2010. v. 5.
9
SARTORETTO, M. L.; BERSCH, R. de C. R. Recursos pedagógicos acessíveis e comunicação
aumentativa e alternativa. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial; Universidade Federal do
Ceará, 2010. v. 6.
10
GIACOMINI, L.; SARTORETTO, M.L.; BERSCH, R. de C. Orientação e mobilidade, adequação
postural e acessibilidade espacial. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial; [Fortaleza]:
Universidade Federal do Ceará, 2010. v. 7.
11
MELO, A. M.; PUPO, D.T. Livro acessível e informática acessível. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Especial; [Fortaleza]: Universidade Federal do Ceará, 2010. v. 8.
12
DELPRETTO, B. M. de L. Altas habilidades/superdotação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Especial; [Fortaleza]: Universidade Federal do Ceará, 2010. v. 10.
13
BELISÁRIO FILHO, J. F. Transtornos globais do desenvolvimento.
Educação Especial; [Fortaleza]: Universidade Federal do Ceará, 2010. v. 9.
14
BRASIL. MEC. SECADI. Documento orientador da implementação das salas de recursos
multifuncionais. Brasil: MEC/SECADI, 2012.
Brasília: MEC, Secretaria de
Além destes documentos, a partir da homepage Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão, foram selecionadas as seguintes notas técnicas:
Quadro 3: Notas técnicas
1.
2.
3
4
5
BRASIL. MEC. SEESP. DPEE. Nota Técnica Nº 13. A educação especial e sua operacionalização pelos
sistemas de ensino. Brasília: 2008.
BRASIL. SEB. SEESP. FNDE. INEP. Nota Técnica Nº 01/2009. Esclarecimentos sobre a distribuição
do recurso do FUNDEB para alunos do Atendimento Educacional Especializado. Brasília: 2009.
BRASIL.SEESP. GAB. Nota Técnica Nº 9/2010 Orientações para a Organização de Centros de
Atendimento Educacional Especializado. Brasília: 09 de abril de 2010.
BRASIL. MEC.SEESP. GAB. Nota Técnica Nº 11. Orientações para a Institucionalização na Escola, da
Oferta do Atendimento Educacional Especializado – AEE em Salas de Recursos Multifuncionais.
Brasília: 2010.
BRASIL. MEC.SEESP. GAB.Nota Técnica Nº 15. Orientações sobre Atendimento Educacional
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Especializado na Rede Privada. Brasília: 2010.
BRASIL. MEC.SEESP. GAB. Nota Técnica Nº 19. Profissionais de apoio para alunos com deficiência e
transtornos globais do desenvolvimento matriculados nas escolas comuns da rede públicas de ensino.
Brasília: 2010.
BRASIL. MEC.SECADI. Nota Técnica Nº 03. Atendimento de estudantes público alvo da educação
especial com 18 anos ou mais. Brasília: 2011.
BRASIL. MEC.SECADI. GAB. Nota Técnica Nº 05. Implementação da Educação Bilíngue. 2011.
BRASIL. MEC.SECADI. Nota Técnica Nº 06. Avaliação de estudante com deficiência intelectual.
Brasília: 2011.
BRASIL. MEC.SECADI. Nota Técnica Nº 07. INES e IBC. Brasília: 2011.
BRASIL. MEC.SECADI. DPEE. Nota técnica nº 62/11. Apresenta orientações aos sistemas de ensino
sobre o Decreto nº 7.611/2011. Brasília: 2011.
BRASIL. MEC.SECADI. Nota Técnica Nº 06. Avaliação de estudante com deficiência intelectual.
Brasília: 2011.
BRASI. MEC.SECADI. DPEE. Nota Técnica nº 24. Orientação aos Sistemas de Ensino para
implementação da Lei nº 12.764/2012. Brasília: 2013.
