2ª edição ANTROPOLOGIA CULTURAL 11 SOMESB Antropologia Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda. Cultural Presidente ♦ Gervásio Meneses de Oliveira Vice-Presidente ♦ William Oliveira Superintendente Administrativo e Financeiro ♦ Samuel Soares Superintendente de Ensino, Pesquisa e Extensão ♦ Germano Tabacof Superintendente de Desenvolvimento e>> Planejamento Acadêmico ♦ Pedro Daltro Gusmão da Silva FTC - EaD Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância ♦ ♦ ♦ ♦ ♦ ♦ ♦ Coord. de Softwares e Sistemas ♦ Coord. de Telecomunicações e Hardware ♦ Coord. de Produção de Material Didático ♦ Diretor Geral Diretor Acadêmico Diretor de Tecnologia Diretor Administrativo e Finaceiro Gerente Acadêmico Gerente de Ensino Gerente de Suporte Tecnológico Waldeck Ornelas Roberto Frederico Merhy Reinaldo de Oliveira Borba André Portnoi Ronaldo Costa Jane Freire Jean Carlo Nerone Romulo Augusto Merhy Osmane Chaves João Jacomel EQUIPE DE ELABORAÇÃO/PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO: ♦ PRODUÇÃO ACADÊMICA ♦ Gerente de Ensino ♦ Jane Freire Autor(a) ♦ Miriã Fonseca de Jesus Supervisão ♦ Ana Paula Amorim ♦PRODUÇÃO TÉCNICA ♦ Revisão Final ♦ Carlos Magno Coordenação ♦ João Jacomel Equipe ♦ Ana Carolina Alves, Cefas Gomes, Delmara Brito, Ederson Paixão, Fabio Gonçalves, Francisco França Júnior, Israel Dantas, Lucas do Vale e Marcus Bacelar Editoração ♦ Marcus Bacelar Ilustrações♦ Fabio Gonçalves Imagens ♦ Corbis/Image100/Imagemsource copyright © FTC EaD Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da FTC EaD - Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância. www.ftc.br/ead 22 Sumário ANTROPOLOGIA CULTURAL E SUAS RELAÇÕES COM A HISTÓRIA E A EDUCAÇÃO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 07 ANTROPOLOGIA CULTURAL E HISTÓRIA: NOÇÕES NECESSÁRIAS Noção Antropológica de Cultura A Cultura e a Natureza A Cultura e o Ser Humano ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 07 07 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 07 08 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 09 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 10 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Diferenças Entre Raça e Etnia Identidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 11 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 12 12 ○ 12 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 10 10 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Então, o Que é raça? Quando a utilização desse conceito é correta? Quais são as raças dos seres humanos? Raça e Ideologia ○ ○ ○ E Você Como Tem Enxergado o “Outro”? A Superação do Etnocentrismo ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O Que é Etnocentrismo? Será Possível Comparar Culturas? ○ ○ ○ ○ ○ A Diversidade Humana ○ ○ ○ ○ Raça, Etnia e Identidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Etnocentrismo e História ○ ○ Abordagem Antropológica do Conceito de Cultura ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Cultura e História ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 11 11 11 13 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 15 ○ 15 ANTROPOLOGIA CULTURAL E EDUCAÇÃO Cultura e Educação Cultura e Escola ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A Pluralidade Cultural ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Pluralidade Cultural na Educação ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 15 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 16 ○ ○ 17 ○ A Pluralidade cultural como tema transversal da educação brasileira ○ A Pluriculturalidade e o Ensino de História ○ Aprendizagem e Multirreferencialidade O Positivismo de Auguste Comte O Positivismo e as Ciências ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 17 19 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 19 20 3 Abordagem Multirreferencial e Educação Antropologia Cultural ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 21 ○ Educação e Diversidade: A Experiência da Educação Indígena 20 no Brasil ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A prática Educativa Indígena ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 22 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 22 O que torna as escolas indígenas diferentes das Demais? Quais são suas características? Como a diversidade é contemplada? 23 ○ Princípios da Educação Indígena ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O Que Torna a Escola Indígena Diferente ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 23 FORMAÇÃO E PROCESSOS IDENTITÁRIOS NO BRASIL A INVENÇÃO DA IDENTIDADE: QUEM É BRASILEIRO? A Cultura Indígena ○ ○ ○ ○ ○ ○ Pindorama: a Terra dos Indios ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Distribuição dos Povos Indígenas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Como Viviam? De que Viviam? Quais suas Crenças, ráticas e Hábitos? Os Povos Indígenas e sua Relação com Terra e Natureza ○ As Relações Sociais nas Aldeias ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O Etnocentrismo Europeu Prevalece na Relação com as Nações Indígenas ○ A Cultura Européia ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Homens ao Mar: o Contexto da Expansão Marítima ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O Símbolo de Resistência Contra a Escravidão: Palmares Quilombos Ainda Existem no Brasil ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A África Antes dos Europeus 4 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 29 29 30 31 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 31 ○ ○ ○ ○ ○ ○ 32 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 29 ○ ○ ○ ○ 28 ○ ○ ○ ○ 27 28 ○ ○ ○ ○ 26 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Ginga, a Rainha de Matamba e Angola: Uma História de Resistência em África ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Açoites, Palmatória e Gargalheira: Castigos e Resistência ○ ○ ○ ○ ○ ○ O Escravismo Brasileiro De Onde e Como Foram Trazidos os Africanos para o Brasil ○ ○ ○ Por Mares Nunca Dantes Navegados: a Expansão Marítima Portuguesa A Cultura Africana ○ ○ 26 26 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 34 35 35 36 36 Muitos Povos e Grande Diversidade ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Formação cultural do Brasil ou brasileiros, quem somos nós? Em busca da identidade nacional ○ A Identidade Cultural Brasileira ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 37 ○ ○ 36 ○ 37 O BRASIL IMAGINADO: UMA DEMOCRACIA RACIAL Construindo Mitos O Que são Mitos e Como Surgem ○ ○ ○ A Função Social do Mito ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 39 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 40 41 Uma Democracia Racial: o Mito Brasileiro Quem foi Gilberto Freyre ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Racismo e Relação Étnicos-Raciais no Brasil Racismo ○ ○ ○ ○ ○ O Brasil Racista ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Que Informações nos Traz essa Tabela? As Relações Étnicos-Raciais no Brasil ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 43 44 44 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 46 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 47 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 47 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 48 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Diversidade no Brasil Contemporâneo: Desconstruindo Mitos ○ 39 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Políticas de Ação Afirmativa: em Busca de Alternativas ○ ○ ○ Políticas de Ação Afirmativa no Brasil: as Cotas Numéricas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 49 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 49 5 Antropologia Cultural Apresentação da Disciplina Caro (a) aluno (a), Olá! Sabemos que a sociedade em que vivemos é complexa e compreendê-la em suas múltiplas relações, em sua dinâmica e diversidade é necessidade vital para nossa formação. O que é ser brasileiro? A partir de que momento a cultura brasileira passou a existir? Afinal, somos um povo preguiçoso e sem vergonha? Somos somente o país do carnaval? Fomos realmente abençoados por Deus? Somos uma democracia racial? Como compreender a diversidade cultural e socioeconômica existente em nosso país? A disciplina Antropologia Cultural foi planejada para ajudá-lo na construção de um ponto de partida em sua reflexão sobre nossa identidade cultural e social. Faremos isso discutindo as noções de cultura, raça, etnia e identidade, articulando-as à análise sobre a formação dos processos identitários, o racismo e as relações étnico-raciais no Brasil, contextualizando a representação do Brasil enquanto uma “democracia racial”. Assim posto, longe de ditar verdades indiscutíveis sobre os temas apresentados, propomos interpretações possíveis, buscando estreitar as relações entre esses conhecimentos e o seu cotidiano, para que você possa desfrutar de uma aprendizagem criativa, prazerosa e significativa. Vamos lá? Miriã Fonseca 6 5 ANTROPOLOGIA CULTURAL E SUAS RELAÇÕES COM A HISTÓRIA E A EDUCAÇÃO ANTROPOLOGIA CULTURAL E HISTÓRIA: NOÇÕES NECESSÁRIAS Noção Antropológica de Cultura A Cultura e a Natureza Existem na nossa vida situações que foram impostas pela natureza e outras onde temos a oportunidade de fazer opções. Por exemplo, os peixes conseguem sobreviver no fundo do mar porque possuem o organismo equipado para isso, ou seja, foi determinado pela natureza. Não podemos escolher ter os pulmões e as nadadeiras como os peixes. Não é uma questão de escolha. Agora, e se comprarmos uma passagem de submarino? Aí sim, podemos optar entre estar no fundo do mar ou não. Notou a diferença? O submarino foi criado pelo homem por meio de sua inteligência e trabalho criativo, conseguindo, assim, sobreviver no fundo do mar. Mais um exemplo: somos obrigados a comer. Não existe liberdade para ignorar essa necessidade, apesar de alguns modelos tentarem. Sem alimento morremos. É uma imposição biológica, natural. Entretanto, temos liberdade para escolher o nosso alimento. Bom, mas a nossa questão é discutir a noção antropológica de cultura. Então, o que é que isso tem a ver? É que aprendemos que o homem é um ser social. E a cultura é uma das dimensões do processo social, é uma construção histórica. Não é algo natural, não é uma conseqüência de leis biológicas ou físicas. É obra coletiva da vida humana. A Cultura e o Ser Humano Diversas vezes já nós deparamos com uma questão: qual a diferença entre um animal e um ser humano? Ao fazermos essa indagação, percebemos que existem inúmeras formas corretas de respondê-la. Uma delas é fazendo uma comparação entre os conceitos de natureza e cultura. Nós, seres humanos, fazemos parte da natureza: comemos, bebemos, respiramos, reproduzimos, envelhecemos e morremos. Do mesmo modo que os animais. 7 Entretanto, somos capazes de trabalhar criativamente para superar os limites impostos pela natureza. Ou seja, os seres humanos são capazes de produzir cultura e de transmiti-la simbolicamente. Vamos voltar para o exemplo da imposição biológica de alimento; os animais também a possuem, porém Antropologia apenas os seres humanos têm a capacidade de fazer culinária, escolher temperos, Cultural de utilizar novos ingredientes, de criar receitas novas. Um gato que foi criado na França iria miar diferente se fosse criado na Rússia? Claro que não! No entanto, falar francês é totalmente diferente de falar russo, e o sotaque baiano é bem diferente do sotaque paraibano. O miado faz parte da natureza do gato, mas os idiomas e os sotaques fazem parte da cultura humana. “ O homem é portador de cultura; por isso, ele a cria e a transmite. ” Abordagem Antropológica do Conceito de Cultura A história da utilização antropológica do conceito de cultura tem origem na definição do antropólogo inglês Edward Tylor. Essa definição traz a oposição clássica entre natureza e cultura, na medida em que ele procurou definir as características diferenciadoras entre o homem e o animal a partir dos costumes, crenças e instituições, encarados como técnicas que possibilitam a vida social. Essa definição também marcou o início do uso inclusivo do termo, continuado dentro da tradição dos estudos antropológicos por Franz Boas e Malinowski, sobretudo na segunda metade do século XX. Esse uso caracterizou-se pela ênfase dada à pluralidade de culturas locais, enfocadas como conjuntos organizados e em funcionamento, e pela perda de interesse na evolução dos costumes e instituições, preocupação dos antropólogos do século XIX. Os elementos que compõem o conceito de cultura indicam que ela está relacionada à vida do homem, de um lado e, de outro, encontra-se em estado dinâmico, não sendo estática sua permanência no grupo. A cultura se aperfeiçoa, desenvolve-se, modifica-se continuamente, nem sempre de modo perceptível pelos membros do próprio grupo. É exatamente isso que contribui para o seu enriquecimento constante. Desse modo, dentro do conceito geral de cultura, é possível falar de culturas e, por isso, se identificam sentidos específicos segundo os quais a cultura é antropologicamente considerada: 8 Vamos analisá-los? • a cultura entendida como modos de vida comuns a toda a humanidade, como a linguagem (todos os homens falam, embora sejam diversos os idiomas ou línguas); • cultura entendida como modos de vida característicos a um grupo de sociedade com maior ou menor grau de interação. Existem diversas sociedades que possuem um mesmo elemento cultural, como, por exemplo, o idioma inglês, falado por várias nações; • cultura entendida como padrões de comportamento peculiares a uma dada sociedade; como os padrões culturais que caracterizam o comportamento da sociedade baiana; • por fim, cultura entendida como modos especiais de comportamento de segmentos de uma sociedade complexa. A sociedade baiana possui valores culturais comuns a todos seus integrantes. Dentro, porém, dessa sociedade encontram-se elementos culturais restritos ou específicos a determinados grupos que a integram. São certas características que, dentro da multíplice sociedade baiana, apresentam os cantores de hip-hop. Esses sentidos permitem verificar a diferenciação entre os diversos grupos humanos. Tal diferenciação resulta de processos internos ou externos, uns e outros atuando de maneira diversa sobre o fenômeno cultural. Cultura e História Que relações podemos estabelecer entre cultura e história? E a vinculação entre cultura, tempo e memória? As culturas permanecem as mesmas no decorrer do tempo? Já afirmamos que cultura é uma construção histórica, é um produto coletivo da vida humana, uma das dimensões do processo social, uma vez que remete para as ações realizadas por indivíduos e pelas coletividades, sendo, então, resultado da história de cada sociedade. Cada pessoa possui a sua própria história. Nossas histórias são diferentes umas das outras, entretanto não acontecem separadamente. Estão vinculadas ao grupo social a que pertencemos, ao lugar e ao tempo em que vivemos e ao nosso modo de vida; finalmente, relacionam-se à cultura da qual fazemos parte. A percepção do “outro” (diferente) e do “nós” (parecido) é distinta em cada cultura e no tempo. Ela está subordinada a informações e valores sociais historicamente estruturados. É sempre mediada por procedimentos e experiências pessoais e da sociedade em que se vive. A diversidade dos processos culturais está relacionada com o contexto histórico em que são produzidos. As variações nos modelos familiares, no modo de produzir a subsistência, no vestuário, não são naturais. São produtos de sua história, vinculados às condições materiais e imateriais de sua existência. Todas as culturas estão em incessante processo de reelaboração, introduzindo, modernizando seus valores, ajustando seu patrimônio tradicional às novas situações historicamente construídas pela sociedade. Neste sentido, a história também registra as transformações por que passam as culturas, sejam motivadas por suas forças internas, seja em conseqüência dos conflitos e contatos entre as mais diversas sociedades humanas. 9 Etnocentrismo e História O que é etnocentrismo? Antropologia Cultural Vocês já tiveram contato com esse tema quando estudaram as abordagens sociopolíticas da educação. Vamos aprofundá-lo. O etnocentrismo consiste em privilegiar um conjunto de representações, apresentado-o como modelo, reduzindo à insignificância os demais modelos e culturas “diferentes”. É um fenômeno universal, manifestando-se em todas as épocas e em todas as culturas. Centrados na nossa própria cultura, revelamos uma incapacidade de entender o diferente. Dessa forma, o outro é incorporado ao nosso universo mental de acordo com os nossos próprios valores. Evidentemente, isso é um obstáculo também para compreender outras épocas e não apenas outros povos. É essa maneira de compreender o universo que nos leva, às vezes, a tentar impor nossos valores aos nossos alunos, gerando alguns conflitos e aquele sentimento que em “meu tempo as coisas eram diferentes”. Observando historicamente... O etnocentrismo tem sido responsável por um longo processo de incompreensão entre os povos. Uma vez que, em contato com outro povo, nossa tendência é avaliar seus elementos culturais a partir de nossos próprios valores. Centrado nos valores da nossa própria cultura, temos dificuldade de avaliar outra a partir dela mesma. Vamos vê-lo no nosso cotidiano: o cristão, considerando a sua religião como a única autêntica, utiliza suas crenças como paradigma para avaliar as crenças diferentes da sua. A partir desse ponto de vista, qualquer fé distinta da cristã é considerada resultado da ignorância, superstição, da ingenuidade, da ação de forças do mal, etc. Então, o cristão considera que terá tudo a ensinar sobre religião aos portadores dessas diferentes crenças, mas não terá nada a aprender com eles. Será Possível Comparar Culturas? Consideramos que não é possível comparar duas culturas diferentes para tentar estabelecer a superioridade de uma em relação a outra, uma vez que o nosso julgamento seria limitado pelos nossos valores. Desse modo, os homens brancos podem achar que os indígenas são inferiores porque não dominam as tecnologias das armas de fogo, dos veículos, da eletricidade, etc., entretanto os indígenas também podem considerar os brancos inferiores porque vivem atormentados pelo infinito desejo de lucro e de acúmulo de riquezas, por exemplo, e não podem descansar ou viver tranqüilamente. Tudo depende do ponto de vista... Vejamos... 