NAÇÕES UNIDAS A Assembléia Geral Distr. LIMITADA A/HRC/11/L.13 15 junho 2009 Original: INGLÊS CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS Décima-primeira sessão Item 3 da agenda PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DE TODOS OS DIREITOS HUMANOS, DIREITOS CIVIS, POLÍTICOS, ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, INCLUINDO O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO Angola, Argentina, Áustria*, Bielorússia*, Bolívia (Estado Plurinacional da), Brasil, Tchad*, Chile, Colômbia*, Costa Rica*, República Dominicana*, Equador*, Egito, Guatemala*, Honduras*, Itália, Líbano*, México, Mônaco*, Marrocos*, Países Baixos, Nova Zelândia*, Nicarágua, Palestina*, Panamá*, Peru*, Filipinas, Portugal*, Federação Russa, Eslováquia, Somália*, Suíça, Ucrânia, Uruguai: minuta de resolução 11/...Diretrizes de Cuidados Alternativos à Criança O Conselho dos Direitos Humanos, Reafirmando a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção sobre os Direitos da Criança, e celebrando o vigésimo aniversário da Convenção em 2009, Reafirmando também todas as resoluções anteriores sobre os direitos da criança do Conselho, o Comitê sobre Direitos Humanos e a Assembléia Geral, sendo as mais recentes as resoluções do Conselho 7/29 de 28 de março de 2008, 9/13 de 24 de setembro de 2008 e 10/8 de 26 de março de 2009, e a Resolução da Assembléia 63/241 de 23 de dezembro de 2008, Considerando que as Diretrizes de Cuidados Alternativos à Criança, cujo texto está anexado à presente resolução, estabelecem as orientações desejáveis para a política * Estado Não-Membro do Conselho de Direitos Humanos. e a prática com a intenção de aprimorar a implementação da convenção sobre os Direitos da Criança e das disposições relevantes de outros instrumentos internacionais com relação à proteção e ao bem estar das crianças desprovidas de cuidado parental ou que estejam em risco de vir a assim se encontrar, 1. Criança; Dá as boas-vindas à conclusão das Diretrizes de Cuidados Alternativos à 2. Decide submeter as Diretrizes à Assembléia Geral para adoção no vigésimo aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança. Anexo DIRETRIZES DE CUIDADOS ALTERNATIVOS À CRIANÇA1 I. FINALIDADE 1. As presentes Diretrizes visam aprimorar a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança e das disposições relevantes de outros instrumentos internacionais referentes à proteção e ao bem estar das crianças privadas de cuidados parentais ou que correm o risco de vir a assim se encontrar. 2. Fundamentando-se nesses instrumentos internacionais e levando em conta o acervo crescente de conhecimento e experiência nessa matéria, estas Diretrizes estabelecem as orientações desejáveis para política e prática. Foram concebidas para ampla disseminação entre todos os setores direta ou indiretamente envolvidos com questões relativas aos cuidados alternativos, e procuram particularmente: (a) apoiar esforços para manter as crianças com suas famílias de origem ou retornálas aos cuidados destas e, quando isso não for viável, encontrar uma solução adequada e permanente, inclusive por meio de adoção ou da kafala da lei islâmica; (b) assegurar que, enquanto tais soluções permanentes estejam sendo buscadas, ou nos casos em que estas não sejam possíveis ou não atendam ao melhor interesse da criança, as formas mais adequadas de cuidados alternativos sejam identificadas e adotadas, em condições que promovam o desenvolvimento pleno e harmonioso da criança; (c) ajudar e incentivar os governos a assumirem suas responsabilidades e obrigações nessa esfera, levando em conta as condições econômicas, sociais e culturais vigentes em cada nação; e (d) nortear as políticas, decisões e atividades de todos aqueles que estão envolvidos em proteção social e na prestação de assistência à criança, tanto no setor público como no setor privado, inclusive a sociedade civil. II. PRINCÍPIOS GERAIS E PERSPECTIVAS A. A criança e a família 3. Sendo a família o núcleo fundamental da sociedade e o ambiente natural para o crescimento, o bem-estar e a proteção das crianças, os esforços devem-se voltar primariamente para possibilitar que uma criança permaneça no seio da família ou retorne aos cuidados dos país ou, quando apropriado, de parentes próximos. Ao Estado, cabe a responsabilidade de assegurar que as famílias tenham acesso aos meios necessários de apoio em sua função de prestadoras de cuidados. 4. Toda criança e todo jovem deve viver em um ambiente que lhes ofereça apoio, proteção e cuidado e que lhes permita desenvolver plenamente seu potencial. As crianças 1 O conceito de “criança” utilizado pela ONU engloba indivíduos de até 18 (dezoito anos). privadas de cuidados parentais ou que recebem cuidados parentais inadequados correm grande risco de terem negado esse ambiente propício. 5. Caso a família não tenha capacidade de dispensar cuidados adequados à criança ou, mesmo com apoio apropriado, se recuse a fazê-lo, a abandone ou dela abra mão, o Estado é responsável por assegurar cuidados alternativos adequados, dispensados ou intermediados pelas autoridades locais competentes e organizações devidamente credenciadas da sociedade civil. Cabe ao Estado, por intermédio das autoridades competentes, assegurar a supervisão da segurança, bem-estar e desenvolvimento de toda criança colocada sob cuidados alternativos e verificar periodicamente se as providências adotadas continuam adequadas. 6. As decisões, iniciativas e abordagens abrangidas por estas Diretrizes devem ser adotadas caso a caso, visando garantir a segurança da criança e devem alicerçar-se no melhor interesse e nos direitos da criança em apreço, em conformidade com o princípio da não-discriminação e levando em conta a perspectiva de gênero. Devem respeitar integralmente o direito da criança de ser consultada e de ter sua opinião devidamente levada em conta, consistentemente com seu grau de desenvolvimento e com base no acesso da criança a todas as informações necessárias. Todo o esforço deve ser empreendido para possibilitar que tal consulta e o fornecimento de informações sejam realizados no idioma preferido da criança. 6.1 Na aplicação destas Diretrizes, a determinação do melhor interesse da criança deverá ser realizada para identificar ações voltadas às crianças privadas de cuidados parentais, ou que correm o risco de vir a assim se encontrar, mais apropriadas para atender às suas necessidades e direitos, levando em consideração o desenvolvimento pleno e pessoal de seus direitos no ambiente familiar, social e cultural e sua condição como sujeito de direitos, tanto no momento da determinação, como a longo-prazo. O processo de determinação deve levar em conta, entre outras coisas, o direito da criança em ser ouvida e ter seus pontos de vista levados em consideração de acordo com sua idade e maturidade. 7. Os Estados devem desenvolver e implementar políticas abrangentes para o bemestar e a proteção das crianças, no contexto geral da sua política para o desenvolvimento social e humano, aprimorando a prestação de cuidados alternativos, de modo a refletir os princípios contidos nestas Diretrizes. 8. Como parte dos esforços para evitar a separação das crianças de seus pais, o Estado deve buscar assegurar medidas apropriadas e culturalmente sensatas a fim de: (a) Apoiar ambientes familiares cujas capacidades sejam limitadas por fatores como deficiências; uso inapropriado de drogas e álcool; discriminação contra famílias com antecedentes indígenas ou pertencentes e minorias; e vivendo em regiões de conflitos armados ou sob ocupação estrangeira; (b) Proporcionar cuidados e proteção apropriados para as crianças vulneráveis, tais como crianças vítimas de abuso e exploração; crianças abandonadas; crianças em situação de rua; crianças nascidas fora do casamento; crianças desacompanhadas ou separadas; desabrigadas e refugiadas; filhos de trabalhadores migrantes; filhos de asilados; crianças portadoras de HIV/AIDS ou que vivam com portadores da doença, ou afetadas por outras enfermidades graves. 9. Devem ser feitos esforços especiais para combater a discriminação baseada em alguma condição da criança ou de seus pais, com pobreza, etnia, religião, gênero, deficiência mental e física, presença de HIV/AIDS ou outras doenças graves, físicas ou mentais, nascimento fora do casamento e estigma socioeconômico; além de todas as outras condições e circunstâncias que possam dar origem a renúncia, abandono, ou retirada de uma criança de sua família B. Cuidados Alternativos 10. Em toda decisão sobre cuidados alternativos, deve-se levar em conta a conveniência, em princípio, de manter a criança o mais perto possível de sua residência habitual, a fim de facilitar o contato com a família e sua eventual reintegração a ela, bem como minimizar a ruptura de sua vida educacional, cultural e social. 11. As decisões relativas a crianças sob cuidados alternativos, inclusive sob assistência de natureza informal, devem atentar para a importância de assegurar à criança um lar estável e a satisfação da necessidade de um vínculo seguro e duradouro com seus cuidadores, tendo, geralmente, como principal objetivo a permanência. 