Lourenço Côrte-Real
Breve apontamento sobre a aplicação dos artigos
501.º e 502.º do Código das Sociedades Comerciais
a outras relações de coligação societária que não
uma relação de grupo de direito
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Aplicação dos artigos 501.º e 502.º do CSC a outras relações de coligação societária que não uma relação de grupo de direito : 2
Breve apontamento sobre a aplicação dos artigos 501.º e
502.º do Código das Sociedades Comerciais a outras
relações de coligação societária que não uma relação de
grupo de direito
Lourenço Côrte-Real
Mestre em Direito (vertente de Ciências Jurídico-Empresariais) – U. Católica Portuguesa
Advogado
À memória de
Miguel de Lucena e Leme Côrte-Real
I.
Notação Prévia.
A matéria que se irá analisar ainda que de forma breve, prende-se com a possibilidade de
aplicação ou não aplicação do disposto nos artigos 501.º e 502.º do Código das Sociedades
Comerciais a outras relações de coligação societária que não a realidade de grupo.
O tema em questão é, de um prisma económico, de grande importância, atentos os efeitos que
determinada solução jurídica a impor a um grupo societário ou qualquer outra relação jurídica de
coligação societária pode acarretar. Na verdade, semelhantes efeitos jurídicos podem, efectivamente,
conformar ou mesmo limitar o modo de actuação da empresa, visto influírem directamente no seu
modo de crescimento e expansão, o que, claro está, pode trazer consequências no domínio do
mercado económico.
Surge-nos, pois, este tema como sendo um dos mais ricos e interessantes que o direito societário
tem para oferecer.
Refira-se ainda que foi este o tema apresentado na oral de Agregação à Ordem dos Advogados
Portugueses em Maio de 2012 em júri composto pelos Senhores Drs. Ana Alface, Sandrina Vieira e
Rui Calvet Ricardo e ainda pelo Senhor Professor Doutor Pedro de Albuquerque, nosso Patrono no
período de Estágio, pelo que o que infra se analisará a mais não corresponde do que um
desenvolvimento e reestruturação do tema que levámos a discussão e dos tópicos que nos serviram
de baliza. Assim, com base nesta realidade, alertamos para o facto de não termos tido o cuidado de
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citar com todo o rigor técnico as obras referidas neste texto, razão pela qual se deixa aqui uma
indicação genérica da bibliografia citada nas páginas seguintes:
- MENEZES CORDEIRO – “Código das Sociedades Comerciais Anotado”;
- ENGRÁCIA ANTUNES – “Os Grupos de Sociedades”;
- ORLANDO VOGLER GUINÉ, “A responsabilização solidária nas relações de domínio
qualificado”.
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1. Fixação Terminológica.
Tendo por base o tema que nos propomos analisar e que se prende com a aplicação
dos artigos 501.º e 502.º do Código das Sociedades Comerciais a outras relações de coligação
societária, devemos começar por referir que toda esta matéria está regulada no Título VI do
Código das Sociedades Comerciais, surgindo a problemática em questão no âmbito da
realidade do grupo de sociedades em sentido amplo, ou seja, com qualquer dos tipos de
coligação societária previstos no já mencionado Título VI do Código das Sociedades
Comerciais.
Na verdade, o que sucede é o seguinte: se duas ou mais pessoas decidem, entre si,
constituir uma sociedade, uma pessoa colectiva, sujeita de direitos e obrigações e detentora
de personalidade e de capacidade jurídica próprias para a prossecução dos fins a que a mesma
se destina (cfr. artigos 160.º e 294.º do Código Civil a propósito do princípio da especialidade
do fim das pessoas colectivas), lógico é que duas ou mais pessoas colectivas se possam
coligar entre si. Trata-se, com efeito, de um acto para o qual têm capacidade jurídica e que
caberá no respectivo fim, pelo que, do ponto de vista substantivo, semelhante relação jurídica
é válida, porque se encontra dentro das balizas da personalidade e capacidade jurídica
próprias de uma pessoa colectiva.
