Psicopatologia: evidência,
valor e narrativa
Octavio Domont de Serpa Jr.
Professor Adjunto do IPUB/UFRJ
O Normal e o Patológico – Georges
Canguilhem (1943)
Medicina: “...uma técnica ou uma arte
situada na confluência de várias
ciências, mais do que uma ciência
propriamente dita (...) uma técnica de
instauração e restauração do normal,
que não pode ser reduzida ao simples
conhecimento.”
 Normal e Patológico
 Concepção ontológica e concepção
dinâmica da Saúde/Doença
 Concepção quantitativa/concepção
qualitativa
Normal e Patológico : fato ou valor?
Patológico : conceito idêntico ao de
anormal?
Patológico : contrário ou contraditório
de normal?
 O trabalho clínico, seja na psiquiatria, seja em
qualquer outra especialidade médica ou prática
clínica ou terapêutica, implica, cotidianamente, em
tomada de decisões. Se existe uma dimensão
incontornável na clínica, podemos dizer que é esta
da Decisão e da Escolha.
Década de 80, Univ.MacMaster – Canadá : Medicina
Baseada em Evidências (MBE)
“A Medicina Baseada em Evidências consiste
no uso judicioso, explícito e conscencioso da
melhor evidência disponível para a tomada
de decisões que se referem ao cuidado de
pacientes individuais. A prática da medicina
baseada em evidências significa integrar
perícia clínica individual com a melhor
evidência clínica externa disponível, obtida a
partir de pesquisa sistemática. Por perícia
clínica individual, nos referimos à proficiência
e julgamento que clínicos individuais
adquirem através da experiência e prática
clínica.(...) Por melhor evidência clínica
externa disponível nos referimos à pesquisa
clinicamente relevante, no campo das
ciências básicas da medicina, mas,
especialmente, pesquisa clínica centrada no
paciente, acerca da precisão e exatidão dos
testes diagnósticos (incluindo o exame
clínico), do poder preditivo de marcadores
prognósticos, e da eficácia e segurança de
regimes terapêuticos, preventivos e de
reabilitação” (Sackett et al., 1996, p.7)
MBE : cinco procedimentos
1) definição da questão clínica a ser
respondida;
2) pesquisa da evidência(levantamento da
literatura correspondente);
3)avaliação da evidência;
4) aplicação da evidência;
5) avaliação e desenvolvimento da prática
baseada em evidências
Hierarquia das evidências :
I) evidência obtida a partir da metanálise de ensaios
controlados randomizados;
II) evidência obtida a partir de, pelo menos, um ensaio controlado
randomizado;
III) evidência obtida a partir de, pelo menos, um ensaio clínico
controlado sem randomização;
IV)evidência obtida a partir de, pelo menos, algum outro tipo de
ensaio quase-experimental;
V) evidência obtida a partir de estudos descritivos não experimentais,
tais como estudos comparativos, estudos; de correlação e estudos
de caso;
VI) evidência obtida a partir de relatórios de comitês de especialistas
ou opiniões, e/ou experiência clínica de autoridades respeitadas.
Como passar as evidencias obtidas em
condições experimentais para o mundo real
dos serviços ?
 No mundo real não podemos controlar todas
as variáveis. A boa ciência e a boa clinica
não funcionam seguindo necessariamente
os mesmos procedimentos
Evidencias e suas verdades são relativas as
populações das quais emanam - armadilhas
da concretude mal empregada
Medicina Baseada em Narrativas : “A Narrativa da
sentido, contexto e perspectiva para os problemas
do paciente. Ela define como, por que e de que
maneira ele esta doente.”
