EVOLUÇÃO DAS CONCEPÇÕES DE ENSINO E APRENDIZAGEM EM PROFESSORES ESTAGIÁRIOS DE BIOLOGIA/GEOLOGIA Maria Helena Santos Silva [email protected] Depto. de Ciências da Educação, Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro- Portugal Maria da Conceição Duarte [email protected] Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho- Portugal CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO No campo do ensino das Ciências, a identificação das concepções epistemológicas e pedagógicas dos professores tem sido alvo de um elevado número de investigações (Hewson e Hewson, 1987; Brickhouse, 1990; Meyer et al.,1999, e entre outros), cujos resultados demonstraram existir uma estreita relação entre as concepções dos professores e a sua prática de ensino. Assim, em algumas situações podem levá-los a alterar o currículo por forma a torná-lo mais congruente com o seu próprio sistema de crenças (Cronin-Jones, 1991), noutras podem influenciar as estratégias, os conteúdos e as actividades que privilegiam na sala de aula (Hewson et al., 1999), afectando, ainda que de uma forma indirecta, a aprendizagem dos seus alunos (Hashwed, 1996). A importância atribuída às concepções dos professores como um dos factores mais determinantes das características da sua prática, tem levado a que alguns autores considerem como um objectivo primordial da formação de professores o de criar condições que possibilitem a sua evolução/reestruturação. Ganham, neste contexto, relevo os modelos de formação de orientação reflexiva (Handal e Lauvas, 1987; Schön, 1995 e Zeichner, 1995), onde o professor é encorajado a examinar as suas teorias e crenças, com base no pressuposto de que o processo de auto-consciencialização sobre a forma como pensa e age, através de uma interligação constante entre a teoria e a prática, constitui uma etapa determinante no referido processo de evolução/reestruturação das suas concepções. Tomando como referência os aspectos teóricos anteriormente abordados, ainda que de forma sucinta, realizou-se um estudo cujo objectivo principal foi o seguinte: OBJECTIVO Investigar a influência dos modelos de formação seguidos durante o estágio pedagógico na evolução das concepções pedagógicas dos professores estagiários. METODOLOGIA Amostra Os professores envolvidos no estudo, encontravam-se a realizar o estágio pedagógico da Licenciatura em Ensino da Biologia/Geologia. Esta licenciatura insere-se num sistema de formação de professores que vigora em Portugal desde os finais da década de setenta (1978) e cujo plano de estudos é concebido exclusivamente para formar professores, através da possibilidade de obtenção de habilitação profissional a par da aquisição de habilitação científica. Embora com possibilidade de diferenças, de acordo com as diferentes instituições de ensino superior que asseguram as Licenciaturas em Ensino, o currículo de formação reflecte uma tentativa de integração da teoria com a prática profissional. No plano curricular coabitam durante os quatro primeiros anos a formação científica da especialidade, a formação pedagógica e a prática pedagógica. No 5º ano, os professores em formação realizam um estágio pedagógico numa escola de ensino básico ou secundário sob a orientação de um professor - orientador pedagógico e de um orientador da instituição de ensino superior responsável pela sua formação. A amostra foi constituída por 11 professores estagiários de Biologia/Geologia que se encontravam a realizar o seu estágio pedagógico em três escolas secundárias, integrados em três núcleos de estágio. Dois deles, grupos C1 e C2 , integravam, respectivamente, quatro professores estagiários e constituíram os grupos de controlo; o outro grupo, E, formado por três professores estagiários constituiu o grupo experimental. A escolha do grupo E para experimental deveu-se ao facto da orientadora pedagógica ter previamente colaborado num estudo (Silva e Duarte, no prelo) onde se procurou avaliar a viabilidade e eficácia de um modelo de formação reflexiva de professores. Modelos de formação seguidos nos diferentes grupos Os modelos de formação integraram diferentes fases, nas quais foram desenvolvidas diversas actividades (Silva e Duarte, 2001). O modelo de formação do grupo experimental, da responsabilidade conjunta da orientadora pedagógica da escola e das autoras do estudo, procurou incorporar princípios de uma abordagem reflexiva de supervisão com vista a que os professores estagiários desenvolvessem atitudes de reflexão e de