Avançando.
No Código das Sociedades Comerciais a matéria em apreço vem regulada nos artigos
481.º e seguintes, começando por se anunciar que
“O presente título [Título VI] aplica-se a relações que entre si
estabeleçam sociedades por quotas, sociedades anónimas e
sociedades em comandita por acções”.
Atentando na transcrição do preceito efectuada, desde já pretendemos deixar assente
que quando o legislador aqui se refere a relações estabelecidas entre aqueles tipos de
sociedades está a pensar unicamente nas relações que potenciem uma coligação societária
com relevo para a aplicação das regras e dos efeitos jurídicos constantes dos artigos 481.º e
seguintes do Código das Sociedades Comerciais. Ficam, pois, excluídas as relações jurídicas
que são próprias do tráfego comercial, porque não susceptíveis de criação de situações
jurídicas aptas a despoletar o campo normativo supra referido: de facto, a celebração de um
contrato de fornecimento entre uma sociedade a outra não potencia, pelo menos no plano
abstracto, a criação de uma coligação societária. Não se esqueça que, genericamente, um
contrato daquele tipo mais não configura do que uma relação jurídica constituída entre duas
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pessoas colectivas, sem força para fazer despoletar a aplicação daqueles preceitos
específicos do Código das Sociedades Comerciais.
Isto posto, mas antes de mais se avançar há, contudo, que fazer uma precisão
terminológica que se prende com o seguinte: de modo geral refere-se que o Título VI do
Código das Sociedades Comerciais se aplica aos grupos de sociedades. Isto é verdade, se se
entender aquela expressão num sentido amplo, ou seja, no sentido de sociedade coligada,
visto só existir uma relação de grupo num sentido estrito quando exista uma situação de
domínio total – inicial ou superveniente –, quando haja sido celebrado um contrato de grupo
paritário ou, por último, mas mais importante, quando entre duas sociedades exista um
contrato de subordinação. Estes são, em bom rigor, os instrumentos jurídicos válidos para a
criação de uma relação de grupo de direito ou em sentido estrito para efeitos do Código das
Sociedades Comerciais. Com efeito, se o grupo não tiver por base qualquer um destes
instrumentos não é um grupo de sociedades para efeitos da aplicação das disposições
correspondentes ao grupo societário propriamente dito, sem prejuízo porém de poder existir
uma qualquer outra forma de coligação societária com relevo jurídico, nomeadamente para
a aplicação de um conjunto de outros mecanismos previstos no Título VI do Código das
Sociedades Comerciais.
Esta fixação de terminologia importa-nos em função do problema que nos propomos
analisar: que se prende, exactamente, com a possibilidade de aplicação, por analogia, dos
artigos 501.º e 502.º do Código das Sociedades Comerciais a outras formas de coligação
societária que não a que emerja de um grupo criado com base num contrato de subordinação
enquanto instrumento apto à criação de um grupo em sentido estrito.
2. Da aplicação analógica do artigo 501.º e 502.º do Código das Sociedades
Comerciais.
O artigo 501.º, n.º. 1 do Código das Sociedades Comerciais prescreve nos seguintes
termos:
“A sociedade directora é responsável pelas obrigações da
sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da
celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste”.
É este o preceito fundamental à nossa temática.
Com efeito, e se por um lado é certo que este preceito se aplica por remissão aos
grupos de sociedades por domínio total inicial ou superveniente, por força do que se dispõe
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expressamente no artigo 491.º do Código das Sociedades Comerciais, já não é tão líquida a
circunstância de saber se o artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais pode aplicarse a uma coligação societária observável sob o prisma de sociedade em relação de domínio.
Cumpre, pois, apreciar.
Desde já se refira que relativamente às sociedades em relação de domínio é preciso
ter em atenção o disposto no artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais e, dentro
deste, ao conceito de influência dominante, conceito indeterminado que, ao ser preenchido,
pode levar a criação de uma relação jurídico-societária de domínio.
