(In) disciplina: olhares plurais
Escola e família em ação – professores e pais em interação
Feliciano H. Veiga 1
Instituto de Educação a Universidade de Lisboa
Resumo
A problemática da indisciplina e da disciplina tem surgido como atual, quer na escola
quer na família, e como importante em diferentes modelos teóricos e de investigação. O
objetivo principal desta conferência é considerar especificidades do desempenho da
autoridade, na escola e na família, destacando elementos que valorizem a prevenção da
indisciplina e a intervenção nos comportamentos de transgressão dos alunos. Falar da
dimensão longitudinal da transgressão, na família e na escola, implica considerar
variáveis como: educação e valores, (des)humanização, percursos da ciência e da
investigação. O problema de pesquisa aqui focado é o seguinte: Como se processa a
autoridade na família e na escola, e como se diferenciam os alunos no desempenho
académico, devido à forma como tal autoridade é exercida? Pode constatar-se que, ao
longo da história, o maior erro da educação (e da ciência) foi “o autoritarismo” e, mais
recentemente, “a permissividade” e a “inconsistência” no exercício do poder. São
relevados conceitos centrados na relação interpessoal e ilustrados com textos declamados
– “Ó pais que só pensais em trabalhar” e “O corcundinha” –, enquanto quadros vivenciais
e motivadores da intervenção psico-educacional no envolvimento dos alunos na escola.
Como implicações, são propostos conteúdos curriculares específicos na formação de
professores (e de pais), que têm como objetivo a aquisição de conhecimentos e
competências que possibilitem criar relações de acompanhamento aos alunos (e aos
filhos), sobretudo aos que não gostam da escola.
Palavras-chave: indisciplina; disciplina; comunicação; relação professor-pais; formação
de professores; envolvimento dos pais.
______________
1
Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Grupo Psicologia da Educação. Alameda da Universidade,
1649-013, Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected] Artigo baseado na Conferência proferida no
Agrupamento de Escolas Viseu Sul, no âmbito do projeto "ESCOLA E FAMÍLIA EM
FORMAÇÃO/AÇÃO — PEFF/A", em 13 de março de 2015. As ideias apresentadas foram adaptadas do
livro de F. H. Veiga (2007), Indisciplina e violência na escola: Práticas comunicacionais para professores
e pais, bem como da Conferencia proferida na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, na Aula
Inaugural do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, em 12 de fevereiro de 2014. Apoio: Fundação
para a Ciência e a Tecnologia.
Importância e atualidade do tema
O aumento dos comportamentos de indisciplina tem vindo a ocorrer em muitas
escolas. Muitos professores, confrontados com tais comportamentos, sentem-se ansiosos
antes de entrar na aula, durante a aula e depois das aulas. Alguns pais receiam pelo que
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possa acontecer aos seus filhos. Alguns alunos sentem um clima de insegurança e medo
nas escolas.
Dada a existência de tais comportamentos, a escola e a família merecem ser
consideradas, até porque o futuro do mundo, de quem mais depende é, em primeiro
lugar dos pais e, depois, é dos professores. Um estudo realizado nos Estados Unidos da
América refere que, em 15% das escolas das grandes cidades e em 8% de todas as escolas,
ocorrem graves comportamentos de indisciplina. Outros autores observaram que, na GrãBretanha, a principal causa do stress dos professores, quer urbanos quer rurais, era o
comportamento indisciplinado dos alunos. Outros referem que a maior causa do
aborrecimento dos professores é a ação dos alunos com comportamentos indisciplinados.