10 Fonte: www.xaxado.com.br E V ocê, Como T em Enx er gado o “outr o”? Você, Tem Enxer erg “outro”? A superação do etnocentrismo A superação do etnocentrismo não ocorre apenas com o desenvolvimento da tolerância. Não! A superação do etnocentrismo exige o conhecimento do outro. Partindo da constatação de que existe uma igualdade intrínseca a todos os povos, entre todos os seres humanos. Parte ainda do conhecimento histórico que mostra que nenhum povo pode atribuir sua cultura apenas a si mesmo, pois as trocas são constantes. Reconhecer o outro significa ver nele uma semelhança, ter com ele uma identidade. Perceber que o que é diferente pode ser entendido. Para superar o etnocentrismo no ensino de história a primeira atitude é (re)conhecê-lo historicamente, torná-lo objeto de estudo, desvendando como foram definidos os temas e como foram feitas as escolhas que constituem a história que ensinamos hoje. Raça, Etnia e Identidade A diversidade humana Você já deve ter percebido que existe entre nós seres humanos uma enorme diversidade na aparência física, diferimos na cor da pele, na altura, na forma dos olhos, no cabelo, no sexo e em muitas outras características físicas. Igualmente diferimos em nossas crenças religiosas, nossos valores, nos padrões culturais, nos modos de estabelecer os laços familiares, no modo como assumimos os papéis de homem e mulher e em tantos outros aspectos da organização da vida em sociedade. Da mesma forma, somos diversos nas peculiaridades de nosso mundo subjetivo. Mais ainda, dentro de uma sociedade, o acesso às riquezas materiais e simbólicas resulta em diferentes possibilidades de organizar a vida. Para identificar determinado grupo, muitas pessoas utilizam o termo “raça”, referindose, por exemplo, a raça negra, raça branca, raça nobre, raça de guerreiros. Entretanto, em nenhum desses exemplos a idéia de raça corresponde a sua noção científica. 11 Então, o que é raça? Quando a utilização desse conceito é correta? Quais são as raças dos seres humanos? Antropologia A idéia de raça está baseada em critérios que procedem da genética, da Cultural anatomia, da fisiologia e da patologia. Faz referência a um grande agrupamento natural humano, que se distingue pela diversidade de características. Em sua origem, o conceito de raça veio do italiano razza que, por sua vez, veio do latim ratio, que significa categoria, espécie. Na história das ciências naturais, o conceito de raça, foi primeiramente, usado na Zoologia e na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais. Apesar da espécie humana constituir uma espécie única, o conceito de raça tem sido utilizado para afirmar a superioridade de algumas culturas. Podemos observar que o conceito de raça, tal como o empregado na contemporaneidade, nada tem de biológico. Raça e ideologia É um conceito carregado de ideologia e, como todas as ideologias, ele oculta um fato não anunciado: a relação de dominação e de poder. A desconstrução científica da raça biológica não faz sumir a certeza da raça simbólica, da raça percebida e invariavelmente interpretada. Logo, se para a biologia a noção de raça é ultrapassada, sua importância não pode ser negada. Porque a raça, queira ou não, permanece sendo um elemento maior da realidade social, uma vez que utiliza, a partir de características físicas aparentes, formas coletivas de diferenciação classificatória e hierárquica que podem gerar atitudes discriminatórias e racistas. Diferenças entre raça e etnia A noção de raça possui um conteúdo biológico, já a de etnia é sócio-cultural, histórico e psicológico. Em um grupo dito raça “branca”, “negra” e “amarela”, podem estar contidas várias etnias. Uma etnia é, um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, tem um ancestral comum; tem uma língua em comum; uma mesma religião, uma mesma cultura e ocupam geograficamente um mesmo território. Etnia ou grupo étnico indica um grupo social que se diferencia de outros por sua especificidade cultural. Hoje, esse conceito se estende a todos os grupos minoritários que mantêm modos de ser diferente e formações que se distinguem da cultura dominante. Nas pesquisas relacionadas às relações raciais e interétnicas, tem-se substituído o conceito de raça pelo de etnia, considerado mais adequado que o de raça em termos de “discurso politicamente correto”. Entretanto, essa substituição não altera em nada a realidade do racismo, porquanto não aniquila a relação hierarquizada entre culturas diferentes que é um dos constituintes do racismo. Desse modo, tanto o conceito de raça quanto o de etnia são hoje ideologicamente manipulados. 12 Identidade A idéia de identidade é relativamente nova na história das sociedades. Aparece no Iluminismo e vai conquistando espaço na medida em que as discussões sobre a individualidade ganham importância. No início, se pensava em um “eu” monolítico e imutável. Posteriormente, veio a noção de um sujeito que se estrutura a partir de relações com outros sujeitos. Por último, há a concepção de indivíduo pós-moderno, na qual a identidade não é fixa ou permanente. A pessoa tem identidades múltiplas e as utiliza de acordo com o papel que exerce em um determinado momento. A identidade é formada pela visão que temos de nós mesmos e também pela forma que o outro nos vê, sendo a identidade atribuída ao indivíduo ou adquirida por ele. Ela sempre é apreendida por um processo de interação com outros. São outros que o identificam de certa maneira. Só depois que uma identidade é ratificada pelos outros, é que pode tornar-se real para o indivíduo ao qual pertence. Em outras palavras, a identidade resulta do intercurso da identificação com a autoidentificação. Assim, até mesmo as identidades são deliberadamente constituídas pelo próprio indivíduo. A identidade cultural é construída com fundamento na tomada de consciência das diferenças procedentes das especificidades históricas, culturais, religiosas, sociais. Texto Complementar [...] “Mas, existem idéias que se contrapõem ao etnocentrismo. Uma das mais importantes é a da relativização. Quando vemos que as verdades da vida são menos uma questão de essência das coisas e mais uma questão de posição: estamos relativizando. Quando compreendemos o “outro” nos seus próprios valores e não nos nossos: estamos relativizando. Enfim, relativizar é ver as coisas do mundo como uma relação capaz de ter tido um nascimento, capaz de ter um fim ou uma transformação. Ver as coisas do mundo como a relação entre elas. Ver que a verdade está mais no olhar que naquilo que é olhado. Relativizar 13 é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença. A nossa sociedade já vem, há alguns séculos, construindo um conhecimento ou, se quisermos, uma ciência sobre a diferença entre os seres Antropologia humanos. Esta ciência chama-se Antropologia Social. Ela, como de resto quase Cultural todas as atitudes que temos frente ao “outro”, nasceu marcada pelo etnocentrismo. Ela também possui o compromisso da procura de superá-lo. Diferentemente do saber de “senso comum”, o movimento da Antropologia é no sentido de ver a diferença como forma pela qual os seres humanos deram soluções diversas a limites existenciais comuns. Assim, a diferença não se equaciona com a ameaça, mas com a alternativa. Ela não é uma hostilidade do “outro”, mas uma possibilidade que o “outro” pode abrir para o “eu”. ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1999. Col. Primeiros Passos. Atividade Complementar 1. Comente, através da elaboração de um texto dissertativo, utilizando as informações contidas no Bloco 1 e a sua experiência pessoal, sobre cada uma das idéias abaixo: • cultura e história • etnocentrismo e relativização 2. 3. Identifique atitudes etnocêntricas que podem ocorrer na relação de aprendizagem. “Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar os diferentes grupos e culturas que a constituem”. Explique como o ensino de história pode contribuir para que esse fato aconteça. 14 ANTROPOLOGIA CULTURAL E EDUCAÇÃO Cultura e Educação De todas as práticas, a educação é a mais humana, examinando-se a profundidade e a extensão de sua influência na existência da humanidade. Sendo, desde o aparecimento do homem, sua prática fundamental, caracterizando o modo de ser cultural destes em contrapartida ao modo natural de existir dos demais seres vivos. Cultura e escola A educação promovida pela escola diferencia-se de outras práticas educativas, como as que ocorrem na família, no trabalho, no lazer e nas demais formas de convívio social, pela sua intencionalidade como objetivo de proporcionar o desenvolvimento e a socialização de crianças, jovens e adultos. Numa concepção democrática, compreende-se a educação escolar como responsável por produzir condições para que todas as pessoas expandam suas capacidades e apreendam conteúdos necessários para organizar instrumentos de compreensão da realidade e para participar de relações sociais cada vez mais complexas e diversificadas. A Pluralidade Cultural A diversidade caracteriza a vida cultural e social do Brasil. A sua constituição histórica é determinada pela influência de diversos povos, culturalmente bastante diferentes. Pertencemos a uma mesma nação e estamos sobre a égide do mesmo Estado. Porém, existe uma multiplicidade de culturas entre nós, que é representada nas diferenças entre as formas de viver do Nordeste e do Sul, do litoral e do interior do país, entre os povos originários de outros continentes, entre as populações rurais e urbanas, entre os jovens e os adultos. Há entre os brasileiros uma abundância de experiências humanas que forma um dos maiores patrimônios nacionais. Todavia, o predomínio da discriminação, as imensas desigualdades sociais, políticas e econômicas, os preconceitos e a intolerância reduzem as possibilidades dessa pluralidade se manifestar. Refletir sobre “pluralidade cultural” significa destacar uma questão muito intrigante: por que nós, humanos, mesmo fazendo parte de uma única espécie biológica, desenvolvemos modos de vida tão diversos e conflitantes? Ao investigarmos algumas possíveis explicações, podemos pensar também nas maneiras de convívio com as diferenças humanas para o desenvolvimento de nosso modo de viver. Pensar sobre pluriculturalismo nos remete a refletir sobre como tratamos as diferenças em nossa sociedade, seja ela de qualquer espécie, sobre o reconhecimento da nossa heterogeneidade étnica, cultural e social. Reconhecemos que a pluralidade cultural significa o acúmulo das experiências e das conquistas humanas. Contudo, nem todas as diferenças são positivas. Quando elas são transformadas em desigualdade existe uma necessidade de serem analisadas com maior profundidade. 15 Nas mais diversas sociedades e entre povos há relações de desigualdade e dominação em que alguns grupos sociais acumulam bens materiais, saberes, prestígio e poder ao mesmo tempo em que obstruem acesso dos demais a essas riquezas. Você deve se lembrar que estudando história observamos incontáveis Antropologia exemplos disso, como o extermínio físico e cultural de vários povos indígenas Cultural que habitavam o litoral brasileiro antes da presença portuguesa, a violência que significou a escravidão ou as mais diversas formas de pobreza que convivem com a riqueza em nossas cidades. Pluralidade cultural na educação Sendo um reflexo da sociedade na qual está inserida, a escola carrega as suas características. Nela a diversidade está presente diretamente naqueles que a constituem. Não obstante, no cotidiano escolar brasileiro, essa presença tem sido ignorada, reduzida ou omitida. Isso tem ocorrido principalmente por conta da noção transmitida na escola que na sociedade brasileira não existem diferenças, que o povo brasileiro foi constituído a partir do índio, morador mais antigo; dos brancos colonizadores; dos negros que para cá foram trazidos como escravos; e dos imigrantes, que encontraram aqui espaço para construir uma nova vida. Noção também veiculada pelos livros didáticos, anulando a diversidade cultural e, às vezes, submetendo uma cultura a outra. Difundiu-se, então, uma idéia de homogeneidade cultural, desconsiderando as inúmeras contribuições que construíram e constroem a nossa identidade nacional. Além disso, o “mito da democracia racial”, falaremos mais sobre isso no próximo Bloco, encobre as discriminações realizadas com base nas diferenças, que ficam escondidas sob o manto de uma igualdade que não se realiza, impulsionando para uma região sombria a vivência do sofrimento e da exclusão. Da mesma forma, algumas correntes pedagógicas também auxiliaram no processo discriminatório na escola, principalmente por parte dos professores. Hipóteses que asseveravam a noção de carência cultural, embora atualmente desaprovadas, deixaram marcas significativas na prática docente explicando o fracasso escolar só e exclusivamente pela “falta de condições” dos alunos. Nessa perspectiva, acontecem manifestações discriminatórias entre toda comunidade escolar: alunos, professores e nos funcionários, de modo geral. Ainda que a diversidade sempre tenha estado presente nas salas de aula — na formação heterogênea das turmas, nos diferentes ritmos de aprendizagem, nas múltiplas opções religiosas, nas várias realidades sociais e culturais —, a preocupação em atender a todos, sem exceção, é recente nas escolas brasileiras. Nestas circunstâncias, uma educação dirigida para agregar a diversidade cultural no cotidiano pedagógico tem despontado em debates e discussões nacionais e internacionais, procurando questionar projetos teóricos e implicações pedagógico-curriculares de uma educação que tenta trabalhar as diversas identidades no âmbito da educação formal. No Brasil, este debate assume especial importância no contexto da elaboração de uma proposta curricular nacional - os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997), que incluem “pluralidade cultural” como um dos temas a serem desenvolvidos. Esse documento, norteador da educação no país, apresenta uma idéia positiva da diversidade cultural, como riqueza humana a ser explorada, fonte de conhecimento e denso material a ser utilizado nas escolas em praticamente todas as áreas do conhecimento. O tema da diversidade não é reduzido a uma crítica ao preconceito, à discriminação e ao racismo, o que também deve ser feito e se inclui no documento. 16 Existe, principalmente, uma valorização construtiva da multiplicidade de povos, culturas e tradições existentes no Brasil, ainda não suficientemente conhecidos e estudados no sistema escolar do País, muitas vezes nem sequer reconhecidos. Uma das suas propostas é a contestação da noção de homogeneidade inevitável e necessária da sociedade brasileira, reduzindo-a a uma única língua, a uma religião, a um único modo de ser. Num país de enorme diversidade étnica e cultural, com metade da população de origem não européia (africana, indígena, asiática ou outra), a homogeneidade por acaso existente deve ser justificada como resultado de um processo colonial e escravocrata, autoritário, do massacre e extermínio dos povos. Enfim, relacionar pluralidade cultural e educação implica em repensar a dinâmica das relações sociais entre professor e alunos e de se reconhecer como um ser plural ator, sujeito e produto de uma história local. Por conta da sua inserção nas relações sócio-culturais, a escola não pode se esquivar da responsabilidade de atuar no sentido de pensar, compreender e empenhar-se com o objetivo de buscar um ensino voltado para práticas democráticas de respeito e tolerância às diferenças, cada vez mais postas à mostra no contexto da sociedade global, na qual a grande marca é a diversidade. A pluralidade cultural como tema transversal da educação brasileira Você já conseguiu perceber então onde está a transversalidade desse tema na educação? Por que será necessário que ele perpasse todas as áreas do saber? A sociedade contemporânea, dita da informação e do conhecimento, requer que se enfrente a heterogeneidade e que se distinga as peculiaridades dos grupos e das culturas, seus valores, interesses e identidades. Simultaneamente, ela exige que o reconhecimento da diversidade não justifique relações de submissão, dominação, desigualdade ou preconceito. Neste contexto, uma educação multicultural voltada para a incorporação da diversidade cultural deve ser levada em consideração em práticas pedagógico-curriculares voltadas à construção de uma sociedade democrática e ao desenvolvimento da cidadania crítica e participativa. Posto assim, os temas transversais permitem um elo de discussão entre as diversas áreas de estudo, assumindo um caráter interdisciplinar, para que passem todas a servir a um projeto social. Este projeto se organiza através da discussão de temas que estão relacionados a um contexto político e social específico. São um recurso de trabalho para o desenvolvimento de currículos mais significativos e flexíveis, fazendo dos conteúdos acadêmicos estudados na escola um instrumento para pensar questões socialmente relevantes para aquela determinada comunidade escolar. A pluriculturalidade e o ensino de história A história, enquanto área de conhecimento, tem passado por transformações significativas ao longo do tempo. Antigos princípios têm dado lugar a novas abordagens, objetos e problemas, enfim, a novas preocupações. Diversas abordagens teórico-metodológicas têm se destacado, enfatizando “a problematização do social, procurando ora nos grandes movimentos coletivos, ora nas 17 particularidades individuais, de grupos e nas suas inter-relações, o modo de viver, sentir, pensar e agir de homens, mulheres, trabalhadores, que produzem, no dia-a-dia, ao longo do tempo, as práticas culturais e o mundo social”. (PCN – História, 1998:30) Antropologia Uma das críticas mais diligente e importante tem sido ao eurocentrismo Cultural presente nos modos usuais de ensinar e pesquisar história, perspectiva cada vez mais inadequada a um mundo policêntrico, sobretudo quando se valoriza o multiculturalismo. Concomitantemente às novas temáticas desenvolvidas pelos historiadores, o ensino de história incorporou também as discussões sobre a aprendizagem que salientavam o papel do aluno (aprendente) enquanto sujeito e construtor do saber. Ainda segundo o PCN – História 1998:28, “nas últimas décadas, passaram a ser difundidas percepções diferentes do processo de aprendizagem (...) e das funções sociais e culturais atribuídas à escola e ao professor”. Atualmente, muitas pesquisas apontam que o processo de ensino deve orientar-se como os alunos elaboram a representação pessoal com os conteúdos com os quais interagem. Nessa perspectiva, o professor é quem organiza as situações de aprendizagem e quem estabelece a mediação entre o aprendente e o que vai ser aprendido. Nesse processo, o professor tem um papel muito característico. Atua como instigador e mediador, promovendo momentos de aprendizagem que se apóiam na circulação de saberes e conhecimentos entre o sujeito que tenta compreender o mundo e o outro que se interpõe entre ambos. A ênfase, neste caso, não recai nem sobre o professor nem sobre o aluno, mas sobre a relação que se estabelece entre ambos. O educador, nesta ótica, seria aquele que estabelece uma ponte entre a cultura particular do aluno e os valores culturais da sociedade, em sentido mais amplo. Um caminho é trabalhar sempre articulado ao conhecimento dos alunos sobre o sentido do tempo e do espaço, ao mesmo tempo; e de forma comparativa, com os sentidos dados por outras culturas. A aprendizagem da História deve partir do que está mais próximo da realidade do aluno. Sem perder suas especificidades, o ensino da História deve abrir-se às categorias de construção de outros conhecimentos: literários, lingüísticos, semiológicos, filosóficos, psicológicos, etc. Posto assim, propor o ensino de história na perspectiva da diversidade e superação das desigualdades, coloca imediatamente a questão da formação dos professores. Para desenvolver sua prática, os professores precisam também se desenvolver enquanto profissionais e sujeitos críticos na realidade em que estão. Tradicionalmente, a formação dos professores brasileiros não contemplou esse aspecto. A maior parte das instituições de formação inicial não inclui currículos voltados para a formação política nem para o tratamento das questões socioculturais. Outrossim, a pluralidade cultural, como tema transversal, não deve se esgotar no ensino de História, mas pode e deve estar presente em todas as disciplinas. Não importa a área de atuação. Sob a perspectiva de um viés multirreferencial e interdisciplinar, o ensino de história deve estar assentado numa relação de mutualidade, interação, de diálogo e de uma mudança de atitude perante a questão do conhecimento; propondo a substituição do ensino fundamentado na tradição epistemológica disciplinar, fragmentária e especializante do projeto cartesiano das idéias claras e distintas pela visão unitária do ser humano. 