DIREITO AO ESQUECIMENTOi
Introdução
Este trabalho tem o objetivo de analisar o conceito, os pontos mais relevantes, os casos polêmicos e as
posições dos principais tribunais a respeito do direito ao esquecimento.
Certo é que, na sociedade atual dominada pela internet, na qual as informações se espalham numa
proporção assustadora, há de se rever a compreensão acerca do direito à privacidade.
Recai ao Poder Judiciário o encargo de aplicar, da melhor forma possível, as construções legislativas
atuais aos casos concretos, para proteger os direitos fundamenteis, quais sejam, principalmente, o direito
a intimidade e o direito a informação.
Direito à imagem e Direito à intimidade
Nesse primeiro momento é importante destacar as diferenças entre o direito à imagem e o direito à
intimidade.
O direito a imagem trata de aspectos mais referentes ao uso da figura da pessoa, em seus aspectos
físicos, um exemplo de desacato ao direito da imagem seria um fotografo tirar uma foto de uma pessoa na
praia, e sem a sua concordância publicar em uma revista.
Já o direito a intimidade é algo mais complexo, diz respeito a atos e ações que a pessoa faz que são da
esfera pessoal, por exemplo, se um casal está trocando caricias em seu apartamento e alguém do prédio
da frente filma e publica esse vídeo na internet, esta caracterizado o desrespeito ao direito a intimidade
dessas pessoas.
Por tanto conclui-se que, como o próprio nome sugere, o direito a imagem é algo mais ligado ao uso da
imagem de uma pessoa, enquanto o direito a intimidade esta mais relacionado as suas ações.
Direito ao Esquecimento
Também conhecido como “direto de não ser lembrado” ou nos Estados Unidos “ the right to be let alone”,
seria o direito, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, que as pessoas têm de não serem
lembradas por atos praticados no passado, principalmente de ordem criminal, que se vierem à tona
novamente podem causar sofrimento, constrangimento entre outras repercussões negativas, atrapalhando
seu desenvolvimento no âmbito familiar e profissional.
A lógica da argüição do “right to be let alone” é a seguinte: por exemplo, um sujeito cometeu o crime de
pedofilia, havendo sido processado e julgado, uma vez que a pena legalmente cominada foi devidamente
cumprida, não seria justo imputar ao indivíduo a pecha do ostracismo em decorrência de delito cometido
em priscas eras e cuja pena foi exemplarmente aplicada pelo Estado.
Uma vez que o sujeito já está em dia com a justiça criminal, é cruel fazê-lo continuar pagando por uma
pena que já foi cumprida.
Direito ao esquecimento x Direito a informação
Como dito, a era da informação, onde a todo momento e em todo lugar há câmeras de vigilância, e
pessoas com os seus celulares nas mãos para gravar o que quer que seja interessante, torna muito difícil
que o Estado consiga, de forma eficiente e eficaz, proteger o direito a intimidade de todos os cidadãos.
A respeito desse tema a ministra Eliana Calmon[1] do STJ se pronuncia em entrevista a rádio STJ:
O homem do século XXI tem como um dos maiores problemas a quebra da sua
privacidade. Hoje é difícil nós termos privacidade. Por quê? Porque a sociedade moderna
nos impõe uma vigilância constante. Isto faz parte da vida moderna. Agora, esse século XXI
trabalha e tem dificuldade de estabelecer quais são os limites dessa privacidade. Até
quando eu posso me manter com a privacidade sobre o meu agir, 14 sobre os meus dados,
e até que ponto esta privacidade termina por prejudicar a coletividade (CALMON, 2013
apud RADIO..., 2013).
No entanto, não é porque está mais difícil de controlar os fatos noticiados que se pode, simplesmente,
fechar os olhos e deixar a internet, a televisão e os jornais, agirem como bem entender, sem qualquer tipo
de controle ou respeito ao público ou a terceiros. É imprescindível uma vigilância e quando se fizer
necessário, uma intervenção do Poder Judiciário na esfera dos meios difusores de informações.