Também no nosso país os comportamentos de indisciplina nas escolas tem vindo a ser
motivo de preocupação para professores e pais (Veiga, 2012). Poderemos perguntar: qual
o maior fator da indisciplina escolar ou da violência juvenil? Para uns é a falta de valores
(familiares, escolares e sociais), para outros a falta de perspetivas quanto ao futuro, para
outros um sintoma de ruturas. Para outros – e esta ideia também corre infelizmente por aí
– a culpa seria dos professores, ou seja, quem deveria responder pelos atos de indisciplina
dos alunos seria o professor e não os alunos. Aos que defendem esta posição, pergunto:
não é o aluno que comete o ato indisciplinado? Então, por que motivo atribuir a causa ao
professor? O primeiro que deverá ser responsabilizado por um ato de indisciplina é,
obviamente, quem o comete. De fato, será possível alguém mudar sem reconhecer que
errou?
Em turmas com muitos alunos, num sistema educativo que tem vindo a apresentar
tantas dificuldades em conduzir os jovens ao prazer em aprender, à realização escolar e
profissional, os comportamentos de indisciplina podem, até, ter um lado útil e positivo,
sobretudo se encarados como um apelo à mudança de algo que não deveria existir.
Num rápido percurso pela situação atual do mundo, dito moderno, deparamos com
múltiplos países em guerra, com movimentos extremistas que insistem em espalhar o
medo e o terror em locais mais imprevistos. Este estado de coisas tem vindo a fortalecer
uma subcultura de pequenos adolescentes vagabundos, com os seus próprios dialetos e
organização social. Estes grupos são, assim, como que o eco distante de uma família que
perderam ou que nunca tiveram.
Que soluções tem o mundo, dito moderno, para tal estado de coisas que
envergonha a humanidade? Cabe perguntar: mas, afinal, que educação é essa que tem
levado alunos a causar sofrimento a professores? No passado, os padrões sociais e
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educativos baseavam-se na relação superior-inferior em que o primeiro mantinha o seu
domínio por meio de ameaças, de castigos, prémios ou concessão de privilégios.
Entendeu-se, mais tarde, que tais métodos não eram eficazes, nem muito menos
preparavam as gerações futuras para a vida democrática. O desenvolvimento da pessoa e
da moralidade social requereria novos métodos para a resolução dos conflitos.
O aumento da consciencialização dos direitos dos alunos (Veiga, 1999) veio
abalar os métodos tradicionais de disciplina em que muitos pais e alguns professores
encontravam “segurança”, sem que, entretanto, tenham adquirido novas competências
educacionais. Alguns pais mantêm-se presos aos métodos autoritários do passado.
Ignoram ainda, ou nem se lembram que a relação autoritária inibe a troca de argumentos
e a educação (Veiga, 2013). Nas escolas, passou-se do autoritarismo tradicional para uma
permissividade elevada. Alguns pais e alguns professores encontram-se ainda num
período de transição para uma educação baseada na compreensão e responsabilidade.
O tempo de comunicação entre pais e filhos ou entre professores e alunos, aparece
como escasso e não significativo. Reage-se ainda muito à ofensa com ofensa, à agressão
com agressão e à indiferença com indiferença. Muitos alunos não aprendem, não porque
não tenham capacidades para aprender, mas porque alguém os convenceu de que não
tinham capacidades para aprender. Temos alunos que abandonam a escola convencidos
de que “não têm cabeça” para a escola, não porque não tenham capacidades, mas porque
alguém os foi levando a verem-se como sujeitos sem valor. Muitos destes alunos, assim
excluídos, vão engrossar a marginalidade social. Outros alunos permanecem na escola,
mas, com os seus atos de extrema indisciplina, impedem o funcionamento das aulas,
danificam materiais e martirizam a vida dos professores. Se a escola não encontrar formas
de atrair para si própria os alunos, teremos perante nós cada vez mais escolas a fechar,
para se abrirem as portas das cadeias, sarcasticamente, como prova da nossa incapacidade
de saber trabalhar... e amar. Ora, é na família que tudo começa (o poema, que peço para
ser lido, com o título Ó pais que só pensais em trabalhar foi redigido num momento em
que me encontrava mais pensativo acerca da função dos pais na sociedade dos nossos
dias). Cada vez me convenço mais de que não basta a um aluno ter capacidades para
aprender; tão importante, ou mais, é acreditar nas capacidades e no esforço para
obter sucesso. Esta crença depende do tipo de autoridade e comunicação na família e,
depois, na escola.