18 Cabe ao professor na construção do seu ambiente de aprendizagem dialogar com as diferenças, criando condições de arregimentá-las para implementar o aprendizado, onde o projeto didático principal é se aproximar o máximo das cosmovisões dos alunos, não para assumi-las de maneira inerte, mas trabalhar dinamicamente com elas, com todos os meios que a educação contemporânea fornece para educarmos na diversidade. Afinal, o ensino da História deve ajudar as pessoas e os povos a se tornarem mais críticos, mas, ao mesmo tempo, mais solidários e mais felizes, e, principalmente, mais respeitosos em relação às diferenças, mais abertos ao ser plural como possibilidade para o redesenho de um novo humanismo. Aprendizagem e Multirreferencialidade A abordagem multirreferencial foi delineada inicialmente por Jacques Ardoino, professor da Universidade de Vincennes (Paris VIII), e seu grupo de trabalho. Em diversos momentos de sua obra, Ardoino sinaliza que o surgimento da idéia da abordagem multirreferencial no âmbito das ciências humanas e, particularmente, da educação, está diretamente relacionada com o reconhecimento da complexidade e da heterogeneidade que caracterizam as práticas sociais. Essa abordagem pode ser considerada como uma réplica às críticas encaminhadas aos modelos científicos organizados a partir do racionalismo cartesiano e do positivismo comteano. Uma vez que ele toma a pluralidade como ponto de partida para estabelecer os princípios que a subsidiam e, mais ainda, traz em si mesma a marca da heterogeneidade como o eixo principal na construção do conhecimento. O Positivismo de Auguste Comte Vamos conhecer um pouco mais sobre as idéias de Comte e do positivismo para compreender porque a abordagem multirreferencial surge como uma crítica a esse modelo de construção do conhecimento e compreensão da realidade? Vários filósofos do século XIX refletiram sobre a vitória da modernidade, do modo de produção capitalista, da indústria, da ciência e da tecnologia. Um desses pensadores foi o francês Auguste Comte (1798-1857), criador da doutrina positivista. Comte acreditava que todas as grandes transformações na história das sociedades humanas ocorreram como conseqüência do desenvolvimento do conhecimento. Quanto mais os homens aprendem, mais felizes se tornam. Para ele, o progresso é filho direto do saber. Para Comte, a humanidade só atingiria seu grau superior de evolução, que ele denominava de estado positivo, quando todas as idéias e ações humanas fossem fundamentadas na ciência. Logo, o único conhecimento verdadeiro é o conhecimento científico, e as duas principais características pretendidas em direção a um conhecimento positivo da realidade humana seriam: a objetividade e a neutralidade. Filósofo francês, Auguste Comte é considerado por alguns como o pai da Sociologia. Auguste Comte nasceu em Montpellier, na França, em 1798. 19 Antropologia Cultural Resumidamente, o positivismo apresenta as seguintes características: • separação excludente entre sujeito e objeto de estudo; • a subjetividade e a afetividade são consideradas de modo pejorativo como fonte de erro; • supervalorização do método e desprezo pela teoria e interpretação: visão instrumentalista do conhecimento; • crença no empreendimento científico como algo neutro, objetivo; • o método científico é considerado de forma monolítica: o que varia são os objetos de estudo, o método de investigação é o mesmo para todas as ciências; • os objetivos da ciência seriam a descrição imparcial, a predição e o controle sobre a realidade. O Positivismo e as Ciências No desenrolar da história do pensamento filosófico ocidental, a noção de uma realidade imutável, externa ao sujeito do conhecimento, tornou-se dominante. Nesse sentido, nos séculos XVII e XVIII, as duas perspectivas epistemológicas principais, o racionalismo e o empirismo, não obstante suas discordâncias, partilhavam duas premissas fundamentais: separação radical entre o sujeito e o objeto do conhecimento; e uma relação linear e isomórfica do conhecimento com a realidade. Tais premissas foram recuperadas e radicalizadas, no século XIX, pela perspectiva positivista que então se torna a referência epistemológica dominante nas ciências modernas. Japiassu (1975) afirma que no momento da sistematização das ciências humanas elas buscaram seu reconhecimento e sua legitimidade como ciências apoiando-se em modelos então consagrados pelas ciências naturais. Procurar nas ciências naturais as condições para garantir a autenticidade científica fez com que as ciências humanas assumissem as premissas das ciências naturais, incorporando uma perspectiva epistemológica e, em conseqüência, uma perspectiva metodológica que não lhe é própria, o que não permite explicitar os fenômenos humanos em sua profundidade – em sua complexidade. Uma vez que o ser humano se caracteriza por uma múltipla determinação de fatores: sociais, econômicos, políticos, psíquicos, etc., o que o define como complexo, as abordagens que se inspiraram no cartesianismo ou mesmo no positivismo, procurando no reducionismo a compreensão para os fenômenos humanos, deparam-se constantemente com os limites que essas atitudes epistemológicas lhes impõem, terminando por produzir um conhecimento fragmentado e superficial. Em contra partida, a perspectiva multirreferencial pretende estabelecer um novo olhar sobre o humano, mais plural, a partir da reunião de diferentes correntes teóricas, o que se configura em nova perspectiva epistemológica na construção do conhecimento sobre os fenômenos sociais, principalmente os educativos. Buscando uma nova perspectiva para a compreensão dos fenômenos educativos: a da pluralidade e da heterogeneidade. 20 Abordagem multirreferencial e educação Considerando a complexidade dos fenômenos educativos, a abordagem multirreferencial propõe que o conhecimento sobre os mesmos deve ser construído através da união e aproximação das várias áreas do saber, assim inscrevendo-se num universo dialético e dialetizante, no qual o pensamento e o conseqüente conhecimento são gerados em sucessivo movimento, num persistente ir e vir, o que possibilitará a criação e, com ela, a própria construção do conhecimento. A noção de multirreferencialidade indica para a imediata necessidade de novos paradigmas interpretativos, de novos caminhos teórico-metodológicos e filosóficos que priorizem a análise dos fenômenos educativos onde se desenvolve a sensibilidade, a compreensão dos processos identitários culturais, o desabrochar da subjetividade e da intersubjetividade, da alteridade e das contradições. Compreender a necessidade de uma visão múltipla para o entendimento dos fenômenos educativos requer um rompimento com o pensamento linear, unitário e reducionista característico do paradigma da simplicidade, e privilegiar o heterogêneo, como ponto de partida para a construção do conhecimento. Educação e Diversidade: a experiência da educação indígena no Brasil Contextualizando... As relações entre os povos indígenas e o Estado brasileiro têm uma história na qual se pode verificar duas vertentes: a de dominação, por meio da inclusão e homogeneização cultural, e do pluralismo cultural. Essas vertentes formam a estrutura da política governamental desenvolvida a cada momento da história brasileira. Até recentemente, a noção de integração consolidou-se na política indigenista do Brasil, perdurando, em sua essência, desde o período colonial até o final da década de 80 do século XX. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, um novo marco se constrói. A política integracionista começava a reconhecer a diversidade das sociedades indígenas que havia no país, entretanto sinalizava como ponto de chegada o fim dessa diversidade. Toda pluralidade étnica seria anulada ao se incorporarem os índios à sociedade nacional. Ao se tornarem brasileiros, tinham de abandonar sua própria identidade. O Estado brasileiro pensava em uma “escola para os índios” que tornasse possível a sua homogeneização. A escola deveria transmitir os conhecimentos valorizados pela sociedade de origem européia. Nesse modelo, as línguas indígenas, quando consideradas, deviam servir apenas de tradução e como instrumento para facilitar a aprendizagem da língua portuguesa e dos conteúdos valorizados pela cultura “nacional”. A partir da metade da década de 70, iniciavam mudanças nesse contexto. Acontece a mobilização de segmentos da população brasileira para criação de associações de apoio e colaboração com os povos indígenas. O movimento indígena no Brasil começa a tomar forma, fazendo parte do amplo movimento de reorganização da sociedade civil que caracterizou os últimos anos de ditadura militar no país. 21 Várias comunidades e povos indígenas, superando o processo de dominação e perda de seus contingentes de população, passam a se reorganizar para fazer frente às ações integracionistas do Estado brasileiro. Em conseqüência, estabelece-se uma articulação entre as sociedades Antropologia indígenas e organizações não-governamentais, com mudanças importantes para Cultural a afirmação dos direitos indígenas, abrindo espaços políticos e sociais para que a questão indígena se impusesse no país, exigindo transformações. A “escola indígena” ou “escola para os índios” começou a ser pensada dentro de um panorama de luta por direitos humanos e sociais. Foi reconhecida a relação da educação como direito de se apresentarem as várias culturas e experiências sociais e políticas dos povos indígenas e os problemas decorrentes do seu contato com a sociedade mais ampla. Foram os primeiros sinais contrários à política educacional governamental de estrutura integracionista. A partir dos anos 80, sucederam-se projetos alternativos de educação escolar indígena. A Prática Educativa Indígena Todas as nações indígenas possuem seus processos característicos de socialização e de formação das pessoas, arregimentando agentes que tenham objetivos educacionais. As ocasiões e atividades de ensino-aprendizagem pactuam espaços e tempos formais e informais, com concepções próprias sobre o que deve ser aprendido, quando, como e por quem. A escola não é o único lugar de aprendizado. Toda sociedade possui uma sabedoria para ser divulgada, transmitida e repartida por seus membros; são valores e mecanismos da educação tradicional dos povos indígenas. Esses modos de educação tradicional podem e devem colaborar na formação de práticas e políticas educacionais apropriadas, capazes de responder aos desejos, interesses e necessidades cotidianas da realidade atual. Estes saberes não são inconciliáveis com os saberes da escola contemporânea. Princípios da educação indígena Entre as nações indígenas, a educação se baseia em princípios que lhes são peculiares, dentre os quais: • uma visão de sociedade que transcende as relações entre humanos e admite diversos “seres” e forças da natureza com os quais estabelecem relações de cooperação e intercâmbio a fim de adquirir e assegurar determinadas qualidades; • valores e procedimentos próprios de sociedades originalmente orais, menos marcadas por profundas desigualdades internas, mais articuladas pela obrigação da reciprocidade entre os grupos que as integram; • noções próprias, culturalmente formuladas( portanto, variáveis de uma sociedade indígena a outra) da pessoa humana e dos seus atributos, capacidades e qualidades; • formação de crianças e jovens como processo integrado. Para as sociedades indígenas cada experiência cognitiva e afetiva carrega múltiplos significados – econômicos, sociais, rituais, cosmológicos. 22 O que torna as escolas indígenas diferentes das demais? Quais são suas características? Como a diversidade é contemplada? Aos processos educativos característicos dos povos indígenas veio somar-se a experiência escolar, com as diversas formas e modalidades que assumiu no decorrer da história do contato entre índios e não-índios no Brasil. Demanda formada pós-contato, a escola tem sido assumida continuamente pelos índios em seu movimento pela autodeterminação. É um dos espaços onde a relação entre os conhecimentos próprios e os conhecimentos das demais culturas deve se articular, constituindo uma possibilidade de informação e divulgação para a sociedade nacional de valores e saberes relevantes até então desconhecidos. O que torna a escola indígena diferente... A escola indígena é dirigida pela comunidade indígena, em conformidade com seus projetos, seus princípios e concepções. Tanto no que diz respeito ao currículo quanto à forma de administrá-la. Possui liberdade de decisão quanto ao calendário escolar, aos objetivos, aos conteúdos, aos espaços e momentos usados para a educação escolarizada; por isso ela é comunitária. É intercultural, porque reconhece e mantém a diversidade cultural e lingüística; promove o diálogo entre experiências socioculturais, lingüísticas e históricas diferentes, sem considerar uma cultura superior a outra, estimulando o respeito e o entendimento entre povos de identidades étnicas diversas. É ao mesmo tempo específica e diferenciada porque foi imaginada e planejada como reflexo dos desejos peculiares de cada nação indígena e com liberdade em relação a determinados aspectos que regem o funcionamento e orientação da escola não-indígena. É multilíngue, porque a reprodução sociocultural dos povos indígenas é, na maioria das vezes, manifestada através da utilização de mais de uma língua. Até mesmo as nações indígenas que hoje falam a língua portuguesa continuam utilizando a língua de seus ancestrais como um símbolo de seus traços identificatórios. 23 Texto Complementar Antropologia Cultural Construção da identidade do professor A pluralidade cultural e a construção da identidade do professor Wilsa Maria Ramos “A maneira como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino.” (Nóvoa, 1992) Pretendemos aqui discutir como o professor - enquanto pessoa - constrói a base para o seu crescimento profissional, vencendo as barreiras dos preconceitos e estereótipos, de forma a adquirir competências para ser o mediador do processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Refletiremos sobre o tema pluralidade cultural, na ótica de quem ensina. Não a trataremos aqui como um conteúdo a ser ensinado pelo professor, mas sim abordaremos a pluralidade como um locus complexo de representações e interpretações, no qual se situa a prática pedagógica. O professor, sujeito social, enreda-se numa teia de expectativas e representações, que faz parte de um tecido social, cultural e histórico e que influencia a sua forma de pensar e agir. Mas, ao narrar os seus próprios atos, ele ressignifica a sua prática profissional, retoma a rédea do seu desenvolvimento e dá conta de analisar esse tecido social estruturante. Desta forma, queremos pensar a pluralidade como parte integrante de nossas vidas. Tudo à nossa volta é plural, estamos imersos em um espaço temporal e cultural que é repleto de signos e significados que são expressões e manifestações dos homens: as artes, pinturas, esculturas, os livros, programas da tela de TV, filmes, etc. Pensamos, narramos, agimos, inspiramos, sentimos, imaginamos, criamos e transpiramos (não necessariamente nessa ordem), valores, crenças, idéias, histórias de um mundo ao qual pertencemos. Somos, às vezes, o produto (alguns, enlatados de tão reprimidos) de um mundo histórico e cultural, repleto de relações sociais desiguais, sanções, normas e regras, etc. Por outras vezes, somos o próprio agente ativo do processo de construção dessas mesmas relações sociais desiguais, sanções/punições e normas, a respeito das quais somos tão insatisfeitos. Portanto, falar do pluralismo na educação implica o ato de repensar a dinâmica das relações sociais professor e alunos e de se reconhecer como um “ser plural” (co)ator, (co)sujeito e (co)produto de uma história local. Significa entrarmos em contato com nossas origens, com a nossa história que está registrada nos livros didáticos, mas que também é contada e recontada pelos mais velhos, os nossos próprios avós. Ser plural é reconhecer a educação como inclusiva, no sentido amplo da palavra, não representativa apenas dos portadores de necessidades especiais, mas de todos os “portadores de algo diferente”. A educação não pode ser excludente dos diferentes grupos étnicos, raciais, religiosos. São insuportáveis os atos de discriminação social, os preconceitos, o racismo e o antisemitismo. Mas como esses processos, que tanto criticamos, se aproximam das práticas pedagógicas e se instalam nas relações escolares, fazendo parte das representações dos professores e alunos? 24 Atividade Complementar 1. Construa um quadro comparativo sobre a abordagem positivista e a multirreferencial, constando das seguintes informações: período do surgimento, idealizador, compreensão da realidade, construção do conhecimento, objetivo da ciência, método científico e perspectiva epistemológica. 2. Explique porque na abordagem positivista a subjetividade e a afetividade são consideradas de modo pejorativo, como fonte de erro. 3. Uma das características da educação indígena é a interculturalidade. Como esta característica pode ser contemplada em outras experiências educacionais? 25 FORMAÇÃO E PROCESSOS IDENTITÁRIOS NO BRASIL Antropologia Cultural A INVENÇÃO DA IDENTIDADE: QUEM É BRASILEIRO? A Cultura Indígena Pindorama: a terra dos índios Quem foram os primeiros, legítimos, descobridores do Brasil? Que idéia tiveram dessas terras? Ainda não existem respostas conclusivas. O que sabemos é que quanto mais sabem, mais os cientistas descobrem o quanto ainda falta saber. A procedência e a origem do homem americano são ainda um enorme desafio para a comunidade científica e objeto de muita polêmica. Sabe-se que o continente foi o último a ser ocupado pela espécie humana. Segundo a hipótese mais aceita, seus antigos povoadores vieram da Ásia, cruzando o estreito de Bering. É comum aplicar a expressão “índios” a todos os habitantes e culturas do continente americano antes da chegada dos europeus. Trata-se de uma denominação generalizante que não traduz a diversidade e a complexidade dessas culturas. Ainda que existam algumas semelhanças em seu modo de vida, esses povos não são todos iguais, pois cada cultura desenvolveu diferentes crenças, modos de produzir e trabalhar, de se divertir. Constituem sociedades com identidade própria, razão pela qual utilizaremos também os termos nação ou povo para designá-los. Na área correspondente ao nosso atual território, as estimativas indicam uma população entre 3 a 6 milhões de habitantes quando da chegada dos europeus. Avalia-se que essa população era constituída por cerca de 1500 grupos étnicos distintos. Esses grupos pertenciam a mais de quarenta famílias lingüísticas, a maioria delas agrupadas em quatro grandes troncos distribuídos em três regiões geográficas: tupi-guarani (populações litorâneas), macro-jê (cerrados do interior), aruaque e caribe (Amazônia). Distribuição dos povos indígenas Toda extensão do litoral, de norte a sul, era ocupada pelos Tupi-Guarani, separados em diversos subgrupos. Do Ceará até a desembocadura do rio São Francisco dominavam os Carijó. Já o sertão desse rio era habitado pelos Tupinaé. Da sua foz até a Bahia habitavam os Tupinambá. Entre a Bahia e o Espírito Santo viviam os Tupiniquim, e na baía da Guanabara, os Temiminó. Em São Paulo, de Bertioga a Cananéia, incluindo o planalto paulista, também viviam osTupiniquim. No litoral da lagoa dos Patos, estendendo-se para a bacia dos rios Paraná-Paraguai, eram terras dos Carijó (Guarani). 