12. As crianças devem ser tratadas sempre com dignidade e respeito e receber efetiva proteção contra abuso, descaso e todas as formas de exploração por parte dos cuidadores, de seus pares ou de terceiros, qualquer que seja o sistema de assistência em que se encontrem. 13. A retirada de uma criança da família de origem deve ser considerada como último recurso, e deve ser, sempre que possível, temporária e pelo menor prazo possível. As decisões sobre retirada devem ser revistas periodicamente, e o retorno da criança aos cuidados parentais deve ser assegurado quando as causas de sua retirada estiverem resolvidas ou eliminadas, baseadas no melhor interesse da criança, mantendo a avaliação prevista no parágrafo 48 abaixo. 14. A carência financeira e material ou as condições atribuíveis direta e exclusivamente a essa carência não deverão servir de justificativa para retirar a criança dos cuidados dos pais, para receber uma criança em cuidados alternativos ou para impedir sua reintegração, mas deverão antes ser interpretadas como indício da necessidade de prestar apoio adequado à família. 15. Deve ser dispensada atenção à promoção e salvaguarda de todos os demais direitos particularmente pertinentes à situação das crianças privadas de cuidados parentais, inclusive no que se refere ao acesso a educação, saúde e outros serviços básicos, direito a identidade, idioma e proteção da propriedade e dos direitos hereditários. 16. Irmãos ligados por vínculos afetivos não devem ser separados ao serem colocados sob cuidados alternativos, salvo se houver claro risco de abuso ou outra justificativa, tendo em vista o melhor interesse da criança. De qualquer modo, os irmãos devem ter a possibilidade de manter contato entre si, exceto se isso for contrário ao seu desejo ou aos seus interesses. 17. Reconhecendo que, na maioria dos países, as crianças privadas de cuidados parentais são cuidadas informalmente por parentes ou terceiros, o Estado deve conceber meios adequados, consistentes com estas Diretrizes, para assegurar o bem-estar e a proteção dessas crianças enquanto elas estiverem sujeitas a tais cuidados informais, levando em conta o respeito às diferenças e práticas culturais, econômicas e religiosas que não contrariem os direitos e o melhor interesse da criança. 18. Nenhuma criança deverá ficar, em momento algum, sem o apoio e a proteção de um guardião legal ou de outro adulto reconhecido como seu responsável. 19. A prestação de assistência alternativa jamais deve ter o propósito de promover interesses políticos, religiosos, ou econômicos de seus provedores. 20. O recurso à prestação de cuidados em regime de acolhimento institucional deve restringir-se aos casos em que as circunstâncias sejam especificamente adequadas, necessárias e construtivas para a criança em questão e em seu melhor interesse. 21. A opinião predominante dos especialistas é de que os cuidados alternativos de crianças pequenas, particularmente aquelas com menos de três anos, devem ser prestados preferencialmente em ambiente familiar. Exceções a esse princípio poderão ser autorizadas a fim de evitar a separação de irmãos e em casos onde a colocação é de natureza emergencial ou por período predeterminado e de curta duração, que conduza à reintegração familiar ou a alguma outra solução de longo prazo, como resultado. 22. Apesar de reconhecer que as instituições de acolhimento institucional e os serviços de famílias acolhedoras se complementem ao atender às necessidades das crianças, onde ainda houver grandes instituições de acolhimento de crianças, deverão ser buscadas alternativas, no contexto de uma estratégia geral de desinstitucionalização, com objetivos e metas precisas que levem à gradativa desativação dessas instituições. Para tal, o Estado deverá estabelecer parâmetros de atendimento para garantir sua qualidade e condições adequadas ao desenvolvimento da criança, como, por exemplo, atenção individualizada e em pequenos grupos, devendo avaliar tais instituições por esses padrões. As decisões quanto ao estabelecimento ou a licença de novas instituições privadas ou públicas de prestação de assistência a crianças deverão considerar essa estratégia e o objetivo de desinstitucionalização. Medidas para promover a aplicação 23. O Estado deve fazer o máximo esforço para destinar recursos humanos e financeiros suficientes para assegurar uma implementação gradativa e completa destas Diretrizes em seus territórios em tempo hábil. Devem ainda facilitar uma estreita colaboração entre todas as autoridades pertinentes e a integração das questões de bem-estar da criança e da família em todos os ministérios envolvidos direta ou indiretamente. 24. Cabe a cada Estado a responsabilidade de determinar a necessidade de assistência internacional para a implementação destas Diretrizes em seu território e de solicitar a ajuda necessária. Tal solicitação deve merecer a devida consideração e ser atendida sempre que possível e de forma apropriada. Uma implementação mais intensa destas Diretrizes deve constar em programas de cooperação para o desenvolvimento. Ao proporcionar assistência a um Estado, as entidades estrangeiras devem abster-se de qualquer iniciativa que não se coadune com as Diretrizes. 25. Nenhuma informação contida nestas Diretrizes deve ser interpretada de modo a incentivar ou tolerar padrões inferiores aos já vigentes no Estado, inclusive em sua legislação. De igual forma, as autoridades competentes, organizações profissionais e outras entidades são incentivadas a elaborar diretrizes nacionais ou específicas para cada profissão, baseadas na letra e no espírito destas Diretrizes. III. ALCANCE DAS DIRETRIZES 26. Estas Diretrizes aplicam-se ao uso e condições apropriados de cuidados formais alternativos para todas as pessoas menores de 18 anos, a menos que, em face da legislação aplicável, a amioridade da criança for alcançada antes. Somente quando indicado, as diretrizes também se aplicam a ambientes de cuidado informal, dando-se a devida importância tanto ao papel da família extensa e da comunidade quanto às obrigações do Estado para com todas as crianças privadas dos cuidados de seus pais ou guardiões legais ou costumeiros, como prescreve a Convenção sobre os Direitos da Criança. 27. Os princípios destas Diretrizes se aplicam também, no que couber, a jovens que já estão sob cuidados alternativos e que, após os 18 anos, continuarão necessitando desses cuidados e de apoio durante o período de transição, 28. Para os fins destas Diretrizes, e sujeito principalmente às exceções referidas no parágrafo 29 abaixo, vigoram as seguintes definições: (a) Crianças privadas de cuidados parentais: Crianças que não estão vivendo com pelo menos um dos pais por qualquer motivo ou circunstância. Crianças privadas de cuidados parentais, que se encontram fora do seu país de residência habitual ou são vítimas de situações emergenciais, podem ser assim designadas: (i) “desacompanhadas”, se não estiverem sendo cuidadas por algum parente ou por um adulto que, por lei ou por costume, era responsável por fazêlo; ou (ii) “separadas”, se estiverem separadas de alguém que, por lei ou por costume, prestava cuidados, podendo, entretanto, estar acompanhadas de outro parente. (b) Os cuidados alternativos podem ser: (i) Cuidados informais: Qualquer arranjo particular propiciado em ambiente familiar, mediante o qual a criança recebe cuidados por tempo indeterminado por parentes ou amigos (cuidados informais em uma família extensa) ou por qualquer outra pessoa, por iniciativa da própria criança, de seus pais ou de outra pessoa, sem que esse arranjo tenha sido ordenado por autoridade administrativa ou judiciária ou por entidade devidamente credenciada; (ii) Cuidados formais: todos os cuidados fornecidos em ambiente familiar, ordenados ou autorizados por órgão administrativo ou autoridade judiciária, bem como todo cuidado prestado por instituições, inclusive instituições privadas, quer tenham ou não sido resultado de medidas administrativas ou judiciais. (c) Quanto ao ambiente da prestação de cuidados alternativos, esses podem ser: (i) Cuidados de parentes: cuidados baseados na família prestados no âmbito da família extensa da criança, ou por amigos muito próximos da sua família, conhecidos da criança, tanto de natureza formal como informal; (ii) Acolhimento Familiar: situação na qual as crianças são colocadas por uma autoridade competente, para fins de cuidados alternativos, no ambiente doméstico de uma família distinta da sua própria, selecionada, capacitada e aprovada para prestar tais cuidados e sujeita à supervisão; (iii) Outras formas de colocação baseadas na família ou sob cuidados similares ao ambiente familiar; (iv) Acolhimento Institucional: cuidados proporcionados em qualquer ambiente grupal não baseado na família, como locais de segurança para cuidados emergenciais, centros de trânsito em situações emergenciais, e todas as outras instituições de acolhimento de curto e longo-prazos, inclusive residências grupais; (v) Arranjos independentes de moradia supervisionada para crianças. (d) Com relação aos responsáveis pelos cuidados alternativos: (i) Agências são órgãos e serviços públicos ou privados que organizam assistência alternativa para crianças; (ii) Instituições de acolhimento são os estabelecimentos individuais públicos ou privados que proporcionam acolhimento institucional para crianças. 