Porém, não obstante as presunções de existência de uma situação de domínio
proporcionada pela figura da influência dominante que constam do número 2 do artigo 486.º
do Código das Sociedades Comerciais, a doutrina vem tentando enformar o conceito de
influência dominante. Assim, por exemplo, MENEZES CORDEIRO ao referir, no Código das
Sociedades Comerciais Anotado que a “influência dominante exprime, nuclearmente, a
susceptibilidade ou potencialidade de uma sociedade (dita dominante) impor, com
intensidade variável, decisões ou comportamentos a outra sociedade (dominada); traduz um
poder direccional sobre a sociedade dominada – que releva independentemente do
respectivo exercício efectivo –, a identificar casuisticamente, com recurso a um critério
funcional, mas com o concomitante auxílio de padrões formais. De modo incisivo: a
influência dominante traduz a susceptibilidade de exercício de uma direcção unitária das
sociedades controladas que, obtendo eficiência operativa, tenderá a originar um grupo de
facto”.
O conceito de influência dominante tem importância para aquilo de que nos
ocupamos, desde logo porque não é líquido se a estes casos é possível ou não aplicar o que
se dispõe no artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais.
Na verdade, o artigo 501.º está pensado para o âmbito das relações de grupo, sejam
estas constituídas por domínio total inicial ou superveniente (por força da remissão expressa
operada pelo artigo 491.º do Código das Sociedades Comerciais), bem como para os casos
em que existe um contrato de subordinação, mecanismo através do qual opera uma direcção
unitária sobre por parte da sociedade directora em face da sociedade subordinada, sendo
certo que estas últimas realidades são, naturalmente, mais abrangentes do que as relações
assentes numa base de influência dominante.
De facto, no que toca às coligações societárias existentes por força de uma influência
dominante colocam-se problemas de protecção da sociedade dependente. No entanto, tal não
quer significar que no âmbito das relações de grupo não haja que proteger a sociedade
subordinada, bem como os seus credores. Porém, neste campo, a solução é mais fácil, pois
que, como vimos, existe disposição expressa de protecção desta: precisamente o artigo 501.º
do Código das Sociedades Comerciais e que supra se transcreveu.
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Por outro lado, no que briga com as sociedades em relação de domínio sustentadas
por uma influência dominante a doutrina divide-se no que toca aos meios de protecção da
sociedade dependente.
Vejamos, então.
Por um lado, se é pacífico admitir que uma situação de influência dominante pode
gerar um grupo de facto e que uma sociedade dependente tem que ser protegida contra os
actos praticados pela sociedade dominante, o mesmo já não sucede com a possibilidade de
aplicação de regras previstas para efectivos grupos de direito, grupos de sociedades em
sentido próprio da expressão a outras formas de coligação societária: nomeadamente aos
casos de uma coligação societária estribada por uma relação de domínio com a influência
dominante subjacente.
Como visto, uma relação de grupo de direito ou em sentido estrito, assenta num
conceito de direcção unitária, que é mais abrangente do que o conceito de influência
dominante. Em boa verdade, dentro do primeiro dos conceitos cabe a possibilidade de a
sociedade directora dar instruções vinculativas à sociedade subordinada e que podem,
inclusivamente, ser desvantajosas para a sociedade subordinada (cfr. artigo 503.º, n.º 2 do
Código das Sociedades Comerciais).
Por seu lado, no que toca ao caso das relações de coligação baseadas no conceito de
influência dominante, semelhante poder não consta previsto na lei. Antes sim, a sociedade
dominante pode direccionar a sociedade dominada, ainda que tal seja susceptível de criar
uma situação de direcção unitária, originando-se assim um grupo facto, mas não um grupo
de direito para os efeitos do artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais.
Ora, se numa relação de coligação societária estribada no conceito de influência
dominante, ou seja, no que concerne com sociedades em relação de domínio, não existe um
poder de dar instruções vinculativas nos mesmos moldes em que tal é possível para as
sociedades em relação de grupo em sentido estrito, então será de entender que não se pode
aplicar analogicamente o artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais, precisamente
por força da ilicitude que subjaz ao dar instruções vinculativas à dominada, quando o
instrumento de coligação não é outro que não uma relação de domínio.