No que diz respeito ao direito ao esquecimento, é preciso mencionar que nem todo fato ocorrido no
passado terá, obrigatoriamente, que ser proibido de ser rememorado, pois o direito à informação deve ser
respeitado. Em entrevista a revista “Brasília em Dia” o Desembargador Federal Rogério de Menezes
Fialho Moreira[2] do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, aduz que:
No campo criminal, a reabilitação apaga completamente os efeitos do crime cometido. Mas
no mundo dos fatos, não se pode negar que o evento ocorreu. Quando o crime foi de
repercussão midiática, ainda mais difícil se torna a solução. Muitas vezes o fato ganha
repercussão de tal monta que se torna parte da história ou ainda inspira produção literária e
cinematográfica. Os provedores de pesquisa na internet poderiam, por exemplo, bloquear a
menção ao nome de Ronald Biggs quando a busca demanda a frase “assalto ao trem
pagador”? O nome do coronel Ubiratan Guimarães, que restou absolvido e hoje é falecido,
poderia ser suprimido das matérias jornalísticas a respeito do julgamento, dias atrás, de
outros policiais pelo chamado “massacre do Carandiru”? Os réus condenados na ação
principal atinente ao furto ao Banco Central, em Fortaleza, após dois anos do cumprimento
da pena, poderiam pleitear a retirada de seus nomes de toda a sociedade da informação,
quando até mesmo um filme com atores consagrados nacionalmente foi feito a respeito do
episódio? A resposta, evidentemente, seria negativa. Nessas hipóteses, o direito à
informação e à preservação da história deve ter a primazia em relação ao resguardo da
imagem dos envolvidos, pois não se trata de fatos atinentes à privacidade ou à vida íntima
(MOREIRA, 2013 apud DIREITO..., 2013).
Diante do que foi dito pelo Desembargador Rogério Moreira, conclui-se que, de fato o Direito ao
esquecimento tem que ser tutelado, porem, nos casos clássicos, dotados de imensa notoriedade e
enriquecedores para a história do Direito brasileiro podem ter suas informações compartilhadas a qualquer
tempo, isso se da pela tutela de um bem maior, qual seja o Direito a Informação.
Em continuação, arremata o Desembargador[3] que: “O resguardo à privacidade não pode apagar a
história nem pode tolher o direito da imprensa de divulgar, de modo contextualizado, fatos relevantes e de
interesse público” (MOREIRA, 2013 apud DIREITO..., 2013).
Casos polêmicos
Caso chacina da Candelária
Nesse caso tratado no REsp 1.334.097, um homem, primeiramente acusado de ter participado da chacina
da Candelária, foi julgado pelo crime e absolvido de todas as acusações a ele direcionadas.
No entanto, passado algum tempo, e sem nenhuma necessidade pública, o programa Linha Direta, da
Rede Globo, retratou o envolvimento do indivíduo como partícipe nos crimes ocorridos nessa chacina.
A repercussão causada pela veiculação da informação foi tamanha que o sujeito inocentado teve que sair
do local onde morava com a família, além disso, teve seu direito a paz e a privacidade pessoal feridos.
Diante do acontecido, o lesado moveu ação de indenização pelos danos ocorridos, em primeiro grau, o
Magistrado condenou a emissora a pagar R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) por ter violado o direito ao
esquecimento do rapaz. Em grau de apelação, do recurso especial n° 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7),
pagina dois a sentença[4] foi reformada, por maioria, nos termos da seguinte ementa:
Apelação. Autor que, acusado de envolvimento na Chacina da Candelária, vem a ser
absolvido pelo Tribunal do Júri por unanimidade. Posterior veiculação do episódio, contra
sua vontade expressa, no programa Linha Direta, que declinou seu nome verdadeiro e
reacendeu na comunidade em que vivia o autor o interesse e a desconfiança de todos.
Conflito de valores constitucionais. Direito de Informar e Direito de Ser Esquecido, derivado
da dignidade da pessoa humana, prevista no art.1º, III, da Constituição Federal. I - O dever
de informar, consagrado no art. 220 da Carta de 1988, faz-se no interesse do cidadão e do
país, em particular para a formação da identidade cultural deste último. II - Constituindo os
episódios históricos patrimônio de um povo, reconhece-se à imprensa o direito/dever de
recontá-los indefinidamente, bem como rediscuti-los, em diálogo com a sociedade civil. III Do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, e do direito que tem todo
cidadão de alcançar a felicidade, restringe-se a informação, contudo, no que toca àqueles
que, antes anônimos, foram absolvidos em processos criminais e retornaram ao
esquecimento. IV - Por isto, se o autor, antes réu, viu-se envolvido em caráter meramente
lateral e acessório, em processo do qual foi absolvido, e se após este voltou ao anonimato,
e ainda sendo possível contar a estória da Chacina da CandeIária sem a menção de seu
nome, constitui abuso do direito de informar e violação da imagem do cidadão a edição de
programa jornalístico contra a vontade expressamente manifestada de quem deseja
prosseguir no esquecimento. V - Precedentes dos tribunais estrangeiros. Recurso ao qual
se dá provimento para condenar a ré ao pagamento de R$ 50.000,00 a título de
indenização (fls. 195-196).