29. No entanto, o alcance dos cuidados alternativos previstos nestas Diretrizes não abrange: (a) Pessoas menores de 18 anos privadas de liberdade por decisão de autoridade judiciária ou administrativa, por serem suspeitas, acusadas ou reconhecidas como infratores da lei e cuja situação é abrangida pelas Regras Mínimas Padronizadas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil e pelas Regras das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade. (b) Cuidados providos por pais adotivos a partir do momento em que a criança é colocada sob sua custódia por meio de uma sentença de adoção, momento esse em que, para os fins destas Diretrizes, considera-se que a criança está sob cuidados parentais. Estas Diretrizes se aplicam, porém, à entrega da criança para os futuros pais adotivos antes da adoção ou durante o estágio de convivência, desde que satisfaçam os requisitos que regem esse tipo de colocação familiar, como estabelecem os instrumentos internacionais relevantes. (c) Arranjos informais, em que a criança voluntariamente fica com parentes ou amigos por um período limitado, para fins de recreação ou por motivos que não estejam relacionados com a inabilidade habitual dos pais de dispensarem cuidados adequados. 30. As autoridades competentes e outros agentes envolvidos são estimulados a fazer uso destas Diretrizes, no que couber, em escolas em regime de internato, hospitais, clínicas para crianças com deficiências físicas ou mentais e outras necessidades especiais, acampamentos, locais de trabalho e outros lugares que tiverem crianças sob sua responsabilidade. IV. : EVITAR A NECESSIDADE DE CUIDADOS ALTERNATIVOS A. Promoção dos cuidados parentais 31. Os Governos devem assegurar que suas políticas ajudem a família a arcar com suas responsabilidades para com as crianças e que promovam o direito da criança a manter relações com ambos os pais. Essas políticas devem abordar as causas fundamentais que levam famílias a abandonar crianças, a abrir mão delas e a delas se separar, além de assegurar, entre outras coisas, o direito ao registro de nascimento e o acesso a moradia adequada, saúde básica, educação e serviços sociais. Tais políticas devem ainda promover medidas para combater a pobreza, a discriminação, a marginalização, o estigma, a violência, o abuso sexual e uso de drogas. 32. O Estado deve desenvolver e implementar políticas consistentes voltadas para a família destinadas a promover e fortalecer a capacidade dos pais de cuidarem de seus filhos. 33. O Estados deve implementar medidas eficazes para evitar o abandono de crianças e separação da criança de sua família. As políticas e os programas sociais devem, entre outras coisas, possibilitar que as famílias adquiram atitudes, habilidades, capacidades e instrumentos para que possam zelar adequadamente pela proteção, cuidado e desenvolvimento dos filhos. Esses esforços devem valer-se complementarmente das capacidades do Estado e da sociedade civil, inclusive das organizações nãogovernamentais e comunitárias, dos líderes religiosos e da mídia, que devem estar envolvidos para este fim. Estas medidas de proteção social devem abranger: (a) Serviços de fortalecimento familiar, que poderão incluir cursos e encontros para pais, promoção de relações positivas entre pais e filhos, capacitação para resolução de conflitos, oportunidades de emprego, geração de renda e, quando necessário, assistência social; (b) Serviços sociais de apoio, como creches, serviços de mediação e conciliação, tratamento de dependência de drogas, assistência financeira e serviços para atendimento de pais e filhos com deficiências. Esses serviços, preferencialmente de natureza integrada e não invasiva, devem ser acessíveis diretamente à comunidade e envolver a participação ativa das famílias como parceiras, combinando seus recursos com os recursos da comunidade e do prestador de cuidados; (c) Políticas voltadas para os jovens, que os capacitem para enfrentar os desafios da vida no dia-a-dia, inclusive quando decidirem deixar a casa parental, e que os preparem como futuros pais, para tomar decisões conscientes a respeito de sua saúde sexual e reprodutiva e cumprir com suas responsabilidades a esse respeito. 34. Diversos métodos e técnicas complementares devem ser utilizados para apoiar a família, variando ao longo do processo de apoio, tais como visitas domiciliares, reuniões de grupo com outras famílias, estudos de caso, e assunção de compromissos pela família em apreço. O objetivo é facilitar as relações no seio da família e promover a integração da família na comunidade. 35. Atenção especial deve ser dispensada, de acordo com as leis locais, ao estabelecimento e promoção de serviços de apoio e cuidados para pais adolescentes e solteiros e seus filhos. O Estado deve assegurar que pais adolescentes retenham todos os direitos inerentes a ambas as condições, de pai e de criança, incluindo o acesso a todos os serviços adequados ao seu próprio desenvolvimento, pensões às quais alguns pais têm direito e direitos sucessórios. Devem ser tomadas medidas para garantir a proteção à gravidez de adolescentes, bem como para garantir que as adolescentes grávidas não interrompam os estudos. Também devem ser feitos esforços para reduzir o estigma atribuído a mães e pais solteiros e adolescentes. 36. Deverão ser dados também apoio e serviços aos irmãos que tiverem perdido os pais ou responsáveis e que optarem por permanecer juntos no lar. Se o irmão mais velho for maior de idade, ou estiver próximo da maioridade, poderá assumir o papel de chefe da família. O Estado deve assegurar, inclusive mediante a designação de um guardião legal ou outro adulto reconhecidamente responsável, na forma prescrita no parágrafo 18 acima, que esses lares gozem de proteção obrigatória contra todas as formas de exploração e abuso, e supervisão e suporte por parte da comunidade local e seus serviços competentes, como assistentes sociais, e atenção particular com a saúde das crianças, habitação, educação e direitos de herança. Deve ser conferida atenção especial para assegurar que o chefe da família detenha todos os direitos inerentes à sua condição de criança, inclusive o acesso a educação e lazer, além de seu direito como chefe de família. 37. O Estado deve disponibilizar serviços de educação infantil, inclusive escola em período integral, e oportunidade de descanso, a fim de que os pais possam cumprir adequadamente com suas responsabilidades familiares, inclusive as responsabilidades adicionais inerentes ao cuidado de filhos com deficiência. Prevenção da separação da família 38. Critérios específicos, baseados em sólidos princípios profissionais, devem ser definidos e consistentemente aplicados para avaliar a situação da criança e de sua família, incluindo a capacidade real e potencial da família para cuidar da criança nos casos em que a autoridade ou entidade competente tenha bases sólidas para crer que o bem estar da criança esteja em risco. 39. As decisões relacionadas à retirada ou reintegração da criança devem basear-se numa avaliação feita por profissionais devidamente qualificados e preparados, em nome ou por ordem de uma autoridade competente, em consulta a todas as pessoas envolvidas e tendo em vista a necessidade de planejar o futuro da criança. 40. O Estado deve adotar medidas de proteção integral e garantia de direitos durante a gravidez, o parto e o período de amamentação, a fim de assegurar condições de dignidade e igualdade para que a gestação transcorra normalmente e para o cuidado da criança. Assim sendo, deve haver programas voltados para futuras mães e pais, particularmente em se tratando de mães e pais adolescentes, que têm dificuldade em exercer suas responsabilidades parentais. Tais programas devem ter como objetivo capacitar mães e pais para exercer suas responsabilidades em condições de dignidade, evitando assim que sejam levados, sem motivo justo, a entregar o filho para adoção devido a sua vulnerabilidade. 41. Quando uma criança for entregue ou abandonada, o Estado deve assegurar que este evento ocorra em condições de sigilo e de segurança para a criança, respeitando seu direito de ter acesso a informação sobre suas origens, se isso for apropriado e permitido pela legislação nacional. 42. O Estado deve formular políticas explícitas para enfrentar casos de crianças abandonadas anonimamente, que levantam a questão da conveniência de se tentar localizar a família e de como proceder, bem como de procurar uma reunificação ou a colocação da criança abandonada aos cuidados de um parente. Essas políticas devem também permitir que se possa decidir prontamente se a criança deve ser encaminhada para uma colocação permanente junto a uma família e que as providências nesse sentido sejam tomadas o mais rápido possível. 43. Quando uma entidade pública ou privada for procurada por uma mãe ou por ambos os pais desejosos de abrir mão da criança em definitivo, o Estado deve assegurar que a família receba aconselhamento e apoio social, a fim de incentivá-la e capacitá-la a continuar cuidando da criança. Se isso for impossível, deve ser feito um estudo por um assistente social, com o intuito de verificar se há outros familiares dispostos a assumir permanentemente e se isso seria o melhor para a criança. Se isso tampouco for possível ou for contra o melhor interesse da criança, devem ser feitos esforços para descobrir, em tempo razoável, a possibilidade de colocação permanente em uma família substituta. 