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A desorientação internacional
No recente livro de Adriana Moreira (2013), intitulado “Memórias do outono
ocidental: um século sem bússola”, o professor, falando de um mundo sem norte, referese a um globalismo à deriva, que leva ao recuo dos direitos humanos. Explica a
desorientação de órgãos internacionais, como a própria Organização das Nações Unidas,
que atuam sem “conceito de coordenação estratégica” e fecham os olhos ao liberalismo e
ao economicismo, que, destruindo o estado social, corrói a confiança entre as sociedades.
Fala da “troca do valor das coisas pelo preço das coisas” (Nóvoa, 2014, p.16), adverte
que “só há futuro se respeitarmos o eixo da roda que são as pessoas e os valores” (p.68)
e apela à “vigilância ativa do humanismo” (p.378). Assim, falar de Escola-Família
implica considerar variáveis importantes, que aqui ficam centradas em duas: “educação e
valores”.
Educação e valores
Num estudo de 2014, intitulado “Literacia Social: os valores como Fundamento
de Competência”, da Universidade Católica Portuguesa e do Instituto Luso para o
Desenvolvimento Humano, os indivíduos com mais habilitações escolares e com mais
rendimentos econômicos foram os que deram menos importância à solidariedade, à
justiça e aos valores democráticos. Quanto mais avançamos nos níveis de instrução, do
1° ciclo ao ensino superior, a importância da justiça ou da solidariedade vai baixando
progressivamente. Os mais instruídos e os mais ricos são aqueles que mais desvalorizam
a justiça e a solidariedade. Quando questionados sobre a importância de ajudar os outros,
87% dos inquiridos com o 1° ciclo respondem afirmativamente; essa percentagem baixa
para 83% quando os inquiridos têm o 2° ciclo; para 74% quando têm o 3° ciclo; para 59%
quando têm bacharelado; e ficando o valor mais baixo na fatia dos licenciados, mestres
ou doutorados, com 53%. A mesma pergunta cruzada com os níveis de rendimento revela
que 86% dos inquiridos que ganham até 500 euros consideram muito importante ajudar
os outros; essa percentagem decresce à medida que os rendimentos aumentam, chegando
a 47% com o grupo dos que ganham mais de quatro mil euros por mês. Como é que isto
é possível? A explicação passa pelo fato de os elevados rendimentos e os elevados níveis
de instrução “serem contrários” àquilo que é a harmonia social e o desenvolvimento
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pessoal, o que revela que é preciso mudar os currículos escolares, tão afastados que
estão dos valores humanos.
Poderíamos colocar aqui a descrição do facto de que a Alemanha, que já por 3
vezes neste século viu a dívida perdoada, assumiu em reunião do euro-grupo a
manutenção da dívida da Grécia. Precisamos, de facto, de olhar para o lado, precisamos
de uma Educação para a solidariedade.
Diante do exposto, o que se pode pensar do que tem sido e do que quer ser a
Educação, na sua dimensão de aplicação à escola e à família? Na derivação de uma ideia
de George Shaw, prêmio Nobel de Literatura em 1925, “tem-se passado muito tempo a
descrever as coisas como elas são e a dizer por quê, em vez de sonhar com coisas que
não existem e perguntar por que não”. Se a Educação e o Ensino não enveredarem por
um conceito de busca criativa do bem para todos, estarão condenadas a não serem
“grandes”. Para isso, é preciso aceitar fazer muitas pequenas coisas: quem não for capaz
de aceitar fazer pequenas coisas jamais verá perante si as coisas grandes. Fazê-las
no âmbito da cooperação institucional da Educação pode ser uma boa forma. O estudo da
motivação dos alunos pode ser o tema de um projeto, para o qual deixo aqui o desafio da
participação do Agrupamento de Escolas Viseu Sul.