Na fase III procedeu-se a leitura e fichamento destes 33 documentos, bem como identificou-se nos
mesmos as frases/trechos que apresentam definição de conceitos e/ou a delimitação/caracterização dos
elementos que devem compor a estrutura organizacional da Educação Especial. Posteriormente, estas
frases foram codificados(atribui-se um código), recortadas do documento original, referenciadas e
classificadas em categorias e subcategorias, mediante agrupamento em uma mesma categoria, de todas
as frases que versavam sobre a mesma temática. Na fase IV cada categoria composta foi
delimitada e nomeada, conforme o quadro 04:
Quadro 4: categorias de análise.
Categorias
Subcategorias/Delimitação
Recursos
da EE
Público-alvo
da
Educação
Especial
(PAEE):
Descrições
PAEE;
Definições/caracterizações de cada segmento que compõe o PAEE.
Profissionais do AEE/Educação Inclusiva; formação destes profissionais
Práticas de AEE, tempos de AEE. Orientações sobre o modo e as funções (de
realização das práticas educativas de AEE.
Recursos de acessibilidade: Recursos pedagógicos acessíveis; tecnologia assistiva,
recursos de acessibilidade.
Locais de realização: Informações sobre as salas de recursos multifuncionais; sobre
os Centros de Atendimento Educacional Especializados.
Financiamento e Gestão das propostas de AEE: Quem financia o que e sobre que
condições/critérios; de onde vêm estes recursos; que orientações são apresentadas
para aplicação destes recursos. Relações entre público e privado.
Concepções, conceitos associadas com a atual proposta EE. Léxico da perspectiva
inclusiva. (re) definições da Educação Especial na perspectiva da EI.
Humanos
Organização
das
praticas de EE
Recursos Materiais
da EE
Concepções
PNEE-PEI
da
Posteriormente, com auxílio de dois avaliadores cegos, procedeu-se a conferência e
verificação da pertinência do conjunto de frases ou trechos de texto a ela associadas. Após
esta conferência e reclassificação de alguns trechos, a respeito de cada categoria foi
constituído um texto descritivo, sistematizando o conteúdo a ela relacionado. Ainda na quarta
fase, elaborou-se representações gráficas(vide figura 01 e 02) da atual estrutura organizacional
e conceitual da Educação Especial e procedeu-se a comparação dos elementos da estrutura
organizacional da Educação Especial atual associados a cada uma das categorias identificadas e
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sistematizadas, com os elementos de estruturas organizacionais da Educação Especial de outros
momentos históricos.
Na Fase V, que está em desenvolvimento, os resultados da pesquisa estão sendo sistematizados,
conjugando os diversos textos produzidos nas fases anteriores com as representações gráficas e
destacando as inferências interpretativas que decorrerem de todo o processo desenvolvido para coleta
e análise dos dados. Esta sistematização, iniciando por um panorama abrangente da Educação
Especial, compõe os próximos tópicos deste artigo.
RESULTADOS PARCIAIS
A estrutura organizacional da Educação especial
O documento Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva
(PNEE-EI/08) condensando as diretrizes orientadoras para a política brasileira para a área,
afirmando um “novo” grupo específico de sujeitos prioritários da ação da Educação Especial
(pessoas com deficiência, com altas habilidades/superdotação e com transtornos globais do
desenvolvimento) e destacando a sala de recursos multifuncionais como lócus prioritário de
AEE, apresentou-se como um marco reestruturante do campo em questão. O documento
(PNEE-EI/08) expressa que
a educação especial se organizou tradicionalmente como AEE substitutivo ao
ensino comum, evidenciando diferentes compreensões, terminologias e
modalidades que levaram à criação de instituições especializadas, escolas
especiais e classes especiais (BRASIL, 2008a, p.11).
A partir desta expressão defende que essa organização, “fundamentada no conceito de
normalidade/anormalidade, determinou formas de atendimento clínico-terapêuticos
fortemente ancorados nos testes psicométricos que, por meio de diagnósticos, definem as
práticas escolares para os alunos com deficiência” (BRASIL, 2008a, p.11), e indica a intenção
de redesenhar a Educação Especial em uma nova perspectiva não substitutiva ao ensino
comum.