44. Quando uma entidade ou instituição pública ou privada for procurada por um dos pais ou por um prestador de cuidados interessado em colocar uma criança sob cuidados alternativos por um período curto ou indefinido, o Estado deve assegurar que a família receba aconselhamento e apoio social, a fim de incentivá-la e capacitá-la a continuar cuidando da criança. Esta só deve ser colocada sob cuidados alternativos depois que se esgotarem tais esforços e se houver razões fortes e aceitáveis para tal. 45. Deve ser provido treinamento específico a professores e outros profissionais que trabalham com crianças, visando ajudá-los a identificar situações de abuso, negligência ou risco de abandono e de notificar tais situações aos órgãos competentes. 46. A decisão de retirar uma criança contra a vontade dos seus pais terá de ser feita pelas autoridades competentes, de acordo com a legislação e os procedimentos vigentes, e será sujeita a revisão judicial, sendo garantido aos pais o direito ao contraditório e à ampla defesa. 47. Quando o único ou o principal responsável pela criança for condenado à privação de liberdade ou estiver em prisão preventiva, os interesses da criança devem ser considerados acima de tudo. O Estado deve levar em consideração o que seria melhor para a criança, ao decidir pela retirada de crianças nascidas na prisão ou que vivam com um dos pais na prisão. A sua retirada deve ser tratada da mesma forma que a retirada em outros casos. Deve-se fazer o máximo de esforço para assegurar que a criança que ficar na prisão com o pai ou a mãe receba cuidados e proteção adequados, de modo a garantir-lhe a liberdade e a convivência comunitária. B. Promoção da reintegração na família 48. A fim de preparar e apoiar a criança e a família de origem para um eventual retorno, a situação deve ser avaliada por uma equipe multidisciplinar designada por autoridade competente, com a participação de todos os envolvidos (criança, família de origem, provedor de cuidados alternativos), para decidir se a reintegração da criança na família de origem será possível, se será a melhor coisa para a criança, quais seriam os passos necessários e a quem caberia a supervisão. 49. Os objetivos da reintegração e os principais deveres da família e do provedor de cuidados alternativos nessa circunstância devem ser registrados por escrito e acordados por todos os envolvidos. 50. Contato regular e apropriado entre a criança e a família, com vistas especificamente à reintegração, deve ser estabelecido, apoiado e monitorado pela autoridade competente. 51. Uma vez decidida, a reintegração da criança na família deve ser concebida como um processo gradativo e supervisionado, acompanhado de medidas de apoio e de seguimento, considerando a idade da criança, suas necessidades e o grau de desenvolvimento de suas capacidades, além do motivo da separação. V. CONTEXTO DA PRESTAÇÃO DE CUIDADOS 52. A fim de atender às necessidades da criança privada de cuidados parentais, inclusive suas necessidades psicológicas, emocionais e sociais, o Estado deve assegurar condições legislativas, políticas e financeiras, de forma a prover opções adequadas de cuidados alternativos, dando prioridade a soluções baseadas na família e na comunidade. 53. O Estado deve assegurar que haja uma gama de opções de cuidados alternativos, consistentes com os princípios gerais implícitos nestas Diretrizes em relação a cuidados de emergência, de curto e de longo prazo. 54. As entidades e indivíduos empenhados na prestação de cuidados alternativos a crianças devem possuir a devida autorização de uma autoridade competente para fazêlo e submeter-se a monitoramento e supervisão, em conformidade com estas Diretrizes. Para tanto, as autoridades devem estabelecer critérios psicológicos e de outra natureza para a avaliação da idoneidade ética e profissional dos cuidadores para seu credenciamento, acompanhamento e supervisão. 55. Com respeito aos esquemas informais de prestação de cuidados a uma criança, seja no seio da família extensa, seja com amigos ou terceiros, o Estado deve garantir que os cuidadores informem as autoridades competentes a esse respeito para que eles e a criança possam receber apoio financeiro e de outros tipos, que visem a promover o bem-estar e a proteção da criança. Sempre que possível e apropriado, o Estado deve incentivar e possibilitar que os cuidadores informais, com o consentimento da criança e dos pais envolvidos, formalizem o arranjo dos cuidados após um prazo adequado, na medida em que o arranjo tenha sido feito com base no interesse da criança até aquele momento e que continue no futuro previsível. VI. DETERMINAÇÃO DA MELHOR FORMA DE CUIDADOS 56. As decisões sobre cuidados alternativos no melhor interesse da criança devem ser tomadas em consonância com procedimentos judiciais, administrativos ou outro procedimento adequado e reconhecido, incluindo, quando for apropriado, representação legal em nome das crianças em qualquer processo legal. Devem calcar-se em avaliação, planejamento e exames rigorosos, realizados por meio de estruturas e mecanismos estabelecidos, e tomados para cada caso individual, por pessoas devidamente qualificadas, preferencialmente integrantes de uma equipe multidisciplinar. Todas as etapas devem também envolver consultas à criança, 14 consistentes com o grau de desenvolvimento de suas capacidades, bem como a seus pais ou guardiões legais. Para tanto, todos os envolvidos devem dispor das informações necessárias para formular sua opinião. O Estado deve fornecer meios e instrumentos adequados que contribuam para a qualificação e valorização dos profissionais responsáveis por determinar a melhor forma de cuidados, de modo a favorecer a efetivação destas disposições. 57. A avaliação deve ser realizada pronta, cuidadosa e meticulosamente. Deve levar em conta o bem-estar e a segurança imediata da criança, bem como seu cuidado e desenvolvimento a longo-prazo. Deve abranger ainda características pessoais e grau de desenvolvimento, antecedentes religiosos, étnicos, culturais e linguísticos, meio familiar e social, histórico médico e eventuais necessidades especiais. 58. Os relatórios iniciais e de revisão resultantes devem ser utilizados como uma ferramenta essencial para o planejamento das decisões, a partir do momento em que forem aceitos pelas autoridades competentes, a fim de, entre outras coisas, evitar rompimentos desnecessários e decisões contraditórias. 59. As mudanças contínuas de ambiente de prestação de cuidados prejudicam o desenvolvimento da criança, bem como sua capacidade de formar novos vínculos, devendo, portanto, ser evitadas. O objetivo das colocações de curto prazo é ter tempo para que uma solução permanente adequada seja encontrada. A permanência para a criança deve ser assegurada, sem atraso indevido da reintegração em sua família nuclear ou extensa ou, caso isto não seja possível, em um ambiente familiar estável alternativo ou, quando se aplicar o parágrafo 20 acima, em instituições de acolhimento estáveis e apropriados. 60. O planejamento da prestação de cuidados e da permanência deve ser feito o mais breve possível, preferencialmente antes que a criança passe a receber cuidados, levando-se em consideração as vantagens e desvantagens imediatas e de mais longo prazo de cada opção. Propostas de curto e longo-prazo devem ser consideradas. 61. O planejamento da prestação de cuidados deve levar em conta principalmente os seguintes elementos: o nível de vinculação da criança à família de origem; a capacidade da família de origem para proteger a criança; a necessidade ou o desejo da criança de fazer parte de uma família; a conveniência da permanência da criança em sua comunidade e em seu país; seus antecedentes culturais, linguísticos e religiosos; e sua relação com os irmãos, com vistas a evitar a separação entre eles. 62. O plano deve expor claramente, entre outras coisas, os objetivos da colocação e as medidas para atingi-los. 63. A criança e seus pais ou guardiães legais devem ser informados plenamente das opções de cuidados alternativos disponíveis, das implicações de cada opção e de seus direitos e obrigações em relação a cada uma. 15 64. A preparação, aplicação e avaliação de medidas de proteção de uma criança devem ser feitas, até onde for possível, com a participação dos pais ou guardiães legais e eventuais famílias acolhedoras ou cuidadores, respeitando as necessidades, convicções e desejos especiais da criança. A pedido da própria criança, seus pais ou guardiães legais ou outras pessoas importantes na vida da criança também poderão ser consultadas quando da tomada de decisões, à critério da autoridade competente. 