2ª edição
ANTROPOLOGIA
CULTURAL
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SOMESB
Antropologia
Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda.
Cultural
Presidente ♦ Gervásio Meneses de Oliveira
Vice-Presidente ♦ William Oliveira
Superintendente Administrativo e Financeiro ♦ Samuel Soares
Superintendente de Ensino, Pesquisa e Extensão ♦ Germano Tabacof
Superintendente de Desenvolvimento e>>
Planejamento Acadêmico ♦ Pedro Daltro Gusmão da Silva
FTC - EaD
Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância
♦
♦
♦
♦
♦
♦
♦
Coord. de Softwares e Sistemas ♦
Coord. de Telecomunicações e Hardware ♦
Coord. de Produção de Material Didático ♦
Diretor Geral
Diretor Acadêmico
Diretor de Tecnologia
Diretor Administrativo e Finaceiro
Gerente Acadêmico
Gerente de Ensino
Gerente de Suporte Tecnológico
Waldeck Ornelas
Roberto Frederico Merhy
Reinaldo de Oliveira Borba
André Portnoi
Ronaldo Costa
Jane Freire
Jean Carlo Nerone
Romulo Augusto Merhy
Osmane Chaves
João Jacomel
EQUIPE DE ELABORAÇÃO/PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO:
♦ PRODUÇÃO
ACADÊMICA ♦
Gerente de Ensino ♦ Jane Freire
Autor(a) ♦ Miriã Fonseca de Jesus
Supervisão ♦ Ana Paula Amorim
♦PRODUÇÃO
TÉCNICA
♦
Revisão Final ♦ Carlos Magno
Coordenação ♦ João Jacomel
Equipe ♦ Ana Carolina Alves, Cefas Gomes, Delmara Brito,
Ederson Paixão, Fabio Gonçalves, Francisco França Júnior,
Israel Dantas, Lucas do Vale e Marcus Bacelar
Editoração ♦ Marcus Bacelar
Ilustrações♦ Fabio Gonçalves
Imagens ♦ Corbis/Image100/Imagemsource
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da FTC EaD - Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância.
www.ftc.br/ead
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Sumário
ANTROPOLOGIA CULTURAL E SUAS RELAÇÕES COM A
HISTÓRIA E A EDUCAÇÃO
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ANTROPOLOGIA CULTURAL E HISTÓRIA: NOÇÕES NECESSÁRIAS
Noção Antropológica de Cultura
A Cultura e a Natureza
A Cultura e o Ser Humano
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Então, o Que é raça? Quando a utilização desse conceito é
correta? Quais são as raças dos seres humanos?
Raça e Ideologia
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E Você Como Tem Enxergado o “Outro”?
A Superação do Etnocentrismo
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O Que é Etnocentrismo?
Será Possível Comparar Culturas?
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A Diversidade Humana
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Raça, Etnia e Identidade
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Etnocentrismo e História
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Abordagem Antropológica do Conceito de Cultura
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ANTROPOLOGIA CULTURAL E EDUCAÇÃO
Cultura e Educação
Cultura e Escola
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A Pluralidade Cultural
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Pluralidade Cultural na Educação
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A Pluralidade cultural como tema transversal da educação brasileira
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A Pluriculturalidade e o Ensino de História
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Aprendizagem e Multirreferencialidade
O Positivismo de Auguste Comte
O Positivismo e as Ciências
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Abordagem Multirreferencial e Educação
Antropologia
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Educação e Diversidade: A Experiência da Educação Indígena
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no Brasil
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A prática Educativa Indígena
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O que torna as escolas indígenas diferentes das
Demais? Quais são suas características? Como a
diversidade é contemplada?
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Princípios da Educação Indígena
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O Que Torna a Escola Indígena Diferente
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FORMAÇÃO E PROCESSOS IDENTITÁRIOS NO BRASIL
A INVENÇÃO DA IDENTIDADE: QUEM É BRASILEIRO?
A Cultura Indígena
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Pindorama: a Terra dos Indios
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Como Viviam? De que Viviam? Quais suas Crenças, ráticas e Hábitos?
Os Povos Indígenas e sua Relação com Terra e Natureza
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As Relações Sociais nas Aldeias
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O Etnocentrismo Europeu Prevalece na Relação com as
Nações Indígenas
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A Cultura Européia
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Homens ao Mar: o Contexto da Expansão Marítima
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O Símbolo de Resistência Contra a Escravidão: Palmares
Quilombos Ainda Existem no Brasil
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A África Antes dos Europeus
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Ginga, a Rainha de Matamba e Angola: Uma História de
Resistência em África
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Açoites, Palmatória e Gargalheira: Castigos e Resistência
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O Escravismo Brasileiro
De Onde e Como Foram Trazidos os Africanos para o Brasil
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Por Mares Nunca Dantes Navegados: a Expansão Marítima Portuguesa
A Cultura Africana
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Muitos Povos e Grande Diversidade
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Formação cultural do Brasil ou brasileiros, quem somos nós?
Em busca da identidade nacional
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A Identidade Cultural Brasileira
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O BRASIL IMAGINADO: UMA DEMOCRACIA RACIAL
Construindo Mitos
O Que são Mitos e Como Surgem
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A Função Social do Mito
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Uma Democracia Racial: o Mito Brasileiro
Quem foi Gilberto Freyre
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Racismo e Relação Étnicos-Raciais no Brasil
Racismo
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O Brasil Racista
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Que Informações nos Traz essa Tabela?
As Relações Étnicos-Raciais no Brasil
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Diversidade no Brasil Contemporâneo:
Desconstruindo Mitos
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Políticas de Ação Afirmativa: em Busca de Alternativas
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Políticas de Ação Afirmativa no Brasil: as Cotas Numéricas
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Antropologia
Cultural
Apresentação da Disciplina
Caro (a) aluno (a),
Olá!
Sabemos que a sociedade em que vivemos é complexa e
compreendê-la em suas múltiplas relações, em sua dinâmica e
diversidade é necessidade vital para nossa formação.
O que é ser brasileiro? A partir de que momento a cultura brasileira
passou a existir? Afinal, somos um povo preguiçoso e sem vergonha?
Somos somente o país do carnaval? Fomos realmente abençoados por
Deus? Somos uma democracia racial? Como compreender a diversidade
cultural e socioeconômica existente em nosso país?
A disciplina Antropologia Cultural foi planejada para ajudá-lo na
construção de um ponto de partida em sua reflexão sobre nossa identidade
cultural e social. Faremos isso discutindo as noções de cultura, raça, etnia
e identidade, articulando-as à análise sobre a formação dos processos
identitários, o racismo e as relações étnico-raciais no Brasil,
contextualizando a representação do Brasil enquanto uma “democracia
racial”.
Assim posto, longe de ditar verdades indiscutíveis sobre os temas
apresentados, propomos interpretações possíveis, buscando estreitar as
relações entre esses conhecimentos e o seu cotidiano, para que você
possa desfrutar de uma aprendizagem criativa, prazerosa e significativa.
Vamos lá?
Miriã Fonseca
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ANTROPOLOGIA CULTURAL E
SUAS RELAÇÕES COM A HISTÓRIA
E A EDUCAÇÃO
ANTROPOLOGIA CULTURAL E HISTÓRIA:
NOÇÕES NECESSÁRIAS
Noção Antropológica de Cultura
A Cultura e a Natureza
Existem na nossa vida situações que foram impostas pela natureza e outras onde temos
a oportunidade de fazer opções. Por exemplo, os peixes conseguem sobreviver no fundo do
mar porque possuem o organismo equipado para isso, ou seja, foi determinado pela natureza.
Não podemos escolher ter os pulmões e as nadadeiras como os peixes. Não é uma questão
de escolha.
Agora, e se comprarmos uma passagem de submarino? Aí sim, podemos optar entre
estar no fundo do mar ou não. Notou a diferença? O submarino foi criado pelo homem por
meio de sua inteligência e trabalho criativo, conseguindo, assim, sobreviver no fundo do mar.
Mais um exemplo: somos obrigados a comer. Não existe liberdade para ignorar essa
necessidade, apesar de alguns modelos tentarem. Sem alimento morremos. É uma imposição
biológica, natural. Entretanto, temos liberdade para escolher o nosso alimento.
Bom, mas a nossa questão é discutir a noção antropológica de cultura.
Então, o que é que isso tem a ver? É que aprendemos que o homem é um ser social. E
a cultura é uma das dimensões do processo social, é uma construção histórica. Não é algo
natural, não é uma conseqüência de leis biológicas ou físicas. É obra coletiva da vida humana.
A Cultura e o Ser Humano
Diversas vezes já nós deparamos com uma
questão: qual a diferença entre um animal e um ser
humano? Ao fazermos essa indagação,
percebemos que existem inúmeras formas corretas
de respondê-la. Uma delas é fazendo uma
comparação entre os conceitos de natureza e
cultura.
Nós, seres humanos, fazemos parte da
natureza: comemos, bebemos, respiramos,
reproduzimos, envelhecemos e morremos. Do
mesmo modo que os animais.
7
Entretanto, somos capazes de trabalhar criativamente para superar os
limites impostos pela natureza. Ou seja, os seres humanos são capazes de
produzir cultura e de transmiti-la simbolicamente. Vamos voltar para o exemplo
da imposição biológica de alimento; os animais também a possuem, porém
Antropologia
apenas os seres humanos têm a capacidade de fazer culinária, escolher temperos,
Cultural
de utilizar novos ingredientes, de criar receitas novas.
Um gato que foi criado na França iria miar diferente se fosse criado na
Rússia? Claro que não!
No entanto, falar francês é totalmente diferente de falar russo, e o sotaque baiano é bem
diferente do sotaque paraibano. O miado faz parte da natureza do gato, mas os idiomas e os
sotaques fazem parte da cultura humana.
“
O homem é portador de cultura; por isso, ele a cria
e a transmite.
”
Abordagem Antropológica do Conceito de Cultura
A história da utilização antropológica do conceito de cultura tem origem na definição do
antropólogo inglês Edward Tylor.
Essa definição traz a oposição clássica entre natureza e cultura, na medida em que ele
procurou definir as características diferenciadoras entre o homem e o animal a partir dos
costumes, crenças e instituições, encarados como técnicas que possibilitam a vida social.
Essa definição também marcou o início do uso inclusivo do termo, continuado dentro da
tradição dos estudos antropológicos por Franz Boas e Malinowski, sobretudo na segunda
metade do século XX.
Esse uso caracterizou-se pela ênfase dada à pluralidade de culturas locais, enfocadas
como conjuntos organizados e em funcionamento, e pela perda de interesse na evolução dos
costumes e instituições, preocupação dos antropólogos do século XIX.
Os elementos que compõem o conceito de cultura indicam que ela está relacionada à
vida do homem, de um lado e, de outro, encontra-se em estado dinâmico, não sendo estática
sua permanência no grupo.
A cultura se aperfeiçoa, desenvolve-se, modifica-se continuamente, nem sempre de
modo perceptível pelos membros do próprio grupo. É exatamente isso que contribui para o
seu enriquecimento constante.
Desse modo, dentro do conceito geral de cultura, é possível falar de culturas e, por isso,
se identificam sentidos específicos segundo os quais a cultura é antropologicamente
considerada:
8
Vamos analisá-los?
• a cultura entendida como modos de vida comuns a toda a humanidade, como a
linguagem (todos os homens falam, embora sejam diversos os idiomas ou línguas);
• cultura entendida como modos de vida característicos a um grupo de sociedade com
maior ou menor grau de interação. Existem diversas sociedades que possuem um mesmo
elemento cultural, como, por exemplo, o idioma inglês, falado por várias nações;
• cultura entendida como padrões de comportamento peculiares a uma dada sociedade;
como os padrões culturais que caracterizam o comportamento da sociedade baiana;
• por fim, cultura entendida como modos especiais de comportamento de segmentos
de uma sociedade complexa. A sociedade baiana possui valores culturais comuns a todos
seus integrantes. Dentro, porém, dessa sociedade encontram-se elementos culturais restritos
ou específicos a determinados grupos que a integram. São certas características que, dentro
da multíplice sociedade baiana, apresentam os cantores de hip-hop.
Esses sentidos permitem verificar a diferenciação entre os diversos grupos humanos.
Tal diferenciação resulta de processos internos ou externos, uns e outros atuando de maneira
diversa sobre o fenômeno cultural.
Cultura e História
Que relações podemos estabelecer entre cultura e história? E a vinculação entre cultura,
tempo e memória? As culturas permanecem as mesmas no decorrer do tempo?
Já afirmamos que cultura é uma construção histórica, é um produto coletivo da vida humana,
uma das dimensões do processo social, uma vez que remete para as ações realizadas por
indivíduos e pelas coletividades, sendo, então, resultado da história de cada sociedade.
Cada pessoa possui a sua própria história.
Nossas histórias são diferentes umas das outras, entretanto não acontecem separadamente.
Estão vinculadas ao grupo social a que pertencemos, ao lugar e ao tempo em que vivemos e ao
nosso modo de vida; finalmente, relacionam-se à cultura da qual fazemos parte.