Porém a doutrina preconizada por ORLANDO VOGLER GUINÉ sustenta a aplicação
analógica daquele preceito a situações de domínio, baseando-se num argumento de maioria
de razão.
Para aquele Autor, se a sociedade directora pode dar instruções vinculativas de cariz
desvantajoso à sociedade subordinada, mas não o faz, então em caso de domínio, se a
dominante instruir desvantajosamente a dominada, ainda que de forma ilícita, por maioria
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de razão deve admitir-se a sua responsabilização ao abrigo das regras do artigo 501.º. No
entanto, e salvo o devido respeito, não concordamos com semelhante entendimento, nem
com a argumentação que lhe serve de base.
Assim, com MENEZES CORDEIRO e ENGRÁCIA ANTUNES (“Os Grupos de
Sociedades), cremos que se devam ir buscar outros mecanismos de protecção que não uma
responsabilização da sociedade dominante pela via do artigo 501.º do Código das Sociedades
Comerciais: é que, sendo ilícita a conduta da dominante ao instruir desvantajosamente a
sociedade dominada, falha o argumento da maioria de razão, atenta a ilicitude concreta e
contra legem em si mesma considerada.
Ademais, sempre se poderá também acrescentar que, vindo o artigo 501.º do Código
das Sociedades Comerciais previsto na parte relacionada com os grupos de direito de
sociedades comerciais e havendo uma remissão expressa operada pelo artigo 491.º para esse
preceito, parece óbvio o entendimento de acordo com o qual o legislador quis
manifestamente excluir a aplicação daquele preceito a outras hipóteses que não aquelas para
as quais foi criado ou expressamente remetido.
3. Aplicação simultânea do regime das sociedades em relação de domínio e do
regime das sociedades em relação de grupo.
Questão de que ora nos ocupamos é a seguinte: a de saber se é possível aplicar
simultaneamente o regime das sociedades coligadas em relação de domínio e o regime das
sociedades coligadas em relação de grupo, seja este por domínio total inicial ou
superveniente ou com base num contrato de subordinação.
Para responder a esta questão é preciso ter em consideração o que já anteriormente
referimos a propósito das sociedades em relação de domínio e das sociedades em relação de
grupo.
Na verdade, daquilo que acima dissemos, é lícito entender que sempre que existe uma
relação de coligação por domínio baseada num instrumento de influência dominante não
existirá, de modo algum, uma relação de grupo de direito. Não se esqueça que os regimes
jurídicos são diferentes e os seus pressupostos diferentes também, daí que a existência de
uma situação de domínio não implique, por si só, a existência de uma relação de grupo de
direito. Porém, a inversa já leva ao concurso das duas situações. Com efeito, sucede que se
uma sociedade estiver em relação de grupo de direito com outra, seja esta baseada num
domínio total inicial ou superveniente ou tiver por base um contrato de subordinação, o
concurso entre os dois regimes verifica-se: é que a sociedade totalmente dominante/directora
por força de um contrato de subordinação, para além do poder de direcção unitária, tem
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também o poder de influenciar a sociedade dominada, já que, como vimos, o conceito de
influência dominante é de menor âmbito do que o de direcção unitária, pelo que aquele cabe
integralmente dentro deste.
Assim, no caso de concurso das duas situações, por não haver incompatibilidade de
regimes jurídicos, estes aplicam-se integralmente, nomeadamente no que toca à
possibilidade de aplicar o disposto no artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais. A
doutrina é, a este respeito, pacífica.
Exactamente a este propósito é de referir os ensinamentos de MENEZES CORDEIRO,
quando refere que “se uma sociedade detiver uma participação totalitária no capital de
outra sociedade (488.º) ou com esta concluir um contrato de subordinação (art.º. 493.º),
verifica-se, simultaneamente, uma relação de domínio e uma relação de grupo: não havendo
incompatibilidade de regimes jurídicos, aplicam-se cumulativamente, as regras relativas às
duas modalidades de coligação”.