análise crítica da prática. Os modelos de formação dos grupos de controlo foram da responsabilidade das respectivas orientadoras pedagógicas. Contudo, a assistência prolongada de uma das autoras do estudo como observadora dos grupos de controlo (Erickson, 1986), possibilitou caracterizar o modelo de formação seguido, como essencialmente centrado na aquisição de saberes, saber fazer e atitudes previamente definidas como necessárias a um bom desempenho profissional. Recolha de dados Com o propósito de atingir o principal objectivo deste estudo, procedeu-se à aplicação de um questionário aos 11 professores estagiários em dois momentos distintos do estágio pedagógico: início e fim das actividades de estágio. O questionário incluía três questões abertas: O que entende por ensinar Ciências? O que entende por aprender Ciências? Qual o papel do professor no sentido de facilitar a aprendizagem das Ciências? Tratamento de dados Numa primeira etapa elaborou-se uma listagem dos atributos dominantes nas diferentes respostas ao questionário. A listagem dos atributos relativos à concepção de ensino incluiu atributos presentes nas respostas às questões: O que é ensinar ciências ? e Qual o papel do professor no sentido de facilitar a aprendizagem dos alunos?, por considerarmos que elas se complementavam. Numa segunda etapa procedeu-se à classificação das respostas, a partir dos atributos identificados. A classificação foi feita com base na proposta de modelos de ensinoaprendizagem referida por Smith e Anderson (1983, em Hewson e Hewson, 1987) e Hashwed (1996), a seguir apresentados: A - Modelo de ensino-aprendizagem como descoberta – O professor valoriza o papel activo do aluno na construção do seu conhecimento sem ter necessariamente em consideração as suas concepções alternativas. Pode no entanto aceitá-las quando colocadas pelos alunos. Atributos considerados: A1-Papel activo e interventivo do aluno; A2-Proporcionar situações em que os alunos construam o conhecimento. B - Modelo de ensino-aprendizagem como compreensão do conteúdo – A aprendizagem ocorre por recepção e compreensão do conteúdo, tentando que o aluno compreenda as relações entre os conteúdos. O professor explica o conteúdo de forma interessante e coerente usando exemplos, demonstrações e trabalhos experimentais. Atributos considerados: B1- Transmitir com clareza os conteúdos; B2- Relacionar os novos conteúdos com os anteriormente aprendidos; B3- Realizar experiências para familiarizar os alunos com a actividade experimental. C- Modelo de ensino-aprendizagem construtivista – O professor valoriza o papel activo do aluno na construção do seu próprio conhecimento considerando as suas concepções alternativas. As actividades de ensino são planificadas de acordo com essas concepções. O professor encara a aprendizagem como uma mudança/reestruturação de conceitos. Atributos considerados: C1- Diagnosticar concepções alternativas; C2-Facilitar o confronto dos alunos com as suas ideias; C3- Proporcionar situações em que os alunos construam o conhecimento com base nas suas concepções alternativas; C4- Confrontar ideias através da discussão e/ou actividades práticas; C5- Alterar concepções alternativas. RESULTADOS As tabelas I e II apresentam os resultados obtidos com as duas aplicações do questionário. TABELA I Atributos presentes nas respostas dos professores estagiários à questão do questionário: “O que entende por aprender Ciências?” N=11 Atributos C1 Professores Grupos de Estágio C2 Professores P1 P2 P3 P4 P1 P2 P3 P4 1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º 2º Adquirir novos conhecimentos X X X O aluno deve ter um papel activo X X X X X Construir conhecimentos X X X X X X Compreender a aplicação dos X conteúdos ao quotidiano Adquirir/desenvolver capacidades X X Confrontar ideias através da discussão e/ou actividades práticas Construir conhecimento a partir X das suas ideias Alterar concepções alternativas X X Relacionar conhecimentos com os X X X anteriormente aprendidos Compreender conteúdos X X X Aplicar conhecimentos a novas X X situações Resolver problemas X X Nota- 1º- Início do ano de estágio; 2º- Final do ano de estágio E Professores P1 P2 P3 1º 2º 1º 2º 1º 2º X X X X X X X X X X X X TABELA II Atributos presentes nas respostas dos professores estagiários às questões do questionário: “O que entende por ensinar ciências?” “Como pode o professor facilitar a aprendizagem das ciências?” N=11 Atributos Transmitir com clareza os conteúdos Relacionar os novos