65. O Estado deve assegurar que qualquer criança colocada sob cuidados alternativos por uma corte, tribunal ou outro órgão competente, assim como seus pais ou outros com responsabilidade parental, tenham a oportunidade de contestar a decisão relativa à colocação perante um tribunal, bem como ser informados acerca desse direito de contestação e ser auxiliado a faze-lo. 66. O Estado deve assegurar o direito de toda criança colocada sob cuidados temporários a uma reavaliação completa e periódica – preferivelmente a cada três meses – para determinar se os cuidados e o tratamento recebidos são adequados, levando em conta especialmente seu desenvolvimento pessoal e eventuais mudanças nas necessidades e condições de seu ambiente familiar, bem como para, à luz desses fatores, decidir quanto à propriedade e à necessidade da colocação atual. A reavaliação deve ser feita por pessoas devidamente qualificadas e autorizadas, com a plena participação da criança e de todas as pessoas relevantes na sua vida pessoal. 67. A criança deve ser preparada para quaisquer mudanças no esquema de prestação de cuidados, decorrentes do planejamento e dos processos de reavaliação. VII: PROVISÃO DE CUIDADOS ALTERNATIVOS A. Políticas 68. Compete ao Estado ou a nível apropriado de governo assegurar o desenvolvimento e implementação de políticas coordenadas em relação aos cuidados formais e informais para todas as crianças que se encontrarem sem cuidados parentais. Essas políticas devem basear-se em informações e dados estatísticos sólidos. Devem definir um processo para estabelecer quem é responsável por uma criança, levando em consideração o papel de seus pais ou principais cuidadores em sua proteção, cuidado e desenvolvimento. Salvo disposição em contrário, a responsabilidade presumida recai sobre os pais da criança ou sobre os principais prestadores de cuidado. 69. Os órgãos estatais responsáveis por encaminhar ou assistir crianças privadas de cuidados parentais devem, em cooperação com a sociedade civil, adotar políticas e procedimentos que favoreçam o compartilhamento de informações e a formação de redes entre agências e indivíduos, com o fim de assegurar efetivamente o cuidado e a proteção dessas crianças. A localização e a estrutura da agência supervisora do cuidado 16 de crianças devem ser definidas de modo a facilitar ao máximo o acesso para aqueles que necessitam de seus serviços. 70. Deve-se dar atenção especial à qualidade da prestação de cuidados alternativos, tanto em regime de acolhimento institucional como familiar, particularmente no que se refere à qualificação profissional, seleção, treinamento e supervisão de cuidadores, cujo papel e função devem ser claramente definidos e esclarecidos em relação ao papel e às funções dos pais ou guardiães legais da criança. 71. As autoridades competentes de cada país devem elaborar uma declaração dos direitos da criança sob cuidados alternativos, consistente com as disposições destas Diretrizes. As crianças sob cuidados alternativos devem ser instruídas de forma a compreender plenamente as regras, regulamentos e objetivos do local de prestação de cuidados, bem como seus direitos e obrigações. 72. Toda prestação de cuidados a crianças deve basear-se numa declaração escrita que defina as metas, os objetivos, a função e a qualificação do prestador de cuidados e reflita as normas estabelecidas pela Convenção sobre os Direitos da Criança, por estas Diretrizes e pela legislação aplicável. Todos os provedores devem ser apropriadamente habilitados ou aprovados de acordo com as exigências legais para que possam prover serviços de cuidados alternativos. 73. Um marco regulador deve ser estabelecido para assegurar um processo padronizado de encaminhamento ou admissão de uma criança a um serviço alternativo de prestação de cuidados. 74. As práticas culturais e religiosas com relação à prestação de cuidados alternativos, incluindo aquelas relacionadas às perspectivas de gênero, devem ser respeitadas e promovidas desde que estejam de acordo com os direitos e o melhor interesse da criança. O processo de decisão sobre se essas práticas devem ser promovidas deve contar com ampla participação de líderes culturais e religiosos representativos, de profissionais e aqueles que trabalham com crianças privadas de cuidados parentais, pais e outros envolvidos, bem como das próprias crianças. 1. Cuidados informais 75. Visando assegurar que as condições apropriadas de assistência sejam cumpridas nos cuidados informais prestados por indivíduos ou famílias, o Estado deve reconhecer o papel desempenhado por este tipo de cuidado e tomar as providências adequadas para apoiar sua melhor prestação com base em uma avaliação sobre quais ambientes particulares podem exigir assistência ou supervisão especial. 76. As autoridades competentes devem, quando apropriado, incentivar os cuidadores informais a notificarem essa provisão de cuidados, além de procurar assegurar seu acesso a todos os serviços e benefícios disponíveis de forma a auxiliá-los a no cumprimento de suas atribuições de cuidar e proteger a criança. 17 77. O Estado deve reconhecer a responsabilidade “de fato” dos cuidadores informais da criança. 78. O Estado deve planejar medidas especiais e apropriadas destinadas a proteger as crianças nos cuidados informais contra abuso, negligência, trabalho infantil e outras formas de exploração, com atenção especial aos cuidados informais prestados por não familiares, por familiares anteriormente desconhecidos da criança ou distantes do local habitual de residência da criança. 2. Condições gerais que se aplicam a todas as formas de cuidados alternativos formais 79. A colocação de uma criança sob cuidados alternativos deve ser efetuada com o máximo de sensibilidade e com interação com a criança, por pessoas especialmente preparadas e que não estejam uniformizadas. 80. Quando uma criança for colocada sob cuidados alternativos, deve-se incentivar e facilitar o contato com sua família de origem e outras pessoas que lhe são próximas, tais como amigos e vizinhos, em função da proteção da criança e de seu melhor interesse. A criança deve ter acesso a informações sobre a situação de seus familiares, caso não tenha contato com eles. 81. O Estado deve assegurar que as crianças colocadas sob cuidados alternativos em virtude de prisão ou hospitalização prolongada dos pais tenham oportunidade de manter contato com seus pais e receber toda a orientação e suporte necessários a esse respeito. 82. Os cuidadores devem assegurar que as crianças recebam alimentação saudável e nutritiva, de acordo com os hábitos alimentares e padrões dietéticos locais relevantes e com a crença religiosa das crianças. Se necessário, também deve ser propiciada alimentação suplementar adequada. 83. Os cuidadores devem promover a saúde das crianças sob sua responsabilidade e tomar providências para que elas recebam cuidados médicos e outros cuidados de saúde sempre que se fizer necessário. 84. As crianças devem ter acesso à educação formal, informal e profissionalizante, de acordo com seus direitos, sempre que possível nas instituições de ensino da comunidade local. 85. Os cuidadores devem assegurar o reconhecimento do direito da criança, inclusive de crianças com deficiência, infectadas por HIV/AIDS ou portadoras de outras necessidades especiais, de se desenvolver por meio de atividades lúdicas e de lazer e que sejam criadas oportunidades para tais atividades dentro e fora do local de prestação 18 de cuidados. O contato com crianças e outras pessoas da comunidade deve ser incentivado e facilitado. 86. As necessidades específicas de bebês e de crianças pequenas, em matéria de segurança, saúde, nutrição e desenvolvimento, inclusive daquelas com necessidades especiais, devem ser atendidas em todas as instituições de prestação de cuidados, devendo ser incentivada sua vinculação com uma determinada pessoa prestadora de cuidados. 87. As crianças têm direito de satisfazer as necessidades de sua vida religiosa e espiritual, inclusive de receber visitas de um representante qualificado de sua religião, e de decidir livremente pela participação ou não das atividades de sua religião, de instrução ou orientação religiosa. Os antecedentes religiosos da criança devem ser respeitados, e nenhuma criança deve ser incentivada ou persuadida a mudar sua orientação religiosa enquanto estiver sob cuidados alternativos. 88. Os adultos responsáveis por crianças devem respeitar e promover o direito à privacidade, inclusive propiciando instalações apropriadas às necessidades higiênicas e sanitárias, respeitando as diferenças e interações entre gêneros, bem como espaço adequado, seguro e acessível para guardar pertences pessoais. 89. Os cuidadores devem compreender a importância de seu papel no desenvolvimento de relações positivas, seguras e fortalecedoras com as crianças e ser capazes de desempenhar esse papel. 90. As acomodações em todos os locais de prestação de cuidados alternativos devem satisfazer os requisitos de saúde e segurança. 91. Os Governos devem assegurar que as acomodações destinadas a crianças sob cuidados alternativos e a supervisão de tais locais de acolhimento propiciem uma efetiva proteção das crianças contra abuso. Deve ser dada atenção especial à idade, maturidade e grau de vulnerabilidade de cada criança, quando da determinação do local onde ela irá morar. As medidas de proteção das crianças não devem impor restrições injustificáveis à sua liberdade e conduta, em comparação com crianças da mesma idade na sua comunidade. 