O mesmo sucede na hipótese em que uma sociedade detém até 90% do capital social
de uma outra, mas previamente deteve a totalidade do seu capital social.
Nestoutra hipótese a relação de grupo mantém-se, sendo a lei expressa a determinar
que a relação de grupo só cessa se houver uma alienação de mais de 10% do capital social
(cfr. artigo 489.º, n.º. 4, alínea c) do Código das Sociedades Comerciais). Ou seja,
imaginando que uma sociedade que detém 100% do capital social e alienar 10,1% do capital
social da participada, leva ao termo da relação de grupo, pelo que, nessa base, extingue-se
também a aplicação cumulativa dos dois regimes jurídicos: o valor da participação social
passa a ser igual a 89,9%, montante inferior ao mínimo exigido por lei para a manutenção
da relação de grupo.
Observemos agora a questão pela negativa.
Numa situação negativa, se uma sociedade nunca tiver celebrado um contrato de
subordinação ou tiver detido a totalidade do capital social, nunca se verifica uma relação de
grupo em cumulação com uma relação de domínio, pelo que, consequentemente, não podem
ser aplicados os dois regimes jurídicos, mas antes sim somente o regime jurídico das
sociedades em relação de domínio sustentada por uma influência dominante, incluindo no
que se prende com a protecção da sociedade dominada, bem como dos seus credores.
4. Mecanismos de protecção da sociedade dominada
Conforme analisámos acima, se inexistir uma relação de grupo, mas antes sim uma
relação de domínio sustentada pela realidade da influência dominante é legalmente
impossível chamar à colação, em nosso entendimento, o disposto no artigo 501.º do Código
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das Sociedades Comerciais, ainda que haja, como anunciámos, doutrina que aceite essa
aplicação baseando-se num argumento de maioria de razão.
Não aderindo, porém, a essa doutrina, mas antes sim à preconizada por MENEZES
CORDEIRO e também de ENGRÁCIA ANTUNES, sempre se dirá que a protecção da sociedade
dominada tem que ser tentada noutros instrumentos oferecidos pelo Código das Sociedades
Comerciais, tornando-se assim oportuno o recurso ao artigo 83.º do Código das Sociedades
Comerciais, bem como ao artigo 84.º do mesmo diploma, visto serem estes os mecanismos
tendencialmente mais aptos a proteger a sociedade dominada.
No que toca ao disposto no artigo 83.º, ENGRÁCIA ANTUNES começa por afirmar que
o este preceito tem grande alcance prático. Escreve o Autor que “dada a importância prática
da figura do domínio intersocietário e a desprotecção da sociedade dependente adveniente
da ausência de disposições legais específicas previstas para a respectiva tutela, não está
excluída a hipótese que o normativo em causa possa constituir uma base auxiliar para suprir
tais lacunas de protecção”.
Na análise do preceito o Autor refere-se a dois campos de protecção previstos pela
norma: os números 1, 2 e 3 relativos à culpa in eligendo e um outro que o Autor considera
mais relevante, o qual consta do n.º. 4 do artigo em análise, relativo à culpa in instruendo,
caso em que uma sociedade pode vir a ser responsabilizada se “utilizar a sua influência no
sentido de determinar (…) a prática de um acto ou omissão ilícita e prejudicial à sociedade
dependente nos termos gerais dos artigos 72.º e seguintes”.
No mesmo sentido vai MENEZES CORDEIRO ao referir expressamente que “a
protecção da sociedade dependente, dos respectivos sócios externos e credores realiza-se
(…) através (…) de responsabilidade civil (solidária) da sociedade por culpa in eligendo
ou in instruendo, nos termos do artigo 83.º”.
Por outro lado, no que se prende com a figura da desconsideração da personalidade
colectiva temos que começar por referir que este é um instituto de grande importância prática
para situações jurídicas deste tipo.