A percepção do “outro” (diferente) e do “nós” (parecido) é distinta em cada cultura e no
tempo. Ela está subordinada a informações e valores sociais historicamente estruturados. É sempre
mediada por procedimentos e experiências pessoais e da sociedade em que se vive.
A diversidade dos processos culturais está relacionada com o contexto histórico em que
são produzidos.
As variações nos modelos familiares, no modo de produzir a subsistência, no vestuário,
não são naturais. São produtos de sua história, vinculados às condições materiais e imateriais de
sua existência.
Todas as culturas estão em incessante processo de reelaboração, introduzindo,
modernizando seus valores, ajustando seu patrimônio tradicional às novas situações historicamente
construídas pela sociedade.
Neste sentido, a história também registra as transformações por que passam as culturas,
sejam motivadas por suas forças internas, seja em conseqüência dos conflitos e contatos entre as
mais diversas sociedades humanas.
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Etnocentrismo e História
O que é etnocentrismo?
Antropologia
Cultural
Vocês já tiveram contato com esse tema quando estudaram as abordagens
sociopolíticas da educação. Vamos aprofundá-lo.
O etnocentrismo consiste em privilegiar um conjunto de representações,
apresentado-o como modelo, reduzindo à insignificância os demais modelos e culturas
“diferentes”.
É um fenômeno universal, manifestando-se em todas as épocas e em todas as
culturas. Centrados na nossa própria cultura, revelamos uma incapacidade de entender o
diferente.
Dessa forma, o outro é incorporado ao nosso universo mental de acordo com os nossos
próprios valores.
Evidentemente, isso é um obstáculo também para compreender outras épocas e não
apenas outros povos.
É essa maneira de compreender o universo que nos leva, às vezes, a tentar impor
nossos valores aos nossos alunos, gerando alguns conflitos e aquele sentimento que em “meu
tempo as coisas eram diferentes”.
Observando historicamente...
O etnocentrismo tem sido responsável por um longo processo de incompreensão entre
os povos.
Uma vez que, em contato com outro povo, nossa tendência é avaliar seus elementos
culturais a partir de nossos próprios valores.
Centrado nos valores da nossa própria cultura, temos dificuldade de avaliar outra a
partir dela mesma.
Vamos vê-lo no nosso cotidiano: o cristão, considerando a sua religião como a única
autêntica, utiliza suas crenças como paradigma para avaliar as crenças diferentes da sua.
A partir desse ponto de vista, qualquer fé distinta da cristã é considerada resultado da
ignorância, superstição, da ingenuidade, da ação de forças do mal, etc.
Então, o cristão considera que terá tudo a ensinar sobre religião aos portadores dessas
diferentes crenças, mas não terá nada a aprender com eles.
Será Possível Comparar Culturas?
Consideramos que não é possível comparar duas culturas diferentes para tentar
estabelecer a superioridade de uma em relação a outra, uma vez que o nosso julgamento
seria limitado pelos nossos valores.
Desse modo, os homens brancos podem achar que os indígenas são inferiores porque
não dominam as tecnologias das armas de fogo, dos veículos, da eletricidade, etc., entretanto
os indígenas também podem considerar os brancos inferiores porque vivem atormentados
pelo infinito desejo de lucro e de acúmulo de riquezas, por exemplo, e não podem descansar
ou viver tranqüilamente.
Tudo depende do ponto de vista... Vejamos...
10
Fonte: www.xaxado.com.br
E V
ocê, Como T
em Enx
er
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Você,
Tem
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erg
“outro”?
A superação do etnocentrismo
A superação do etnocentrismo não ocorre apenas com o desenvolvimento da tolerância.
Não! A superação do etnocentrismo exige o conhecimento do outro. Partindo da constatação
de que existe uma igualdade intrínseca a todos os povos, entre todos os seres humanos.
Parte ainda do conhecimento histórico que mostra que nenhum povo pode atribuir sua
cultura apenas a si mesmo, pois as trocas são constantes.
Reconhecer o outro significa ver nele uma semelhança, ter com ele uma identidade.
Perceber que o que é diferente pode ser entendido.
Para superar o etnocentrismo no ensino de história a primeira atitude é (re)conhecê-lo
historicamente, torná-lo objeto de estudo, desvendando como foram definidos os temas e
como foram feitas as escolhas que constituem a história que ensinamos hoje.
Raça, Etnia e Identidade
A diversidade humana
Você já deve ter percebido que existe entre nós seres humanos uma enorme diversidade
na aparência física, diferimos na cor da pele, na altura, na forma dos olhos, no cabelo, no sexo
e em muitas outras características físicas.
Igualmente diferimos em nossas crenças religiosas, nossos valores, nos padrões
culturais, nos modos de estabelecer os laços familiares, no modo como assumimos os papéis
de homem e mulher e em tantos outros aspectos da organização da vida em sociedade.
Da mesma forma, somos diversos nas peculiaridades de nosso mundo subjetivo. Mais
ainda, dentro de uma sociedade, o acesso às riquezas materiais e simbólicas resulta em
diferentes possibilidades de organizar a vida.
Para identificar determinado grupo, muitas pessoas utilizam o termo “raça”, referindose, por exemplo, a raça negra, raça branca, raça nobre, raça de guerreiros.
Entretanto, em nenhum desses exemplos a idéia de raça corresponde a sua noção
científica.
11
Então, o que é raça? Quando a utilização desse conceito
é correta? Quais são as raças dos seres humanos?
Antropologia
A idéia de raça está baseada em critérios que procedem da genética, da
Cultural
anatomia, da fisiologia e da patologia. Faz referência a um grande agrupamento
natural humano, que se distingue pela diversidade de características.
Em sua origem, o conceito de raça veio do italiano razza que, por sua
vez, veio do latim ratio, que significa categoria, espécie. Na história das ciências
naturais, o conceito de raça, foi primeiramente, usado na Zoologia e na Botânica para classificar
as espécies animais e vegetais.
Apesar da espécie humana constituir uma espécie única, o conceito de raça tem sido
utilizado para afirmar a superioridade de algumas culturas. Podemos observar que o conceito
de raça, tal como o empregado na contemporaneidade, nada tem de biológico.
Raça e ideologia
É um conceito carregado de ideologia e, como todas as ideologias, ele oculta um fato
não anunciado: a relação de dominação e de poder.
A desconstrução científica da raça biológica não faz sumir a certeza da raça simbólica,
da raça percebida e invariavelmente interpretada. Logo, se para a biologia a noção de raça é
ultrapassada, sua importância não pode ser negada.
Porque a raça, queira ou não, permanece sendo um elemento maior da realidade social,
uma vez que utiliza, a partir de características físicas aparentes, formas coletivas de
diferenciação classificatória e hierárquica que podem gerar atitudes discriminatórias e racistas.
Diferenças entre raça e etnia
A noção de raça possui um conteúdo biológico, já a de etnia é sócio-cultural, histórico e
psicológico. Em um grupo dito raça “branca”, “negra” e “amarela”, podem estar contidas várias
etnias.
Uma etnia é, um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, tem um
ancestral comum; tem uma língua em comum; uma mesma religião, uma mesma cultura e
ocupam geograficamente um mesmo território.
Etnia ou grupo étnico indica um grupo social que se diferencia de outros por sua
especificidade cultural. Hoje, esse conceito se estende a todos os grupos minoritários que
mantêm modos de ser diferente e formações que se distinguem da cultura dominante.
Nas pesquisas relacionadas às relações raciais e interétnicas, tem-se substituído o
conceito de raça pelo de etnia, considerado mais adequado que o de raça em termos de
“discurso politicamente correto”.
Entretanto, essa substituição não altera em nada a realidade do racismo, porquanto
não aniquila a relação hierarquizada entre culturas diferentes que é um dos constituintes do
racismo.
Desse modo, tanto o conceito de raça quanto o de etnia são hoje ideologicamente
manipulados.
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Identidade
A idéia de identidade é relativamente nova na história das sociedades.
Aparece no Iluminismo e vai conquistando espaço na medida em que as discussões
sobre a individualidade ganham importância.
No início, se pensava em um “eu” monolítico e imutável. Posteriormente, veio a noção
de um sujeito que se estrutura a partir de relações com outros sujeitos.
Por último, há a concepção de indivíduo pós-moderno, na qual a identidade não é fixa
ou permanente. A pessoa tem identidades múltiplas e as utiliza de acordo com o papel que
exerce em um determinado momento.
A identidade é formada pela visão que temos de nós mesmos e também pela forma
que o outro nos vê, sendo a identidade atribuída ao indivíduo ou adquirida por ele. Ela sempre
é apreendida por um processo de interação com outros.
São outros que o identificam de certa maneira.
Só depois que uma identidade é ratificada pelos outros, é que pode tornar-se real para
o indivíduo ao qual pertence.
Em outras palavras, a identidade resulta do intercurso da identificação com a autoidentificação. Assim, até mesmo as identidades são deliberadamente constituídas pelo próprio
indivíduo.
A identidade cultural é construída com fundamento na tomada de consciência das
diferenças procedentes das especificidades históricas, culturais, religiosas, sociais.
Texto Complementar
[...] “Mas, existem idéias que se contrapõem ao etnocentrismo. Uma das mais
importantes é a da relativização. Quando vemos que as verdades da vida são menos uma
questão de essência das coisas e mais uma questão de posição: estamos relativizando.
Quando compreendemos o “outro” nos seus próprios valores e não nos nossos: estamos
relativizando. Enfim, relativizar é ver as coisas do mundo como uma relação capaz de ter tido
um nascimento, capaz de ter um fim ou uma transformação. Ver as coisas do mundo como a
relação entre elas. Ver que a verdade está mais no olhar que naquilo que é olhado. Relativizar
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é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores ou em
bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença.
A nossa sociedade já vem, há alguns séculos, construindo um
conhecimento ou, se quisermos, uma ciência sobre a diferença entre os seres
Antropologia
humanos. Esta ciência chama-se Antropologia Social. Ela, como de resto quase
Cultural
todas as atitudes que temos frente ao “outro”, nasceu marcada pelo etnocentrismo.
Ela também possui o compromisso da procura de superá-lo.
Diferentemente do saber de “senso comum”, o movimento da Antropologia é no
sentido de ver a diferença como forma pela qual os seres humanos deram soluções diversas
a limites existenciais comuns. Assim, a diferença não se equaciona com a ameaça, mas com
a alternativa. Ela não é uma hostilidade do “outro”, mas uma possibilidade que o “outro” pode
abrir para o “eu”.
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1999. Col.
Primeiros Passos.
Atividade Complementar
1.
Comente, através da elaboração de um texto dissertativo, utilizando as informações
contidas no Bloco 1 e a sua experiência pessoal, sobre cada uma das idéias abaixo:
• cultura e história
• etnocentrismo e relativização
2.
3.
Identifique atitudes etnocêntricas que podem ocorrer na relação de aprendizagem.
“Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar os diferentes
grupos e culturas que a constituem”. Explique como o ensino de história pode contribuir para
que esse fato aconteça.
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ANTROPOLOGIA CULTURAL E EDUCAÇÃO
Cultura e Educação
De todas as práticas, a educação é a mais humana, examinando-se a profundidade e
a extensão de sua influência na existência da humanidade.
Sendo, desde o aparecimento do homem, sua prática fundamental, caracterizando o
modo de ser cultural destes em contrapartida ao modo natural de existir dos demais seres
vivos.
Cultura e escola
A educação promovida pela escola diferencia-se de outras práticas educativas, como
as que ocorrem na família, no trabalho, no lazer e nas demais formas de convívio social, pela
sua intencionalidade como objetivo de proporcionar o desenvolvimento e a socialização de
crianças, jovens e adultos.
Numa concepção democrática, compreende-se a educação escolar como responsável
por produzir condições para que todas as pessoas expandam suas capacidades e apreendam
conteúdos necessários para organizar instrumentos de compreensão da realidade e para
participar de relações sociais cada vez mais complexas e diversificadas.
A Pluralidade Cultural
A diversidade caracteriza a vida cultural e social do Brasil. A sua constituição histórica é
determinada pela influência de diversos povos, culturalmente bastante diferentes.
Pertencemos a uma mesma nação e estamos sobre a égide do mesmo Estado. Porém, existe
uma multiplicidade de culturas entre nós, que é representada nas diferenças entre as formas
de viver do Nordeste e do Sul, do litoral e do interior do país, entre os povos originários de
outros continentes, entre as populações rurais e urbanas, entre os jovens e os adultos.
Há entre os brasileiros uma abundância de experiências humanas que forma um dos
maiores patrimônios nacionais. Todavia, o predomínio da discriminação, as imensas
desigualdades sociais, políticas e econômicas, os preconceitos e a intolerância reduzem as
possibilidades dessa pluralidade se manifestar.
Refletir sobre “pluralidade cultural” significa destacar uma questão muito intrigante: por
que nós, humanos, mesmo fazendo parte de uma única espécie biológica, desenvolvemos
modos de vida tão diversos e conflitantes?
Ao investigarmos algumas possíveis explicações, podemos pensar também nas
maneiras de convívio com as diferenças humanas para o desenvolvimento de nosso modo de
viver.