Com estas propostas, para Bruno (2010, p.4) o que diferencia a PNEE-EI/08 das políticas
precedentes é “sua radicalidade na garantia dos direitos à igualdade de oportunidades
educacionais, justamente porque este documento não admite uma escolarização substitutiva,
paralela e segregada, com agrupamentos sob critérios de categorização das deficiências”.
Essa compreensão que não admite uma escolarização substitutiva para o público-alvo da
Educação Especial é nova em termos legais, mesmo com décadas de discursos de Inclusão
Escolar. Em consonância com esta compreensão, o Decreto nº 6.571/2008 reafirmou a
Educação Especial como ação não substitutiva à escolarização no ensino comum, evitando a
configuração paralela entre o AEE e o ensino comum. Nesse decreto, considera-se o AEE
como sendo “o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados
institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos
no ensino regular” (BRASIL, 2008b, Art. 1º, § 1º). Assim,
somente em 2008 tem-se o esclarecimento desse serviço [AEE] de forma
articulada à escolarização. Ou seja, a partir desse momento, pelo menos em
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nível de orientação nacional – pois a prática pedagógica ainda exige revisões
profundas – diferencia-se a escolarização do atendimento educacional
especializado, e simultaneamente, articulam-se essas práticas como ações
complementares e inter-relacionadas (ZARDO, 2011, p.1).
Neste ínterim, no ano de 2009 foram publicados mais dois importantes documentos
relacionados com a Educação Especial, a saber: o Parecer 13/2009 que se refere às Diretrizes
Operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação Básica, modalidade
Educação Especial (BRASIL, 2009b) e a Resolução nº 4, de 02 de outubro de 2009 que
institui essas Diretrizes (BRASIL, 2009c). Com tendência similar ao Decreto supracitado
(6.571/2008), o Parecer CNE-CEB nº 13/2009 reiterou que o AEE seja realizado
“prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra escola de
ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns”
(BRASIL, 2009a, art. 5º).
Esta centralização da educação especial no AEE, por meio da implantação em todo o País de
salas de recursos multifuncionais, é uma opção política, entre tantas outras e, por isto, merece
estar constantemente sob o crivo crítico dos estudiosos para que possa ser aprimorada,
reformulada e, até mesmo, substituída (BUENO, 2012). No entanto, esta ênfase no “contexto
escolar comum alterou o plano normativo da política educacional brasileira para a Educação
Especial, pois abandona-se o discurso da excepcionalidade da escolarização em espaços
exclusivamente especializados - classes especiais e escolas especiais” (BAPTISTA, p.63).
Para Mazzotta (2010, p.86)
o Decreto nº 6.571/2008, o Parecer CNE-CEB nº 13/2009, e a Resolução
CNE 04/2009 são marcos delineadores da implementação de uma política de
educação especial na perspectiva da educação inclusiva consolidando
propostas contempladas no documento elaborado pelo SEESP/MEC em
2008.
Reitera-se a consolidação destas propostas partir do decreto nº 7.611, de 17 de novembro de
2011, que reafirmou “os princípios da Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva”, repetindo que é função do AEE, por meio das salas de recursos multifuncionais,
complementar ou suplementar os serviços escolares, sem substituí-los.
Destarte, subsequentemente, a Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, alterou a Lei nº 9.394/96,
completando um ciclo de mudanças e consolidando na mais importante legislação
educacional brasileira (Lei de Diretrizes e Bases), novas interpretações para Educação
Especial. Aliás, a partir da Lei nº 12.796, o inciso III do artigo 4º da LDB que antes afirmava
que o dever do Estado com a educação escolar pública deveria ser efetivado mediante a
garantia de “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades
especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 2010b, p.9), passou a
afirmar que este mesmo dever deve ser efetivado mediante a garantia de “atendimento
educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e
modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 2013, p.25).