92. Os locais de prestação de cuidados alternativos devem proteger devidamente as crianças contra sequestro e todas as formas de exploração por terceiros. As restrições de sua liberdade e conduta nesse sentido devem ser apenas as que forem estritamente necessárias para protegê-las eficazmente contra tais atos. 93. Os cuidadores devem promover e incentivar crianças e jovens a desenvolver e exercitar escolhas conscientes, tendo em vista os riscos e a idade da criança, de acordo com o desenvolvimento de suas capacidades. 94. Os Governos, agências, locais de prestação de cuidados alternativos, escolas 19 e outros serviços de atendimento à comunidade devem adotar medidas apropriadas para assegurar que as crianças sob esses cuidados não sejam estigmatizadas durante ou após o acolhimento. Devem ser feitos esforços para minimizar a identificação da criança como alguém que recebe cuidados alternativos. 95. As medidas disciplinares e de controle de comportamento que constituírem tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante, inclusive punição corporal, confinamento, isolamento e quaisquer outras punições suscetíveis de comprometer a saúde física ou mental da criança, devem ser terminantemente proibidas, em conformidade com a lei internacional dos direitos humanos, e sujeitas a penalidades de acordo com a legislação nacional. A restrição de contato com membros da família de origem e com outras pessoas importantes para a criança nunca deverá ser usada como forma de castigo. 96. O uso de força e de qualquer forma de contenção só será admitido quando estritamente necessário para salvaguardar a integridade física ou psicológica da própria criança ou de terceiros, em conformidade com a lei e de modo razoável e equilibrado, preservando-se os direitos fundamentais da criança. A contenção química medicamentosa deve fundamentar-se em necessidades terapêuticas, jamais devendo ser administrada sem a avaliação e prescrição de um médico especializado. 97. Crianças sob cuidados alternativos devem ter acesso a uma pessoa de confiança com quem elas possam se abrir em absoluta confidencialidade. Essa pessoa deve ser designada pela autoridade competente, com a anuência da criança. Esta deve ser informada de que as normas jurídicas e éticas podem exigir o rompimento dessa confidencialidade sob certas circunstâncias. 98. As crianças sob cuidados alternativos devem ter acesso a um mecanismo conhecido, eficaz e imparcial pelo qual possam encaminhar queixas ou preocupações relativas ao seu tratamento ou às condições de sua colocação. Tal mecanismo deve incluir: consulta inicial, resposta, providências e consulta posterior. Jovens que já tiveram experiência de cuidados alternativos devem participar desse processo, dando-se o devido valor a suas opiniões. É necessário que esse processo seja conduzido por pessoas competentes, preparadas para lidar com crianças e jovens. 99. A fim de promover um sentido de identidade própria na criança, deve-se manter, com sua participação, um livro de sua história de vida, contendo informações, fotografias, objetos pessoais e lembranças referentes a cada fase da vida da criança, ao qual ela possa ter acesso ao longo da vida. B. Responsabilidade legal para com a criança 100. Em situações nas quais os pais da criança estiverem ausentes ou incapacitados de tomar decisões diárias no interesse da criança, e a colocação da criança em cuidados alternativos tiver sido decidida ou autorizada por um órgão administrativo competente 20 ou autoridade judicial, um indivíduo ou entidade competente designada deve ter o direito legal e responsabilidade de tomar decisões no lugar dos pais, com consulta à criança. O Estado deve assegurar que seja implantado um mecanismo para a designação desse indivíduo ou entidade. 101. Essa responsabilidade legal deve ser conferida pelas autoridades competentes e supervisionada diretamente por elas ou por instituições formalmente credenciadas, inclusive por ONGs. A entidade outorgante dessa responsabilidade será responsável pelos atos da pessoa designada. 102. Os responsáveis devem ser pessoas idôneas com conhecimento relevante acerca das questões ligadas à infância, capacidade de trabalhar diretamente com crianças e compreensão das necessidades especiais e culturais das crianças a eles confiadas. Devem receber treinamento adequado e apoio profissional. Devem também poder tomar decisões independentes e imparciais e, em particular, não devem ter outros deveres ou interesses suscetíveis de entrar em conflito com seu papel de salvaguardar o melhor interesse das crianças. 103. O papel e as responsabilidades da pessoa designada deverão incluir o seguinte: (a) Assegurar a proteção dos direitos da criança e, em especial, que esta receba os devidos cuidados, acomodações, atendimento de saúde, apoio psicossocial, educação e apoio linguístico; (b) Assegurar que a criança tenha acesso à representação legal ou de outra natureza, caso necessário, em consulta à criança, para que sua opinião seja levada em conta nas decisões das autoridades, e aconselhá-la, mantendo-a informada de seus direitos. (c) Contribuir para a identificação de uma solução estável que seja a melhor para a criança; (d) Providenciar articulação entre a criança e diversas organizações que poderão prestar serviços a ela; (e) Ajudar a criança na localização de sua família; (f) Assegurar, em caso de repatriação ou de reunificação da família, que isso seja feito segundo o que for melhor para a criança; e (g) Ajudar a criança a manter contato com sua família. 1. Agências e instituições responsáveis por cuidados formais 104. A legislação nacional deve estipular que as agências e instituições sejam registradas e obtenham autorização de funcionamento deferida pelos serviços de assistência social ou outras autoridades competentes e que a falha em cumprir com essa legislação constitua um delito punível por lei. A autorização deve ser concedida e periodicamente revista pelas autoridades competentes, que devem basear-se, no mínimo, em critérios atinentes aos objetivos da agência ou instituição, seu funcionamento, recrutamento e qualificação de funcionários, condições de prestação de cuidados, recursos e gestão financeira. 105. As agências e instituições devem ter, por escrito, um enunciado de sua política e 21 prática, consistentes com estas Diretrizes, descrevendo claramente seus objetivos, políticas, métodos e normas de recrutamento, acompanhamento e supervisão de pessoal qualificado e apto para a prestação de cuidados, a fim de assegurar a consecução de seus objetivos. 106. As agências e instituições devem elaborar um código de conduta para seus funcionários, consistente com estas Diretrizes, definindo o papel funcional de cada profissional e especialmente dos cuidadores, incluindo procedimentos claros para denúncia de suposta conduta indevida de qualquer membro da equipe. 107. As formas de financiamento destes serviços não devem jamais incentivar a permanência desnecessária de crianças sob cuidados organizados ou prestados por uma agência ou instituição. 108. Devem ser mantidos registros abrangentes e atualizados referentes à administração dos serviços de cuidados alternativos, inclusive arquivos pormenorizados das crianças, dos funcionários e das operações financeiras. 109. Os registros referentes às crianças sob cuidados devem ser completos, atualizados e seguros, devendo neles constar dados sobre sua admissão e saída, bem como a forma, o teor e os pormenores da colocação de cada criança sob cuidados alternativos, juntamente com os devidos documentos de identidade e outros dados pessoais. Informações sobre a família da criança deverão constar do seu prontuário, da mesma forma que os relatórios resultantes de avaliações periódicas. Esses registros devem acompanhar as crianças enquanto estiverem sob cuidados alternativos e ser consultados por profissionais devidamente autorizados, responsáveis pelo cuidado das crianças. 110. Os registros supramencionados devem ser acessíveis às crianças e aos seus pais ou guardiães, respeitados os limites do direito de cada criança à privacidade e à confidencialidade. Deve haver aconselhamento antes, no ato e depois da consulta ao registro. 111. Os serviços de assistência alternativa devem ter uma política clara de confidencialidade dos dados referentes a cada criança, que seja conhecida e observada por todos os cuidadores. 112. As agências e instituições devem assegurar sistematicamente que, como prática correta, os cuidadores e outros funcionários que terão contato direto com as crianças sejam submetidos à avaliação apropriada e abrangente de sua adequabilidade para trabalharem com crianças. 113. As condições de trabalho, inclusive remuneração, dos cuidadores contratados pelas agências e instituições devem reforçar a motivação e propiciar satisfação de continuidade no trabalho, o que refletirá diretamente em sua disposição para 22 desempenhar seu papel da maneira mais apropriada e eficaz possível. 