Adoecer, tratar-se, são aspectos de uma condição
de vida que devem fazer sentido no contexto da
historia de vida de cada doente em particular
Elementos centrais do exercício da medicina escutar, perguntar, ordenar, explicar, interpretar e
narrar - convivem como procedimentos
indispensáveis para a mediação entre o mundo do
doente e o mundo dos profissionais de saúde
Illness:
Disease:
experiência humana dos
sintomas
e
do o que o clínico produz
sofrimento;
como
o processando as queixas
doente, os membros de em termos técnicos; é o
sua família ou sua rede problema
vista
da
social
mais
ampla perspectiva do clínico;
percebem, convivem e em termos do modelo
respondem aos sintomas biomédico trata-se de
e
incapacidade; uma
alteração
da
experiência vivida de
ou
do
monitoramento
de estrutura
funcionamento biológico
processos corporais
Descrever, Evidenciar, Narrar : as possibilidades de
fazer aparecer
Existe medicina que não seja baseada em
evidências?
Toda medicina moderna sempre foi baseada em
evidências, se entendermos que as evidências
resultam da operação lingüística que o clínico opera
sobre o fluxo dos acontecimentos que constituem a
experiência do doente. Qualquer signo médico
resulta desta operação. Podemos dizer que a
semiologia médica consiste no conjunto de técnicas
de produção de evidências.
Existe medicina que não seja baseada em
narrativas?
Se abandonamos a idéia de um acesso ao mundo e
as coisas em si, prévios e independentes de
qualquer descrição lingüistica, não será difícil admitir
que tudo o que temos são diferentes descrições
servindo a diferentes propósitos
Neste sentido, MBE, ensaios controlados
randomizados e metanalise, são algumas, entre
muitas, possibilidades de narrativa. Boas, enquanto
servirem a determinados fins, mas não as melhores
para todo e qualquer fim.
Concepção quantitativa de doença :
- Broussais e a “irritabilidade”
- Claude Bernard : “toda doença tem uma
função normal correspondente da qual
e apenas a expressão perturbada,
exagerada, diminuída, anulada.
Saúde : a vida no silêncio dos órgãos
Não há nada na ciência que antes não tenha
aparecido na consciência
A medicina existe porque há homens que se
sentem doentes e não porque há médicos que
os informam de suas doenças
Reduzir a diferença entre saudável e doente
a uma diferença quantitativa : obedecer ao
espírito das ciências físicas, que só podem
explicar os fenômenos por sua redução a
uma medida comum
Doença : julgamento de valor virtual (valor
negativo)
Normal : valor e fato - equivoco facilitado
pela tradição realista, pela qual toda
generalidade indica uma essência, um
caráter comum adquire valor de tipo ideal
 “A
diferença de valor que o ser vivo
estabelece entre a sua vida normal e a sua
vida patológica seria uma aparência ilusória
que o cientista deveria negar?”
 “...fato patológico só pode ser apreendido
enquanto tal ao nível da totalidade orgânica;
e, em se tratando de organismos humanos,
ao
nível
da
totalidade
individual
consciente(...) Ser doente é, para o homem,
viver uma vida diferente, mesmo no sentido
biológico”
Normal : assim considerado porque
visado como fim pela terapêutica ou
visado como fim pela terapêutica
porque considerado normal pelo
doente?
Nenhum ser vivo teria desenvolvido
uma técnica medica se nele a vida
fosse indiferente as condições em que
se encontra
A vida que faz do normal
biológico um conceito de valor e
não um conceito estatístico

“...a vida não é indiferente às
condições nas quais ela é
possível...a vida é polaridade e
por
isso
mesmo,
posição
inconsciente de valor...a vida é,
de fato, uma atividade normativa

Patológico deriva de pathos:
afecção, “...sentimento direto e
concreto de sofrimento e de
impotência, sentimento de vida
contrariada.”

Um traço humano seria normal porque
freqüente ou seria freqüente porque normal?
Média: equivalente objetivo e cientificamente
válido do conceito de normal ou de norma?
Como
decidir,
só
com
base
em
procedimentos estatísticos, dentro de que
intervalos de variação com relação à uma
posição média teórica os indivíduos ainda
podem ser considerados normais?
É a atividade normativa biológica dos
organismos que avalia e prefere certos
estados e comportamentos com referência a
determinados meios e por isso os escolhe,
tornando-os mais freqüentes
As médias fisiológicas não registram
objetivamente o normal tal como ele é,
sempre foi e sempre será. O que elas
registram são as “latitudes funcionais”
conquistadas pela espécie humana.