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Além disso, a redação do artigo 58 da Lei nº 9.394/96, que definia a Educação Especial, como
“modalidade educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos portadores de necessidades especiais” (BRASIL, 2010b), a partir da Lei nº 12.796
de 2013, passou a expressar que
entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de
educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação (BRASIL, 2013, p.25).
Não obstante, na Lei nº 9.394/96, o artigo 59, no tocante ao público-alvo da Educação
Especial, também teve redação alterada mediante a substituição da expressão “necessidades
educacionais especiais” pelas expressões “educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (BRASIL, 2013, p. 25).
Estas mudanças conceituais e organizacionais corroboram que, a partir do ano de 2008, a
“avalanche” de decretos, resoluções, documentos e publicações produzidas para nortear as
propostas de Educação Especial, provocou uma reconfiguração da estrutura organizacional e
conceitual da Educação Especial brasileira contemporânea. Ou seja,
os documentos norteadores das políticas de educação especial provocaram
alterações no modo de definição da área, na redefinição do público para o
qual essa modalidade de ensino se destina e, consequentemente, ocasionou
transformações no que se refere à organização do ensino e na estruturação
dos serviços relativos à modalidade em todo o território nacional (MENDES
JÚNIOR e TOSTA, 2012, p. 13).
Desta forma, especialmente por meio da Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, como
consolidação do expresso no documento PNEE-EI/08, no Decreto nº 6.571/2008, na
Resolução nº 4/2009, no Parecer CNE-CEB nº 13/2009 e no Decreto nº 7.611/11, a Educação
Especial foi reconfigurada em termos organizacionais e conceituais.
Nesta reconfiguração, como demonstrou-se, tanto conceitos e propostas foram abandonados,
como a expressão necessidades educacionais especiais, a expressão condutas típicas, as
classes especiais, as escolas especiais substitutivas, quanto consolidaram-se novos termos e
propostas como a salas de recursos multifuncionais e o atendimento educacional
especializado. Além disso, categorias/conceitos que eram adotadas em documentos anteriores,
receberam novos significados. Por exemplo, em 1994 a categoria “altas habilidades” era
utilizada para designar alunos com 'notável desempenho e elevada potencialidade em
qualquer dos seguintes aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão
acadêmica específica; pensamento criativo ou produtivo; talento especial para artes;
capacidade psicomotora.
Nos documentos atuais,
os alunos
com altas
habilidades/superdotação são aqueles que apresentam um potencial elevado e grande
envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual,
liderança, psicomotora, artes e criatividade (PRIETO, 2010).
Neste contexto, no processo de sistematização dos resultados desta pesquisa observou-se que
nos contexto das Políticas Públicas de Educação Especial na Perspectiva da Educação
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Inclusiva, a Educação Especial foi reposicionada tanto no que concerne ao lugar que ela
ocupava na esfera administrativa do Ministério da Educação, quanto no que se refere às
posições em que a mesma acontecia no sistema de ensino. Assim, para a melhor interpretação
dos dados coletados foram produzidas representações gráficas da configuração da atual
estrutura organizacional e conceitual da Educação Especial. As leituras dos documentos que
compõe o corpus da presente pesquisa possibilitaram tanto a produção de representações do
posicionamento dos departamentos gestores da Educação Especial nacional perante os órgãos
de administração do sistema de ensino (vide..), quanto de esboços de representação da
estrutura organizacional da Educação Especial em relação aos outros níveis e modalidades do
sistema de ensino brasileiro.
Dentre estes esboços, o expresso na figura 01 indica que as políticas de Educação Especial
são disseminadas a partir de uma das diretorias da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e que esta diretoria é denominada Diretoria
de Políticas Públicas de Educação Especial (DPEE) e composta por três coordenações, a
saber: Coordenação Geral da Política Pedagógica da Educação Especial (CGPPEE);
Coordenação Geral da Política de Acessibilidade na Escola (CGPAE); e, Coordenação Geral
da Articulação da Política de Inclusão nos Sistemas de Ensino (CGAPISE).