Um projeto centrado na motivação dos alunos
Trazemos aqui uma proposta. Dentro de vários outros possíveis projetos de
interesse, é proposto um projeto intitulado “Motivação dos Alunos para o Desempenho
Acadêmico” (MADA). Esse projeto foi recentemente estruturado no âmbito da
coordenação do Grupo de Investigação Psicologia da Educação da Unidade de
Investigação, Desenvolvimento e Formação (UIDEF) do Instituto de Educação da
Universidade de Lisboa (IEUL), e tem por objetivo geral realizar pesquisas sobre a
motivação, o rendimento e o comportamento escolar dos alunos. O estudo dos conceitos
motivação dos alunos e desempenho acadêmico tem surgido como importante e atual,
sobretudo nas teorias cognitivo-sociais, que destacam a escassez de investigações e a
necessidade de aprofundamento das existentes. A motivação apresenta-se ligada ao
envolvimento dos alunos na escola, conceito transdisciplinar que tem sido apontado como
uma via de respostas aos problemas nas escolas dos nossos dias.
Atendendo à natureza do tema a investigar e suas variáveis, este projeto pode
organizar-se em 4 dimensões ou temas mais específicos: (1) Antecedentes da motivação
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dos alunos para o desempenho acadêmico (MADA): fatores sociofamiliares, escolares e
pessoais; (2) MADA: conceptualização e avaliação; (3) Consequentes da MADA:
rendimento
acadêmico,
comportamento
escolar,
absentismo,
abandono,
e
comportamentos de risco; e (4) Promoção da MADA: elaboração e avaliação de
programas de intervenção.
Uma boa notícia, quase de última hora, é a seguinte: este projeto foi submetido à
FCT, para financiamento, e, sendo aprovado, terá a colaboração das vossas Escolas, com
natural retorno de elementos informativos e formativos.
Acão de pais e professores
Entre as medidas propostas para prevenir a transgressão e a agressão na escola,
destaca-se um conjunto de orientações específicas a pais e a professores.
Interações pais-filhos
Entrando nas linhas de orientação educativa aos pais ou encarregados de
educação, destaco apelos como os seguintes: mostrem disponibilidade para a troca de
opiniões com os vossos filhos; escutem os argumentos por eles apresentados; conheçam
aquilo de que eles gostam; funcionem como fontes de apoio; conheçam os seus amigos;
estejam ao seu lado nos momentos difíceis; saibam quando devem ceder; mostrem
interesse em conhecer os seus professores e em colaborar com eles; participem na vida
da escola; colaborem com a associação de pais; e falem com os vossos filhos acerca da
maneira como correu o seu dia-a-dia.
Perguntas muito simples — do tipo Como foi o teu dia na escola? Que disciplinas
vais ter amanhã? — são importantes manifestações de interesse e podem diferenciar os
alunos quanto ao ambiente familiar e, consequentemente, quanto à sua adaptação à escola.
Em suma, tenham tempo para os vossos filhos, escutando-os, valorizando-os e, depois,
deixando-os fazer escolhas, e voar!
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Interações professor-alunos
Deixem-me dizer-vos que a maior herança que um pai pode deixar a um filho
e a maior marca que um professor pode deixar num aluno é levá-lo a acreditar que
tem capacidades para ter sucesso, desde que naturalmente se esforce e trabalhe para
obtê-lo. Existem, felizmente por essas nossas escolas, muitos professores que são
autênticos peritos na arte de deixar marcas positivas naqueles alunos que por eles vão
passando; outros professores têm um grande desejo de que também assim com eles venha
a acontecer.