26 Os grupos de origem não Tupi ocupavam as áreas do estuário do rio da Prata, os Charruas, a foz do rio Paraíba, pelos Goitacás. No sul da Bahia e norte do Espírito Santo estavam os Aymoré; entre o Ceará e o Maranhão, os Tremembé. Por essa disposição geográfica, era natural que os portugueses mantivessem contatos mais estreitos com os povos que habitavam o litoral, os Tupi. Os demais grupos indígenas que não pertenciam a esse conjunto eram incluídos, indistintamente, no grupo denominado por eles como Tapuia. Para esses diversos grupos tribais que viviam aqui não existia Brasil. A nação de um índio é a sua terra, é a região onde ele vive com sua tribo. É Pindorama, a terra das palmeiras, para uns, é Pirantininga para outros, e assim por diante. Como viviam? De que viviam? Quais suas crenças, práticas e hábitos? Os povos indígenas não conheciam a escrita e, para sabermos como viviam, que mudanças ocorreram entre eles, quais eram suas idéias dispomos dos relatos escritos pelos cronistas europeus e da cultura material, isto é, o que restou de suas casas, os enfeites que usavam, as ferramentas de trabalho, as armas, os restos de comida e as fogueiras, as pinturas ou os sinais que deixaram, os mortos que enterraram. O cotidiano dos povos indígenas era determinado pelo ritmo da natureza. A terra era um bem coletivo, e sua posse, muitas vezes, era garantida pela guerra, resultando na expulsão dos derrotados. Ao final desses conflitos, alguns povos realizavam um cerimonial no qual comiam a carne de um prisioneiro valente. Segundo sua crença, ao fazer isso eles passavam a ter a mesma coragem do prisioneiro. 27 Os povos indígenas e sua relação com terra e natureza Da terra, as populações indígenas tiravam só aquilo que era necessário para sua sobrevivência. Antropologia Os povos indígenas mantinham uma relação de respeito com a natureza. A Cultural terra não era apenas o lugar de plantar, mas uma extensão deles próprios. Era o espaço onde seus deuses se manifestavam, onde a vida nascia, onde se realizavam seus rituais, onde moravam e caçavam. As relações sociais nas aldeias A vida nas aldeias é regida por um complexo sistema de parentesco que, por sua vez, comanda desde as relações de gênero (homem-mulher) até as relações de troca e divisão do trabalho. Vinculada à sua organização social, cada aldeia, geralmente, possui uma complexa cosmologia, em que são ordenados os seres humanos, os animais e os seres sobrenaturais. Ajustado de modo característico a cada grupo, esses elementos muitas vezes servem como “chaves” para antropólogos explicarem as diferenças e semelhanças entre os diversos grupos indígenas brasileiros. A relação entre as tribos indígenas era baseada em regras sociais, políticas e religiosas. O contato entre as tribos acontecia em momentos de guerras, casamentos, cerimônias de enterro e também no momento de estabelecer alianças contra um inimigo comum. Os povos indígenas possuíam crenças e rituais religiosos distintos. Entretanto, todas as tribos acreditavam nas forças da natureza e nos espíritos dos antepassados. Para estes deuses e espíritos, faziam rituais, cerimônias e festas. O pajé era o responsável por transmitir estes conhecimentos aos habitantes da tribo. Algumas nações indígenas chegavam a enterrar seus mortos em grandes vasos de cerâmica, onde além do cadáver ficavam os objetos pessoais. Demonstrando que estas tribos acreditavam numa vida após a morte. E a educação? A educação indígena era bastante significativa, prática e vinculada à realidade da vida da tribo. Os curumins aprendem e se divertem ao mesmo tempo: conhecer não é algo desligado da vida. As crianças brincam com bonecas e flecham calangos e passarinhos com pequenos arcos. Nesses jogos infantis, eles imitam os adultos. E os ajudam também: as meninas menores tomam conta de irmãos pequeninos, as maiores mastigam as raízes com que se fazem as bebidas. Os adultos só conversam com as crianças acocoradas, ficando assim em pé de igualdade com elas, demonstrando assim o valor que os povos indígenas dão aos seus filhos. Cada povo indígena que vive no Brasil hoje é possuidor de universos culturais peculiares. Sua originalidade e diversidade são um patrimônio importante não apenas para eles próprios e para o Brasil, mas para todas as sociedades. Entretanto, não podemos mitificar os povos indígenas, imaginando-os como seres humanos perfeitos e suas sociedades como o paraíso na terra. Como qualquer sociedade, as comunidades indígenas têm suas “contradições”: em muitos casos a mulher é discriminada, por vezes ocorrem guerras entre grupos e a solidariedade quase sempre provém mais das adversidades da natureza do que de uma escolha. O importante é que percebamos que formam uma sociedade estruturada, com determinados valores, dos quais, inclusive, podemos divergir. O outro em questão: o etnocentrismo e o extermínio dos povos indígenas 28 O trecho abaixo pertence à música Sampa, de Caetano Veloso, onde ele descreve os seus sentimentos com relação à cidade de São Paulo. E você, caro aluno, qual tem sido sua reação ao se deparar com o novo e com o diferente? Também tem achado feio o que não é espelho? “Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto, chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto é que Narciso acha feio o que não é espelho”... Caetano Veloso A colonização portuguesa foi produto das suas necessidades estruturais (organização social, política e econômica de uma nação em um determinado período) e conjunturais. Seu intuito era explorar a colônia para dominar, conquistar e retirar tudo o que percebessem que daria lucro. O seu procedimento em relação aos povos indígenas foi determinado por esse intuito. Até quando foi posível conseguir deles o que desejavam, trataram-nos como parceiros em uma empresa, porém quando não puderam mais ter sua “cooperação”, passaram a tratá-los como inimigos. Já sabemos que os encontros entre os povos oferecem diversos exemplos das dificuldades de um povo entender outro com uma cultura diferente da sua. Esse é um fenômeno universal. O diferente e o novo são difíceis de serem assimilados e, mais ainda, de serem compreendidos e acolhidos. O novo tende a ser identificado com alguma coisa já conhecida e, por tanto, a não ser aceito como completamente novo. O diferente também costuma ser associado a algo já conhecido, superado e inferior. Essa situação ocorreu no contato entre os europeus e os povos indígenas. O etnocentrismo europeu prevalece na relação com as nações indígenas A colonização portuguesa foi produto das suas necessidades estruturais (organização social, política e econômica de uma nação em um determinado período) e conjunturais. Seu intuito era explorar a colônia para dominar, conquistar e retirar tudo o que percebessem que daria lucro. O seu procedimento em relação ao s povos indígenas foi determinado por esse intuito. Até quando foi possível conseguir deles o que desejavam, trataram-nos como parceiros em uma empresa, porém quando não puderam mais ter sua “cooperação”, passaram a tratá-los como inimigos. Já sabemos que os encontros entre os povos oferecem diversos exemplos das dificuldades de um povo entender outro com uma cultura diferente da sua. Esse é um fenômeno universal. O diferente e o novo são difíceis de serem assimilados e, mais ainda, de serem compreendidos e acolhidos. O novo tende a ser identificado com alguma coisa já conhecida e, portanto, a não ser aceito como completamente novo. O diferente também costuma ser associado a algo já conhecido, superado ou inferior. Essa situação ocorreu no contato entre os europeus e os povo indígenas. A Cultura Européia Homens ao mar: o contexto da expansão marítima A expansão marítima européia é o momento mais significativo no princípio da europeização do mundo. Ela foi executada a partir de explícitas necessidades econômicas e possibilitada por influentes grupos políticos. 29 A combinação de necessidades materiais com motivações de ordem mental foi levando os europeus por “mares nunca dantes navegados” e terras longínquas. Foram necessários muitos séculos de história para que os europeus Antropologia conquistassem os mares e continentes. Foram necessários muitos séculos para Cultural que se dispusessem a conhecer terras distantes das suas. Depois disso, outros tantos para que o medo do desconhecido servisse como estímulo desafiador. Mais ainda, para que pudessem surgir Mar Português interesses materiais, econômicos e políticos que os impulsionassem para “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! fora do seu pequeno mundo. Por ti cruzamos, quantas mães choraram, Com as viagens dos “descobrimentos”, Quantos filhos em vão rezaram! que levaram à conquista de territórios e povos Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! até então desconhecidos e ao Valeu a pena? Tudo vale a pena estabelecimento de rotas comerciais em Se a alma não é pequena. vários pontos do planeta, o continente europeu Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor passa a ocupar um lugar cada vez mais central Deus ao mar o perigo e abismo deu, no cenário mundial. Espanha e Portugal Mas nele é que espelhou o céu” constituem as primeiras sociedades da Fernando Pessoa Europa que têm a experiência de “descobrir” outros povos. O sucesso da expansão significou claras vantagens para alguns personagens que a projetaram e a executaram. Quem eram eles? Como foram repartidos os benefícios e os custos desse empreendimento? Por mares nunca dantes navegados: a expansão marítima portuguesa A expansão marítima não se realizava por acaso: ela atendia a interesses da classe feudal e da jovem burguesia comercial portuguesa. Buscava-se superar a escassez de cereais no reino, ampliar a lavoura açucareira para além do Algarve, ter acesso aos metais preciosos da África, especialmente ao ouro do Sudão e às especiarias e artigos de luxo do Oriente. Para isso, que ampliaria as fontes de renda do Estado monárquico, navegar era preciso. Desde o século XV Portugal navegava, com a conquista do Marrocos e do Norte da África. As necessidades econômicas faziam o comércio crescer com o avanço ao longo do litoral atlântico africano: ouro, marfim, escravos. Os temores iam sendo vencidos na prática. É importante ressaltar que os interesses econômicos não foram os únicos que mobilizaram os portugueses em sua empreitada marítima. A tradicional nobreza lusitana era mais sensível a apelos relacionados à honra, à glória militar , à fé católica e ao dever cristão de combater os infiéis. A expansão teve um caráter comercial e de cruzada religiosa, atendendo, assim, aos interesses nacionais. Para Sérgio Buarque de Holanda, o pioneirismo de Portugal nas navegações se deve a um incentivo próprio, já que esse país tinha uma mentalidade mais aberta. Esse autor defende a mentalidade burguesa e os países Ibéricos. Os Ibéricos não gostavam do trabalho físico, queriam ser senhores, mas sem ter que fazer o trabalho manual. No período colonial brasileiro, um dos principais elementos que determinavam a divisão social era o trabalho. Para os portugueses, o trabalho era prerrogativa de pessoas consideradas 30 inferiores. Assim, a necessidade de trabalhar, seja pela sobrevivência ou por sujeição à escravidão, definia o indivíduo como um ser socialmente inferior. Na sociedade portuguesa aquele que era fidalgo não se sujeitava ao trabalho; seu ideal de vida era a defesa dos valores morais e religiosos. A Cultura Africana Cafundó, batuque, tanga, caçula, bunda, cafuné, benguela, quitute, mocotó, quilombo, cacunda, mandinga, marimbondo, quitanda , senzala, quindim, samba, moleque, macaco,angu, maroto, cachimbo, ginga. Com toda certeza você já disse, ouviu ou leu algumas das palavras acima. Todas são de origem africana. Por que são tão usuais em nosso dia-a-dia nas conversas, na televisão, no rádio ou em jornais, revistas e livros? Por que em nossa cultura encontramos tantas manifestações que vieram da África? Por que, atualmente, segundo o governo federal, aproximadamente 45% da população brasileira é formada por descendentes de africanos? Como chegaram ao Brasil? Aliás, chegaram ou foram trazidos? Essa é uma questão que até a um tempo atrás gerava muita discussão. Seja como for, para responder as perguntas acima nos reportaremos a uma prática atualmente considerada criminosa, repugnante e cruel, quase tão antiga quanto a própria humanidade: a escravidão. Mas, há alguns séculos atrás, era considerada como natural, autorizada por lei, justificada pela religião e um negócio altamente lucrativo. Foi no escravismo que toda a economia da colônia portuguesa na América se sustentou. O Escravismo Brasileiro Por que houve escravidão? Por que durou tanto tempo? O que as pessoas da época pensavam a respeito?E os escravos? Como era a vida deles? Reagiram? Conformaram-se? Durante o período colonial a economia do Brasil desenvolveu-se vinculada aos interesses mercantilistas que prevaleciam na Europa no começo da modernidade. Em conformidade com a teoria mercantilista, a colônia existia para atender aos interesses da metrópole. Por quase quatrocentos anos, a escravidão foi a principal relação trabalhista existente no Brasil. Além de a mão-de-obra escrava produzir riquezas, como já afirmamos, a escravidão era também, em si mesma, um negócio muito lucrativo. O tráfico negreiro propiciava altos rendimentos aos comerciantes e à Coroa portuguesa. Esse foi o principal motivo para que os europeus retirassem milhões de africanos do seu continente e trouxesse para a América. Além da lucratividade, a introdução da mão-de-obra escrava africana foi essencial para o controle das terras americanas conquistadas. Desde a instalação do governo-geral em 1548, a Coroa portuguesa buscou exercer uma vigilância mais eficaz sobre os rumos da colonização. Nesse sentido, restringir a escravidão indígena e implementar a africana foi um estratagema que deu certo, uma vez que os colonos ficaram mais dependentes da Metrópole, da qual dependia o abastecimento contínuo da mão-de-obra necessária para a produção na América. Logo, se a escravidão africana e o tráfico representavam por um lado medidas econômicas, por outro eram também parte do arsenal político da metrópole para manter o controle sobre sua colônia. 31 De onde e como foram trazidos os africanos para o Brasil Antropologia Cultural Era um sonho dantesco!... O tombadilho, Que das luzernas avermelha o brilho, Em sangue a se banhar Tinir de ferros... estalar do açoite ...Legiões de homens negros como a noite, a dançar (...) Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus? Castro Alves O trecho do poema de Castro Alves, musicado por Caetano Veloso, revela o todo o horror do qual o oceano Atlântico foi a maior testemunha: o tráfico negreiro. Entre os séculos XVI e XIX milhões de africanos, estima-se que algo em torno de 5 milhões, cruzaram o Atlântico e entraram no Brasil na situação de mercadoria. Desarraigado de seu país, retirados à força da terra em que haviam nascidos, isolados de seus familiares, os africanos que foram trazidos neste período tinham diferentes origens, com língua, tradições, religião e organização social diversificados. Tradicionalmente, afirma-se que a maior parte dos africanos trazidos para o Brasil pertenciam a dois grupos étnicos: os bantos, originários de Angola, Moçambique e Congo, que tiveram como destino Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco; e os sudaneses, vindos da Costa do Marfim, de Daomé e da Nigéria, pertencentes a várias etnias: fula, mossi, haússa, mandinga, balanta e jalofa; levados em sua maior parte para a Bahia. Conforme a origem, na América, as etnias africanas eram denominadas nações. Eram diversas as maneiras dos portugueses conseguirem escravos na África: através de acordos com os líderes africanos, da troca dos cativos por mercadorias e também lançaram mão das guerras. Sobre esse comércio, o historiador Jacob Gorender apresenta mais detalhes: Os prisioneiros eram trocados por panos, ferragens, trigo, sal, cavalos e, sobretudo, por armas de fogo e munição. A estes produtos de origem européia juntaram-se, com grande aceitação, os procedentes da América: tabaco, aguardente, açúcar, doce e búzios, estes últimos utilizados como moedas pelos africanos. A difusão das armas de fogo tornou sua posse questão de sobrevivência e obrigou uma tribo após outra a tentar obtê-las por meio da captura de homens e mulheres de outras tribos. (Jacob Gorender, O escravismo colonial. p. 128) Um aspecto a ser considerado nesse comércio é que algumas sociedades africanas conheciam e praticavam a escravidão, ainda que fosse economicamente menos importante do que para a metrópole. Existia a prática da escravidão por guerras, onde os vencedores escravizavam os vencidos, entretanto, o escravo não era uma propriedade, sua situação abrangia relações políticas, militares e econômicas. A diferença é que, a partir do século XV, essas práticas tornaram-se mais comuns porque passaram a ser lucrativas para os próprios africanos. Desta forma, não só cresceram as 32 guerras com o intuito de fazer prisioneiros para escravizá-los, como surgiram os seqüestros, a escravidão por dívidas e ainda havia famílias que, por conta da fome, vendiam seus integrantes. Além disso, os traficantes organizaram uma rede de agentes denominados pumbeiros, que caçavam africanos no interior do continente. Nos pumbos, espécie de mercados onde as tribos trocavam os escravos, eles os compravam. Antes da viagem para o Novo Mundo, os africanos escravizados eram batizados por religiosos portugueses. O batismo era legalmente obrigatório, sendo consumado nos barracões do litoral, coletivamente, e pago pelo traficante per capita. Após o batismo cristão, os africanos eram submetidos ao “batismo de fogo” dos comerciantes de escravos: eram marcados com ferro em brasa na coxa, no ombro e no peito para serem reconhecidos em sua condição de escravo. Tumbeiros, era esse o nome dos navios utilizados no tráfico de escravos. Você já pensou o que quer dizer tumba em nossa língua? Isso mesmo, tumba é uma palavra que em nossa língua significa sepultura. Por que será essa relação entre tráfico de escravos e morte? A viagem nos tumbeiros, navios negreiros, era um verdadeiro inferno para os africanos. Amontoados nos porões, mal tinham condições de respirar. Na tentativa de evitar a disseminação de doenças, os escravos viajavam nus, tinham cabelos e unhas cortados, bochechavam vinagre, eram banhados com água do mar e eram obrigados a se movimentar. Os porões e conveses eram periodicamente lavados com vinagre adicionado à água salgada, com o objetivo de desinfetar. Apesar da taxa de mortalidade ser alta, os traficantes preocupavam-se com a saúde e a manutenção dos africanos, diminuindo a lotação dos tumbeiros. Afinal, considerando o aspecto comercial, a “mercadoria” chegando a salvo, saudável e com aparência boa, se conseguiria melhor preço no mercado. Contudo, essa era uma prática corrente apenas entre os traficantes mais experientes. O texto abaixo é o relato de um marinheiro sobre o que ocorria às vésperas da viagem pelo Atlântico: O momento de partida do barco era traumático. Os escravos “ passavam a noite em rebuliço. Eles sentiam os movimentos do navio. Nunca ouvi gritos piores do que aqueles [...] Os homens abanavam as grilhetas, o que provocava um ruído ensurdecedor. A angústia devia-se em parte pelo fato de muitos africanos estarem convencidos de que os europeus eram seres marinhos, canibais da terra dos mortos, cujas solas dos sapatos eram feitas de pele de africano, cujo vinho tinto era sangue de africanos e cuja pólvora era feita de ossos queimados e moídos de africanos. ” Ao chegar na colônia, os africanos eram mais uma vez amontoados, desta vez em armazéns para esperar a hora de serem negociados. Uma prática dos comerciantes de escravos era tornar melhor a aparência da sua “mercadoria”. Davam um tratamento estético: a pele era lavada com suco de limão e untada com óleos, os cabelos eram lavados e cortados e a alimentação, melhorada. Além da violência física, os africanos sofreram uma enorme agressão à sua cultura. Retirados do seu meio social e natural, jogados em uma região de língua, hábitos e religião desconhecida encontraram vários obstáculos para manter sua identidade cultural. 