Pensar sobre pluriculturalismo nos remete a refletir sobre como tratamos as diferenças
em nossa sociedade, seja ela de qualquer espécie, sobre o reconhecimento da nossa
heterogeneidade étnica, cultural e social.
Reconhecemos que a pluralidade cultural significa o acúmulo das experiências e das
conquistas humanas. Contudo, nem todas as diferenças são positivas. Quando elas são
transformadas em desigualdade existe uma necessidade de serem analisadas com maior
profundidade.
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Nas mais diversas sociedades e entre povos há relações de desigualdade
e dominação em que alguns grupos sociais acumulam bens materiais, saberes,
prestígio e poder ao mesmo tempo em que obstruem acesso dos demais a essas
riquezas. Você deve se lembrar que estudando história observamos incontáveis
Antropologia
exemplos disso, como o extermínio físico e cultural de vários povos indígenas
Cultural
que habitavam o litoral brasileiro antes da presença portuguesa, a violência que
significou a escravidão ou as mais diversas formas de pobreza que convivem
com a riqueza em nossas cidades.
Pluralidade cultural na educação
Sendo um reflexo da sociedade na qual está inserida, a escola carrega as suas
características. Nela a diversidade está presente diretamente naqueles que a constituem.
Não obstante, no cotidiano escolar brasileiro, essa presença tem sido ignorada, reduzida
ou omitida.
Isso tem ocorrido principalmente por conta da noção transmitida na escola que na
sociedade brasileira não existem diferenças, que o povo brasileiro foi constituído a partir do
índio, morador mais antigo; dos brancos colonizadores; dos negros que para cá foram trazidos
como escravos; e dos imigrantes, que encontraram aqui espaço para construir uma nova vida.
Noção também veiculada pelos livros didáticos, anulando a diversidade cultural e, às
vezes, submetendo uma cultura a outra.
Difundiu-se, então, uma idéia de homogeneidade cultural, desconsiderando as inúmeras
contribuições que construíram e constroem a nossa identidade nacional.
Além disso, o “mito da democracia racial”, falaremos mais sobre isso no próximo Bloco,
encobre as discriminações realizadas com base nas diferenças, que ficam escondidas sob o
manto de uma igualdade que não se realiza, impulsionando para uma região sombria a vivência
do sofrimento e da exclusão.
Da mesma forma, algumas correntes pedagógicas também auxiliaram no processo
discriminatório na escola, principalmente por parte dos professores.
Hipóteses que asseveravam a noção de carência cultural, embora atualmente
desaprovadas, deixaram marcas significativas na prática docente explicando o fracasso escolar
só e exclusivamente pela “falta de condições” dos alunos.
Nessa perspectiva, acontecem manifestações discriminatórias entre toda comunidade
escolar: alunos, professores e nos funcionários, de modo geral.
Ainda que a diversidade sempre tenha estado presente nas salas de aula — na formação
heterogênea das turmas, nos diferentes ritmos de aprendizagem, nas múltiplas opções
religiosas, nas várias realidades sociais e culturais —, a preocupação em atender a todos,
sem exceção, é recente nas escolas brasileiras.
Nestas circunstâncias, uma educação dirigida para agregar a diversidade cultural no
cotidiano pedagógico tem despontado em debates e discussões nacionais e internacionais,
procurando questionar projetos teóricos e implicações pedagógico-curriculares de uma
educação que tenta trabalhar as diversas identidades no âmbito da educação formal.
No Brasil, este debate assume especial importância no contexto da elaboração de uma
proposta curricular nacional - os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997), que incluem
“pluralidade cultural” como um dos temas a serem desenvolvidos.
Esse documento, norteador da educação no país, apresenta uma idéia positiva da
diversidade cultural, como riqueza humana a ser explorada, fonte de conhecimento e denso
material a ser utilizado nas escolas em praticamente todas as áreas do conhecimento.
O tema da diversidade não é reduzido a uma crítica ao preconceito, à discriminação e
ao racismo, o que também deve ser feito e se inclui no documento.
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Existe, principalmente, uma valorização construtiva da multiplicidade de povos, culturas
e tradições existentes no Brasil, ainda não suficientemente conhecidos e estudados no sistema
escolar do País, muitas vezes nem sequer reconhecidos.
Uma das suas propostas é a contestação da noção de homogeneidade inevitável e
necessária da sociedade brasileira, reduzindo-a a uma única língua, a uma religião, a um
único modo de ser.
Num país de enorme diversidade étnica e cultural, com metade da população de origem
não européia (africana, indígena, asiática ou outra), a homogeneidade por acaso existente
deve ser justificada como resultado de um processo colonial e escravocrata, autoritário, do
massacre e extermínio dos povos.
Enfim, relacionar pluralidade cultural e educação implica em repensar a dinâmica das
relações sociais entre professor e alunos e de se reconhecer como um ser plural ator, sujeito e
produto de uma história local.
Por conta da sua inserção nas relações sócio-culturais, a escola não pode se esquivar
da responsabilidade de atuar no sentido de pensar, compreender e empenhar-se com o objetivo
de buscar um ensino voltado para práticas democráticas de respeito e tolerância às diferenças,
cada vez mais postas à mostra no contexto da sociedade global, na qual a grande marca é a
diversidade.
A pluralidade cultural como tema transversal da educação brasileira
Você já conseguiu perceber então onde está a transversalidade desse tema na
educação? Por que será necessário que ele perpasse todas as áreas do saber?
A sociedade contemporânea, dita da informação e do conhecimento, requer que se
enfrente a heterogeneidade e que se distinga as peculiaridades dos grupos e das culturas,
seus valores, interesses e identidades.
Simultaneamente, ela exige que o reconhecimento da diversidade não justifique relações
de submissão, dominação, desigualdade ou preconceito.
Neste contexto, uma educação multicultural voltada para a incorporação da diversidade
cultural deve ser levada em consideração em práticas pedagógico-curriculares voltadas à
construção de uma sociedade democrática e ao desenvolvimento da cidadania crítica e
participativa.
Posto assim, os temas transversais permitem um elo de discussão entre as diversas
áreas de estudo, assumindo um caráter interdisciplinar, para que passem todas a servir a um
projeto social. Este projeto se organiza através da discussão de temas que estão relacionados
a um contexto político e social específico.
São um recurso de trabalho para o desenvolvimento de currículos mais significativos e
flexíveis, fazendo dos conteúdos acadêmicos estudados na escola um instrumento para pensar
questões socialmente relevantes para aquela determinada comunidade escolar.
A pluriculturalidade e o ensino de história
A história, enquanto área de conhecimento, tem passado por transformações
significativas ao longo do tempo. Antigos princípios têm dado lugar a novas abordagens, objetos
e problemas, enfim, a novas preocupações.
Diversas abordagens teórico-metodológicas têm se destacado, enfatizando “a
problematização do social, procurando ora nos grandes movimentos coletivos, ora nas
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particularidades individuais, de grupos e nas suas inter-relações, o modo de
viver, sentir, pensar e agir de homens, mulheres, trabalhadores, que produzem,
no dia-a-dia, ao longo do tempo, as práticas culturais e o mundo social”. (PCN
– História, 1998:30)
Antropologia
Uma das críticas mais diligente e importante tem sido ao eurocentrismo
Cultural
presente nos modos usuais de ensinar e pesquisar história, perspectiva cada
vez mais inadequada a um mundo policêntrico, sobretudo quando se valoriza o
multiculturalismo.
Concomitantemente às novas temáticas desenvolvidas pelos historiadores, o ensino
de história incorporou também as discussões sobre a aprendizagem que salientavam o papel
do aluno (aprendente) enquanto sujeito e construtor do saber.
Ainda segundo o PCN – História 1998:28, “nas últimas décadas, passaram a ser
difundidas percepções diferentes do processo de aprendizagem (...) e das funções sociais e
culturais atribuídas à escola e ao professor”.
Atualmente, muitas pesquisas apontam que o processo de ensino deve orientar-se como
os alunos elaboram a representação pessoal com os conteúdos com os quais interagem.
Nessa perspectiva, o professor é quem organiza as situações de aprendizagem e quem
estabelece a mediação entre o aprendente e o que vai ser aprendido.
Nesse processo, o professor tem um papel muito característico. Atua como instigador e
mediador, promovendo momentos de aprendizagem que se
apóiam na circulação de saberes e conhecimentos entre o sujeito
que tenta compreender o mundo e o outro que se interpõe entre
ambos.
A ênfase, neste caso, não recai nem sobre o professor
nem sobre o aluno, mas sobre a relação que se estabelece entre
ambos. O educador, nesta ótica, seria aquele que estabelece
uma ponte entre a cultura particular do aluno e os valores culturais
da sociedade, em sentido mais amplo.
Um caminho é trabalhar sempre articulado ao
conhecimento dos alunos sobre o sentido do tempo e do espaço,
ao mesmo tempo; e de forma comparativa, com os sentidos dados por outras culturas. A
aprendizagem da História deve partir do que está mais próximo da realidade do aluno.
Sem perder suas especificidades, o ensino da História deve abrir-se às categorias de
construção de outros conhecimentos: literários, lingüísticos, semiológicos, filosóficos,
psicológicos, etc.
Posto assim, propor o ensino de história na perspectiva da diversidade e superação
das desigualdades, coloca imediatamente a questão da formação dos professores. Para
desenvolver sua prática, os professores precisam também se desenvolver enquanto
profissionais e sujeitos críticos na realidade em que estão.
Tradicionalmente, a formação dos professores brasileiros não contemplou esse aspecto.
A maior parte das instituições de formação inicial não inclui currículos voltados para a formação
política nem para o tratamento das questões socioculturais.
Outrossim, a pluralidade cultural, como tema transversal, não deve se esgotar no ensino
de História, mas pode e deve estar presente em todas as disciplinas. Não importa a área de
atuação.
Sob a perspectiva de um viés multirreferencial e interdisciplinar, o ensino de história
deve estar assentado numa relação de mutualidade, interação, de diálogo e de uma mudança
de atitude perante a questão do conhecimento; propondo a substituição do ensino fundamentado
na tradição epistemológica disciplinar, fragmentária e especializante do projeto cartesiano
das idéias claras e distintas pela visão unitária do ser humano.
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Cabe ao professor na construção do seu ambiente de aprendizagem dialogar com as
diferenças, criando condições de arregimentá-las para implementar o aprendizado, onde o
projeto didático principal é se aproximar o máximo das cosmovisões dos alunos, não para
assumi-las de maneira inerte, mas trabalhar dinamicamente com elas, com todos os meios
que a educação contemporânea fornece para educarmos na diversidade.
Afinal, o ensino da História deve ajudar as pessoas e os povos a se tornarem mais
críticos, mas, ao mesmo tempo, mais solidários e mais felizes, e, principalmente, mais
respeitosos em relação às diferenças, mais abertos ao ser plural como possibilidade para o
redesenho de um novo humanismo.
Aprendizagem e Multirreferencialidade
A abordagem multirreferencial foi delineada inicialmente por Jacques Ardoino, professor
da Universidade de Vincennes (Paris VIII), e seu grupo de trabalho. Em diversos momentos de
sua obra, Ardoino sinaliza que o surgimento da idéia da abordagem multirreferencial no âmbito
das ciências humanas e, particularmente, da educação, está diretamente relacionada com o
reconhecimento da complexidade e da heterogeneidade que caracterizam as práticas sociais.
Essa abordagem pode ser considerada como uma réplica às críticas encaminhadas aos
modelos científicos organizados a partir do racionalismo cartesiano e do positivismo comteano.
Uma vez que ele toma a pluralidade como ponto de partida para estabelecer os princípios
que a subsidiam e, mais ainda, traz em si mesma a marca da heterogeneidade como o eixo
principal na construção do conhecimento.
O Positivismo de Auguste Comte
Vamos conhecer um pouco mais sobre as idéias de Comte e do positivismo para
compreender porque a abordagem multirreferencial surge como uma crítica a esse modelo de
construção do conhecimento e compreensão da realidade?
Vários filósofos do século XIX refletiram sobre a vitória da modernidade, do modo de
produção capitalista, da indústria, da ciência e da tecnologia. Um desses pensadores foi o
francês Auguste Comte (1798-1857), criador da doutrina positivista.
Comte acreditava que todas as grandes transformações na história das sociedades
humanas ocorreram como conseqüência do desenvolvimento do conhecimento. Quanto mais
os homens aprendem, mais felizes se tornam. Para ele, o progresso é filho direto do saber.
Para Comte, a humanidade só atingiria seu grau superior de evolução, que ele
denominava de estado positivo, quando todas as idéias e ações humanas fossem
fundamentadas na ciência. Logo, o único conhecimento verdadeiro é o conhecimento científico,
e as duas principais características pretendidas em direção a um conhecimento positivo da
realidade humana seriam: a objetividade e a neutralidade.
Filósofo francês, Auguste Comte é considerado
por alguns como o pai da Sociologia. Auguste Comte
nasceu em Montpellier, na França, em 1798.