“A fronteira entre o normal e o
patológico é imprecisa para
diversos
indivíduos
considerados simultaneamente,
mas é perfeitamente precisa
para um único e mesmo
indivíduo
considerado
sucessivamente. Aquilo que é
normal, apesar de ser normativo
em determinadas situações,
pode se tornar patológico em
outra situação, se permanecer
inalterado. O indivíduo é que
avalia
essa
transformação
porque ele é que sofre suas
conseqüências,
no
próprio
momento em que se sente
incapaz de realizar as tarefas
que a nova situação lhe impõe.”
Normatividade Biológica : normas sãs e
normas patológicas
 anormal  patológico
homem normal : homem normativo
Patológico : não se trata de ausência
de normas mas de norma diferente,
repelida pela vida
K.Goldstein (1878-1965)
inicialmente seguidor de Wernicke, em
Breslau.
 Critica a correspondência entre sintoma
e localização de função → vários
mecanismos convergem para a
formação do sintoma
 Sintomas: respostas do organismo
como um todo às solicitações do
ambiente.
“
“Esta espécie de composição que ocorre
entre o organismo e o mundo ambiente
é o que nós chamamos da lei biológica
fundamental(...) a mesma mudança
exterior, o “mesmo estímulo”, pode agir
de modos muito diferentes” (Goldstein,
1934[1983], p.96)
Doença: não mais uma situação de
privação, de falta de um atributo ou
capacidade que faz do doente um ser
diminuído. O doente é um ser
modificado em sua individualidade que
mesmo quando é capaz de chegar aos
mesmos desempenhos de que era
capaz antes da doença agora o faz
percorrendo caminhos diferentes dos
anteriores
 “Os
sintomas são respostas que o
organismo dá a certas questões bem
determinadas que lhe são colocadas”
(Goldstein, 1934[1983], p.18)
 “...sintomas nada mais são do que respostas
dadas à certas questões especiais feitas
pelo examinador. E estas questões não são
fortuitas pois dependem das idéias teóricas
fundamentais do examinador no que
concerne ao fenômeno por ele examinado.”
(Goldstein, op.cit, pp.18-19, grifo do autor)
 “Pode-se
dizer que o ambiente é
extraído do mundo pela existência do
organismo, (...) que um organismo só
pode existir se ele consegue encontrar,
se ele consegue talhar, no mundo, um
ambiente adequado” (Goldstein, op.cit.,
p.76).
Jakob von Uexküll (18641944) → Umwelt
 Doença: Primeiro momento  imperativo de
criação:
ao
doente
é
exigido
o
estabelecimento de novas normas que
permitam a continuidade da vida
 Doença: Segundo momento  imperativo
de conservação: o doente só é normativo se
a norma permanecer a mesma, tornando-se
vulnerável às modificações do meio
Saúde:
margem
de
tolerância
às
infidelidades do meio
Inversão do senso comum, que atribui à
saúde uma posição fixa e definida dentro de
certos limites fisiológicos e à doença uma
indefinição quanto aqueles marcos de
funcionamento no corpo
Cura: restauração de normatividade?
Retorno ao estado anterior?
 “Aprender a curar é aprender a conhecer a
contradição entre a esperança de um dia e o
fracasso no fim. Sem dizer não à esperança
de um dia. Inteligência ou simplicidade?”
 “Pode-se praticar objetivamente, isto é,
imparcialmente, uma pesquisa cujo
objeto não pode ser concebido e
construído sem referência a uma
qualificação positiva e negativa; cujo
objeto, portanto, não é tanto um fato
mas, sobretudo, um valor.”
Values-Based Medicine (VBM) –
Fulford (2003/2006)

EBM é uma resposta para a
crescente complexidade dos fatos
relevantes; VBM é a resposta para a
crescente complexidade dos valores
relevantes.
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Apresentação do PowerPoint - (LTC) de NUTES