33 Açoites, palmatória e gargalheira: castigos e resistência A violência fazia parte do cotidiano dos escravos e foi uma das Antropologia características marcantes da escravidão. Como nas demais sociedades Cultural escravocratas, no Brasil colônia, a diversidade de torturas e castigos impostos pelos senhores foi extensa. As práticas e os instrumentos eram diversos; o mais utilizado era os açoites com o bacalhau, chicote de cabo pequeno com tiras de couro em cujas pontas havia pequenas esferas de metal; também era comum amarrar o escravo ao tronco para ser chicoteado. As falhas consideradas mais graves eram punidas com mutilações, como a castração, amputação dos seios ou dedos. Apenas em casos gravíssimos, o escravo era condenado a morte, uma vez que isso representava prejuízo para o senhor. Apesar de ser tratado como “coisa”, essa condição não fazia com que o escravo se esquecesse que era gente. Neste sentido, reagiram à condição de bem das mais variadas maneiras, indicando que em nenhum momento perdera sua humanidade. Onde houve escravidão, houve resistência a ela. A associação da sua memória com a vida no cativeiro tornou possível aos escravos produzir um modo de suportar, na colônia, a condição de “coisa que produz”. Era necessário inventar uma maneira nova para lidar com a opressão do senhor, para comunicar-se com os outros africanos. Finalmente, para manter a humanidade que teimavam em tirar-lhes. Resistir. Foi exatamente aí que os africanos recriaram e reinventaram sua identidade. A situação desumana imposta no cativeiro, nas extensas lavouras e na violência dos senhores tornaram difícil, porém não impediram que os africanos, dentro das senzalas, recriassem sua cultura, constituíssem novas famílias, estruturassem redes de parentesco e conservassem sua ancestralidade. Fugas, suicídios, assassinatos de senhores e feitores, abortos foram maneiras de resistência. Coletivamente, a rebelião era a forma mais comum de resistência, eram também comuns as fugas coletivas, praticadas com maior freqüência que as individuais, na medida em que se tornava mais fácil confundir os caçadores de escravos com pistas que seguiam para lugares distintos. Entretanto, de todas as formas de resistência, a formação de quilombos representava grande perigo para a política de dominação senhorial. Os quilombos ou mocambos eram agrupamentos formados inicialmente por escravos fugidos, que depois agregariam mestiços, índios e brancos pobres, que geralmente eram fundados em regiões de difícil acesso, no interior das matas. Os quilombolas plantavam, pescavam, caçavam e praticavam a pecuária. Produzidos artesanalmente, artigos de madeira e ferro supriam a comunidade, e o excedente era negociado nas vilas próximas. Possuíam uma estrutura militar organizada. A sua organização social era instituída a partir de uma elite de guerreiros, líderes que promoviam a defesa da sua comunidade e ataques às povoações portuguesas. Nos quilombos eram reproduzidas e recriadas as heranças culturais africanas. 34 O símbolo de resistência contra a escravidão: Palmares Entre todos os quilombos fundados na colônia, Palmares se constituiu no maior e no mais poderoso, não apenas do Brasil, mas da América. Construído em terras atualmente pertencentes aos Estados de Alagoas e Pernambuco, esse quilombo chegou a possuir onze povoados - mocambos - espalhados por uma região de aproximadamente 350 quilômetros quadrados. Em nenhum outro lugar a resistência dos escravos fugidos foi tão longa, bem sucedida e ordenada como nos doze mocambos construídos no sertão das Alagoas. Em Palmares, as aldeias eram organizadas conforme a nacionalidade dos escravos e sua estrutura obedecia ao modelo que possuíam na África. A liderança era exercida pelo rei do mocambo do Macaco, que era o maior e mais importante centro, tinha cerca de 1.500 casas e aproximadamente 8 mil moradores. Ganga-Zumba, foi um dos primeiros líderes de Palmares, que provocou a revolta dos quilombolas ao fazer, em 1678, um trato com os portugueses para que estes desmantelassem o quilombo. Após o seu envenenamento, Ganga-Zumba foi substituído por seu sobrinho Zumbi. Por cerca de quase cem anos, Palmares resistiu aos ataques das autoridades portuguesas, mas em 1694 foi destruído pela ação conjunta de forças alagoanas, pernambucanas e paulistas, sob a liderança do bandeirante Domingos Jorge Velho. Zumbi conseguiu escapar do ataque final a Palmares, contudo foi morto em 20 de novembro de 1695, data em que é comemorado, pelo movimento negro, o Dia da Consciência Negra. Quilombos ainda existem no Brasil No final de 2001, a Fundação Palmares, instituição vinculada ao Ministério da Cultura, havia reconhecido 743 comunidades remanescentes de quilombos; A Bahia era o Estado com maior número de comunidades, 245, seguido pelo Maranhão, com 172. Minas Gerais, 66 e Pará, 57, também se destacaram no inventário da Fundação. Somente no Acre, Roraima e no Distrito Federal não foram identificadas comunidades remanescentes de quilombos. Nessas comunidades, o modo de vida que prevalece se fundamenta na posse coletiva da terra, na agricultura de subsistência e na pecuária. Entretanto, sua sobrevivência tem sido constantemente ameaçada por disputas pela posse da terra entre fazendeiros e grileiros. Em 1988, o direito dos remanescentes de quilombos foi reconhecido pela Constituição, no seu artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias. Em 1995, aconteceu a primeira regularização: a comunidade negra de Boa Vista, no município de Oriximiná, no norte do Pará, recebeu o documento que lhe concedeu a posse definitiva de suas terras. pela posse da terra entre fazendeiros e grileiros. Em 1988, o direito dos remanescentes de quilombos foi reconhecido pela Constituição, no seu artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias. Em 1995, aconteceu a primeira regularização: a comunidade negra de Boa Vista, no município de Oriximiná, no norte do Pará, recebeu o documento que lhe concedeu a posse Fonte: Jornal Folha de São Paulo. Caderno Brasil, definitiva de suas terras. 12 de março de 2000) 35 Ginga, a rainha de Matamba e Angola: uma história de resistência na África Onde, atualmente, estão o Congo e Angola é que se localizava o reino do Antropologia Dongo; em sua porção oriental estava localizado o reino de Matamba, ocupado Cultural pelo povo jaga. Por conta da fertilidade de suas terras e da navegabilidade dos seus rios, essa era uma área muito cobiçada pelos conquistadores europeus, Nzinga Mbandi Ngola, conhecida no Brasil como Ginga, foi rainha de Matamba e Angola entre os séculos XVI e XVII, foi responsável pela resistência de sua nação contra a tirania dos conquistadores portugueses. Ela era descendente dos reis que haviam reinado sobre o Estado antes da sua divisão em dois: Dongo e Matamba. Fundamentada em sua ancestralidade com os jagas, Nzinga exigiria a soberania de toda região. Sua resistência ao tráfico de escravos e à ocupação colonial no reino de Matamba e Angola perdurou por cerca de quarenta anos. Para tal, Nzinga utilizou diversas estratégias e táticas que foram desde as práticas de guerra jagas até a sua conversão ao cristianismo. A África antes dos europeus Você já pensou por que o Estado brasileiro através do seu Ministério da Educação e Cultura teve que instituir legalmente, através da Lei número 10.639/03, a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo dos ensinos fundamental e médio? Será que para conhecer melhor o nosso país e nos conhecer melhor é necessário conhecer a “mama África”? O que nós sabemos realmente sobre o continente africano, sobre sua cultura, sua história? Apesar de um grande número de trabalhos desenvolvidos sobre a África, a maior parte das informações, mais acessíveis, que ainda temos nos são dadas através do olhar dos conquistadores. A África que imaginamos é uma construção do conquistador europeu que ignorou as peculiaridades próprias da cultura negra. Devido a essa visão eurocêntrica, os africanos foram incorporados ao Ocidente como povos bárbaros, sem cultura, religião e inferiores. Como os africanos foram trazidos na condição de escravos, nos habituamos ou nos habituaram? a associar sua figura imediatamente a do cativo, dominado e humilhado, tratado como mercadoria. Contudo, a história da África é muito anterior à chegada dos colonizadores europeus. Desde a Antiguidade, existem registros de importantes civilizações nesse continente. Lembra do Egito? Anterior à chegada dos colonizadores europeus, os povos africanos estavam divididos em Estados ou reinos, com diversas formas de organização social e política. Tal qual os povos americanos havia grandes diferenças entre eles. Muitos povos e grande diversidade A África é um continente constituído por povos muito diferentes, reunindo um grande número de grupos étnicos com diversas histórias. Todavia, por um longo período de tempo, as sociedades africanas foram vistas pelos europeus como sociedades sem história. 36 As reduzidas informações sobre o passado do continente africano eram dadas a partir dos fatos da história da Europa. Contudo, desde o processo de independência dos países africanos, iniciados na segunda metade do século XX, historiadores africanos vêm procurando restaurar o passado da África a partir da perspectiva das sociedades africanas. Ao sul do deserto do Saara desenvolveram-se grandes impérios, como o de Gana, entre os séculos VII e XI, o do Máli séculos XIII ao XVI; e o de Songhai, no século XVI, que conseguiram prosperar. Os líderes desses impérios exploraram as minas de ouro existentes em seu território, negociando-o com os comerciantes muçulmanos do norte do continente. O islamismo se difundiu pelo sul do deserto do Saara a partir do século XI e vários governantes se converteram a essa religião. Nesse contato com os muçulmanos, o corpo administrativo e comercial assumiu também sua língua e escrita, além de agregar as normas de seu sistema de créditos. Na região da atual Nigéria desenvolveu-se uma das mais complexas sociedades africanas: a Nok. Esse povo conhecia a agricultura e a metalurgia do ferro e do estanho. Vários povos que viveram nessa região foram influenciados pela cultura Nok. Um dos mais importantes centros de disseminação da cultura muçulmana no continente africano, foi o povo Songhai, que sobreviveu até 1591 quando foram derrotados pelos marroquinos. Outros povos contemporâneos à chegada dos europeus ao continente africano foram: na região do atual Zimbábue o reino de Monotapa e os reinos do Congo, de Angola, de Moçambique, o Fom e o de Fonte: Jornal Folha de São Paulo. Caderno Ioruba. Brasil, 12 de março de 2000) Formação cultural do Brasil ou brasileiros. Quem somos nós? Em busca da identidade nacional A identidade cultural brasileira Você já parou para pensar o que é que nós temos em comum que nos faz sentir brasileiros? O que é que causa esse sentimento a despeito de sermos tão diferentes? Você certamente já comparou um país estrangeiro com o Brasil. O que as outras nações têm de tão diferente da nossa? Afinal, então o que significa ser brasileiro? Nós brasileiros possuímos uma maneira muito peculiar de ser e viver. A partir de que momento a cultura brasileira passou a existir? O que denominamos cultura brasileira se formou gradualmente a partir do encontro, desencontro e convivência entre os povos indígenas, os portugueses e os africanos, marcados pela exploração e subjugação que os portugueses impuseram aos indígenas e africanos. Por esse motivo, por um longo espaço de tempo, somente as manifestações de origem portuguesa da nossa cultura eram legitimadas e valorizadas pelas elites. As manifestações de origem indígena e africana eram menosprezadas e mesmo combatidas pelos grupos dominantes. Apesar da maior parte da população brasileira no decorrer da nossa história sempre possuir mais proximidade cultural com as manifestações indígenas e africanas. 37 Texto Complementar Antropologia Cultural Os índios e a civilização No início dos tempos, muitos anos atrás, já estávamos aqui, éramos milhares. Naqueles tempos, nossos antepassados já ensinavam que tudo que existe está ligado ao grande ciclo da vida. A água dos rios e igarapés, as florestas, os animais pequenos e os grandes, tudo à nossa volta tem sua magia própria e ali foi colocado para manter o grande ciclo da vida e ajudar os homens que forem sábios. [...] Há quinhentos anos chegaram os invasores vindos de longe; de lá até hoje, tudo mudou no lugar em que vivemos, muitos dos nossos foram dizimados por doenças ou guerras. Se no início éramos 6 milhões, hoje somos 300 mil. De nós levaram e levam a madeira, o ouro e a própria terra. Nossa grande mãe chora de tristeza e choramos juntos com ela. Quando vamos ao rio e ele está sujo, quando vamos na mata e ela não mais existe, quando queremos falar com os espíritos e eles não mais respondem porque uma máquina passou na sua morada. Temos certeza de que a “civilização” que nos foi imposta, foi uma civilização que não deu certo para nosso povo, e agora temos certeza de que não deu certo para o homem branco. Nós, índios, ainda resistimos, mantemos nossas tradições, mantemos respeito à grande mãe natureza, por isso somos chamados de selvagens e preguiçosos. Não compreendemos a sabedoria de vocês, não entendemos uma sabedoria que destrói a mata, polui os rios, mata os peixes. Não compreendemos uma sabedoria que abandona seus velhos, maltrata suas mulheres e crianças. Não compreendemos a ânsia do homem branco em dominar seu irmão, a natureza e as forças do universo. Todo esse poder, todas as armas, por outro lado, não têm feito de vocês um povo feliz. Muitas doenças, muitas dores que seus sábios não podem curar, sabemos o remédio. (Adaptado de Carta de princípios da sabedoria indígena, aprovada pelo Primeiro Encontro Nacional de Pajés. Revista Caros Amigos, julho 1998, p.15) Atividade Complementar 1. No início do texto da Carta de princípios da sabedoria indígena, os pajés se manifestam sobre uma cosmologia. Transcreva o parágrafo em que essa idéia aparece de forma mais explícita e estabeleça relações entre o seu significado e as diferenças em relação às concepções do homem branco. 38 2. Retome a leitura do poema de Fernando Pessoa e identifique nele os diferentes significados do domínio dos mares para os portugueses. 3. Os africanos trazidos como escravos para a colônia eram “coisificados”, transformados em mercadorias. Como os traficantes e os senhores de escravos conseguiam isso? Por que agiam dessa maneira? O BRASIL IMAGINADO: UMA DEMOCRACIA RACIAL Construindo Mitos O que são mitos e como surgem Em sua etimologia, mito é uma palavra de origem grega, mýthos, que significa fábula e provém de dois verbos: mytheyo que significa narrar, contar e mytheo que significa anunciar, nomear, conversar. Em todas as culturas, independente do tempo e do espaço em que vivam, busca-se compreender a origem e a existência dos seres e das coisas. Por isso, é muito comum a alusão a um ato de criação, em narrativas que descrevem o começo do universo e da sua história. As narrativas míticas explicam tanto fenômenos quanto fatos. Fazem parte da tradição oral de um povo, são histórias que usam a palavra falada para propagar e comunicar a maneira de pensar desse povo, resguardando a sua memória e perpetuando sua cultura. Posto assim, os mitos traduzem uma maneira de ver e explicar o mundo própria de cada cultura. O mito apresenta também algumas características peculiares: Dragão Chines 39 • É narrativo uma vez que detalha a relação entre símbolos, pessoas e fatos com forças desconhecidas; • É pedagógico, pois busca ensinar uma verdade; Antropologia • Procura conhecer e explicar o objetivo da existência humana. Cultural É difícil saber ao certo como se originou um mito. Na medida em que são elaborados pelas narrativas transmitidas através do tempo pelos membros das sociedades, não podem ser criteriosamente datados, calculados. A cultura grega produziu um grande número de mitos para explicar o surgimento da Terra, dos céus, dos mares, dos deuses e dos homens. Enfim, para auxiliar na sua compreensão do Universo e da condição humana. A mitologia grega entende o universo como constituído por uma sucessão de diversas gerações divinas, que resumem uma evolução anterior e quebram com as ordens que cada geração representa e institui. Entretanto, apesar de sempre relacionarmos mitologia à cultura grega, atitude compreensível já que ela fundamenta o pensamento ocidental, em todas as culturas existem mitos, principalmente o mito relacionado à criação, ao surgimento dessa cultura. Um outro exemplo é o mito do Dilúvio Universal existente na cultura de diversos povos. Contudo, as variações desse mito nos comunicam sobre o modo de ser de cada cultura em particular. Vamos vê-lo na nação indígena dos Guayaki Aché. “Quando a água vermelha, a água vermelha e grossa, se pôs a subir, então, ela levou inumeráveis Aché. A água vermelha, a grande água vermelha, levava muitos Aché. Um homem e sua mulher treparam numa palmeira até o topo, até o topo de uma palmeira eles treparam. Vendo, de lá do alto, que a água não desaparecia, puseram-se a chorar. E a água continuava a subir. Tanto se elevou a onda que abateu a árvore e os dois Aché tiveram que subir no alto de outra, velha e sólida. Essa palmeira não foi abatida. Pegando seus frutos, eles os jogaram embaixo: pluf! A água estava lá ainda. Mais tarde, recomeçaram a lançar os frutos: pum! Haviam batido na pedra. Então, eles puderam descer. A água tinha levado todos os Aché e estes haviam se transformados em capivaras. É na água que moram, transformados em capivaras, as lamas desses Aché”. A função social do mito Além de revelar a cosmologia de um povo, os mitos também são registros da sua