114. Os cuidadores devem receber treinamento em relação aos direitos e necessidades específicas de crianças privadas de cuidados parentais, especialmente de crianças em situações particularmente difíceis, tais como em colocação emergencial ou fora de sua área ou país de residência habitual. Também deve ser assegurado o respeito aos aspectos culturais, sociais, religiosos e de gênero. O Estado deve fornecer recursos e instrumentos adequados para a valorização desses profissionais, de modo a favorecer a implementação destas disposições. 115. Os cuidadores e demais funcionários contratados por agências e instituições devem receber treinamento para lidar adequadamente com comportamento desafiador, inclusive em técnicas de resolução de conflitos e para a prevenção de atos autodestrutivos ou que prejudiquem a terceiros. 116. As agências e instituições devem assegurar, sempre que for necessário, que os cuidadores sejam preparados para atender a necessidades específicas, particularmente de crianças que vivem e convivem com HIV/AIDS ou outras doenças físicas ou mentais crônicas, ou com deficiência física ou mental. 2. Acolhimento familiar 117. A autoridade ou agência competente deve conceber um sistema e treinar o pessoal envolvido, para avaliar e combinar as necessidades da criança com as habilidades e recursos das potenciais famílias acolhedoras, bem como para preparar as partes envolvidas para o acolhimento. 118. Deve-se manter um cadastro de famílias acolhedoras preparadas em cada localidade, capazes de propiciar cuidados e proteção a crianças, zelando ao mesmo tempo para que elas mantenham vínculos com a própria família, sua comunidade e seu grupo cultural. 119. Devem ser concebidos e disponibilizados programas especiais de preparo, apoio e aconselhamento voltados para as famílias acolhedoras, a serem disponibilizados periodicamente, antes, durante e depois do acolhimento. 120. Os cuidadores devem ter oportunidade, no âmbito das organizações que desenvolvem programas de acolhimento familiar e do sistema de atendimento a crianças privadas de cuidados parentais, de se fazerem ouvir e de influenciar as políticas. 121. Deve-se incentivar a criação de associações de famílias acolhedoras, nas quais elas possam encontrar valioso apoio mútuo e contribuir para a concepção de práticas e políticas. 23 C. Acolhimento institucional 122. As entidades que prestam assistência em regime de acolhimento institucional devem ser pequenas e centradas nos direitos e necessidades da criança, propiciando um ambiente tão próximo quanto possível de uma situação familiar ou de um grupo pequeno. Seu objetivo deve ser a prestação provisória de cuidados e contribuir ativamente para a reintegração da criança na família ou, se isso não for possível, para colocá-la sob cuidados estáveis num contexto familiar substituto, inclusive por meio de adoção ou da lei islâmica de kafala, quando for apropriado. 123. Devem ser tomadas as medidas necessárias para que, quando necessário e apropriado, a criança que necessite somente de proteção e cuidados alternativos possa ser acomodada separadamente das crianças em conflito com a lei. 124. A autoridade competente no nível nacional ou local deve estabelecer procedimentos rigorosos de triagem, a fim de assegurar que todas as admissões a essas instituições sejam apropriadas. 125. O Estado deve assegurar que haja um número suficiente de cuidadores nas instituições de acolhimento, de modo a possibilitar uma atenção individualizada e de dar à criança, caso convenha, a oportunidade de estabelecer vínculos com um deles. Os cuidadores devem também ser distribuídos dentro da instituição de forma a permitir a plena consecução das metas e objetivos e a assegurar a proteção da criança. 126. Leis, políticas e regulamentos devem proibir o convencimento ou recrutamento de crianças para colocação em instituições de acolhimento, por agências, instituições ou indivíduos. D. Inspeção e monitoramento 127. As agências, instituições e profissionais envolvidos na prestação de cuidados devem ser responsáveis perante uma autoridade pública específica, a qual deverá garantir, entre outras coisas, inspeções frequentes compreendendo tanto visitas programadas como não anunciadas, envolvendo observação e discussão com os profissionais e as crianças. 128Na medida do possível e quando apropriado, as inspeções devem conter um componente de treinamento e capacitação dos cuidadores. 129. Os Estados devem ser incentivados a garantir que um mecanismo independente de monitoramento seja implementado, com a devida observação dos Princípios relacionados com a condição de Instituições Nacionais de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos (Princípios de Paris). Esse mecanismo de monitoramento deve ser facilmente acessível às crianças, pais e responsáveis por crianças privadas de cuidados parentais. As funções do mecanismo de monitoramento devem incluir: 24 (a) Consultar, em condições de confidencialidade, crianças que se encontram nas diversas formas de cuidados alternativos, visitar as instituições onde vivem e realizar investigações relativas a quaisquer alegações de violação dos direitos da criança nessas instituições, após queixa ou por iniciativa própria; (b) Recomendar políticas pertinentes às autoridades competentes, no intuito de melhorar o tratamento de crianças privadas de cuidados parentais e de assegurar que o tratamento se coadune com as recomendações e conclusões mais relevantes, derivadas de estudos e pesquisas em matéria de proteção, saúde, desenvolvimento e cuidado de crianças; (c) Submeter propostas e observações a respeito de projetos de lei em pauta; (d) Contribuir independentemente para o processo de prestação de contas em conformidade com a Convenção sobre os Direitos da Criança, inclusive para os relatórios periódicos ao Comitê dos Direitos da Criança, no que tange à implementação destas Diretrizes. E. Apoio pós-cuidados 130. As agências e instituições devem ter uma política clara e observar os procedimentos acordados, relativos ao encerramento, planejado ou não, de seu trabalho com as crianças, a fim de assegurar que essas recebam cuidados apropriados e sejam acompanhadas posteriormente. Um objetivo constante durante todo o período de prestação de cuidados alternativos é o preparo da criança para a autonomia e para se integrar plenamente na comunidade, principalmente mediante a aquisição de habilidades para o convívio social e para a vida, habilidades essas que são desenvolvidas pela participação da criança na vida da comunidade local. 131. O processo de transição do regime de acolhimento para uma fase subsequente deve levar em conta o sexo, a idade, a maturidade e as circunstâncias particulares da criança e incluir aconselhamento e apoio, principalmente para evitar que ela seja explorada. Quando estiverem para sair do regime acolhimento, as crianças devem ser incentivadas a participar do planejamento da fase seguinte de sua vida. Crianças com necessidades específicas, com deficiências, por exemplo, devem contar com um sistema adequado de apoio que, entre outras coisas, evite uma institucionalização desnecessária. O Governo e o setor privado devem ser estimulados, inclusive por meio de incentivos, a empregar adolescentes e jovens provenientes de diversos serviços acolhimento, particularmente aquelas com necessidades especiais. 132. Esforços especiais devem ser feitos para designar a cada criança, sempre que possível, uma pessoa especializada, que possa facilitar sua independência ao deixar os cuidados alternativos. 25 133. Os cuidados a serem prestados posteriormente ao desligamento do serviço devem ser planejados o mais cedo possível, durante o acolhimento e, em todo caso, bem antes da criança deixar o serviço de acolhimento. 134. Oportunidades de educação e qualificação profissional continuada devem ser propiciadas aos jovens que deixarem os cuidados alternativos, a fim de ajudá-los a se tornarem financeiramente independentes e a obter renda própria. 135. Deve-se propiciar também aos jovens, quando eles deixarem os cuidados alternativos e na fase subsequente, acesso a serviços sociais, jurídicos e de saúde, juntamente com apoio financeiro. VIII: PRESTAÇÃO DE CUIDADOS A CRIANÇAS FORA DO SEU PAÍS DE RESIDÊNCIA HABITUAL A. Colocação de uma criança sob cuidados alternativos em outro país 136. Estas Diretrizes devem ser integralmente respeitadas por todas as entidades públicas e privadas e por todas as pessoas envolvidas em providências para o envio de crianças a serem cuidadas em outro país que não o de sua residência habitual, para tratamento médico, hospedagem temporária, repouso ou qualquer outro motivo. 137. Os Estados envolvidos devem assegurar que uma entidade determinada estabeleça as normas específicas a serem observadas e, particularmente, os critérios de seleção dos cuidadores no país anfitrião, de qualidade dos cuidados e de monitoramento, bem como de supervisão e acompanhamento do funcionamento desses esquemas. 138. A fim de assegurar a devida cooperação internacional e a proteção da criança em tais situações, os Estados devem ratificar ou subscrever a Convenção de Haia sobre a Jurisdição, Direito Aplicável, Reconhecimento, Aplicação e Cooperação Relativamente à Responsabilidade Parental e Medidas para a Proteção da Criança (1996). B. Prestação de cuidados a uma criança que já estiver fora de seu país 139. Estas Diretrizes, bem como outros instrumentos e normas internacionais relevantes, devem aplicar-se a todas as entidades públicas e privadas, bem como a todas as pessoas envolvidas em providências tomadas a favor de uma criança necessitada de cuidados em outro país que não o de sua residência habitual, por qualquer motivo. 