Para além dos elementos de ativação psico-educacional dos alunos, a investigação
em Psicologia da Educação permite derivar outras estratégias úteis aos professores, tais
como: face a um comportamento de transgressão, procure manter-se calmo e seguro, até
para modelar o comportamento do aluno; se detetar que um aluno é vítima de maus-tratos
familiares, torne-se um seu amigo especial; ajude os alunos sobredotados a serem também
solidários, amigos genuínos dos colegas, colocando as suas competências ao serviço dos
que têm dificuldades; dê atenção aos tímidos e aos que são rejeitados pelos colegas; ponha
os alunos a participar na aquisição e construção do conhecimento; seja flexível, mas
também coerente; destaque o que o aluno tem de positivo, antes de repreender o
comportamento menos correto; não faça críticas em público, mas apenas ao aluno em
causa; reaja com sentido de humor, mostrando que sabe resolver problemas; dê especial
ajuda aos alunos com precariedades de vida, sobretudo alimentares; mostre-se disponível
para receber os pais dos alunos, procure-os para lhes falar das qualidades e das
capacidades dos seus filhos.
Atenda a que os comportamentos de indisciplina existem desde o aparecimento
das situações de ensino, e não podem nem devem ser vistos como patológicos. Não entre
em desânimo; alguns professores, sobretudo os mais novos, face à indisciplina dos alunos
que não os deixam trabalhar, entram em estado de desânimo (crença de que já não se é
capaz de resolver o problema); a esses professores, sugiro sobretudo que desabafem com
os colegas (muitos têm problema idêntico).
Não entenda a indisciplina como uma ofensa à sua pessoa; na verdade, alguns
alunos elegem os professores que mais se parecem com as suas figuras parentais, e fazem
perante eles o que não podem fazer perante os pais (que no fundo são as figuras mais
amadas). Nas situações em que a indisciplina se alastrou à turma, uma boa estratégia será
a intervenção centrada no líder do grupo indisciplinado, deixando que ele assuma algum
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protagonismo positivo (colaborar com o professor em tarefas de que goste, superintender
no comportamento dos colegas...); por efeito de onda, os seus pares passarão a imitá-lo
no que faz de bem.
Interações escola-famílias
Seguem-se outras ideias, destacadas como importantes (Woolfolk, 2014), com
vista à criação de laços significativos entre a escola e a família, com implicações positivas
na diminuição da indisciplina, da violência e do bullying: estabelecer parcerias com as
famílias; estimular o voluntariado (recrutar e organizar apoios e ajudas dos pais);
estabelecer parcerias com a comunidade envolvente.
Em complemento, propõe-se uma formação de professores, sobretudo dos
diretores de turma e, também como muito importante, uma formação do pessoal técnico
de ação educativa, centrada na aquisição de competências de relacionamento com os
alunos perturbadores. Sugere-se a criação de grupos de apoio a escolas e a professores,
vítimas da indisciplina e da violência. Lamenta-se a falta de uma rede de “Serviços de
Psicologia e Orientação”, alargada a todo o país. Propõe-se a implementação da educação
de pais, de que lamentavelmente ainda não se ouve falar, sobretudo daqueles cujos filhos
mais provavelmente virão a levantar problemas nas escolas. Estamos certos de que a
formação de pais acabará por constituir, mais tarde ou mais cedo, uma importante decisão
sociopolítica: lembremo-nos de que a criança é o pai do adulto. O que foi dito conduz a
um caminho que retoma obstáculos sociopolíticos, que se destacam em seguida.
Elementos sociopolíticos
Atribui-se à escola a função de ensinar e, também, a de educar. Porém, não lhe
têm sido dadas as condições de realização. Sente-se que, em Portugal, alguns alunos mais
carentes estão a abandonar a escolar quando, já na reforma republicana, proclamava-se
“que ninguém fique de fora” da escolaridade a que tem direito. Ora, o berço onde se
nasce diferencia ainda muito o percurso de vida que se tem, na escola e na vida.