Figura 1: Administração Direta do Sistema de Ensino
MEC
CJ
GM
CNE
SE
SAA
SEB
SEPT
SPO
SECADI
SES
CGde
PPEE
SEAS
DP
EDHC
EE
PAE
RE
INES
AEJA
EJ
SERSES
ECIPRER
IBC
APISE
Administração direta do Sistema de Ensino
MEC – Ministério de Educação e Cultura; CJ – Conselho Jurídico; GM – Gabinete do Ministro; CNE – Conselho Nacional da Educação;
SE – Secretaria Executiva; SAA – Subsecretaria de Assuntos Administrativos; SPO – Subsecretaria de Planejamento e Orçamento; RE –
Representação do MEC nos Estados; SEB – Secretaria de Educação Básica; SEE – Secretaria de Educação Superior; SEPT – Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica; SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão; SASE –
Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino; Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior; DP – diretoria política
de; ECIDRER – Educação do Campo, Indígena e para as Relações Étnico-Raciais; AEJA - Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos;
EDHC - Educação em Direitos Humanos e Cidadania; EJ - Educação para a Juventude; EE – Educação Especial; CG – Coordenação Geral
da; PPEE – Política Pedagógica da Educação Especial; PAE – Política de Acessibilidade na Escola; APISE – Articulação da Política de
Inclusão nos Sistemas de Ensino;
Ressalta-se que anteriormente a atual política de Educação Especial, esta modalidade de
ensino tinha uma secretaria própria denominada Secretaria de Educação Especial (SEESP) e
que aparentemente este remanejamento/reposicionamento da gestão da Educação Especial
para “dentro” de uma Secretaria que agrega também departamentos voltados Educação do
Campo, Indígena e para as Relações Étnico-Raciais (DP-ECIDRER); Alfabetização e
Educação de Jovens e Adultos (DP - AEJA ); e, Educação em Direitos Humanos e Cidadania
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(DP- EDHC ); se articula com a lógica de tornar a Educação Especial um dentre outros
serviços de atenção a diversidade destituindo-a do caráter de modalidade de ensino
historicamente efetuada em ambientes segregados.
Por sua vez, a figura 02 representa a estrutura organizacional da Educação Especial perante o
que vem sendo chamado de sistema educacional inclusivo. Assim, a Educação Especial é
representada como modalidade transversal de ensino que “perpassa” todos os níveis
(educação básica e educação superior) e modalidades de ensino (educação profissional e
tecnológica, educação de jovens e adultos, educação básica do campo, educação escolar
quilombola) ofertando serviços denominados como atendimento educacional especializado.
Estes serviços são ofertados para um público alvo composto por pessoas com deficiência, com
transtornos globais do desenvolvimento e/ou com altas habilidades/superdotação, com a
função essencial de complementar e/ou suplementar a formação destes estudantes. Com estas
funções, na educação básica e nas distintas modalidades de ensino, orienta-se que o
atendimento educacional especializado seja realizado no contraturno escolar prioritariamente
em salas de recursos multifuncionais, mas também possivelmente em Centros de Atendimento
Educacional Especializado (filantrópicos, confessionais ou comunitários). Já no ensino
superior prevê-se núcleos de acessibilidade para o atendimento das necessidades das pessoas
que são público-alvo da Educação Especial.
Nestes espaços-tempos professores com formação inicial que os habilite para o exercício da
docência e formação específica para a Educação Especial, partindo de Estudos de caso dos
sujeitos que irão educar, dentre outras ações devem elaborar e aplicar planos de atendimento
educacional especializado e identificar e elaborar recursos pedagógicos e de acessibilidade
considerando a necessidades específicas dos alunos público-alvo da Educação Especial.