140. Crianças desacompanhadas ou separadas que já estiverem em outro país devem desfrutar o mesmo nível de proteção e de cuidado que desfrutam as crianças nascidas no país em apreço. 26 141. Ao se determinar a prestação adequada de cuidados, devem ser levadas em conta, em cada caso, a diversidade e as especificidades de crianças desacompanhadas ou separadas (tais como aspectos relativos à experiência migratória ou à diversidade étnica, cultural e religiosa). 142. Crianças desacompanhadas ou separadas, inclusive as que tiverem entrado ilegalmente no país, não devem, em princípio, ser privadas de liberdade por terem infringido qualquer lei pertinente à entrada e permanência nesse país. 143. Crianças vítimas de tráfico não devem ser mantidas sob custódia da polícia nem sujeitas a penalidades devido ao seu envolvimento involuntário em atividades ilegais. 144. Assim que uma criança desacompanhada for identificada, os Estados devem nomear um guardião ou, quando for necessário, representação por uma organização responsável por seus cuidados e bem estar para acompanhar a criança durante a determinação da sua condição e o processo de tomada de decisão. 145. Assim que uma criança desacompanhada ou separada for colocada sob cuidados, deve-se fazer o máximo esforço para localizar sua família e restabelecer os vínculos familiares, caso isso seja o melhor para a criança e não coloque em risco as pessoas envolvidas. 146. A fim de ajudar a planejar o futuro de uma criança desacompanhada ou separada na forma que melhor proteja seus direitos, o Estado e as autoridades na área social devem empregar seus melhores esforços para obter documentação e informações para avaliar o risco a que a criança está sujeita e suas condições sociais e familiares no seu país de residência habitual. 147. Uma criança desacompanhada ou separada não deve ser reenviada ao seu país de residência habitual: (a) se, após uma avaliação de risco e segurança, houver motivos para crer que a segurança da criança ou de sua família corre risco; (b) a não ser que, antes de seu retorno, um prestador de cuidados, como um dos pais, outro familiar, adulto prestador de cuidados, órgão governamental ou agência credenciada de cuidados da infância no país de origem concorde em assumir a responsabilidade pela criança e estiver em condições de fazê-lo e de dispensar-lhe os devidos cuidados e proteção; (c) se, por outros motivos, o retorno não atender ao melhor interesse da criança. 27 148. Tendo em vista esses objetivos, deve-se promover, fortalecer e incrementar a cooperação entre Estados, regiões, autoridades locais e associações da sociedade civil. 149. Deve ser previsto o envolvimento dos serviços consulares ou, na sua falta, de representantes legais do país de origem, quando no interesse da criança e quando não colocar em risco a criança ou sua família. 150. Os responsáveis pelo bem estar de uma criança desacompanhada ou separada deve facilitar a comunicação regular entre a criança e sua família, exceto quando for contra a vontade da criança ou for demonstrado não ser no interesse da criança. 151. A colocação da criança com vistas à adoção ou à kafala da lei islâmica não deve ser considerada como uma opção inicial apropriada no caso de uma criança desacompanhada ou separada. Os Estados devem ser incentivados a considerar esta opção somente após esgotados os esforços para determinar a localização de seus pais, de familiares ou de cuidadores habituais. IX: CUIDADOS EM SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA A. Aplicação das Diretrizes 152. Os princípios estabelecidos nestas Diretrizes devem-se aplicar também a situações de emergência decorrentes de catástrofes naturais ou provocadas pelo homem, inclusive conflitos armados, internacionais ou não, bem como ocupação estrangeira. As pessoas e organizações desejosas de ajudar crianças privadas de cuidados parentais em situações emergenciais devem ser incentivadas a agir de acordo com estas Diretrizes. 153. Em tais circunstâncias, o Estado ou as autoridades de fato na região em foco, a comunidade internacional e as agências locais, nacionais e estrangeiras que estiverem prestando ou tiverem a intenção de prestar serviços voltados para crianças, devem dar especial atenção a: (a) assegurar que as entidades e pessoas que estiverem ajudando crianças desacompanhadas ou separadas tenham suficiente experiência, preparo, recursos e equipamentos para fazê-lo de maneira adequada; (b) providenciar, de acordo com a necessidade, cuidados temporários e de longo prazo com famílias; (c) recorrer ao acolhimento institucional somente como medida temporária, até que se encontre uma solução baseada em convivência familiar; (d) proibir o estabelecimento de novas instituições de acolhimento organizadas para o atendimento simultâneo de um grande número de crianças por um longo prazo; (e) evitar o deslocamento de crianças através de fronteiras, exceto nas 28 circunstâncias previstas no parágrafo 159 abaixo; e (f) tornar obrigatória a cooperação com os esforços de localização da família e de reintegração familiar. Prevenção da separação 154. As organizações e autoridades devem fazer o máximo esforço para evitar a separação de crianças de seus pais ou principais responsáveis, salvo se a separação for melhor para as crianças, e assegurar que suas ações não incentivem inadvertidamente a separação da família, ao propiciarem serviços e benefícios às crianças individualmente e não à família. 155. Separações iniciadas pelos pais ou por outros cuidadores principais da criança devem ser evitados da seguinte maneira: (a) assegurando que todos as famílias tenham acesso a alimentação básica e remédios, além de outros serviços, inclusive educação; e, (b) limitando o desenvolvimento de opções de cuidados alternativos prestados em regime de acolhimento institucional, restringindo-as a situações em que se fizerem absolutamente necessárias. B. Formas de prestação de cuidados 156. As comunidades devem receber apoio para desempenhar um papel ativo de monitoramento e em reposta às questões relativas ao cuidado e proteção de crianças no seu contexto local. 157. A prestação de cuidados na própria comunidade, inclusive o acolhimento familiar, deve ser incentivada, visto que permite a continuidade da socialização e desenvolvimento da criança. 158. Como as crianças desacompanhadas ou separadas correm um risco maior de abuso e exploração, deve-se prever monitoramento dos cuidadores, bem como apoio específico a eles, a fim de assegurar a proteção dessas crianças. 159. As crianças em situações de emergência não devem ser trasladadas para outros países para receberem cuidados alternativos, exceto temporariamente, por motivos forçosos de saúde, tratamento ou segurança. Nesse caso, elas devem ser transferidas para um local tão próximo quanto possível de sua casa, devendo-se logo estabelecer um plano bem definido para a sua volta. 29 160. Se for impossível a reintegração familiar num prazo razoável, ou se a reintegração for considerada contrária ao melhor interesse da criança, deve-se pensar em ‘kafala’ da lei islâmica ou adoção e, se não for possível, em outras opções de longo prazo, como cuidados por família acolhedora, cuidados em regime de acolhimento apropriado, inclusive casas-lares e outros tipos de residência supervisionada. C. Localização de familiares e reintegração na família 161. A identificação, registro e documentação de crianças desacompanhadas ou separadas constituem prioridades em situações de emergência e devem ser feitas o mais prontamente possível. 162. As atividades de registro devem ser realizadas ou supervisionadas diretamente por autoridades governamentais ou por agências devidamente credenciadas, responsáveis por essa tarefa e com a devida experiência. 163. A natureza confidencial dos dados coletados deve ser respeitada e devem ser adotados sistemas para manter e salvaguardar esses dados. Estes só devem ser partilhados com agências autorizadas, para fins de localização de familiares, reintegração familiar e prestação de cuidados. 164. Todas as pessoas envolvidas na localização de familiares, responsáveis legais ou prestadores habituais de cuidados devem seguir a mesma abordagem, utilizando formulários padronizados e sistemas compatíveis entre si. Devem assegurar que suas ações não colocarão em risco nem a criança nem outros envolvidos. 165. A veracidade do parentesco e a confirmação da disposição da criança e dos familiares de se reunirem devem ser verificadas caso a caso. Não se deve tomar nenhuma medida suscetível de interferir na eventual reintegração na família, como adoção, mudança de nome ou mudança para lugares distantes da localidade provável da família, até que todos os esforços para localização tenham sido esgotados. 166. Devem ser feitos registros apropriados de qualquer colocação de uma criança, devendo os mesmos ser mantidos de forma segura para que a reunificação possa ser facilitada no futuro. 30