Embora o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) mostre
que a fome e a pobreza têm diminuído no mundo, estamos a passar por momentos difíceis,
em que a injustiça, a iniquidade, o desemprego e a fome fazem parte da realidade de
muitas pessoas (Mendes, 2002). Na Europa, Portugal surge como um dos países em que
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as desigualdades sociais são maiores, apesar de o poder ter sido sempre exercido por dois
dos partidos com maior representação social. Perguntamos de novo: Que soluções
existem no mundo, dito moderno, para tal estado de coisas que envergonha a
humanidade?
Embora tenham vindo a aumentar as preocupações da comunidade mundial por
esses problemas, não é muito provável que tal situação se altere nos próximos anos. Então,
onde está a solução? As respostas para tais problemas têm de ser encontradas na educação,
talvez recorrendo a um dos mais importantes direitos humanos, o direito à indignação,
para utilizar as palavras de Hessel (2011), no seu recente e famoso opúsculo intitulado
“Indignai-vos”. Embora saibamos que muito se tem feito nos últimos anos, reconheça-se
por isso o direito à indignação. O que nos leva aos versos de Hélia Correia (2012), quando,
no seu recente livro premiado, intitulado “A Terceira Miséria”, diz: “De que armas
dispomos / senão destas / que estão dentro do corpo: o pensamento …, do qual virá um
início?”. É isso: precisamos de um início. Precisamos de escolas e de países que,
educando, transmitam valores e previsibilidade. Urge passar do desamparo ao amparo, do
desânimo ao ânimo, do ilógico ao psicológico, e do monetário ao humanitário. É isso:
precisamos de um início.
Sabe-se, pela Ciência e pela História, que quanto mais problemas econômicos e
sociais tem um país, mais deverá melhorar a qualidade do ensino e da investigação, pois
é daí que pode surgir o impulso necessário a um estado de desenvolvimento superior, com
satisfação dos direitos das pessoas, de todos, na escola e na vida (Veiga, García, Neto, &
Almeida, 2009). Diz-se que o homem vale, sobretudo, pela educação que possui (Veiga,
2012). Frase orientadora desses esparsos pensamentos — que nos foi conduzindo à
metáfora da vela que ilumina, mas que, ardendo, se consome e transubstancia. De fato,
homens houve que — grandemente escolarizados, letrados e diplomados -, ficaram na
história como ditadores. E nós vimos atrás a relação entre escolaridade e humanização.
Assim, à frase O homem vale, sobretudo, pela educação que possui urge acrescentar e
que o leva a sentir-se como um cidadão do mundo. É por isso que “Instruir é construir”
(Padre A. Vieira).
Perante os horrores daquilo que aconteceu num campo de concentração nazi, o
papa João Paulo II disse um dia: “Onde estavas tu, Deus, quando isto aconteceu?”. Faz
anos, eu visitei um desses campos e, todo eu tremendo, pensei: os indivíduos que
praticaram tais horrores estavam entre os mais escolarizados. Como é possível ter grandes
conhecimentos escolares e, simultaneamente, ser monstro, com seguidores terríficos?
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Antes de apresentar as ideias finais, e retomando o tema específico das
transgressões na escola, quero relevar que, de facto, muitos professores sofrem imenso
com o ambiente de extrema indisciplina que os não deixa trabalhar nem sentir felizes.
Ideias finais
Do que foi dito — e do meu ponto de vista, sabendo que um ponto de vista não é
mais do que a vista através de um ponto —, o que temos que saber é que nada do que é
humano nos pode ser estranho. O que temos que fazer é tomar como azimute a dignidade
humana, em tudo o que temos em Educação. Há muito que “fazer”, mesmo sabendo que
temos muito que esperar, pois, como disse Albert Camus, as grandes ideias vêm
mansamente. Mas “o que hoje não sabemos, amanhã saberemos” (Garcia da Orta, 1563).
O que hoje a Educação não faz, haverá de fazê-lo amanhã, prevemos.