A doutrina preconizada por MENEZES CORDEIRO aponta que também deverá ser tido
em conta, como instituto geral de protecção ao nível da sociedade dependente, o mecanismo
do levantamento da personalidade colectiva, ainda que tal só deva ser levado a cabo a título
excepcional e sempre perante a verificação dos respectivos pressupostos.
Deste modo, se se provar que não foram observados os preceitos da lei que
estabelecem a afectação do património da sociedade ao cumprimento das respectivas
obrigações, o sócio – incluindo a sociedade dominante que tem, naturalmente, a qualidade
de sócio – responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais contraídas no período
posterior à concentração das quotas ou das acções.
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Ademais, sempre será de chamar à colação o que se decidiu no Acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa proferido em 05/07/2000, de acordo com o qual o instituto da
desconsideração da personalidade jurídica é de admitir a título excepcional nos casos em que
a utilização dessa personalidade seja contrária às regras da boa-fé.
Provados estes requisitos, então é possível proteger a sociedade dependente pela via
da responsabilização da sociedade dominante, tendo por base o instituto geral da
desconsideração da personalidade jurídica que não só serve para proteger a sociedade
dominada e dos seus credores, mas também para assegurar o regular desenvolvimento do
tráfego jurídico, na medida em que se sanciona o abuso de personalidade jurídica operado
pela dominante sobre a dominada.
5. Um exemplo.
Imaginemos que a sociedade A, S.A. detém uma participação superior a 90% no
capital social de uma outra sociedade, mas que não atinge os 100% necessários para se
configurar uma hipótese de relação de grupo por domínio total.
Cumpre qualificar esta relação jurídica existente.
Sem margem para qualquer tipo de dúvidas, podemos afirmar com certezas que nos
deparamos com uma hipótese que preenche o conceito de sociedade em relação de domínio,
estribada por uma influência dominante assente na participação maioritária no capital social
da dependente. Neste exemplo inexiste qualquer relação de grupo entre as duas sociedades.
Com efeito, não foi criada uma sociedade anónima de cujas acções a primeira seja a sua
única titular, nem sequer foi entre as duas celebrado qualquer contrato de subordinação.
Quanto muito, poderemos estar perante uma participação tendente à aquisição de domínio
total (cfr. artigo 490.º), que mais não é do que um modo de aquisição de domínio total
superveniente. Este ocorrido, não temos dúvidas em afirmar que, por força do disposto no
artigo 491.º do Código das Sociedades Comerciais, o artigo 501.º deste diploma legal se
aplica integralmente.
No entanto, no plano imediato e que se prende com uma relação de domínio para
efeitos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais e porque inexiste qualquer
relação de grupo seja por que modalidade for, cremos, com MENEZES CORDEIRO, que o artigo
501.º do Código das Sociedades Comerciais não poderá ser aplicado. De facto,
sistematicamente o artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais está inserido no
capítulo relativo às relações de grupo, caso em que o poder de direcção se baseia na
possibilidade de a sociedade directora dar instruções à subordinada, ainda que as mesmas
sejam para esta desvantajosa.
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No caso de uma simples relação de domínio, semelhante possibilidade não sobrevém,
pelo que qualquer instrução desvantajosa que seja dada pela sociedade dominante à
sociedade dominada é ilícita, donde falha metodologicamente a analogia de situações, o que
leva à não aplicação das regras constantes do artigo 501.º do Código das Sociedades
Comerciais.
Semelhante circunstância leva à necessidade de obter noutros lugares do Código das
Sociedades Comerciais os mecanismos de protecção da sociedade dominada. Neste sentido
MENEZES CORDEIRO é taxativo a apontar que “fora do âmbito de aplicação do 501.º ficam
as sociedades em relação de domínio, mesmo quando formem um grupo de facto
qualificado”. Acrescenta o Autor que “o sistema do CSC não permite, na realidade, a
aplicação analógica do 501.º às relações de domínio: esta norma assenta no
reconhecimento da legitimidade do poder de direcção da sociedade-mãe sobre a sociedade
filha, susceptível de ser exercido em sentido desvantajoso a esta última (503.º/2), o que não
sucede na relação de domínio”.