19
Antropologia
Cultural
Resumidamente, o positivismo apresenta as seguintes características:
• separação excludente entre sujeito e objeto de estudo;
• a subjetividade e a afetividade são consideradas de modo pejorativo como
fonte de erro;
• supervalorização do método e desprezo pela teoria e interpretação: visão
instrumentalista do conhecimento;
• crença no empreendimento científico como algo neutro, objetivo;
• o método científico é considerado de forma monolítica: o que varia são os objetos
de estudo, o método de investigação é o mesmo para todas as ciências;
• os objetivos da ciência seriam a descrição imparcial, a predição e o controle
sobre a realidade.
O Positivismo e as Ciências
No desenrolar da história do pensamento filosófico ocidental, a noção de uma realidade
imutável, externa ao sujeito do conhecimento, tornou-se dominante.
Nesse sentido, nos séculos XVII e XVIII, as duas perspectivas epistemológicas principais, o
racionalismo e o empirismo, não obstante suas discordâncias, partilhavam duas premissas
fundamentais: separação radical entre o sujeito e o objeto do conhecimento; e uma relação linear
e isomórfica do conhecimento com a realidade.
Tais premissas foram recuperadas e radicalizadas, no século XIX, pela perspectiva positivista
que então se torna a referência epistemológica dominante nas ciências modernas.
Japiassu (1975) afirma que no momento da sistematização das ciências humanas elas
buscaram seu reconhecimento e sua legitimidade como ciências apoiando-se em modelos então
consagrados pelas ciências naturais.
Procurar nas ciências naturais as condições para garantir a autenticidade científica fez com
que as ciências humanas assumissem as premissas das ciências naturais, incorporando uma
perspectiva epistemológica e, em conseqüência, uma perspectiva metodológica que não lhe é
própria, o que não permite explicitar os fenômenos humanos em sua profundidade – em sua
complexidade.
Uma vez que o ser humano se caracteriza por uma múltipla determinação de fatores: sociais,
econômicos, políticos, psíquicos, etc., o que o define como complexo, as abordagens que se
inspiraram no cartesianismo ou mesmo no positivismo, procurando no reducionismo a compreensão
para os fenômenos humanos, deparam-se constantemente com os limites que essas atitudes
epistemológicas lhes impõem, terminando por produzir um conhecimento fragmentado e superficial.
Em contra partida, a perspectiva multirreferencial pretende estabelecer um novo olhar sobre
o humano, mais plural, a partir da reunião de diferentes correntes teóricas, o que se configura em
nova perspectiva epistemológica na construção do conhecimento sobre os fenômenos sociais,
principalmente os educativos. Buscando uma nova perspectiva para a compreensão dos fenômenos
educativos: a da pluralidade e da heterogeneidade.
20
Abordagem multirreferencial e educação
Considerando a complexidade dos fenômenos educativos, a abordagem
multirreferencial propõe que o conhecimento sobre os mesmos deve ser construído através
da união e aproximação das várias áreas do saber, assim inscrevendo-se num universo dialético
e dialetizante, no qual o pensamento e o conseqüente conhecimento são gerados em sucessivo
movimento, num persistente ir e vir, o que possibilitará a criação e, com ela, a própria construção
do conhecimento.
A noção de multirreferencialidade indica para a imediata necessidade de novos
paradigmas interpretativos, de novos caminhos teórico-metodológicos e filosóficos que
priorizem a análise dos fenômenos educativos onde se desenvolve a sensibilidade, a
compreensão dos processos identitários culturais, o desabrochar da subjetividade e da
intersubjetividade, da alteridade e das contradições.
Compreender a necessidade de uma visão múltipla para o entendimento dos fenômenos
educativos requer um rompimento com o pensamento linear, unitário e reducionista
característico do paradigma da simplicidade, e privilegiar o heterogêneo, como ponto de partida
para a construção do conhecimento.
Educação e Diversidade: a experiência da educação indígena no
Brasil
Contextualizando...
As relações entre os povos indígenas e o Estado brasileiro têm uma história na qual se
pode verificar duas vertentes: a de dominação, por meio da inclusão e homogeneização cultural,
e do pluralismo cultural.
Essas vertentes formam a estrutura da política governamental desenvolvida a cada
momento da história brasileira.
Até recentemente, a noção de integração consolidou-se na política indigenista do Brasil,
perdurando, em sua essência, desde o período colonial até o final da década de 80 do século
XX. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, um novo marco se constrói.
A política integracionista começava a reconhecer a diversidade das sociedades
indígenas que havia no país, entretanto sinalizava como ponto de chegada o fim dessa
diversidade.
Toda pluralidade étnica seria anulada ao se incorporarem os índios à sociedade nacional.
Ao se tornarem brasileiros, tinham de abandonar sua própria identidade.
O Estado brasileiro pensava em uma “escola para os índios” que tornasse possível a
sua homogeneização. A escola deveria transmitir os conhecimentos valorizados pela sociedade
de origem européia. Nesse modelo, as línguas indígenas, quando consideradas, deviam servir
apenas de tradução e como instrumento para facilitar a aprendizagem da língua portuguesa e
dos conteúdos valorizados pela cultura “nacional”.
A partir da metade da década de 70, iniciavam mudanças nesse contexto. Acontece a
mobilização de segmentos da população brasileira para criação de associações de apoio e
colaboração com os povos indígenas. O movimento indígena no Brasil começa a tomar forma,
fazendo parte do amplo movimento de reorganização da sociedade civil que caracterizou os
últimos anos de ditadura militar no país.
21
Várias comunidades e povos indígenas, superando o processo de
dominação e perda de seus contingentes de população, passam a se reorganizar
para fazer frente às ações integracionistas do Estado brasileiro.
Em conseqüência, estabelece-se uma articulação entre as sociedades
Antropologia
indígenas e organizações não-governamentais, com mudanças importantes para
Cultural
a afirmação dos direitos indígenas, abrindo espaços políticos e sociais para que
a questão indígena se impusesse no país, exigindo transformações.
A “escola indígena” ou “escola para os índios” começou a ser pensada
dentro de um panorama de luta por direitos humanos e sociais. Foi reconhecida a relação da
educação como direito de se apresentarem as várias culturas e experiências sociais e políticas
dos povos indígenas e os problemas decorrentes do seu contato com a sociedade mais ampla.
Foram os primeiros sinais contrários à política educacional governamental de estrutura
integracionista. A partir dos anos 80, sucederam-se projetos alternativos de educação escolar
indígena.
A Prática Educativa Indígena
Todas as nações indígenas possuem seus processos característicos de socialização e
de formação das pessoas, arregimentando agentes que tenham objetivos educacionais.
As ocasiões e atividades de ensino-aprendizagem pactuam espaços e tempos formais
e informais, com concepções próprias sobre o que deve ser aprendido, quando, como e por
quem. A escola não é o único lugar de aprendizado.
Toda sociedade possui uma sabedoria para ser divulgada, transmitida e repartida por
seus membros; são valores e mecanismos da educação tradicional dos povos indígenas.
Esses modos de educação tradicional podem e devem colaborar na formação de
práticas e políticas educacionais apropriadas, capazes de responder aos desejos, interesses
e necessidades cotidianas da realidade atual. Estes saberes não são inconciliáveis com os
saberes da escola contemporânea.
Princípios da educação indígena
Entre as nações indígenas, a educação se baseia em princípios que lhes são peculiares,
dentre os quais:
• uma visão de sociedade que transcende as relações entre humanos e admite diversos
“seres” e forças da natureza com os quais estabelecem relações de cooperação e intercâmbio
a fim de adquirir e assegurar determinadas qualidades;
• valores e procedimentos próprios de sociedades originalmente orais, menos marcadas
por profundas desigualdades internas, mais articuladas pela obrigação da reciprocidade entre
os grupos que as integram;
• noções próprias, culturalmente formuladas( portanto, variáveis de uma sociedade
indígena a outra) da pessoa humana e dos seus atributos, capacidades e qualidades;
• formação de crianças e jovens como processo integrado. Para as sociedades indígenas
cada experiência cognitiva e afetiva carrega múltiplos significados – econômicos, sociais,
rituais, cosmológicos.
22
O que torna as escolas indígenas diferentes das demais? Quais são suas
características? Como a diversidade é contemplada?
Aos processos educativos característicos dos povos indígenas veio somar-se a
experiência escolar, com as diversas formas e modalidades que assumiu no decorrer da história
do contato entre índios e não-índios no Brasil. Demanda formada pós-contato, a escola tem
sido assumida continuamente pelos índios em seu movimento pela autodeterminação.
É um dos espaços onde a relação entre os conhecimentos próprios e os conhecimentos
das demais culturas deve se articular, constituindo uma possibilidade de informação e
divulgação para a sociedade nacional de valores e saberes relevantes até então
desconhecidos.
O que torna a escola indígena diferente...
A escola indígena é dirigida pela comunidade indígena, em conformidade com seus
projetos, seus princípios e concepções. Tanto no que diz respeito ao currículo quanto à forma
de administrá-la. Possui liberdade de decisão quanto ao calendário escolar, aos objetivos,
aos conteúdos, aos espaços e momentos usados para a educação escolarizada; por isso ela
é comunitária.
É intercultural, porque reconhece e mantém a diversidade cultural e lingüística;
promove o diálogo entre experiências socioculturais, lingüísticas e históricas diferentes, sem
considerar uma cultura superior a outra, estimulando o respeito e o entendimento entre povos
de identidades étnicas diversas.
É ao mesmo tempo específica e diferenciada porque foi imaginada e planejada como
reflexo dos desejos peculiares de cada nação indígena e com liberdade em relação a
determinados aspectos que regem o funcionamento e orientação da escola não-indígena.
É multilíngue, porque a reprodução sociocultural dos povos indígenas é, na maioria
das vezes, manifestada através da utilização de mais de uma língua. Até mesmo as nações
indígenas que hoje falam a língua portuguesa continuam utilizando a língua de seus ancestrais
como um símbolo de seus traços identificatórios.
23
Texto Complementar
Antropologia
Cultural
Construção da identidade do professor
A pluralidade cultural e a construção da identidade do professor
Wilsa Maria Ramos
“A maneira como cada um de nós ensina está diretamente
dependente daquilo que somos como pessoa quando
exercemos o ensino.”
(Nóvoa, 1992)
Pretendemos aqui discutir como o professor - enquanto pessoa - constrói a base para o
seu crescimento profissional, vencendo as barreiras dos preconceitos e estereótipos, de forma a
adquirir competências para ser o mediador do processo de desenvolvimento e aprendizagem das
crianças.
Refletiremos sobre o tema pluralidade cultural, na ótica de quem ensina. Não a trataremos
aqui como um conteúdo a ser ensinado pelo professor, mas sim abordaremos a pluralidade como
um locus complexo de representações e interpretações, no qual se situa a prática pedagógica.
O professor, sujeito social, enreda-se numa teia de expectativas e representações, que faz
parte de um tecido social, cultural e histórico e que influencia a sua forma de pensar e agir. Mas, ao
narrar os seus próprios atos, ele ressignifica a sua prática profissional, retoma a rédea do seu
desenvolvimento e dá conta de analisar esse tecido social estruturante.
Desta forma, queremos pensar a pluralidade como parte integrante de nossas vidas. Tudo
à nossa volta é plural, estamos imersos em um espaço temporal e cultural que é repleto de signos
e significados que são expressões e manifestações dos homens: as artes, pinturas, esculturas, os
livros, programas da tela de TV, filmes, etc. Pensamos, narramos, agimos, inspiramos, sentimos,
imaginamos, criamos e transpiramos (não necessariamente nessa ordem), valores, crenças, idéias,
histórias de um mundo ao qual pertencemos. Somos, às vezes, o produto (alguns, enlatados de tão
reprimidos) de um mundo histórico e cultural, repleto de relações sociais desiguais, sanções, normas
e regras, etc. Por outras vezes, somos o próprio agente ativo do processo de construção dessas
mesmas relações sociais desiguais, sanções/punições e normas, a respeito das quais somos tão
insatisfeitos. Portanto, falar do pluralismo na educação implica o ato de repensar a dinâmica das
relações sociais professor e alunos e de se reconhecer como um “ser plural” (co)ator, (co)sujeito e
(co)produto de uma história local.
Significa entrarmos em contato com nossas origens, com a nossa história que está registrada
nos livros didáticos, mas que também é contada e recontada pelos mais velhos, os nossos próprios
avós.
Ser plural é reconhecer a educação como inclusiva, no sentido amplo da palavra, não
representativa apenas dos portadores de necessidades especiais, mas de todos os “portadores
de algo diferente”. A educação não pode ser excludente dos diferentes grupos étnicos, raciais,
religiosos. São insuportáveis os atos de discriminação social, os preconceitos, o racismo e o antisemitismo. Mas como esses processos, que tanto criticamos, se aproximam das práticas
pedagógicas e se instalam nas relações escolares, fazendo parte das representações dos
professores e alunos?
24
Atividade Complementar
1.
Construa um quadro comparativo sobre a abordagem positivista e a multirreferencial,
constando das seguintes informações: período do surgimento, idealizador, compreensão da
realidade, construção do conhecimento, objetivo da ciência, método científico e perspectiva
epistemológica.
2.
Explique porque na abordagem positivista a subjetividade e a afetividade são
consideradas de modo pejorativo, como fonte de erro.