Pense-se não a partir do econômico, mas a partir do psicológico, do educacional,
das pessoas, do social, do bem-comum. Há que humanizar, há que viver com valores. É
preciso levar a Educação a todos os cidadãos. E mais, bem mais: é preciso que todos
venham a ter trabalho.
Perto de terminar, permitam-me fazer aqui um apelo: pais, sede, sejamos Pais;
professores, sede, sejamos Professores; estudantes, sede, sejamos Estudantes; sociedades,
sede Sociais. Leve-se daqui uma ideia de Padre António Vieira: “Nós somos o que
fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos.
Nos dias em que não fazemos apenas duramos”. Essas palavras conduzem-nos a Mandela,
quando diz que “Um santo é um pecador que luta até ao fim” (Moreira, 2013, p. 41).
Precisamos pensar criticamente! Pensar criticamente a formação dos professores (Guzzo
et al., 2013) e dos pais (Veiga, 2013). E... sonhe-se! Do que pode vir a ser, / aurore / de
tudo o bem de todos.
Antes de terminar, vejo a necessidade de construir pontes, entre as escolas e as
famílias. Se não mudamos o mundo, andamos cá a fazer o quê? (Catarina Albuquerque,
in Jornal I, 20-2-2015). O mapa é magno, é o mundo, mas há que o fazer, porque quando
o homem sonha, a obra nasce, se Deus quiser (Pessoa).
Quando a Ciência e a Educação tiverem evoluído ao ponto de sabermos que nunca
mais haverá guerras horrendas, quando tivermos ensino e trabalho para todos, então
atingiremos o estado superior da Educação. Finalmente — e querendo terminar por
aqui —, quando atingirmos o estado superior da Educação, então todas as pessoas, ao
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acordarem pela manhã, sentirão uma vivência de atração centrípeta para o bem-comum.
Enquanto isso não acontecer, continuará a justificar-se a nossa preocupação com a
Educação nas escolas e nas famílias.
Às perguntas que sinto em vós, aceitai que vos responda com uma narrativa que
adaptei de leituras prévias (Ginott, 1995). No primeiro dia de aulas, o Presidente de uma
Instituição Educativa convocou os professores e os pais e fez distribuir por eles uma folha
onde se lia:
Caro colega,
Sou um sobrevivente de um campo de concentração. Os meus olhos chegaram a
ver o que jamais algum homem deveria ter contemplado. Máquinas de guerra construídas
por engenheiros sobredotados e eficientes; crianças envenenadas por médicos com
muitos conhecimentos e talentos; recém-nascidos assassinados por enfermeiras muito
entendidas; vi soldados de alta patente a matar e a queimar mulheres e crianças; muitos
professores e alunos foram esperados às portas das escolas para serem fuzilados.
Enquanto Hitler pretendia levar a cabo a chamada solução final – exterminar os
seus opositores e as raças ditas inferiores – a história dos homens sobre a terra pareceu
parar. O número de pessoas assassinadas foi mais de 6 milhões. Parece inacreditável!
Mas... está gravado na história, a ferro e fogo!
Por tanto, mostro-me suspicaz cada vez que se pergunta o que significa a
educação para o homem. Quero, por tanto, fazer-vos a seguinte petição: pais, sede pais;
professores, ajudem os vossos alunos, e os que vierem a ter, a tornarem-se seres mais
humanos. Os vossos ensinamentos, a nossa comunicação não devem dirigir-se à
produção de monstros de grande sabedoria, horrendos psicopatas, homens instruídos e
educados como Eichman.
Agora sim, vou terminar, lembrando que o futuro do mundo de quem mais
depende é, em primeiro lugar, dos pais e depois dos professores, e pedindo que não nos
esqueçamos de que o ensino e a educação são muito importantes, mas apenas quando
deixam marcas duradouras, nos filhos e nos alunos, como seres genuinamente humanos.
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