memória. Eles recordam as conquistas culturais desse povo, expressam as noções que esse povo possui sobre a transição da animalidade para a vida social, a superação da passagem do estado natural para o de cultura. O mito só é compreensível a partir da história de um povo, por que estabelece uma ética, uma cooperação, um ritual que auxilia na consolidação dos elos existentes entre os membros de um mesmo grupo. Os mitos ainda são dinâmicos, uma vez que as novas experiências exigem que sejam todo o tempo recriados. Assim, o mito estabelece uma relação do tempo presente com o tempo primordial, das origens, dando sentido há esse tempo presente e proporcionando uma explicação. Por outro lado, o mito pode traduzir uma representação deturpada de fatos ou personagens reais que, repetida persistentemente, pode levar à produção de uma interpretação equivocada de um momento histórico ou de um grupo. Neste sentido, um mito pode sugerir a crença em uma realidade que não é verdadeira. Vamos ver como... 40 Fonte: www.xaxado.com.br Na tirinha acima a personagem Xaxado questiona a identidade etnica do Saci, uma vez que nunca tinha visto um Saci branco, já que no folclore brasileiro os Sacis são representados por negros. O que você pensa sobre o mito, da superioridade dos brancos, sobre os não brancos, presente na maioria dos livros didáticos ? E na nossa sociedade será que esse mito existe? Uma democracia racial: o mito brasileiro No final do século XIX surgiram, principalmente na Europa, as primeiras teorias relacionadas à ligação entre as características raciais e o desenvolvimento das sociedades. A explicação desses teóricos era a de que o desenvolvimento de determinada sociedade estava relacionado aos caracteres raciais transmitidos geneticamente em sua população. Essa teoria e sua explicação partiam da premissa que as sociedades brancas européias encontravam-se no grau mais elevado de civilização, sendo, por conseguinte, superiores às demais sociedades humanas e, por conseqüência, a raça branca era superior às demais. No Brasil, essas teorias vão tomar corpo a partir de 1870, dentro do processo de constituição da nação brasileira. Contemplando a determinados interesses, essas teorias se propagaram e conquistaram espaço nos meios intelectuais brasileiros, ocorrendo adequações e mudanças conforme o tempo e as novas leituras sobre a realidade brasileira. Através das suas instituições acadêmicas, como as Faculdades de Medicina, de Direito, e Institutos Históricos das várias regiões do país é que essas idéias entraram no Brasil. Havia uma enorme inquietação da elite intelectual brasileira em compreender o país. Neste sentido, esforçaram-se no estudo das mais modernas idéias sócio-políticas para, através, delas entender e abranger as diferenças e dimensões do Brasil em um mesmo plano de nacionalidade. Os primeiros estudos surgiram das preocupações de letrados, como Sílvio Romero e Nina Rodrigues, com a questão racial. Nos trabalhos desenvolvidos por eles, atrai a atenção a valorização dos brancos, considerados superiores a todos os povos, em sintonia com as teorias raciais européias do período. Veja, no quadro abaixo, elaborado pela historiadora Maria Luiza Ribeiro, as principais idéias preconceituosas dos intelectuais brasileiros em suas explicações sobre a nossa sociedade: 41 Antropologia Cultural As principais idéias preconceituosas dos intelectuais brasileiros em suas explicações sobre a nossa sociedade Intelectuais brasileiros Sílvio Romero Nina Rodrigues Francisco Adolfo Varnhagen Euclides da Cunha Francisco de Oliveira Vianna Idéias racistas Aponta como mestres Spencer, Darwin e Gobineau. Analisa a formação de uma sub-raça no Brasil, resultante da união da raça branca com as demais, que acabaria por desaparecer por um processo de seleção natural. Prevaleceria a raça pura, fortalecida pela imigração européia, compensando a degeneração provocada pelo clima e pelos negros. Professor de Medicina Legal na Bahia, considera os negros e os índios como raças inferiores. Diz que os mestiços, por terem mentalidade infantil, não poderiam receber no código penal o mesmo tratamento que os brancos. Afirma que os índios, em função de sua organização, não poderiam progredir no meio da civilização, estando condenados a viver nas trevas. Se fossem colocadas na luz (símbolo da civilização) morreriam ou desapareceriam. Autor de Os Sertões (1902), interpreta a história a partir do determinismo do meio da raça. Subordina a evolução cultural de um povo à evolução étnica, considerando a mestiçagem prejudicial. Os mestiços são vistos como retrógrados, raquíticos e neurastênicos, incapazes de concorrer para o progresso brasileiro. Só poderiam superar seus “defeitos” se fossem segregados, evitando-se novas fusões com o sangue negro. Euclides os diferencia dos sertanejos, homens da caatinga, de raça forte. Adepto do arianismo, dividia a sociedade em raças superiores e inferiores. Considerava o sangue branco mais puro e dizia que o destino dos arianos seria sempre dominar as outras raças. Entendia por isso que a aristocracia era a melhor expressão da superioridade ariana. Para ele, a mestiçagem era causa da decadência da raça pura. Via os mulatos, mamelucos e cafuzos como ralé. (CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O racismo na história do Brasil: mito e realidade. São Paulo: Ática, 2000.) 42 No entanto, essa valorização não impedia a identificação do mestiço como o principal representante da população brasileira.E a partir da década de 1930, essas interpretações receberam novas elaborações, evoluindo do darwinismo social à apologia da democracia racial, com o objetivo de desprezar o caráter claramente racista. Nesse momento, a partir de uma transformação na direção da análise sociológica através da obra de Gilberto Freyre, disseminou-se a noção de que o Brasil era uma democracia racial. A idéia de democracia racial, ao mesmo tempo em que realizou o papel de introduzir o negro e o mestiço na sociedade brasileira, produziu a noção de um país onde não existiam preconceitos raciais, e onde o negro ou o mulato, dependendo de sua força de vontade, alcançaria o mais alto degrau social. Deve-se ao sociólogo pernambucano Gilberto Freyre a mitificação criada sobre o poder democratizador da miscigenação racial no Brasil. No capítulo IV de Casa grande e senzala, intitulado “o escravo negro na vida sexual e de família do brasileiro”, Freyre debruça-se sobre a contribuição do escravo africano na formação da sociedade brasileira. Toda sua análise é feita a partir do pressuposto da docilidade e da passividade do escravo na relação com o senhor da casa grande. Ele teima em deixar de lado toda a resistência criada pelo negro africano nas suas diversas nuances: suicídios, assassinatos, fugas, rebeliões, para nortear seu estudo pelo viés da aceitação e da acomodação, enfatizando uma estagnação que verdadeiramente não existiu. O autor descreve a contribuição do escravo africano de forma subjetiva e romantizada, onde até os mais cruéis castigos sofridos pelas negras por conta dos ciúmes da Senhora são narrados de forma a levar os leitores mais incautos a concluir que o tipo de empresa colonial empreendida pelo português no Brasil foi o que de melhor poderia acontecer para a formação de um povo e uma cultura peculiar como a brasileira – uma democracia racial. Ele prefere não aprofundar questões relacionadas aos papéis sócio-econômico existentes, embutidos na relação senhor/escravo, dominador/dominado, deixando pairar sempre indagações do tipo: se tudo aconteceu de forma pacífica, então por que houve afinal a necessidade da escravidão? É certo que Freyre não pretendeu responder a todas as questões geradas pelo tipo de colonização implementada pelo português, entretanto todo o seu discurso é uma exaltação à exploração do índio e, principalmente, do negro como uma natural necessidade do colonizador. O Sr. Freyre enaltece a contribuição das culturas do escravo africano e do índio em um encontro democrático, ausente de conflitos, ocultando o conflito interétnico, formando uma visão acrítica da realidade brasileira. Para Freyre, o binômio senhor/escravo teria sido amenizado pelas relações domésticas existentes na casa grande, através das quais os senhores mantinham contato desde a infância com a cultura africana. A partir dessa teoria, ele põe abaixo a possibilidade de se entrever um efetivo confronto entre os grupos sociais formadores da sociedade brasileira, fomentando assim o chamado “mito das três raças”. Quem foi Gilberto Freyre Sociólogo e escritor nasceu e morreu no Recife. Tornou-se bacharel em ciências sociais nos Estados Unidos, obtendo em seguida o título de mestre em ciências políticas e sociais. Foi professor de sociologia em universidades brasileiras e americanas. Em 1933, conclui a sua mais importante e polêmica obra Casa-grande & senzala. Para a época, essa obra foi bastante inovadora, pois separou os conceitos de cultura e raça. Para Freyre, não seria possível entender a cultura brasileira apenas pela caracterização biológica das raças. 43 Talvez uma das contribuições mais interessantes de Freyre, em relação à experiência dos escravos africanos no Brasil é a respeito da ação do meio sobre estes. Ele afirma que é impossível isolar a condição do africano de sua condição de cativo no Brasil. Neste sentido, deve-se ter em mente que o africano no Brasil Antropologia deve ser estudado tendo-se em vista o aviltamento de sua cultura sob a sua de Cultural escravo. Sintetizando... O principal intuito do mito da democracia racial é encobrir os conflitos raciais presentes em nossa sociedade e atenuar sua importância. A questão da democracia racial no Brasil, apesar de sua legalidade constitucional, não passa de uma falácia, tendo em vista que os interesses de classe e de grupos de pessoas preservam a desigualdade histórica do negro, contribuindo visivelmente para a manutenção das diferenciações raciais em nosso país. O mito da democracia racial é tão eficaz que muitos negros acabaram por incorporar a noção que não existe problema de raça no Brasil, e sim socioeconômico. O texto abaixo é do professor Florestan Fernandes sobre o mito da democracia racial. Um mito revelador Os mitos existem para esconder a realidade. Por isso mesmo, eles revelam a realidade íntima de uma sociedade ou de uma civilização. Como se poderia, no Brasil colonial ou imperial, acreditar que a escravidão seria, aqui, por causa de nossa “índole cristã”, mais humana, suave e doce que em outros lugares? Ou, então, propagar-se, no ocaso do século XIX, no próprio país no qual o partido republicano preparava-se para trair, simultaneamente, a ideologia e a utopia republicana, optando pelos interesses dos fazendeiros contra os escravos, que a ordem nascente seria democrática? Por fim, como ficar indiferente ao drama humano intrínseco, à Abolição, que largou a massa de dos ex-escravos, dos libertos e dos ingênuos à própria sorte, como se eles fossem um simples bagaço do antigo sistema de produção? Entretanto, a idéia de democracia racial não só se arraigou. Ela se tornou um mores, como dizem alguns sociólogos, algo intocável, a pedra de toque da “contribuição brasileira” ao processo civilizatório da Humanidade.” (FERNANDES, Florestan. Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo. São Paulo: Nacional, 1959.) Racismo e relação étnicos-raciais no Brasil Racismo O racismo é uma teoria que afirma existir relação entre características raciais e culturais e que algumas raças são, naturalmente, superiores a outras. Os principais fundamentos teóricos do racismo moderno têm origem nas noções desenvolvidas por Gobineau. É a crença na existência de raças hierarquizadas pela relação essencial entre os caracteres físico com o moral, o intelectual e o cultural. O racista cria a raça no sentido sociológico, neste sentido, raça no seu imaginário não é somente um grupo determinado pelos aspectos físicos. 44 Para ele, raça é um grupo social com traços culturais, lingüísticos, religiosos, que ele considera naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence. De outra forma, o racismo é essa propensão que se resume em considerar que as características intelectuais e morais de determinado grupo são conseqüências diretas de suas características físicas ou biológicas. O racismo pode tomar diversas formas, sendo a segregação a mais ostensiva delas. O antropólogo e professor Kabengele Munanga durante Seminário Nacional de Relações Raciais e Educação, em 2003, esclarece sobre as origens do racismo, vejamos: “Mas o racismo e as teorias que o justificam não caíram do céu, eles têm origens mítica e histórica conhecidas. A primeira origem do racismo deriva do mito bíblico de Noé do qual resulta a primeira classificação, religiosa, da diversidade humana entre os três filhos de Noé, ancestrais das três raças: Jafé (ancestral da raça branca), Sem (ancestral da raça amarela) e Cam (ancestral da raça negra). Segundo o nono capitulo da Gênese, o patriarca Noé, depois de conduzir por muito tempo sua arca nas águas do dilúvio, encontrou finalmente um oásis. Estendeu sua tenda para descansar, com seus três filhos. Depois de tomar algumas taças de vinho, ele se deitara numa posição indecente. Cam, ao encontrar seu pai naquela postura fez, junto aos seus irmãos Jafé e Sem, comentários desrespeitosos sobre o pai. Foi assim que Noé, ao ser informado pelos dois filhos descontentes da risada não lisonjeira de Cam, amaldiçoou este último, dizendo: seus filhos serão os últimos a ser escravizados pelos filhos de seus irmãos. Os calvinistas se baseiam sobre esse mito para justificar e legitimar o racismo anti-negro. A segunda origem do racismo tem uma história conhecida e inventariada, ligada ao modernismo ocidental. Ela se origina na classificação dita científica derivada da observação dos caracteres físicos (cor da pele, traços morfológicos). Os caracteres físicos foram considerados irreversíveis na sua influência sobre os comportamentos dos povos. Essa mudança de perspectiva foi considerada como um salto ideológico importante na construção da ideologia racista, pois passou-se de um tipo de explicação na qual Deus e o livre arbítrio constitui o eixo central da divisão da história humana, para um novo tipo, no qual a Biologia (sob sua forma simbólica) se erige em determinismo racial e se torna a chave da história humana.” (MUNANGA, Kabengele.Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO, 3, 2003, Rio de Janeiro. ) Na modernidade, a ideologia racial se expande exatamente no momento em que os europeus precisavam de justificativas para explorar culturas diversas. Inclusive partilhar, dividir entre eles todo um continente: o africano. Contudo, a ideologia racista disseminada pela Europa também vai fazer grandes estragos entre os próprios europeus. Entre as conseqüências práticas dessa ideologia está o extermínio de seis milhões de judeus pelos alemães nazistas, que se consideravam arianos puros. E assim junto com o processo de globalização, o fim das fronteiras, o mundo se unificando, tem crescido movimentos nacionalistas, racistas, discriminatórios e xenófobos. Considerados de politicamente de direita por pregarem a intolerância racial, nacional ou religiosa: os outros devem ser eliminados. 45 O Brasil racista No Brasil, apesar de vivermos sob a ilusão de uma democracia Antropologia racial, basta ter um pouco mais de atenção para observar que em todo lugar e a todo o momento as posturas preconceituosas e discriminatórias Cultural se sucedem. É óbvio que esta situação atual relaciona-se com o nosso passado escravocrata, uma vez que o aparelho ideológico de dominação dessa sociedade gerou uma mentalidade racista que perdura até hoje, entretanto não mais serve como justificativa para simplificar a questão e nem como isenção de responsabilidades. As relações de desigualdades presentes na sociedade brasileira ocupam todos os espaços. A discriminação racial e o preconceito podem ser percebidos das relações pessoais até os livros didáticos, passando por todos os setores e segmentos sociais. Uma questão que tem dificultado a compreensão do racismo, especialmente no Brasil, tem sido a relação entre racismo e pobreza. Freqüentemente, a sociedade brasileira tende a subestimar a importância do racismo, considerando que no Brasil o que temos é um problema de pobreza. Sendo as desigualdades entre negros e brancos tão explicitas, por que a força explicativa da variável raça tem sido sistematicamente negada no Brasil? A desqualificação da variável "raça" é feita atribuindo-se todo o poder explicativo à variável classe, que é apresentada como um fato social simples, natural e evidente. Vamos para os dados? Que tal tirarmos as nossas próprias conclusões sobre a nossa sociedade e o tratamento as questões raciais? A aprovação do Índice de Desenvolvimento Humano como parâmetro de avaliação das condições de vida da população de um expressivo número de países e a credibilidade adquirida pela formulação do IDH ajustado à realidade étnico/racial na população brasileira, nos leva a acreditar que este seja um instrumento apropriado para avaliar o quanto a população afro-descendente tem, ou não tem, se apropriado de políticas essenciais ao seu desenvolvimento. Esperança de Vida e Indicador Longevidade no Brasil Desagregada por Sexo e Grupo Étnico (Afrodescendentes e Brancos) – 1997 Sexo/Grupo Étnico Homens Brancos Esperança de Vida (Anos) 69 Indicador de Longevidade (*) 0,775 Mulheres Brancas 71 0,725 Total Brancos 70 0,750 Homens Afro-descendentes 62 0,658 Mulheres Afro-descendentes 66 0,642 Total Afro-descendente 64 0,650 Total da População 66,8 0,700 Fonte: Base de Dados da PNAD 1997. Dados elaborados por Juarez Oliveira (DEISO/IBGE) (*) Para o cálculo do Indicador de Longevidade o PNUD considera parâmetros diferenciados para homens e mulheres, respectivamente, 22,5 e 27,5 anos. Essas diferenças são assumidas pelo fato de as mulheres possuírem uma expectativa de vida superior aos homens. 46 Que informações nos traz essa tabela? • Os afro-descendentes possuem uma expectativa de vida 6 anos inferior à expectativa de vida da população branca; • Os homens afro-descendentes têm a mais baixa expectativa de vida entre os brasileiros, 62 anos; • As mulheres afro-descendentes têm expectativa de vida 8 meses abaixo da média nacional que é de 66,8 anos; • Os homens brancos têm expectativa de vida de 69 anos, 1 ano a mais sobre a expectativa de vida da população afro-descendente no seu conjunto; • As mulheres brancas com expectativa de vida de 71 anos, estão acima de todos os grupos e média nacional de 70 anos. Taxa de Alfabetização, Escolaridade e Indicador Educacional no Brasil Desagregados por Sexo e Grupo Étnico (Afro-descendentes e Brancos) – 1997 Índice Taxa de Índice Escolaridade Escolaridade Educacional Índice de Alfabetização Taxa de Alfabetização Homens Brancos 92% 0,92 82% 0,82 0,887 Mulheres Brancas 90% 0,90 83% 0,83 0,887 Total Brancos 91% 0,91 82% 0,82 0,880 Homens Afro-descendentes 78% 0,78 70% 0,70 0,753 Mulheres Afro-descendentes 78% 0,78 76% 0,76 0,773 Total Afro-descendentes Total da População 78% 0,78 73% 0,73 0,760 85% 0,85 78% 0,78 0,830 Sexo/Grupo Étnico Fonte: Base de Dados da PNAD 97. Os dados relacionados à alfabetização e escolaridade também são expressivos quanto às diferenças reinantes entre afro-descendentes e brancos no Brasil. De fato, deveríamos considerá-los como igualmente alarmantes dado o reconhecimento do peso decisivo que a educação desempenha no futuro das novas gerações, perfil de empregabilidade e exercício da cidadania. No ano de 1997, a taxa de analfabetismo entre a população branca foi de 9%, contra 22% para os afro-descendentes! No que diz respeito às taxas de escolarização, essas são ainda mais expressivas quanto a sua precariedade: 6,2 anos de estudo para a população branca e 4,2 anos de estudo para a população afro-descendente. Você ainda acredita que vivemos em uma democracia racial? As relações étnicos-raciais no Brasil “O negro construiu um país para outros; o negro construiu um país para os brancos”. Joaquim Nambuco Em frente a sociedades que desconheciam e que não se ajustavam em seu conjunto de valores, os europeus decidiram pela subjugação, facilmente legitimadas pelas teorias que afirmavam que os índios e os africanos eram inferiores. Imersos nesse universo de crenças, os portugueses fundamentavam suas atitudes violentas e criavam os fundamentos ideológicos que sustentariam suas relações com negros e índios durante todo o período colonial e que, em grande parte, a sociedade brasileira recebeu como herança cultural após a independência e a abolição. 