Porém, como visto, ORLANDO VOGLER GUINÉ é de opinião que o artigo 501.º do
Código das Sociedades Comerciais pode ser mobilizado e, portanto, aplicável no âmbito das
relações de domínio, fazendo apelo a um argumento de maioria de razão: se a sociedade
directora tem o poder de dar instruções desvantajosas à sociedade subordinada e não o faz,
então em caso de influência dominante em que esse poder inexiste, mas é exercido ainda que
de forma ilícita, essa circunstância impõe que seja de levar à aplicação do artigo 501.º do
Código das Sociedades Comerciais.
No entanto e aderindo à autorizada doutrina de MENEZES CORDEIRO, cremos ser
pertinente aplicar analogicamente o artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais a
relações de domínio, visto que o seu âmbito de actuação reside, de facto e manifestamente,
no campo restrito das sociedades em relação de grupo. Há, portanto, que encontrar a
protecção da sociedade dominada noutros lugares que não o da protecção pela via do regime
de grupo para uma situação que não o é, manifestamente.
Além do mais, na hipótese que avançámos, também não julgamos ser possível aplicar
cumulativamente os regimes de domínio e de grupo. Na verdade, entre as duas entidades não
existem elementos jurídicos que permitam essa coligação. De facto, uma das sociedades
detém uma participação maioritária no capital da outra, dominando-a de forma influente (cfr.
artigo 486.º, número 2, alínea a)), mas não se verificam quaisquer dos elementos que
permitam enformar uma relação de grupo. Na realidade, os pressupostos dos artigos 488.º e
489.º do Código das Sociedades Comerciais não estão preenchidos, nem sequer foi celebrado
entre as duas qualquer contrato de subordinação, pelo que não há como aplicar este regime.
No entanto, e sem prejuízo de tudo quanto vai dito, sempre se deverá ter em atenção
que, no plano abstracto, pode haver lugar à aplicação dos dois regimes se a sociedade
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dominante tivesse detido 100% do capital social da outra e tivesse alienado 10% do capital
social da outra. Aqui a relação de grupo manter-se-ia, pois que a relação de grupo só cessa
se tiverem sido alienados mais do que 10% do capital social, ou seja, se o capital social
detido tivesse passado a ser inferior a 90%. Porém, no exemplo que avançámos, também isso
não se verifica. A dominante nunca deteve a totalidade do capital social da dominada, pelo
que nunca existiu qualquer concurso de relações societárias que pudesse despoletar a
aplicação conjunta dos dois regimes.
Há, assim, que descortinar a protecção da sociedade dominada noutros mecanismos,
nomeadamente fazendo apelo ao constante no artigo 83.º do Código das Sociedades
Comerciais ou então pela via do instituto da desconsideração da pessoa colectiva previsto
no artigo 84.º do Código das Sociedades Comerciais, em caso de ter havido uma “utilização
abusiva da personalidade jurídica” (cfr. AC TRL de 05/07/2000).
Neste sentido vai também a doutrina preconizada por MENEZES CORDEIRO e
ENGRÁCIA ANTUNES, referindo o primeiro que “a protecção da sociedade dependente (…)
realiza-se (…) através dos seguintes instrumentos principais: (a) responsabilidade civil da
sociedade dominante por violação de deveres decorrentes do respectivo status socii (no caso
de controlo interno); (b) responsabilidade civil (solidária) da sociedade por culpa in
eligendo ou in instruendo nos termos do artigo 83.º; (c) responsabilidade civil da sociedade
como administradora (de facto) da sociedade dependente, por violação de deveres
decorrentes do status de administradora; (…); (f) levantamento da personalidade jurídica,
a título excepcional e perante a verificação dos pressupostos respectivos” (artigo 84.º do
Código das Sociedades Comerciais).
LOURENÇO CÔRTE-REAL
Portal Verbo Jurídico | Maio de 2013
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