conhecimentos com os anteriormente adquiridos Realizar experiências para familiarizar os alunos com a actividade experimental Permitir aos alunos um papel activo e interventivo Proporcionar situações em que os alunos construam o conhecimento a partir das suas concepções alternativas Proporcionar situações em que os alunos construam conhecimento através de actividades de descoberta orientada Proporcionar situações em que os alunos construam o conhecimento Diagnosticar concepções alternativas Seleccionar estratégias que permitam que o aluno abandone as suas concepções alternativas Desenvolver capacidades Motivar os alunos para a aprendizagem Colocar os alunos perante situações problemáticas Associar os conteúdos à experiência quotidiana dos alunos Orientar o aluno na sua aprendizagem Facilitar o confronto dos alunos com as suas ideias O professor deve ter um papel passivo, de orientador Adaptar o ensino às características dos alunos Estabelecer uma relação agradável com os alunos Proporcionar bom ambiente de trabalho Nota: 1º- Início do ano de estágio; 2º- Final do ano de estágio C1 Professores P1 P2 P3 P4 1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º 2º X X X X X X X X X X X X Grupos de Estágio C2 Professores P1 P2 P3 1º 2º 1º 2º 1º 2º X 2º X X X X X X P4 1º X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X E Professores P1 P2 P3 1º 2º 1º 2º 1º 2º X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X No início do ano de estágio os atributos presentes nas respostas dos professores dos diferentes grupos de estágio distribuem-se pelos diferentes modelos considerados, não possibilitando o estabelecimento de uma relação clara entre os conceitos de ensino e aprendizagem, explicitados pelos professores e os referidos modelos. Contudo, apesar das excepções presentes em todos os grupos (P4 , P1 e P3 respectivamente dos grupos C1 , C2 e E) verificou-se uma tendência mais ou menos acentuada, de acordo com o professor em análise, para a valorização de alguns dos atributos considerados como representativos de um modelo de ensino-aprendizagem construtivista. Analisando a evolução dos conceitos de ensino e aprendizagem dos três grupos ao longo do ano de estágio verificaram-se algumas diferenças nas tendências de evolução das representações dos diferentes elementos de cada grupo. Os elementos do grupo C1 deixaram de valorizar nas suas repostas os atributos identificados com um modelo de ensino-aprendizagem construtivista passando a valorizar atributos mais próximos de um modelo de compreensão do conteúdo. Tornaram-se ausentes nas respostas do professor P1 atributos como: “facilitar o confronto dos alunos com as suas ideias”(tabela II), “construir o conhecimento a partir das suas ideias”(tabela I), “alterar concepções alternativas” (tabela I); nas respostas do professor P2 igualmente se tornaram ausentes atributos como: “diagnosticar concepções alternativas” e “facilitar o confronto dos alunos com as suas ideias”. Os professores P3 e P4 , que tinham iniciado o estágio com representações do processo de ensinoaprendizagem mais próximas de um modelo de compreensão do conteúdo, foram os elementos que menos alterações sofreram nos seus conceitos. No que diz respeito ao grupo C2 , há atributos valorizados inicialmente por alguns dos seus elementos (P2 , P3 e P4 ), e identificados com um modelo construtivista de ensinoaprendizagem, que se mantêm no final do ano de estágio. A análise do conteúdo das respostas dadas na segunda aplicação do questionário mostra serem os professores P2 , P3 e P4 aqueles que mantiveram ao longo do ano de estágio o atributo “diagnosticar as concepções alternativas”. Os resultados parecem indicar que os professores deste grupo não possuem uma representação do processo de ensino-aprendizagem consistente com nenhum dos modelos considerados. Valorizam de forma muito clara a construção do conhecimento através da utilização do método da descoberta e simultaneamente consideram a importância das concepções prévias dos alunos no seu processo de aprendizagem. São exemplos de respostas dadas ao questionário: “...o professor deve planificar o ensino com base nos alunos que possui tendo como ambição que atinjam os objectivos através de uma aprendizagem por descoberta orientada”. (P2 ) “...defendo a prática da aprendizagem por descoberta orientada que ajuda o aluno a conhecer, dando-lhe um papel activo na construção do seu conhecimento e ao professor o papel de orientador”. (P3 ) Relativamente ao grupo