47 A inquietação em delimitar linhagem de origem racial e ou étnica no Brasil tem mudado de acordo com as demandas sociais, econômicas e políticas dos grupos que disputam a hegemonia na sociedade brasileira. Resultando disso que o reconhecimento da origem e da cor da população não é apresentado em Antropologia diversos recenseamentos realizados no decorrer da nossa História. Cultural Por conta dos processos abolicionistas e de proclamação da República, a partir do final do Século XIX, passa a acontecer entre as elites dominantes da nossa sociedade a necessidade da articulação de uma identidade nacional. O plano de construção de uma nação, por conseguinte, torna necessária a discussão das questões relativas à cor e à raça dos brasileiros, como já aparecem nos censos de 1872 e de 1890, por exemplo. Diversidade no Brasil contemporâneo: desconstruindo mitos Contrariando o senso comum que nos ensinou ao longo dos anos que a sociedade brasileira é o resultado da mistura das raças, nos últimos trinta anos organizações do movimento negro têm sido incansáveis na demonstração de fatos que comprovam o tratamento diferenciado e negativo dispensado à população afro-descendente. Neste sentido, essas organizações contribuíram decisivamente para a destituição da idéia generalizada de que o Brasil constituía uma democracia racial. A transformação da democracia racial de ideário político em mito e em ideologia e, portanto, em expediente de ilusionismo social vai se dar, de maneira consistente, a partir dos anos 1970 e, talvez, um dos fatos mais importantes dessa nova tendência e postura seja a fundação em 1978, em São Paulo, do Movimento Negro Unificado. Em 1988, no ano do centenário da Abolição da Escravidão, foi promulgada a nova Constituição da República Federativa do Brasil. Nela, em decorrência da lutas pelos direitos civis dos negros, ficou consagrado, no Título II - Dos direitos e garantias fundamentais -, Capítulo I - Dos direitos e deveres individuais e coletivos -, Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Artigo XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. A regulamentação desse parágrafo veio em seguida pela Lei nº 7716, de 5 de janeiro de 1989, modificada pela Lei 008882 de 3 de junho de 1994 e novamente modificada em 13 de maio de 1997, pela Lei nº 9459, que acrescentou também ao Artigo 140 do Código Penal relativo ao crime de injúria por utilização de "elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem", estabelecendo pena de "reclusão de um a três anos e multa". A necessidade de garantias constitucionais, conseqüentemente derruba por terra a noção tão arraigada em nossa sociedade de igualdade. Seguramente, o evento que tornou visível a discriminação racial no Brasil, nos anos recentes, foi a Conferência Internacional de Durban (África do Sul) contra a discriminação racial, patrocinada pela ONU em 2001. Por parte do Estado, a adoção de ações afirmativas relativas à população negra do país, entre elas o abandono oficial da doutrina da "democracia racial", acompanhada de instituição de cotas de emprego em vários ministérios e serviços, além da criação de programas voltados para os direitos humanos, para a formação profissional e para o reconhecimento do direito à titulação de propriedade de terras remanescentes de quilombos, entre outros. 48 Políticas de ação afirmativa: em busca de alternativas Histórico Na história da ideologia anti-racista, as políticas de ação afirmativa são iniciativas muito recentes. Nos países onde já foram implantadas, Estados Unidos, Inglaterra, Malásia, Índia, entre outros, elas têm como objetivo oferecer aos grupos discriminados e excluídos um tratamento diferenciado para compensar as desvantagens devido à sua condição de vítimas do racismo e de outras formas de discriminação. Por isso, as nomenclaturas de “equal oportunity policies”, ação afirmativa, ação positiva, discriminação positiva ou políticas compensatórias. Outro objetivo importante das políticas de ação afirmativa é introduzir transformações de ordem cultural e de convivência entre os denominados “diferentes”. Nos Estados Unidos, onde são empregadas desde a década de sessenta, elas intentam proporcionar aos afro-americanos as oportunidades de participar da dinâmica da crescente mobilidade social. Para exemplificar, os empregadores foram obrigados a mudar suas práticas, planificando medidas de contratação, formação e promoção nas empresas visando a inclusão dos afro-americanos; as universidades foram obrigadas a implantar políticas de cotas e outras medidas favoráveis à população negra; as mídias e órgãos publicitários foram obrigados a reservar em seus programas uma certa percentagem para a participação dos negros. Ao mesmo tempo, projetos de aprendizado para tomada de consciência racial foram desenvolvidos com o intuito de levar a reflexão aos americanos brancos na questão do combate ao racismo. Na Índia, desde a sua primeira Constituição, em 1948, previam-se medidas especiais de promoção a casta dos intocáveis, reserva de assentos no Parlamento, no ensino superior e no funcionalismo público. Na Malásia, adotaram medidas de promoção da etnia majoritária, os buniputra, sufocados pelo poder econômico de indianos e chineses e indianos. No Brasil, as ações afirmativas têm contemplado diversos setores sociais, principalmente mulheres e portadores de deficiência física. Para pessoas portadoras de deficiência física, a Lei nº 8.112/90 define a reserva de 20% das vagas nos concursos públicos e a Lei nº 8.666/93 permite a contratação, sem licitação, porém pelo preço de mercado, de associações sem fins lucrativos, compostas por membros deste grupo, e desde 1991 empresas com mais de cem funcionários devem preencher de 2% a 5% dos cargos com esses profissionais. Quanto às mulheres, a Lei Eleitoral nº 9.504/97 dispõe sobre a participação delas como candidatas, estabelecendo o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de cada sexo. Políticas de Ação Afirmativa no Brasil: as cotas numéricas No Brasil, a discussão sobre as ações afirmativas raciais tomou maiores proporções a partir das propostas apresentadas pelo Estado brasileiro na III Conferência Mundial contra o Racismo, ocorrida em Durban, África do Sul, em 2001. Os debates sobre a precisão e validade ou não da aplicação das políticas de ação afirmativa no Brasil vêm ocorrendo, quase sempre, no âmbito das organizações do Movimento Social Negro nacional, bem como em alguns restritos espaços acadêmicos. Esse debate começou pelas cotas numéricas. As cotas integram um aspecto da ação afirmativa, adotado principalmente nos casos em que não há a oferta por parte de instituições governamentais e empresas de políticas e ações direcionadas a favorecer a igualdade para grupos sociais e raciais que se encontram em condição de desvantagem. 49 As cotas numéricas são um aspecto ou possibilidade da ação afirmativa que, em muitos momentos, tem conseqüências pedagógicas importantes, uma vez que obrigam o reconhecimento do problema da desigualdade e a execução de ações concretas que garanta direitos ao trabalho, à educação, à promoção Antropologia profissional às pessoas em condição social inferior. Cultural Essas discussões sobre a implementação de ações afirmativas reavivaram a polêmica sobre cor e classificação racial dos brasileiros. A proposta de cotas para estudantes negros em universidades públicas trouxe de volta a discussão sobre a delimitação de raça, origem e identificação étnica, colocando em pauta as seguintes questões: Como definir quem são os herdeiros da segregação racial conseqüente da escravidão e do racismo contra negros em nosso país? Como determinar quem é negro ou quem é afro-descendente em um país miscigenado e em que a própria população se autodetermina através de quase duzentas cores, como demonstra o resultado de uma pesquisa realizada pelo IBGE e divulgada em 2000? De algum modo, as cotas nas universidades tem um papel estratégico nessa luta por igualdade de oportunidades e são parte de um conjunto maior de ações afirmativas que tendem, oxalá, a crescer cada vez mais em nossa sociedade. Vamos analisar os dados de 2001 da pesquisa direta do programa “A cor da Bahia/ UFBA” e do I Censo Étnico Racial da USP e IBGE, para termos idéia desse abismo segregacional na educação superior. Segundo esses dados, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o número de alunos brancos é de 76,8%, o de negros 20,3% para uma população negra no estado de 44, 63%; na Universidade Federal do Paraná (UFPR) os brancos são 86,6%, os negros, 8,6%, para uma população negra no estado de 20,27%; na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), brancos são 47%, negros 42,8% e a população negra no estado, 73,36%; na Universidade Federal da Bahia (UFBA), 50,8% são brancos, 42,6% negros e 74,95% a população negra do estado; na Universidade de Brasília (UnB), são brancos 63,74%, são negros 32,3%, tendo o Distrito Federal uma população negra de 47,98%; na Universidade de São Paulo (USP), os alunos brancos somam 78,2%, os negros, 8,3% e o percentual da população negra no estado é de 27,4%. Percebe-se, assim, que o déficit produzido por essas diferenças é bastante desfavorável ao negro nos estados onde se encontram essas universidades: 24,33% na UFRJ, 11,67% na UFPR, 30,56% na UFMA, 32,35% na UFBA, 15,68% na UnB e 19,1% na USP. As políticas de ação afirmativa promovem grandes controvérsias em todas as sociedades em que se propõem medidas concretas para sua implementação. Entre nós também estão provocando intensos debates. Estes desvelam incontáveis aspectos relacionados à própria construção histórica da nossa sociedade e sua forte hierarquização, lógica de privilégios, autoritarismo, apadrinhamento e favor. São discussões marcadas pela emoção e a paixão, onde a indignação, a militância e o conservadorismo se fazem fundamentalmente presentes. Todavia, uma frase do sociólogo português Boaventura Souza Santos, sintetiza de maneira especialmente oportuna esta tensão: “temos direito a reivindicar a igualdade sempre que a diferença nos inferioriza e temos direito de reivindicar a diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza.”. 50 Texto Complementar Uma genealogia das imagens do racismo Muniz Sodré Drácula, bem o sabem os aficionados, não se reflete no espelho — logo, é sem imagem. O mito do vampiro tem sido persistente no imaginário contemporâneo, talvez porque indique, com alguma magia, a armação da cultura em construção de uma identidade. O Conde Drácula é o inverso da identidade normalizada pela cultura pequeno-burguesa. E, para coroar todas as suas inversões antropológicas, não aparece no espelho. Mais uma razão, assim, para a atualidade desse mito. Na sociedade da imagem (anagrama de magia) ou dos dispositivos de visão, o sujeito só existe se aparece no "espelho", isto é, se tem condições socioculturais de ter imagem publicamente reconhecível. Passados 300 anos de Zumbi dos Palmares, os ecos brasileiros dessas discussões primeiro-mundistas em torno de quociente de inteligência, superioridade ou inferioridade de raças parecem-me abrigar, na verdade, uma outra questão, que pode ser anunciada da seguinte maneira: Qual o quociente de "aceitabilidade" da imagem do homem de pele escura numa ordem social que ilumina suas pretensões planetaristas e hiper-racionalistas com tonalidades branco-européias? Para responder a essa questão, é preciso remontar historicamente a "fontes" de imagens coletivas do homem negro no Brasil. Não qualquer fonte, certamente, mas aquelas bem acolhidas pelas elites e pelos aparatos de reprodução das idéias (escolas, manuais escolares, academias, obras literárias, etc) postos sob a égide do Estado nacional. Sabe-se que todo Estado nacional procura instituir uma "comunidade nacional" na base de uma etnicidade fictícia — e se entende o "fictício" não como mera ilusão, mas como a montagem de um efeito institucional com sentido histórico preciso. A partir de critérios linguísticos e biológicos, o Estado "etniciza" a população, essencializando as suas representações por meio de ideologias nacionalistas ou mitos de identidade baseados em cultura, origem e projeto coletivo presumidamente comuns. A identidade assim obtida permite a idealização das relações políticas que instituem a cidadania. É o Estado que a garante como ficção étnica, certo, mas como ficção única, desenhada contra o pano de fundo da cultura universalista européia, que classifica a diversidade humana por categorias étnicas ("etnicidades") unas, únicas e diferentes. Características linguísticas, mas também somáticas e psicológicas funcionam como operadores públicos dessa ficção. Pouco importa que já desde o século passado um pensador do porte de Max Weber tenha proposto em Economia e Sociedade o abandono da etnia como conceito sociológico, por considerá-lo cheio de ambiguidades e contradições. Na prática, a etnicidade tem livre curso como dialética de uma comunidade e uma história, desenhando as linhas de uma identidade e uma diferença coletivas. A nação resulta de jogo dialético entre uma herança comunitária e uma história onde se constrói uma entidade política. O imaginário, o fictício entram no jogo quando se trata de forjar uma identidade coletiva. Tomar essa identidade como "natural" é esquecer ou recalcar a trama histórica de sua montagem, abrindo caminho para estigmatizações e racismos. 51 As teorias etnicistas alemãs, desde Fichte, incorporavam a crença na naturalidade étnica. Talvez também por isso os pensadores brasileiros que, a partir do declínio do Império, se indagaram sobre a identidade nacional, fossem bastante sensíveis à questão da etnia. Sílvio Romero, autor de uma famosa História Antropologia da Literatura Brasileira (1888), localizava a identidade étnica do brasileiro na Cultural mestiçagem, física ou psicológica. Para ele, a influência africana era maior que a européia ou a indígena, o que faria a distinção entre o elemento nacional brasileiro e o das outras nações hispano-americanas. Enquanto Romero encarava a ascendência africana — mesmo às vezes ambiguamente — como um traço positivo, escritores como Euclides da Cunha (Os Sertões, 1902) e Oliveira Vianna (Populações Meridionais do Brasil, 1910), embora também ambíguos em algumas partes de suas obras, tendiam a ver no negro ou na miscigenação fatores de instabilidade social e de enfraquecimento intelectual frente a Portugal ou a nações "brancas". A verdade é que, desde a Independência (1822), as representações racistas, enquanto sistema de pensamento institucional, tinham começado a exacerbar-se no Brasil. Os negros foram deixados de fora do pacto social instaurador da nova ordem, e os índios apenas simbolicamente incluídos. A relação social racista impôs-se com mais força à consciência pequeno-burguesa depois da abolição da escravatura, no instante em que as antigas hierarquias sociais sentiram-se ameaçadas. Era a época em que o negro despontava como objeto de ciência para alguns setores da intelectualidade nacional, ao mesmo tempo em que se expandia a "ideologia do embranquecimento". Esta última alimentou os dogmas da superioridade racial, do determinismo climático, da geopolítica, da filosofia eugenista, que redundaram em instituições como a Liga de Higiene Mental ou em pensamentos como os de Oliveira Vianna e Euclides da Cunha. Oliveira Vianna, advogado, mulato, repetia muitas das opiniões de Silvio Romero e Euclides da Cunha. Ele começa Populações Meridionais do Brasil com loas à "genialidade" de gente como Lapouge, Gobineau e outros pais do racismo doutrinário. Mas seu real objetivo era refletir sobre como poderia uma população racialmente miscigenada como a do Brasil preservar a sua unidade nacional e desempenhar um papel no mundo moderno. Em sua tentativa de resposta, os mestiços apareciam como seres "inferiores", embora houvesse aqueles que, por terem "aparência ariana" (cabelo, cor da pele, moralidade dos sentimentos, etc), faziam exceção. Com esta ressalva, Vianna buscava certamente livrar a própria cara. A ideologia do embranquecimento, já presente na obra de Oliveira Vianna, era no fundo uma tentativa de preservar a discriminação contra eventuais efeitos colaterais da abolição. Representava a passagem do racismo de dominação ao racismo de exclusão. Dessa ideologia excludente procedem as fontes de imagens racistas circulantes na contemporaneidade. Suas premissas são, entretanto, acadêmica e cientificamente irrelevantes. Por quê? 1º) Em primeiro lugar, porque não existe a raça negra. Se for sociologicamente ambíguo, como já indicamos o conceito de etnia, o de raça é ainda mais problemático. Inexiste raça, a não ser a humana. Montaigne já o havia dito: "Todo homem carrega a forma inteira da humana condição". Ou seja, "raça" não é mais do que a "humana condição". Fora disso, existem linhas morfológicas (formato craniano, tipo de cabelo, cor da pele, etc) que já permitiram à antropologia física classificar os grandes grupos humanos como "caucasóides", "mongolóides" e "negróides". Esses traços visíveis (ponto de partida para qualquer imagem) não têm nenhuma coerência genética com outros traços não imediatamente visíveis, a exemplo da frequência de proteínas séricas na gamaglobulina. É possível, portanto, que um indivíduo de pele branca apresente genes de origem negróide, como correu recentemente em pesquisa feita na região de Porto Alegre (cf. Joel Rufino em Atrás do Muro da Noite). O que existe mesmo é a diversidade das linhas morfológicas da "raça humana" em função da adaptação territorial e a diversidade dos modos pelos quais cada grupo humano relaciona52 se com o seu real, ou seja, a diversidade das culturas. A diferença dita étnica resulta de uma combinação de linhas morfológicas com singularidades lingüísticas e culturais. Mas essa diferença é simbolicamente, culturalmente construída. Quanto à raça, é tão só uma invenção de quem nela crê, daquela consciência que sobrecarrega a percepção de imagens fantasiosas. 