3.
Uma das características da educação indígena é a interculturalidade. Como esta
característica pode ser contemplada em outras experiências educacionais?
25
FORMAÇÃO E PROCESSOS
IDENTITÁRIOS NO BRASIL
Antropologia
Cultural
A INVENÇÃO DA IDENTIDADE: QUEM É BRASILEIRO?
A Cultura Indígena
Pindorama: a terra dos índios
Quem foram os primeiros, legítimos, descobridores do Brasil? Que idéia tiveram dessas
terras? Ainda não existem respostas conclusivas. O que sabemos é que quanto mais sabem,
mais os cientistas descobrem o quanto ainda falta saber.
A procedência e a origem do homem americano são ainda um enorme desafio para a
comunidade científica e objeto de muita polêmica. Sabe-se que o continente foi o último a ser
ocupado pela espécie humana. Segundo a hipótese mais aceita, seus antigos povoadores
vieram da Ásia, cruzando o estreito de Bering.
É comum aplicar a expressão “índios” a todos os habitantes e culturas do continente
americano antes da chegada dos europeus. Trata-se de uma denominação generalizante que
não traduz a diversidade e a complexidade dessas culturas.
Ainda que existam algumas semelhanças em seu modo de vida, esses povos não são
todos iguais, pois cada cultura desenvolveu diferentes crenças, modos de produzir e trabalhar,
de se divertir. Constituem sociedades com identidade própria, razão pela qual utilizaremos
também os termos nação ou povo para designá-los.
Na área correspondente ao nosso atual território, as estimativas indicam uma população
entre 3 a 6 milhões de habitantes quando da chegada dos europeus. Avalia-se que essa
população era constituída por cerca de 1500 grupos étnicos distintos. Esses grupos pertenciam
a mais de quarenta famílias lingüísticas, a maioria delas agrupadas em quatro grandes troncos
distribuídos em três regiões geográficas: tupi-guarani (populações litorâneas), macro-jê
(cerrados do interior), aruaque e caribe (Amazônia).
Distribuição dos povos indígenas
Toda extensão do litoral, de norte a sul, era ocupada pelos Tupi-Guarani, separados em
diversos subgrupos. Do Ceará até a desembocadura do rio São Francisco dominavam os
Carijó. Já o sertão desse rio era habitado pelos Tupinaé. Da sua foz até a Bahia habitavam os
Tupinambá.
Entre a Bahia e o Espírito Santo viviam os Tupiniquim, e na baía da Guanabara, os
Temiminó. Em São Paulo, de Bertioga a Cananéia, incluindo o planalto paulista, também viviam
osTupiniquim.
No litoral da lagoa dos Patos, estendendo-se para a bacia dos rios Paraná-Paraguai,
eram terras dos Carijó (Guarani).
26
Os grupos de origem não Tupi ocupavam as áreas do estuário do rio da Prata, os
Charruas, a foz do rio Paraíba, pelos Goitacás. No sul da Bahia e norte do Espírito Santo
estavam os Aymoré; entre o Ceará e o Maranhão, os Tremembé.
Por essa disposição geográfica, era natural que os portugueses mantivessem contatos
mais estreitos com os povos que habitavam o litoral, os Tupi. Os demais grupos indígenas que
não pertenciam a esse conjunto eram incluídos, indistintamente, no grupo denominado por
eles como Tapuia.
Para esses diversos grupos tribais que viviam aqui não existia Brasil. A nação de um
índio é a sua terra, é a região onde ele vive com sua tribo. É Pindorama, a terra das palmeiras,
para uns, é Pirantininga para outros, e assim por diante.
Como viviam? De que viviam? Quais suas crenças, práticas e hábitos?
Os povos indígenas não conheciam a escrita e, para sabermos como viviam, que
mudanças ocorreram entre eles, quais eram suas idéias dispomos dos relatos escritos pelos
cronistas europeus e da cultura material, isto é, o que restou de suas casas, os enfeites que
usavam, as ferramentas de trabalho, as armas, os restos de comida e as fogueiras, as pinturas
ou os sinais que deixaram, os mortos que enterraram.
O cotidiano dos povos indígenas era determinado pelo ritmo da natureza. A terra era um
bem coletivo, e sua posse, muitas vezes, era garantida pela guerra, resultando na expulsão
dos derrotados.
Ao final desses conflitos, alguns povos realizavam um cerimonial no qual comiam a
carne de um prisioneiro valente. Segundo sua crença, ao fazer isso eles passavam a ter a
mesma coragem do prisioneiro.
27
Os povos indígenas e sua relação com terra e natureza
Da terra, as populações indígenas tiravam só aquilo que era necessário
para sua sobrevivência.
Antropologia
Os povos indígenas mantinham uma relação de respeito com a natureza. A
Cultural
terra não era apenas o lugar de plantar, mas uma extensão deles próprios. Era o
espaço onde seus deuses se manifestavam, onde a vida nascia, onde se realizavam
seus rituais, onde moravam e caçavam.
As relações sociais nas aldeias
A vida nas aldeias é regida por um complexo sistema de parentesco que, por sua vez,
comanda desde as relações de gênero (homem-mulher)
até as relações de troca e divisão do trabalho.
Vinculada à sua organização social, cada aldeia,
geralmente, possui uma complexa cosmologia, em que
são ordenados os seres humanos, os animais e os seres
sobrenaturais.
Ajustado de modo característico a cada grupo,
esses elementos muitas vezes servem como “chaves” para
antropólogos explicarem as diferenças e semelhanças
entre os diversos grupos indígenas brasileiros.
A relação entre as tribos indígenas era baseada
em regras sociais, políticas e religiosas. O contato entre
as tribos acontecia em momentos de guerras, casamentos, cerimônias de enterro e também no
momento de estabelecer alianças contra um inimigo comum.
Os povos indígenas possuíam crenças e rituais religiosos distintos. Entretanto, todas as
tribos acreditavam nas forças da natureza e nos espíritos dos antepassados. Para estes deuses e
espíritos, faziam rituais, cerimônias e festas.
O pajé era o responsável por transmitir estes conhecimentos aos habitantes da tribo. Algumas
nações indígenas chegavam a enterrar seus mortos em grandes vasos de cerâmica, onde além
do cadáver ficavam os objetos pessoais. Demonstrando que estas tribos acreditavam numa vida
após a morte.
E a educação? A educação indígena era bastante significativa, prática e vinculada à
realidade da vida da tribo. Os curumins aprendem e se divertem ao mesmo tempo: conhecer não
é algo desligado da vida. As crianças brincam com bonecas e flecham calangos e passarinhos
com pequenos arcos.
Nesses jogos infantis, eles imitam os adultos. E os ajudam também: as meninas menores
tomam conta de irmãos pequeninos, as maiores mastigam as raízes com que se fazem as bebidas.
Os adultos só conversam com as crianças acocoradas, ficando assim em pé de igualdade com
elas, demonstrando assim o valor que os povos indígenas dão aos seus filhos.
Cada povo indígena que vive no Brasil hoje é possuidor de universos culturais peculiares.
Sua originalidade e diversidade são um patrimônio importante não apenas para eles próprios e
para o Brasil, mas para todas as sociedades.
Entretanto, não podemos mitificar os povos indígenas, imaginando-os como seres humanos
perfeitos e suas sociedades como o paraíso na terra.
Como qualquer sociedade, as comunidades indígenas têm suas “contradições”: em muitos
casos a mulher é discriminada, por vezes ocorrem guerras entre grupos e a solidariedade quase
sempre provém mais das adversidades da natureza do que de uma escolha.
O importante é que percebamos que formam uma sociedade estruturada, com
determinados valores, dos quais, inclusive, podemos divergir.
O outro em questão: o etnocentrismo e o extermínio dos povos indígenas
28
O trecho abaixo pertence à música Sampa, de Caetano Veloso, onde ele descreve os
seus sentimentos com relação à cidade de São Paulo. E você, caro aluno, qual tem sido sua
reação ao se deparar com o novo e com o diferente? Também tem achado feio o que não é
espelho?
“Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto,
chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
é que Narciso acha feio o que não é espelho”...
Caetano Veloso
A colonização portuguesa foi produto das suas necessidades estruturais (organização
social, política e econômica de uma nação em um determinado período) e conjunturais. Seu
intuito era explorar a colônia para dominar, conquistar e retirar tudo o que percebessem que
daria lucro.
O seu procedimento em relação aos povos indígenas foi determinado por esse intuito.
Até quando foi posível conseguir deles o que desejavam, trataram-nos como parceiros em
uma empresa, porém quando não puderam mais ter sua “cooperação”, passaram a tratá-los
como inimigos.
Já sabemos que os encontros entre os povos oferecem diversos exemplos das
dificuldades de um povo entender outro com uma cultura diferente da sua.
Esse é um fenômeno universal. O diferente e o novo são difíceis de serem assimilados
e, mais ainda, de serem compreendidos e acolhidos.
O novo tende a ser identificado com alguma coisa já conhecida e, por tanto, a não ser
aceito como completamente novo. O diferente também costuma ser associado a algo já
conhecido, superado e inferior. Essa situação ocorreu no contato entre os europeus e os povos
indígenas.
O etnocentrismo europeu prevalece na relação com as nações indígenas
A colonização portuguesa foi produto das suas necessidades estruturais (organização
social, política e econômica de uma nação em um determinado período) e conjunturais. Seu
intuito era explorar a colônia para dominar, conquistar e retirar tudo o que percebessem que
daria lucro.
O seu procedimento em relação ao s povos indígenas foi determinado por esse intuito.
Até quando foi possível conseguir deles o que desejavam, trataram-nos como parceiros em
uma empresa, porém quando não puderam mais ter sua “cooperação”, passaram a tratá-los
como inimigos.
Já sabemos que os encontros entre os povos oferecem diversos exemplos das
dificuldades de um povo entender outro com uma cultura diferente da sua.
Esse é um fenômeno universal. O diferente e o novo são difíceis de serem assimilados
e, mais ainda, de serem compreendidos e acolhidos.
O novo tende a ser identificado com alguma coisa já conhecida e, portanto, a não ser
aceito como completamente novo. O diferente também costuma ser associado a algo já
conhecido, superado ou inferior. Essa situação ocorreu no contato entre os europeus e os
povo indígenas.
A Cultura Européia
Homens ao mar: o contexto da expansão marítima
A expansão marítima européia é o momento mais significativo no princípio da
europeização do mundo. Ela foi executada a partir de explícitas necessidades econômicas e
possibilitada por influentes grupos políticos.
29
A combinação de necessidades materiais com motivações de ordem
mental foi levando os europeus por “mares nunca dantes navegados” e terras
longínquas.
Foram necessários muitos séculos de história para que os europeus
Antropologia conquistassem os mares e continentes. Foram necessários muitos séculos para
Cultural
que se dispusessem a conhecer terras distantes das suas.
Depois disso, outros tantos para que o medo do desconhecido servisse
como estímulo desafiador.
Mais ainda, para que pudessem surgir
Mar Português
interesses materiais, econômicos e
políticos que os impulsionassem para
“Ó mar salgado, quanto do teu sal
são lágrimas de Portugal!
fora do seu pequeno mundo.
Por
ti
cruzamos,
quantas mães choraram,
Com as viagens dos “descobrimentos”,
Quantos filhos em vão rezaram!
que levaram à conquista de territórios e povos
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
até então desconhecidos e ao
Valeu a pena? Tudo vale a pena
estabelecimento de rotas comerciais em
Se a alma não é pequena.
vários pontos do planeta, o continente europeu
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor
passa a ocupar um lugar cada vez mais central
Deus ao mar o perigo e abismo deu,
no cenário mundial. Espanha e Portugal
Mas nele é que espelhou o céu”
constituem as primeiras sociedades da
Fernando Pessoa
Europa que têm a experiência de “descobrir”
outros povos.
O sucesso da expansão significou claras vantagens para alguns personagens que a
projetaram e a executaram. Quem eram eles? Como foram repartidos os benefícios e os custos
desse empreendimento?
Por mares nunca dantes navegados: a expansão marítima portuguesa
A expansão marítima não se realizava por acaso: ela atendia
a interesses da classe feudal e da jovem burguesia comercial
portuguesa. Buscava-se superar a escassez de cereais no reino,
ampliar a lavoura açucareira para além do Algarve, ter acesso aos
metais preciosos da África, especialmente ao ouro do Sudão e às
especiarias e artigos de luxo do Oriente. Para isso, que ampliaria
as fontes de renda do Estado monárquico, navegar era preciso.
Desde o século XV Portugal navegava, com a conquista do
Marrocos e do Norte da África. As necessidades econômicas faziam
o comércio crescer com o avanço ao longo do litoral atlântico
africano: ouro, marfim, escravos. Os temores iam sendo vencidos
na prática.
É importante ressaltar que os interesses econômicos não foram os únicos que
mobilizaram os portugueses em sua empreitada marítima. A tradicional nobreza lusitana era
mais sensível a apelos relacionados à honra, à glória militar , à fé católica e ao dever cristão de
combater os infiéis. A expansão teve um caráter comercial e de cruzada religiosa, atendendo,
assim, aos interesses nacionais.