E as respostas dadas ao questionário permitem constatar uma evolução das representações dos elementos deste grupo no sentido de um modelo construtivista de ensino-aprendizagem. Assim, o professor P3 passa a valorizar atributos representativos de um modelo de ensino-aprendizagem construtivista. Os professores P1 e P2 que na situação inicial já valorizavam alguns atributos relativos a um modelo construtivista, clarificaram e consolidaram os seus conceitos no sentido de uma maior aproximação a esse modelo. Referências à “importância de diagnosticar concepções alternativas”, “facilitar o confronto dos alunos com as suas concepções”, “proporcionar situações que permitam que os alunos construam o seu conhecimento a partir das suas concepções alternativas”, constituem atributos presentes nas respostas elaboradas no final do ano de estágio por todos os elementos do grupo. A análise dos resultados obtidos com as duas aplicações do questionário permite constatar que são os elementos deste grupo de estágio aqueles que valorizam no final do ano de estágio um maior número de atributos identificados com um modelo construtivista de ensino aprendizagem. CONCLUSÕES Os resultados obtidos parecem apoiar as convicções de vários autores que defendem a necessidade de serem consideradas as concepções prévias dos professores a quando do seu processo de formação, de forma a que seja facilitado o seu processo de reconstrução para perspectivas mais consonantes com as actualmente valorizadas para o ensinoaprendizagem das Ciências. O facto de no início do estágio pedagógico, não existirem grandes diferenças entre os professores estagiários dos diferentes grupos no que diz respeito aos atributos mais referidos e de essas se terem acentuado à medida que o ano de estágio decorreu, parece apoiar essa convicção. As diferenças verificadas entre as duas aplicações do questionário parecem apontar para a influência do modelo de formação seguido no decurso do estágio pedagógico, na reestruturação das concepções dos professores estagiários. Na nossa perspectiva, aos resultados obtidos no grupo experimental não foi alheia a inclusão, no modelo de formação implementado (Silva e Duarte, 2001), de actividades reflexivas que valorizaram a auto e hetero reflexão crítica sobre as estratégias implementadas na sala de aula, bem como a ênfase atribuída ao aluno no seu próprio processo de aprendizagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRICKHOUSE, N. (1990). Teachers’ beliefs about the nature of science and their relationship to classroom practice. Journal of Teacher Education, Vol 41, nº 3, pp. 5362. CRONIN-JONES, L. (1991). Science teacher beliefs and their influence on curriculum implementation: two case studies. Journal of Research in Science Teaching, Vol 28, nº 3, pp. 235-250. ERICKSON, (1986). Qualitative methods in research on teaching. Em: Wittroch, M. C. (edit.). Handbook of Research on Teaching. New York. Macmillan, pp. 119-161. HANDAL, G. y LAUVAS, P. (1987). Promoting reflective teaching. Supervision in action. England. Open University Press. HASHWED, M. (1996). Effects of science teachers' epistemological beliefs in teaching. Journal of Research in Science Teaching, Vol 33, nº1, pp. 47-63. HEWSON, P. y HEWSON, M. (1987). Science teachers' conceptions of teaching: implications for teacher education. International Journal of Science Education, Vol 9, nº4, pp. 425-440. HEWSON, P. et al. (1999). Educating prospective teachers of biology: findings, limitations and recommendations. Science Education, Vol 83, nº3, pp. 373-384. MEYER, H. et al. (1999). Relationships between prospective elementary teachers' classroom practice and their conceptions of biology and of teaching science. Science Education, Vol 83, nº 3, pp. 323-346. SCHÖN, D. (1995). Formar professores como profissionais reflexivos. Em: Nóvoa, A.(cood.). Os professores e a sua formação. (2ª ed.) Lisboa. D. Quixote, pp. 79-91. SILVA, H. y DUARTE, M. C. (no prelo). Formação de professores reflexivos. Resultados de um estudo piloto. Comunicação apresentada no II Congresso de Educação do Algarve. SILVA, H. y DUARTE, M. C. (2001). O diário de aula na formação de professores reflexivos: resultados de uma experiência com professores estagiários de Biologia/Geologia. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Vol 1 nº2, pp. 73-84. ZEICHNER, K. (1995). Novos caminhos para o practicum. Em: Nóvoa, A. (coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa. Dom Quixote, pp. 117-138.