2º) Um certo senso comum precisa continuar acreditando na idéia de raça ou em algo equivalente. De fato, com a desmoralização científica do conceito de raça, o racismo ideológico ou doutrinário — o mesmo em que trafegaram Oliveira Vianna, Euclides da Cunha e outros — perdeu suas bases biológicas e sobrevive apenas como aberração de pensamento junto a grupos anacrônicos ou a pseudo-cientistas. Resta para o senso comum (as representações sociais, as opiniões, a antiga dóxa), um vazio de classificação ou de saber em face da alteridade humana. Como ajustar a consciência à percepção daquele que, por ter cor e cabelo diferentes, sabe-se ser "outro"? Ou seja, como ajustar, num mundo regido por imagens tecnicamente normalizadas, a imagem de um "outro" à minha própria? A idéia de raça torna-se operativa (ou mesmo a de etnia, que pode esconder a noção de raça). Embora não exista raça, o senso comum constrói imaginariamente a relação racial. A discriminação desse tipo vem a calhar, porque todo racismo implica um saber automático (sem dúvidas, sem discussões) sobre o outro. Vê-se a cor da pele e, como um passe de mágica ou de imagem, tem-se a ilusão de um saber-poder sobre o outro diferente. Rosenberg, teórico do nazismo, bem o percebeu: "Os que sabem tudo não têm medo de nada". Há, assim, na consciência racista ou na neo-racista, uma busca de exorcismo do vampiro, do medo do outro. Há a secreta esperança de estabelecer "relações de verdade" com concidadãos familiares. Isso importa no momento da cultura ocidental em que a questão da verdade universal se enfraquece juntamente com o esvaziamento dos sistemas metafísicos — religião, ciências humanas, doutrinas morais e filosóficas. Afirmando-se uno, idêntico a si mesmo e a um grupo determinado pelos traços visíveis da cor, o sujeito da consciência discriminante acredita entrar numa relação de verdade com membros de uma comunidade imaginariamente semelhante em tudo — da cor aos genes. Uma falsa verdade, pois somos radicalmente idênticos, os que não se parecem conosco são radicalmente diferentes, logo discrimináveis, já que não nos comunicamos com eles em termos de "verdade". O ocaso do racismo doutrinário ou ideológico não acaba com a discriminação, precisamente porque esta não é mais questão de razões de Estado colonialista nem de evolucionismo teórico. A discriminação foi assimilada pelo senso comum e difrata-se no mundo das práticas cotidianas, porque é uma espécie de saber-poder. Na microfísica das relações humanas, esse suposto saber automático sobre o diferente gera poder. É preciso não esquecer que o nazi-fascismo não estava só no Estado nazi-fascista, mas também na multiplicidade dos atos cotidianos de um vizinho ou de um colega de trabalho. O saber discriminante tem estreita analogia com a caracterologia histérica e obsessiva. Ao contrário do que possam pensar os otimistas das chamadas tecno-democracias ocidentais, apologistas do mundo neoliberal, a globalização cultural só tem exacerbado a discriminação étnica. Com o aumento da mobilidade migratória das populações e com a acelerada circulação das imagens públicas das variadas espécies humanas, cada um vê-se compelido, muito mais do que no passado, à troca com a alteridade. O Ocidente culto estava preparado para reconhecer o direito à diferença. Mas descobre a duras penas que a questão não é apenas intelectual, ou seja, que não se resolve por reconhecimento nem por direito. Há aí uma verdadeira questão simbólica, mais difícil do que a socioeconômica e mesmo a psicológica. A questão simbólica não passa por reconhecer ou desconhecer, mas por dar e receber ou hospedar e ser hospedado. Implica reversibilidade das trocas. Ora, abrigar o outro (o migrante, o estrangeiro, o diferente) sem a mediação de uma ética do acolhimento parece ameaçar a consciência viciada no individualismo moderno. O 53 "outro" representa a ameaça fantasmática de dividir o espaço a partir do qual falamos e pensamos. É essa a ameaça (arcaica, primitiva) que espreita a consciência discriminante: o medo de perder o espaço próprio. Medo primitivo, análogo ao terror noturno das crianças. O "outro" acaba virando Drácula, sem Antropologia imagem legítima. Cultural Voltar a falar hoje da tradição de pensamento racista no Brasil faz sentido porque é fundamental rever o posicionamento das elites logotécnicas (articulistas, editorialistas, jornalistas de destaque, publicitários, programadores culturais, professores, etc) no que diz respeito à questão étnica. Não tem sido uma questão prioritária para as elites e, no entanto, vem sendo um problema crescente na ordem global contemporânea. A formação de uma imagem total, diz Paul Virilio, é tributária de uma iluminação. O que tem "iluminado" no espaço público/mediático do Brasil a imagem dos descendentes de Zumbi? As tonalidades ainda sombrias da consciência discriminante. Pode-se até aceitar o fato de que a imagem do negro tenha melhorado aqui e ali, mas a sua real condição é desastrosa, quando se pensa em termos de distribuição de renda, de emprego e de oportunidades educacionais. Diferentemente do que ocorre nos EUA, não se pode citar uma só "família tradicional" negra. É que aqui são fundas as raízes da discriminação. Nelas tropeçam até mesmo as consciências ditas iluministas, por deliberação (caso vergonhoso de figuras públicas ou jornalistas que são abertamente racistas no vídeo, sem que ninguém proteste) ou por ato falho — quando alguém diz, por exemplo, que tem pé na cozinha por ser mulato. A nação real é uma metonímia dos Palmares. Mas suas elites estamentárias — leitoras de Oliveira Vianna e quejandos nas escolas — olham no espelho europeu para se verem como moços de fino trato ou, como canta Caetano Veloso em seu último disco, "caballeros de fina estampa". É preciso reeducar as elites com a lição de Zumbi dos Palmares. (MUNIZ SODRÉ é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e escritor) Atividade Complementar 1. Pesquise e reúna mitos de criação do homem e do mundo em diversas culturas (por exemplo, entre os gregos, os romanos, os judeus, os egípcios, os iorubas...). Elabore um minepainel com as narrativas desses mitos. 2. Na mídia, constantemente podemos observar exemplos de atitudes que demonstram o racismo. Com relação à televisão, identifique em sua programação padrões racistas. 54 3. Apresente argumentos através de um pequeno texto sobre por que o racismo é uma forma de dominação. Atividade Orientada Etapa 1 Registrar! Registrar não é fácil por diversos motivos: as pessoas têm medo de se expor, de errar, sem contar que, em alguns casos não potencializamos o desenvolvimento dessa competência. A opção de estratégias de escrita no nosso material impresso tem como objetivo pontuar a necessidade de desenvolver a competência escritora dos futuros educadores, considerando-se esta competência como uma das mais importantes e que se encontra na base da profissionalização docente. Então, nessa primeira etapa, você vai criar um caderno de registro para ir fazendo suas anotações sobre os aspectos mais relevantes da disciplina e que, certamente, utilizará mais adiante. Além disso, deverá produzir um texto dissertativo a partir do seguinte tema: como podemos atuar enquanto agentes de transformação do ambiente educacional, na superação das visões etnocêntricas e racistas. Etapa 2 A partir das informações do texto abaixo, pesquise em livros, revistas especializadas, sites na web, sobre a utilização da pedadogia de projetos e com um texto dissertativo responda o seguinte questionamento proposto no texto do professor Nilbo Nogueira:. Projetos Temáticos - Uma visão reducionista do ato de projetar ou uma prática de um modismo com falhas conceituais? Projetos Temáticos - Uma visão reducionista do ato de projetar ou uma prática de um modismo com falhas conceituais? Por: Prof. Nilbo Ribeiro Nogueira Como ponto de partida, gostaríamos de ampliar o conceito de Projetos, para não corrermos o risco de limitá-lo, no caso dos projetos temáticos, a mera junção de atividades programadas realizadas pelos alunos. De alguma forma, o Projeto tem sido encarado como mais um modismo na área educacional, o que também concordaremos de certa forma. Praticamente todas as escolas trabalham ou dizem trabalhar com Projetos nos dias de hoje; a falta de conhecimento sobre essa prática tem levado o professor a conduzir atividades totalmente insipientes denominadas de Projetos. Qualquer cartaz pendurado na parede com desenho de três patinhos já é denominado: " Projeto Animais", - reduzindo, desta forma, um Projeto a mera elaboração de cartazes. É exatamente esta visão reducionista que pretendemos romper neste texto. Para ampliarmos, portanto, a visão de Projetos, temos que inicialmente ir além do tema, ou seja, não queremos discutir, no primeiro momento, o "Projeto Brasil 500 anos", o "Projeto Olimpíadas" ou o "Projeto Meio Ambiente", mas sim o PROJETO em sua 55 forma mais ampla e abrangente. Um Projeto, na verdade, é a princípio uma irrealidade que vai tornando-se real, conforme começa ganhar corpo a partir da realização de ações e conseqüentemente as articulações destas. E ainda, segundo MACHADO (1997, p.63): Antropologia "Como esboço, desenho, guia de imaginação ou semente da ação, um Cultural projeto significa sempre uma antecipação, uma referência ao futuro". Por uma outra perspectiva, poderíamos imaginar ainda o projeto como algo virtual. Entendendo-se virtual como aquilo que não se opõe ao real mas simplesmente ainda não é o atual. Como exemplo, podemos citar LÉVY (1996, P.15) quando diz que: "A árvore está virtualmente presente na semente" e completa ainda sua explicação mencionando "Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes." Para tanto, os termos irreal e virtual, embora expressem perspectivas diferentes, fundem-se no pensamento de que o projeto é aquilo que ainda estar por vir, pois ainda não é atual, não está presente já que é ainda uma antecipação do futuro. Numa visão macro, um Projeto Temático, por exemplo, é antecedido de um sonho, uma necessidade, um interesse em projetar, uma vontade de conhecer mais e, portanto investigar sobre um tema e/ou assunto. Podemos até considerar este primeiro momento como um pré-projeto, se assim for mais claro para o entendimento do leitor. Em Teoria da Inteligência Criadora, MARINA (1995, p.178 e179) exemplifica bem esta fase com a seguinte citação: "Não existem projectos desligados da acção. Há, evidentemente, muitas antecipações de acontecimentos futuros, como os sonhos, os desejos ou os planos abstractos que são apenas, na melhor das hipóteses, anteprojectos que se converterão em projectos quando tiverem sido aceites e promulgados como programas vigentes. O projecto é uma acção prestes a ser empreendida. Uma possibilidade vislumbrada não é projecto até que se lhe dê uma ordem de marcha, ainda que diferida.” Com este primeiro conceito, podemos iniciar os questionamentos no que se refere a prática dos Projetos Temáticos dentro do ambiente escolar. Na sua grande maioria, estes Projetos são "desenhados" e planejados pela coordenação pedagógica em um trabalho solitário, ou seja, a coordenação decide qual será o tema e/ou objeto de investigação, traça posteriormente os objetivos gerais, os específicos, as estratégias e as ações que deverão ser desenvolvidas pelos alunos. Aparentemente, estaria tudo correto, mas gostaríamos de questionar os seguintes pontos: Se considerarmos um projeto a realização de um ato de projetar, sonhar, etc, como a coordenação pedagógica poderá estar "sonhando" ou vislumbrando os interesses e as necessidades de seus executores (alunos)? Por outro lado, os alunos irão realizar as atividades planejadas pela coordenação pedagógica. É possível então "sonhar" os sonhos de terceiros? Podemos imaginar, então, que um projeto deverá, desde a sua fase inicial, ser um processo coletivo. Impossível aceitar a idéia de alguém traçar, sozinho, inteiramente um projeto num ato de gabinete, ou seja, decidir por sua conta quem irá fazer, como irão fazer, porque irão fazer e assim por diante. Se for um projeto traçado sozinho, o executor das ações poderá ser apenas quem o planejou. Desta forma não queremos impedir a coordenação pedagógica de realizar o ato de "pensar sobre", pois julgamos inclusive ser esta uma de suas funções. Na realidade ela pode sim traçar planos, porém estes só se transformarão realmente em um projeto quando junto com suas ações, no caso coletiva, alcançarem objetivos. Embora estranho mencionar, julgamos que muitos destes (pseudo) projetos realizados no ambiente escolar provém de uma falta de conhecimento real do ato de projetar. Por não ser uma prática ainda bem trabalhada e contextualizada pelos professores, a coordenação pedagógica se vê no papel e com o direito então de realizar sozinha todo o planejamento, inclusive das ações do projeto, cujo tema também foi decidido por ela. Como triste e recente exemplo disto, presenciamos a realização de projetos em várias escolas, intitulados de "Projeto Brasil 500 anos". Num ato arbitrário, muitas coordenações pedagógicas 56 traçaram totalmente o "projeto" e depois saíram distribuindo atividades para os professores. Por felicidade ou infelicidade, alguns professores de disciplinas como ciências, educação física e matemática foram "sorteados" para trabalhar com seus alunos, por exemplo, o governo de 1750 a 1800. De forma desesperada e desamparados repassaram então a responsabilidade da "pesquisa" para seus alunos. Desta forma, tivemos então um repasse de atividades, onde a coordenação mandou o professor fazer e este, por sua vez, manda seus alunos fazerem. Ao final do projeto, presenciava-se dezenas de cartazes colados pelos corredores e folhas e mais folhas de papel almaço com cópias de livros sobre o governo do período solicitado. Mais triste ainda era presenciar o orgulho da coordenação pedagógica em mostrar o "seu projeto" e estampar um olhar orgulhoso de missão cumprida. Aparentemente estereotipado o exemplo que mencionamos, porém é uma prática absolutamente real em muitas escolas que se designam utilizar a "Pedagogia dos Projetos". Acreditamos, desta forma, ter traçado em poucas pinceladas a simplificação e o reducionismo com que tem sido tratados os projetos. Esperamos enfim, em poucas palavras, ter plantado a importância do "coletivo", do "participativo" e do "cooperativo" para só depois caminharmos em direção do projeto. Se sonhar não puder ser um ato de interesse individual, que ao menos seja uma necessidade e uma vontade coletiva. Esquema para elaboração de projetos Capa: • INSTITUIÇÃO • TÍTULO • AUTORES 1. INTRODUÇÃO (falar sobre o tema, mostrando sua importância) 2. JUSTIFICATIVA (o professor-aluno falará o porquê da escolha do tema) 3. CLIENTELA ( quem será beneficiado) 4. COMPETÊNCIA (o que está sendo almejado) 5. HABILIDADES (atitudes e procedimentos a serem conquistados durante e depois da aplicação do projeto) 6. CONTEÚDO (relacionar todo o conteúdo que pode ser explorado com o tema proposto) 7. METODOLOGIA (situação didática) 8. CRONOGRAMA 9. AVALIAÇÃO: (o professor estabelece critérios para avaliar, elaborando uma ficha de avaliação) Etapa 3 A partir dos conhecimentos adquiridos na disciplina e da sua vivência, elabore em grupo, um projeto pedagógico de implantação da Semana da Consciência Negra em uma escola. 57 Antropologia Cultural Glossário ALGARVE – Região ao sul de Portugal. ARIANISMO – teoria que justifica a desigualdade entre os homens e adverte contra o cruzamento das raças. Seu mais importante teórico Arthur de Gobineau faz distinção entre as raças ariana e semita. Classificando a primeira como física, moral e culturalmente superior a segunda, rotulando os semitas de inassimiláveis e pervertedores, que seriam uma raça híbrida, branca, mas degenerada por uma mistura com os negros. AVILTAMENTO – desonra, rebaixamento, degradação. COSMOLOGIA - Concepção de um determinado grupo étnico sobre os princípios que organizam e regem seu mundo; Conjunto de crenças a respeito da estrutura do universo. DARWINISMO SOCIAL – aplicação da Teoria da Evolução das espécies de Charles Darwin para a compreensão da realidade social. Afirmavam que a vida em sociedade é uma infinita luta pela sobrevivência, onde os mais capazes, esforçados e talentosos se destacam se tornando ricos e poderosos. Os darwinistas sociais defendiam as idéias liberais, uma vez que a competição capitalista selecionaria os competentes e eliminaria os incapazes. DILIGENTE – ativo; cuidadoso; zeloso. ESTRATAGEMA - manha; astúcia; ardil. ESTUÁRIO – lugar em que o rio se lança no mar; confluência; foz; desaguadoro. ETIMOLOGIA – parte da lingüística que se ocupa em estudar a origem e o significado das palavras no decorrer do tempo. EUROCENTRISMO – modo de compreender a realidade que enquadra todos os povos de outras partes do mundo a partir da experiência européia. Tudo que não for semelhante a civilização e cultura européia, ou que não se ajuste a seus costumes e valores é visto como inferior. FALÁCIA – ilusão; engano. 58 INTUITO – intenção; objetivo; finalidade. JAGAS – povo essencialmente guerreiro; atacavam os inimigos com facas, lanças, azagaias, arcos e flechas. Eram excelentes militares, cuja principal tática de luta era a surpresa.Viviam em acampamentos muito bem vigiados, os quilombos. MERCANTILISMO – doutrina econômica que vigorou entre os séculos XVI e XVIII, no momentos finais do feudalismo e durante a formação dos Estados nacionais europeus, que se fundamentava no acúmulo de metais preciosos, no estímulo ao comércio exterior e no pressuposto que o comércio e a indústria são mais importantes para a economia do que a agricultura. Essa reunião de concepções produziu um grande protecionismo estatal e um grande intervencionismo do Estado na economia. PARADIGMA – padrão; modelo. PUMBEIROS – espécie de emissários dos comerciantes europeus estabelecidos no litoral; RÉPLICA – ato de responder; exemplar de uma obra de arte que não é original. XENÓFOBOS – que tem xenofobia; aversão às pessoas e tudo quer for estrangeiro. 59 Antropologia Cultural Referêcias Bibliográficas ALVES, Antonio de Castro. O navio negreiro. Intérprete: Caetano Veloso. In: Livro. [S.I.]: Polygram, p1997. 1CD. Faixa 9. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O racismo na história do Brasil: mito e realidade. São Paulo: Ática, 2000. CARONE, IRAY. Breve histórico de uma pesquisa psicossocial sobre a questão racial brasileira. In: Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento (orgs), Psicologia Social do Racismo. Petrópolis: Vozes, 2002. CLASTRES, Pierre. Crônica dos índios Guayaki. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995. DA MATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984. DA MATTA, Roberto. Relativizando - uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. FREIRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sobre o regime da economia patriarcal. 34º ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. FERNANDES, Florestan. 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O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1999. (Primeiros Passos) SANTOS, Joel Rufino dos. Zumbi. São Paulo: Moderna, 1985. SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2005. (Primeiros Passos, 110) VELOSO, Caetano. Sampa. Intérprete: Caetano Veloso. In: Circuladô ao Vivo. [S.I.]: Polygram, p1992. 2 CDs. Faixa 8. 61 Antropologia Cultural 62 Anotações Anotações 63 Antropologia Cultural FTC - EaD Faculdade de Tecnologia e Ciências - Educação a Distância Democratizando a Educação. www.ftc.br/ead 64