Para Sérgio Buarque de Holanda, o pioneirismo de Portugal nas navegações se
deve a um incentivo próprio, já que esse país tinha uma mentalidade mais aberta. Esse autor
defende a mentalidade burguesa e os países Ibéricos. Os Ibéricos não gostavam do trabalho
físico, queriam ser senhores, mas sem ter que fazer o trabalho manual.
No período colonial brasileiro, um dos principais elementos que determinavam a divisão
social era o trabalho. Para os portugueses, o trabalho era prerrogativa de pessoas consideradas
30
inferiores. Assim, a necessidade de trabalhar, seja pela sobrevivência ou por sujeição à
escravidão, definia o indivíduo como um ser socialmente inferior.
Na sociedade portuguesa aquele que era fidalgo não se sujeitava ao trabalho; seu ideal
de vida era a defesa dos valores morais e religiosos.
A Cultura Africana
Cafundó, batuque, tanga, caçula, bunda, cafuné, benguela,
quitute, mocotó, quilombo, cacunda, mandinga, marimbondo,
quitanda , senzala, quindim, samba, moleque, macaco,angu,
maroto, cachimbo, ginga.
Com toda certeza você já disse, ouviu ou leu algumas das
palavras acima. Todas são de origem africana.
Por que são tão usuais em nosso dia-a-dia nas conversas,
na televisão, no rádio ou em jornais, revistas e livros? Por que em
nossa cultura encontramos tantas manifestações que vieram da
África? Por que, atualmente, segundo o governo federal,
aproximadamente 45% da população brasileira é formada por
descendentes de africanos? Como chegaram ao Brasil?
Aliás, chegaram ou foram trazidos? Essa é uma questão
que até a um tempo atrás gerava muita discussão.
Seja como for, para responder as perguntas acima nos reportaremos a uma prática
atualmente considerada criminosa, repugnante e cruel, quase tão antiga quanto a própria
humanidade: a escravidão. Mas, há alguns séculos atrás, era considerada como natural,
autorizada por lei, justificada pela religião e um negócio altamente lucrativo.
Foi no escravismo que toda a economia da colônia portuguesa na América se sustentou.
O Escravismo Brasileiro
Por que houve escravidão? Por que durou tanto tempo? O que as pessoas da época
pensavam a respeito?E os escravos? Como era a vida deles? Reagiram? Conformaram-se?
Durante o período colonial a economia do Brasil desenvolveu-se vinculada aos interesses
mercantilistas que prevaleciam na Europa no começo da modernidade. Em conformidade com
a teoria mercantilista, a colônia existia para atender aos interesses da metrópole.
Por quase quatrocentos anos, a escravidão foi a principal relação trabalhista existente no
Brasil. Além de a mão-de-obra escrava produzir riquezas, como já afirmamos, a escravidão era
também, em si mesma, um negócio muito lucrativo.
O tráfico negreiro propiciava altos rendimentos aos comerciantes e à Coroa portuguesa.
Esse foi o principal motivo para que os europeus retirassem milhões de africanos do seu continente
e trouxesse para a América.
Além da lucratividade, a introdução da mão-de-obra escrava africana foi essencial para o
controle das terras americanas conquistadas. Desde a instalação do governo-geral em 1548, a
Coroa portuguesa buscou exercer uma vigilância mais eficaz sobre os rumos da colonização.
Nesse sentido, restringir a escravidão indígena e implementar a africana foi um
estratagema que deu certo, uma vez que os colonos ficaram mais dependentes da Metrópole,
da qual dependia o abastecimento contínuo da mão-de-obra necessária para a produção na
América.
Logo, se a escravidão africana e o tráfico representavam por um lado medidas
econômicas, por outro eram também parte do arsenal político da metrópole para manter o controle
sobre sua colônia.
31
De onde e como foram trazidos os africanos para o Brasil
Antropologia
Cultural
Era um sonho dantesco!...
O tombadilho,
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar
Tinir de ferros... estalar do açoite
...Legiões de homens negros como a noite,
a dançar (...)
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?
Castro Alves
O trecho do poema de Castro Alves, musicado por Caetano Veloso, revela o todo o horror
do qual o oceano Atlântico foi a maior testemunha: o tráfico negreiro.
Entre os séculos XVI e XIX milhões de africanos, estima-se que algo em torno de 5 milhões,
cruzaram o Atlântico e entraram no Brasil na situação de mercadoria.
Desarraigado de seu país, retirados à força da terra em que haviam nascidos, isolados de
seus familiares, os africanos que foram trazidos neste período tinham diferentes origens, com
língua, tradições, religião e organização social
diversificados.
Tradicionalmente, afirma-se que a maior parte dos
africanos trazidos para o Brasil pertenciam a dois grupos
étnicos: os bantos, originários de Angola, Moçambique e
Congo, que tiveram como destino Rio de Janeiro, Minas
Gerais e Pernambuco; e os sudaneses, vindos da Costa do
Marfim, de Daomé e da Nigéria, pertencentes a várias etnias:
fula, mossi, haússa, mandinga, balanta e jalofa; levados em sua maior
parte para a Bahia.
Conforme a origem, na América, as etnias africanas eram
denominadas nações.
Eram diversas as maneiras dos portugueses conseguirem escravos na África: através de
acordos com os líderes africanos, da troca dos cativos por mercadorias e também lançaram mão
das guerras. Sobre esse comércio, o historiador Jacob Gorender apresenta mais detalhes:
Os prisioneiros eram trocados por panos, ferragens, trigo, sal, cavalos e, sobretudo, por
armas de fogo e munição. A estes produtos de origem européia juntaram-se, com grande
aceitação, os procedentes da América: tabaco, aguardente, açúcar, doce e búzios, estes últimos
utilizados como moedas pelos africanos. A difusão das armas de fogo tornou sua posse questão
de sobrevivência e obrigou uma tribo após outra a tentar obtê-las por meio da captura de homens
e mulheres de outras tribos. (Jacob Gorender, O escravismo colonial. p. 128)
Um aspecto a ser considerado nesse comércio é que algumas sociedades africanas
conheciam e praticavam a escravidão, ainda que fosse economicamente menos importante do
que para a metrópole.
Existia a prática da escravidão por guerras, onde os vencedores escravizavam os vencidos,
entretanto, o escravo não era uma propriedade, sua situação abrangia relações políticas, militares
e econômicas. A diferença é que, a partir do século XV, essas práticas tornaram-se mais comuns
porque passaram a ser lucrativas para os próprios africanos. Desta forma, não só cresceram as
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guerras com o intuito de fazer prisioneiros para escravizá-los, como surgiram os seqüestros, a
escravidão por dívidas e ainda havia famílias que, por conta da fome, vendiam seus integrantes.
Além disso, os traficantes organizaram uma rede de agentes denominados pumbeiros,
que caçavam africanos no interior do continente. Nos pumbos, espécie de mercados onde as
tribos trocavam os escravos, eles os compravam.
Antes da viagem para o Novo Mundo, os africanos escravizados eram batizados por
religiosos portugueses. O batismo era legalmente obrigatório, sendo consumado nos barracões
do litoral, coletivamente, e pago pelo traficante per capita.
Após o batismo cristão, os africanos eram submetidos ao “batismo de fogo” dos
comerciantes de escravos: eram marcados com ferro em brasa na coxa, no ombro e no peito para
serem reconhecidos em sua condição de escravo.
Tumbeiros, era esse o nome dos navios utilizados no tráfico de escravos. Você já pensou o
que quer dizer tumba em nossa língua? Isso mesmo, tumba é uma palavra que em nossa língua
significa sepultura. Por que será essa relação entre tráfico de escravos e morte?
A viagem nos tumbeiros, navios negreiros, era um verdadeiro inferno para os africanos.
Amontoados nos porões, mal tinham condições de respirar.
Na tentativa de evitar a disseminação de doenças, os escravos viajavam nus, tinham cabelos
e unhas cortados, bochechavam vinagre, eram banhados com água do mar e eram obrigados a se
movimentar. Os porões e conveses eram periodicamente lavados com vinagre adicionado à água
salgada, com o objetivo de desinfetar.
Apesar da taxa de mortalidade ser alta, os traficantes preocupavam-se com a saúde e a
manutenção dos africanos, diminuindo a lotação dos tumbeiros. Afinal, considerando o aspecto
comercial, a “mercadoria” chegando a salvo, saudável e com aparência boa, se conseguiria melhor
preço no mercado.
Contudo, essa era uma prática corrente apenas entre os traficantes mais experientes.
O texto abaixo é o relato de um marinheiro sobre o que ocorria às vésperas da viagem pelo
Atlântico:
O momento de partida do barco era traumático. Os escravos
“
passavam a noite em rebuliço. Eles sentiam os movimentos do navio.
Nunca ouvi gritos piores do que aqueles [...] Os homens abanavam
as grilhetas, o que provocava um ruído ensurdecedor. A angústia
devia-se em parte pelo fato de muitos africanos estarem convencidos
de que os europeus eram seres marinhos, canibais da terra dos
mortos, cujas solas dos sapatos eram feitas de pele de africano, cujo
vinho tinto era sangue de africanos e cuja pólvora era feita de ossos
queimados e moídos de africanos.
”
Ao chegar na colônia, os africanos eram mais uma vez amontoados, desta vez em
armazéns para esperar a hora de serem negociados.
Uma prática dos comerciantes de escravos era tornar melhor a aparência da sua
“mercadoria”. Davam um tratamento estético: a pele era lavada com suco de limão e untada
com óleos, os cabelos eram lavados e cortados e a alimentação, melhorada.
Além da violência física, os africanos sofreram uma enorme agressão à sua cultura.
Retirados do seu meio social e natural, jogados em uma região de língua, hábitos e religião
desconhecida encontraram vários obstáculos para manter sua identidade cultural.
33
Açoites, palmatória e gargalheira: castigos e resistência
A violência fazia parte do cotidiano dos escravos e foi uma das
Antropologia características marcantes da escravidão. Como nas demais sociedades
Cultural
escravocratas, no Brasil colônia, a diversidade de torturas e castigos impostos
pelos senhores foi extensa.
As práticas e os instrumentos eram diversos; o mais utilizado era os açoites
com o bacalhau, chicote de cabo pequeno com tiras de couro em cujas pontas
havia pequenas esferas de metal; também era comum amarrar o escravo ao tronco para ser
chicoteado.
As falhas consideradas mais graves eram punidas com mutilações, como a castração,
amputação dos seios ou dedos. Apenas em casos gravíssimos, o escravo era condenado a
morte, uma vez que isso representava prejuízo para o senhor.
Apesar de ser tratado como “coisa”, essa condição não fazia com que o escravo se
esquecesse que era gente. Neste sentido, reagiram à condição de bem das mais variadas
maneiras, indicando que em nenhum momento perdera sua humanidade. Onde houve
escravidão, houve resistência a ela.
A associação da sua memória com a vida no cativeiro tornou possível aos escravos
produzir um modo de suportar, na colônia, a condição de “coisa que produz”. Era necessário
inventar uma maneira nova para lidar com a opressão do senhor, para comunicar-se com os
outros africanos. Finalmente, para manter a humanidade que teimavam em tirar-lhes. Resistir.
Foi exatamente aí que os africanos recriaram e reinventaram sua identidade.
A situação desumana imposta no cativeiro, nas extensas lavouras e na violência dos
senhores tornaram difícil, porém não impediram que os africanos, dentro das senzalas,
recriassem sua cultura, constituíssem novas famílias, estruturassem redes de parentesco e
conservassem sua ancestralidade.
Fugas, suicídios, assassinatos de senhores e feitores, abortos foram maneiras de
resistência. Coletivamente, a rebelião era a forma mais comum de resistência, eram também
comuns as fugas coletivas, praticadas com maior freqüência que as individuais, na medida
em que se tornava mais fácil confundir os caçadores de escravos com pistas que seguiam
para lugares distintos.
Entretanto, de todas as formas de resistência, a formação de quilombos representava
grande perigo para a política de dominação senhorial.
Os quilombos ou mocambos eram agrupamentos formados inicialmente por escravos
fugidos, que depois agregariam mestiços, índios e brancos pobres, que geralmente eram
fundados em regiões de difícil acesso, no interior das matas.
Os quilombolas plantavam, pescavam, caçavam e praticavam a pecuária. Produzidos
artesanalmente, artigos de madeira e
ferro supriam a comunidade, e o
excedente era negociado nas vilas
próximas.
Possuíam uma estrutura militar
organizada. A sua organização social
era instituída a partir de uma elite de
guerreiros, líderes que promoviam a
defesa da sua comunidade e ataques
às povoações portuguesas.
Nos quilombos eram reproduzidas e recriadas as heranças culturais
africanas.
34
O símbolo de resistência contra a escravidão: Palmares
Entre todos os quilombos fundados na colônia, Palmares se
constituiu no maior e no mais poderoso, não apenas do Brasil, mas
da América. Construído em terras atualmente pertencentes aos
Estados de Alagoas e Pernambuco, esse quilombo chegou a possuir
onze povoados - mocambos - espalhados por uma região de
aproximadamente 350 quilômetros quadrados.