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Figura 2: Organização do Sistema Educacional Inclusivo
ES
serviços denominados
EE
NA
PG
abordagem bilíngue
PA
PcD
DI
G
DF
+
CC
SA
EBC
EJA
EM
P
SRMF
T1
colaboração
ou
T2
CAEE
P
EAD
EC
PPP
EE
PcAH/S
F
Complementar
LR
EEQ
PcTGD
DM
EB
4-17 anos
EPT
AEE
DV
DA
TA
RPA
Suplementar
prioritariamente
onde
confessional
filantrópica
comunitária
prática educativa
quando
NAH/S
no contraturno escolar
princípios estruturantes
EF
Inclusão Plena
PAEE
TE
Direitos Humanos
modelo clínico de EE
EI
ER
contraposições
financiamento da matrícula no AEE é condicionado à matrícula no
Sistema Educacional Inclusivo
Legenda
: Elemento da Estrutura Organizacional da EE.
: Nível da Educação Básica
: Modalidade de ensino
Elemento da estrutura da rede regular de Ensino
AEE – Atendimento Educacional Especializado; PA – Público Alvo; PcD – Pessoas com Deficiência; PcTGD – Pessoas com Transtornos
Globais do Desenvolvimento; PcAH/S – Pessoas com Altas Habilidades/Superdotação; DV –Deficiência Visual; DI –Deficiência
Intelectual; DA – Deficiência Auditiva; DF – Deficiência Física; DM – deficiências múltiplas; F – Função; ES – Ensino Superior; EB –
Educação Básica; NA – Núcleos de Acessibilidade; G- Graduação; PG – Pós-graduação; EI – Educação Infantil; EF – Ensino
Fundamental; EM- Ensino Médio; SRMF – Sala de Recursos Multifuncionais; T1 – SRMF tipo 1; T2 – SRMF tipo 2; CAEE – Centro de
AEE; PAEE - Plano de AEE; EC – Estudo de Caso; RPA – Recursos Pedagógicos Acessíveis; PPP – Projeto Político Pedagógico; SA –
Serviço de Apoio; AS
Como indica-se na figura 02 estes serviços seriam estruturados a partir de princípios como o
da inclusão plena e o dos direitos humanos e são discursivamente marcados por
contraposições ao modelo clínico de Educação Especial e à terminalidade específica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Perante este visualização panorâmica da estrutura organizacional da educação especial, nesta
fase inicial da pesquisa, pode-se interpretar que:
1. o público-alvo das políticas de educação especial atuais foi redimensionado/restrito em
relação ao público alvo da Educação Especial de politicas anteriores.
3. a modalidade educação especial, que no início da década se desenvolvia mediante um
conjunto diversificado de serviços de AEE (” (atendimento domiciliar, classe comum, classe
especial, classe hospitalar, centro integrado de Educação Especial, ensino com professor
itinerante, escola especial, oficina pedagógica, sala de estimulação essencial, sala de
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recursos), na perspectiva inclusiva passou a ter uma modalidade de atendimento privilegiada,
qual seja, aquela desenvolvida na sala de recursos multifuncionais por meio do AEE.
3. por enquanto, as instituições privado-assistenciais foram absorvidas como parte do sistema
de serviços de educação especial na perspectiva inclusiva, para aqueles sujeitos em idade
escolar obrigatória e também para todos os outros mediante novos processos de gestão; como
consequência de tal processo, mantêm-se as instituições privado-assistenciais como
beneficiárias de financiamento público;
5. para além do professor do AEE, outros profissionais são elencados como associados com
estes serviços, a saber intérprete de libras, instrutor de libras, monitor/tutor, e o próprio
professor regente das turmas de educação básica, o qual precisa ter em sua formação contato
com conteúdos que favoreçam a prática pedagógica com os alunos da educação especial;
6. os serviços de educação especial estão cada vez mais restritos à acessibilidade e à gestão
dos recursos especializados em detrimento da tarefa fundamental de reflexão acerca das
estratégias pedagógicas a serem utilizadas, tomando como referência o processo de
desenvolvimento escolar dos estudantes.
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