Caso Aída Curi
Já nesse caso, em que uma menina foi estuprada e morta, nos anos de 1960, na cidade do Rio de
Janeiro. O programa Linha Direta, da Rede Globo, relembrou o fato, usando fotos reais dos registros
policiais da época e indicando o nome da vítima, o que causou grande sofrimento para a família que
relembrou todo o acontecido.
Diante dessa situação, os irmãos da vítima moveram uma ação requerendo indenização por danos morais,
no entanto, tiveram seu pedido negado, o entendimento do tribunal foi que seria inviável tratar do caso
sem expor o nome da vítima. Nesse caso além do interesse público e histórico, a narrativa desvinculada
do nome da vítima se faz impraticável.
Caso Daniela Cicarelli
Um dos casos mais famosos no Brasil sobre invasão de intimidade, é o da modelo e apresentadora
Daniela Cicarelli, que foi filmada fazendo sexo com o seu namorado em uma praia na Espanha. O vídeo
foi exibido por um canal pago de televisão na Espanha e, rapidamente, espalhou-se pela internet e foi
reproduzido por vários sites diferentes virando uma febre mundial.
A apresentadora moveu uma ação judicial no Brasil contra alguns portais eletrônicos que estavam
disponibilizando o vídeo. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) concedeu a medida liminar
para proibir a divulgação do vídeo,segue a ementa[5] constante no acórdão *01814199*:
“Pedido de antecipação de sentença por violação do direito à imagem, privacidade,
intimidade e honra de pessoas fotografadas e filmadas em posições amorosas em areia e
mar espanhóis – Tutela inibitória que se revela adequada para fazer cessar a exposição dos
filmes e fotografias em web-sites, por ser verossímil a presunção de falta de consentimento
para a publicação [art. 273, do CPC] – Interpretação do art. 461, do CPC e 12 e 21, do CC –
Provimento, com cominação de multa diária de R$ 250.000,00, para inibir transgressão ao
comando de abstenção” (TJSP, Agravo de Instrumento 472.738-4, rel. Ênio Zuliane, j.
28/9/2006)
Conclusão
O direito ao esquecimento, é lícito, existe e é legal, inclusive foi pauta importante na VI Jornada de Direito
Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), onde foi difundido o Enuncia 531 “a tutela da
dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”
No entanto, esse Direito não pode ser argüido em todos os casos, para analisar a questão trazida ao
exame do Poder Judiciário se faz necessário sopesar o conflito entre os direitos fundamentais e garantindo
a tutela daquele que se fizer mais importante.
As palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes[6] bem esboçam a pertinência e a
amplitude do direito ao esquecimento:
“Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno
dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação,
por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se á sociedade. Ele
há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária
(MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de Direito Constitucional. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 374)
Parece conveniente que a imprensa permaneça livre, sobretudo para que as informações que, a priori, não
sejam de interesse da grande mídia e de determinados grupos sociais dominantes tenham a possibilidade
de serem veiculado o que, necessariamente, corresponde a uma proteção da democracia e da liberdade
de expressão. Entretanto, há de se instituir uma justa e ponderada forma de se analisar, caso a caso, se
as informações propagadas não burlam direitos à imagem, intimidade e à personalidade dos indivíduos, de
forma que ninguém seja eternamente punido pelos erros do passado.
Referencias Bibliográficas:
[1] Ministra Eliana Calmon, em entrevista a rádio STJ (2013)
[2]Desembargador Federal Rogério de Menezes Fialho Moreira do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, em entrevista a revista “Brasília em Dia” (2013)
[3]Desembargador Federal Rogério de Menezes Fialho Moreira do Tribunal Regional Federal da 5ª Região
(2013)
[4]Apelação do recurso especial n° 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7), pagina dois
[5]Ementa de medida liminar constante no acórdão 01814199, TJSP, Agravo de Instrumento 472.738-4,
rel. Ênio Zuliane, j. 28/9/2006
[6] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 374)
Escrito por Júlia Farias, acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Christus, em outubro de 2015.
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