Em nenhum outro lugar a resistência dos escravos fugidos foi
tão longa, bem sucedida e ordenada como nos doze mocambos
construídos no sertão das Alagoas.
Em Palmares, as aldeias eram organizadas conforme a
nacionalidade dos escravos e sua estrutura obedecia ao modelo que possuíam na África. A liderança
era exercida pelo rei do mocambo do Macaco, que era o maior e mais importante centro, tinha cerca
de 1.500 casas e aproximadamente 8 mil moradores.
Ganga-Zumba, foi um dos primeiros líderes de Palmares, que provocou a revolta dos
quilombolas ao fazer, em 1678, um trato com os portugueses para que estes desmantelassem o
quilombo. Após o seu envenenamento, Ganga-Zumba foi substituído por seu sobrinho Zumbi.
Por cerca de quase cem anos, Palmares resistiu aos ataques das autoridades portuguesas,
mas em 1694 foi destruído pela ação conjunta de forças alagoanas, pernambucanas e paulistas, sob
a liderança do bandeirante Domingos Jorge Velho. Zumbi conseguiu escapar do ataque final a
Palmares, contudo foi morto em 20 de novembro de 1695, data em que é comemorado, pelo
movimento negro, o Dia da Consciência Negra.
Quilombos ainda existem no Brasil
No final de 2001, a Fundação Palmares, instituição vinculada ao Ministério da Cultura, havia
reconhecido 743 comunidades remanescentes de quilombos;
A Bahia era o Estado com maior número de comunidades, 245, seguido pelo Maranhão, com
172. Minas Gerais, 66 e Pará, 57, também se destacaram no inventário da Fundação.
Somente no Acre, Roraima e no Distrito Federal não foram identificadas comunidades
remanescentes de quilombos.
Nessas comunidades, o modo de vida que prevalece se fundamenta na posse coletiva da
terra, na agricultura de subsistência e na pecuária. Entretanto, sua sobrevivência tem sido
constantemente ameaçada por disputas pela posse da
terra entre fazendeiros e grileiros.
Em 1988, o direito dos remanescentes de
quilombos foi reconhecido pela Constituição, no seu artigo
68 das Disposições Constitucionais Transitórias. Em
1995, aconteceu a primeira regularização: a comunidade
negra de Boa Vista, no município de Oriximiná, no norte
do Pará, recebeu o documento que lhe concedeu a posse
definitiva de suas terras.
pela posse da terra entre fazendeiros e grileiros.
Em 1988, o direito dos remanescentes de
quilombos foi reconhecido pela Constituição, no seu artigo
68 das Disposições Constitucionais Transitórias. Em
1995, aconteceu a primeira regularização: a comunidade
negra de Boa Vista, no município de Oriximiná, no norte
do Pará, recebeu o documento que lhe concedeu a posse
Fonte: Jornal Folha de São Paulo. Caderno Brasil,
definitiva de suas terras.
12 de março de 2000)
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Ginga, a rainha de Matamba e Angola: uma história de resistência
na África
Onde, atualmente, estão o Congo e Angola é que se localizava o reino do
Antropologia
Dongo; em sua porção oriental estava localizado o reino de Matamba, ocupado
Cultural
pelo povo jaga. Por conta da fertilidade de suas terras e da navegabilidade dos
seus rios, essa era uma área muito cobiçada pelos conquistadores europeus,
Nzinga Mbandi Ngola, conhecida no Brasil como Ginga, foi rainha de
Matamba e Angola entre os séculos XVI e XVII, foi responsável pela resistência de sua nação
contra a tirania dos conquistadores portugueses.
Ela era descendente dos reis que haviam reinado sobre o Estado antes da sua divisão
em dois: Dongo e Matamba. Fundamentada em sua ancestralidade com os jagas, Nzinga
exigiria a soberania de toda região.
Sua resistência ao tráfico de escravos e à ocupação colonial no reino de Matamba e
Angola perdurou por cerca de quarenta anos. Para tal, Nzinga utilizou diversas estratégias e
táticas que foram desde as práticas de guerra jagas até a sua conversão ao cristianismo.
A África antes dos europeus
Você já pensou por que o Estado brasileiro através do seu Ministério da Educação e
Cultura teve que instituir legalmente, através da Lei número 10.639/03, a obrigatoriedade do
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo dos ensinos fundamental e
médio?
Será que para conhecer melhor o nosso país e nos conhecer melhor é necessário
conhecer a “mama África”?
O que nós sabemos realmente sobre o continente africano, sobre sua cultura, sua
história? Apesar de um grande número de trabalhos desenvolvidos sobre a África, a maior
parte das informações, mais acessíveis, que ainda temos nos são dadas através do olhar dos
conquistadores.
A África que imaginamos é uma construção do conquistador europeu que ignorou as
peculiaridades próprias da cultura negra.
Devido a essa visão eurocêntrica, os africanos foram incorporados ao Ocidente como
povos bárbaros, sem cultura, religião e inferiores.
Como os africanos foram trazidos na condição de escravos, nos habituamos ou nos
habituaram? a associar sua figura imediatamente a do cativo, dominado e humilhado, tratado
como mercadoria. Contudo, a história da África é muito anterior à chegada dos colonizadores
europeus. Desde a Antiguidade, existem registros de importantes civilizações nesse continente.
Lembra do Egito?
Anterior à chegada dos colonizadores europeus, os povos africanos estavam divididos
em Estados ou reinos, com diversas formas de organização social e política. Tal qual os povos
americanos havia grandes diferenças entre eles.
Muitos povos e grande diversidade
A África é um continente constituído por povos muito diferentes, reunindo um grande
número de grupos étnicos com diversas histórias. Todavia, por um longo período de tempo, as
sociedades africanas foram vistas pelos europeus como sociedades sem história.
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As reduzidas informações sobre o passado do continente africano eram dadas a partir
dos fatos da história da Europa. Contudo, desde o processo de independência dos países
africanos, iniciados na segunda metade do século XX, historiadores africanos vêm procurando
restaurar o passado da África a partir da perspectiva das sociedades africanas.
Ao sul do deserto do Saara desenvolveram-se grandes impérios, como o de Gana,
entre os séculos VII e XI, o do Máli séculos XIII ao XVI; e o de Songhai, no século XVI, que
conseguiram prosperar. Os líderes desses impérios exploraram as minas de ouro existentes
em seu território, negociando-o com os comerciantes muçulmanos do norte do continente.
O islamismo se difundiu pelo sul do deserto do Saara a partir do século XI e vários
governantes se converteram a essa religião. Nesse contato com os muçulmanos, o corpo
administrativo e comercial assumiu também sua língua e escrita, além de agregar as normas
de seu sistema de créditos.
Na região da atual Nigéria desenvolveu-se uma
das mais complexas sociedades africanas: a Nok. Esse
povo conhecia a agricultura e a metalurgia do ferro e
do estanho. Vários povos que viveram nessa região
foram influenciados pela cultura Nok.
Um dos mais importantes centros de
disseminação da cultura muçulmana no continente
africano, foi o povo Songhai, que sobreviveu até 1591
quando foram derrotados pelos marroquinos.
Outros povos contemporâneos à chegada dos
europeus ao continente africano foram: na região do
atual Zimbábue o reino de Monotapa e os reinos do
Congo, de Angola, de Moçambique, o Fom e o de
Fonte: Jornal Folha de São Paulo. Caderno
Ioruba.
Brasil, 12 de março de 2000)
Formação cultural do Brasil ou brasileiros. Quem somos nós? Em
busca da identidade nacional
A identidade cultural brasileira
Você já parou para pensar o que é que nós temos em comum que nos faz sentir brasileiros?
O que é que causa esse sentimento a despeito de sermos tão diferentes?
Você certamente já comparou um país estrangeiro com o Brasil. O que as outras nações
têm de tão diferente da nossa? Afinal, então o que significa ser brasileiro?
Nós brasileiros possuímos uma maneira muito peculiar de ser e viver.
A partir de que momento a cultura brasileira passou a existir?
O que denominamos cultura brasileira se formou gradualmente a partir do encontro,
desencontro e convivência entre os povos indígenas, os portugueses e os africanos, marcados
pela exploração e subjugação que os portugueses impuseram aos indígenas e africanos.
Por esse motivo, por um longo espaço de tempo, somente as manifestações de origem
portuguesa da nossa cultura eram legitimadas e valorizadas pelas elites. As manifestações de
origem indígena e africana eram menosprezadas e mesmo combatidas pelos grupos dominantes.
Apesar da maior parte da população brasileira no decorrer da nossa história sempre possuir
mais proximidade cultural com as manifestações indígenas e africanas.
37
Texto Complementar
Antropologia
Cultural
Os índios e a civilização
No início dos tempos, muitos anos atrás, já estávamos aqui, éramos
milhares.
Naqueles tempos, nossos antepassados já ensinavam que tudo que existe está ligado
ao grande ciclo da vida. A água dos rios e igarapés, as florestas, os animais pequenos e os
grandes, tudo à nossa volta tem sua magia própria e ali foi colocado para manter o grande
ciclo da vida e ajudar os homens que forem sábios.
[...]
Há quinhentos anos chegaram os invasores vindos de longe; de lá até hoje, tudo mudou
no lugar em que vivemos, muitos dos nossos foram dizimados por doenças ou guerras. Se no
início éramos 6 milhões, hoje somos 300 mil. De nós levaram e levam a madeira, o ouro e a
própria terra. Nossa grande mãe chora de tristeza e choramos juntos com ela. Quando vamos
ao rio e ele está sujo, quando vamos na mata e ela não mais existe, quando queremos falar
com os espíritos e eles não mais respondem porque uma máquina passou na sua morada.
Temos certeza de que a “civilização” que nos foi imposta, foi uma civilização que não
deu certo para nosso povo, e agora temos certeza de que não deu certo para o homem branco.
Nós, índios, ainda resistimos, mantemos nossas tradições, mantemos respeito à grande mãe
natureza, por isso somos chamados de selvagens e preguiçosos.
Não compreendemos a sabedoria de vocês, não entendemos uma sabedoria que destrói
a mata, polui os rios, mata os peixes. Não compreendemos uma sabedoria que abandona
seus velhos, maltrata suas mulheres e crianças. Não compreendemos a ânsia do homem branco
em dominar seu irmão, a natureza e as forças do universo. Todo esse poder, todas as armas,
por outro lado, não têm feito de vocês um povo feliz. Muitas doenças, muitas dores que seus
sábios não podem curar, sabemos o remédio.
(Adaptado de Carta de princípios da sabedoria indígena, aprovada pelo Primeiro Encontro Nacional de Pajés.
Revista Caros Amigos, julho 1998, p.15)
Atividade Complementar
1.
No início do texto da Carta de princípios da sabedoria indígena, os pajés se manifestam
sobre uma cosmologia. Transcreva o parágrafo em que essa idéia aparece de forma mais
explícita e estabeleça relações entre o seu significado e as diferenças em relação às
concepções do homem branco.
38
2.
Retome a leitura do poema de Fernando Pessoa e identifique nele os diferentes
significados do domínio dos mares para os portugueses.
3.
Os africanos trazidos como escravos para a colônia eram “coisificados”, transformados
em mercadorias. Como os traficantes e os senhores de escravos conseguiam isso? Por que
agiam dessa maneira?
O BRASIL IMAGINADO: UMA DEMOCRACIA RACIAL
Construindo Mitos
O que são mitos e como surgem
Em sua etimologia, mito é uma palavra de origem
grega, mýthos, que significa fábula e provém de dois verbos:
mytheyo que significa narrar, contar e mytheo que significa
anunciar, nomear, conversar.
Em todas as culturas, independente do tempo e
do espaço em que vivam, busca-se compreender
a origem e a existência dos seres e das coisas.
Por isso, é muito comum a alusão a um ato de
criação, em narrativas que descrevem o começo do
universo e da sua história. As narrativas míticas
explicam tanto fenômenos quanto fatos.
Fazem parte da tradição oral de um povo, são
histórias que usam a palavra falada para propagar e
comunicar a maneira de pensar desse povo,
resguardando a sua memória e perpetuando sua cultura.
Posto assim, os mitos traduzem uma maneira de
ver e explicar o mundo própria de cada cultura.
O mito apresenta também algumas
características peculiares:
Dragão Chines
39
• É narrativo uma vez que detalha a relação entre símbolos, pessoas e
fatos com forças
desconhecidas;
• É pedagógico, pois busca ensinar uma verdade;
Antropologia
• Procura conhecer e explicar o objetivo da existência humana.
Cultural
É difícil saber ao certo como se originou um mito. Na medida em que são
elaborados pelas narrativas transmitidas através do tempo pelos membros das
sociedades, não podem ser criteriosamente datados, calculados.
A cultura grega produziu um grande número de mitos para explicar o surgimento da
Terra, dos céus, dos mares, dos deuses e dos homens. Enfim, para auxiliar na sua compreensão
do Universo e da condição humana. A mitologia grega entende o universo como constituído
por uma sucessão de diversas gerações divinas, que resumem uma evolução anterior e
quebram com as ordens que cada geração representa e institui.
Entretanto, apesar de sempre relacionarmos mitologia à cultura grega, atitude
compreensível já que ela fundamenta o pensamento ocidental, em todas as culturas existem
mitos, principalmente o mito relacionado à criação, ao surgimento dessa cultura.
Um outro exemplo é o mito do Dilúvio Universal existente na cultura de diversos povos.
Contudo, as variações desse mito nos comunicam sobre o modo de ser de cada cultura em
particular. Vamos vê-lo na nação indígena dos Guayaki Aché.
“Quando a água vermelha, a água vermelha e grossa, se pôs a subir, então, ela levou
inumeráveis Aché. A água vermelha, a grande água vermelha, levava muitos Aché. Um homem
e sua mulher treparam numa palmeira até o topo, até o topo de uma palmeira eles treparam.
Vendo, de lá do alto, que a água não desaparecia, puseram-se a chorar. E a água continuava
a subir. Tanto se elevou a onda que abateu a árvore e os dois Aché tiveram que subir no alto de
outra, velha e sólida. Essa palmeira não foi abatida. Pegando seus frutos, eles os jogaram
embaixo: pluf! A água estava lá ainda. Mais tarde, recomeçaram a lançar os frutos: pum! Haviam
batido na pedra. Então, eles puderam descer. A água tinha levado todos os Aché e estes
haviam se transformados em capivaras. É na água que moram, transformados em capivaras,
as lamas desses Aché”.
A função social do mito
Além de revelar a cosmologia de um povo, os mitos também são registros da sua memória.
Eles recordam as conquistas culturais desse povo, expressam as noções que esse povo possui
sobre a transição da animalidade para a vida social, a superação da passagem do estado
natural para o de cultura.
O mito só é compreensível a partir da história de um povo, por que estabelece uma ética,
uma cooperação, um ritual que auxilia na consolidação dos elos existentes entre os membros de
um mesmo grupo.
Os mitos ainda são dinâmicos, uma vez que as novas experiências exigem que sejam
todo o tempo recriados. Assim, o mito estabelece uma relação do tempo presente com o tempo
primordial, das origens, dando sentido há esse tempo presente e proporcionando uma explicação.
Por outro lado, o mito pode traduzir uma representação deturpada de fatos ou personagens
reais que, repetida persistentemente, pode levar à produção de uma interpretação equivocada
de um momento histórico ou de um grupo. Neste sentido, um mito pode sugerir a crença em uma
realidade que não é verdadeira.
Vamos ver como...
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Fonte: www.xaxado.com.br
Na tirinha acima a personagem Xaxado questiona a identidade etnica do Saci, uma vez
que nunca tinha visto um Saci branco, já que no folclore brasileiro os Sacis são representados
por negros.
O que você pensa sobre o mito, da superioridade dos brancos, sobre os não brancos,
presente na maioria dos livros didáticos ? E na nossa sociedade será que esse mito existe?
Uma democracia racial: o mito brasileiro
No final do século XIX surgiram, principalmente na Europa, as primeiras teorias
relacionadas à ligação entre as características raciais e o desenvolvimento das sociedades. A
explicação desses teóricos era a de que o desenvolvimento de determinada sociedade estava
relacionado aos caracteres raciais transmitidos geneticamente em sua população.
Essa teoria e sua explicação partiam da premissa que as sociedades brancas européias
encontravam-se no grau mais elevado de civilização, sendo, por conseguinte, superiores às
demais sociedades humanas e, por conseqüência, a raça branca era superior às demais.
No Brasil, essas teorias vão tomar corpo a partir de 1870, dentro do processo de
constituição da nação brasileira. Contemplando a determinados interesses, essas teorias se
propagaram e conquistaram espaço nos meios intelectuais brasileiros, ocorrendo adequações
e mudanças conforme o tempo e as novas leituras sobre a realidade brasileira.
Através das suas instituições acadêmicas, como as Faculdades de Medicina, de Direito,
e Institutos Históricos das várias regiões do país é que essas idéias entraram no Brasil. Havia
uma enorme inquietação da elite intelectual brasileira em compreender o país.
Neste sentido, esforçaram-se no estudo das mais modernas idéias sócio-políticas para,
através, delas entender e abranger as diferenças e dimensões do Brasil em um mesmo plano
de nacionalidade.
Os primeiros estudos surgiram das preocupações de letrados, como Sílvio Romero e
Nina Rodrigues, com a questão racial. Nos trabalhos desenvolvidos por eles, atrai a atenção a
valorização dos brancos, considerados superiores a todos os povos, em sintonia com as teorias
raciais européias do período.
Veja, no quadro abaixo, elaborado pela historiadora Maria Luiza Ribeiro, as principais
idéias preconceituosas dos intelectuais brasileiros em suas explicações sobre a nossa
sociedade:
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Antropologia
Cultural
As principais idéias preconceituosas dos intelectuais brasileiros
em suas explicações sobre a nossa sociedade
Intelectuais brasileiros
Sílvio Romero
Nina Rodrigues
Francisco Adolfo Varnhagen
Euclides da Cunha
Francisco de Oliveira Vianna
Idéias racistas
Aponta como mestres Spencer, Darwin e
Gobineau. Analisa a formação de uma sub-raça no
Brasil, resultante da união da raça branca com as
demais, que acabaria por desaparecer por um
processo de seleção natural. Prevaleceria a raça pura,
fortalecida pela imigração européia, compensando a
degeneração provocada pelo clima e pelos negros.
Professor de Medicina Legal na Bahia,
considera os negros e os índios como raças
inferiores. Diz que os mestiços, por terem
mentalidade infantil, não poderiam receber no código
penal o mesmo tratamento que os brancos.
Afirma que os índios, em função de sua organização,
não poderiam progredir no meio da civilização, estando
condenados a viver nas trevas. Se fossem colocadas na luz
(símbolo da civilização) morreriam ou desapareceriam.
Autor de Os Sertões (1902), interpreta a
história a partir do determinismo do meio da raça.
Subordina a evolução cultural de um povo à evolução
étnica, considerando a mestiçagem prejudicial. Os
mestiços são vistos como retrógrados, raquíticos e
neurastênicos, incapazes de concorrer para o
progresso brasileiro. Só poderiam superar seus
“defeitos” se fossem segregados, evitando-se novas
fusões com o sangue negro. Euclides os diferencia
dos sertanejos, homens da caatinga, de raça forte.
Adepto do arianismo, dividia a sociedade em
raças superiores e inferiores. Considerava o sangue
branco mais puro e dizia que o destino dos arianos
seria sempre dominar as outras raças. Entendia por
isso que a aristocracia era a melhor expressão da
superioridade ariana. Para ele, a mestiçagem era causa
da decadência da raça pura. Via os mulatos,
mamelucos e cafuzos como ralé.
(CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O racismo na história do Brasil: mito e realidade. São Paulo: Ática, 2000.)
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No entanto, essa valorização não impedia a identificação do mestiço como o principal
representante da população brasileira.E a partir da década de 1930, essas interpretações
receberam novas elaborações, evoluindo do darwinismo social à apologia da democracia
racial, com o objetivo de desprezar o caráter claramente racista.
Nesse momento, a partir de uma transformação na direção da análise sociológica através
da obra de Gilberto Freyre, disseminou-se a noção de que o Brasil era uma democracia racial.
A idéia de democracia racial, ao mesmo tempo em que realizou o papel de introduzir o
negro e o mestiço na sociedade brasileira, produziu a noção de um país onde não existiam
preconceitos raciais, e onde o negro ou o mulato, dependendo de sua força de vontade,
alcançaria o mais alto degrau social. Deve-se ao sociólogo pernambucano Gilberto Freyre a
mitificação criada sobre o poder democratizador da miscigenação racial no Brasil.
No capítulo IV de Casa grande e senzala, intitulado “o escravo negro na vida sexual e de
família do brasileiro”, Freyre debruça-se sobre a contribuição do escravo africano na formação
da sociedade brasileira. Toda sua análise é feita a partir do pressuposto da docilidade e da
passividade do escravo na relação com o senhor da casa grande. Ele teima em deixar de lado
toda a resistência criada pelo negro africano nas suas diversas nuances: suicídios, assassinatos,
fugas, rebeliões, para nortear seu estudo pelo viés da aceitação e da acomodação, enfatizando
uma estagnação que verdadeiramente não existiu.
O autor descreve a contribuição do escravo africano de forma subjetiva e romantizada,
onde até os mais cruéis castigos sofridos pelas negras por conta dos ciúmes da Senhora são
narrados de forma a levar os leitores mais incautos a concluir que o tipo de empresa colonial
empreendida pelo português no Brasil foi o que de melhor poderia acontecer para a formação
de um povo e uma cultura peculiar como a brasileira – uma democracia racial.
Ele prefere não aprofundar questões relacionadas aos papéis sócio-econômico
existentes, embutidos na relação senhor/escravo, dominador/dominado, deixando pairar
sempre indagações do tipo: se tudo aconteceu de forma pacífica, então por que houve afinal a
necessidade da escravidão? É certo que Freyre não pretendeu responder a todas as questões
geradas pelo tipo de colonização implementada pelo português, entretanto todo o seu discurso
é uma exaltação à exploração do índio e, principalmente, do negro como uma natural
necessidade do colonizador. O Sr. Freyre enaltece a contribuição das culturas do escravo
africano e do índio em um encontro democrático, ausente de conflitos, ocultando o conflito
interétnico, formando uma visão acrítica da realidade brasileira.
Para Freyre, o binômio senhor/escravo teria sido amenizado pelas relações domésticas
existentes na casa grande, através das quais os senhores mantinham contato desde a infância
com a cultura africana. A partir dessa teoria, ele põe abaixo a possibilidade de se entrever um
efetivo confronto entre os grupos sociais formadores da sociedade brasileira, fomentando
assim o chamado “mito das três raças”.
Quem foi Gilberto Freyre
Sociólogo e escritor nasceu e morreu no Recife. Tornou-se
bacharel em ciências sociais nos Estados Unidos, obtendo em seguida
o título de mestre em ciências políticas e sociais. Foi professor de
sociologia em universidades brasileiras e americanas. Em 1933,
conclui a sua mais importante e polêmica obra Casa-grande & senzala.
Para a época, essa obra foi bastante inovadora, pois separou os
conceitos de cultura e raça. Para Freyre, não seria possível entender
a cultura brasileira apenas pela caracterização biológica das raças.
43
Talvez uma das contribuições mais interessantes de Freyre, em relação à
experiência dos escravos africanos no Brasil é a respeito da ação do meio sobre
estes. Ele afirma que é impossível isolar a condição do africano de sua condição
de cativo no Brasil. Neste sentido, deve-se ter em mente que o africano no Brasil
Antropologia
deve ser estudado tendo-se em vista o aviltamento de sua cultura sob a sua de
Cultural
escravo.
Sintetizando...
O principal intuito do mito da democracia racial é encobrir os conflitos raciais presentes
em nossa sociedade e atenuar sua importância. A questão da democracia racial no Brasil,
apesar de sua legalidade constitucional, não passa de uma falácia, tendo em vista que os
interesses de classe e de grupos de pessoas preservam a desigualdade histórica do negro,
contribuindo visivelmente para a manutenção das diferenciações raciais em nosso país.
O mito da democracia racial é tão eficaz que muitos negros acabaram por incorporar
a noção que não existe problema de raça no Brasil, e sim socioeconômico.
O texto abaixo é do professor Florestan Fernandes sobre o mito da democracia racial.
Um mito revelador
Os mitos existem para esconder a realidade. Por isso mesmo, eles revelam a realidade
íntima de uma sociedade ou de uma civilização. Como se poderia, no Brasil colonial ou
imperial, acreditar que a escravidão seria, aqui, por causa de nossa “índole cristã”, mais
humana, suave e doce que em outros lugares? Ou, então, propagar-se, no ocaso do século
XIX, no próprio país no qual o partido republicano preparava-se para trair, simultaneamente,
a ideologia e a utopia republicana, optando pelos interesses dos fazendeiros contra os
escravos, que a ordem nascente seria democrática? Por fim, como ficar indiferente ao drama
humano intrínseco, à Abolição, que largou a massa de dos ex-escravos, dos libertos e dos
ingênuos à própria sorte, como se eles fossem um simples bagaço do antigo sistema de
produção? Entretanto, a idéia de democracia racial não só se arraigou. Ela se tornou um
mores, como dizem alguns sociólogos, algo intocável, a pedra de toque da “contribuição
brasileira” ao processo civilizatório da Humanidade.”
(FERNANDES, Florestan. Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo. São Paulo: Nacional,
1959.)
Racismo e relação étnicos-raciais no Brasil
Racismo
O racismo é uma teoria que afirma existir relação entre características raciais e culturais
e que algumas raças são, naturalmente, superiores a outras. Os principais fundamentos teóricos
do racismo moderno têm origem nas noções desenvolvidas por Gobineau.
É a crença na existência de raças hierarquizadas pela relação essencial entre os caracteres
físico com o moral, o intelectual e o cultural. O racista cria a raça no sentido sociológico, neste
sentido, raça no seu imaginário não é somente um grupo determinado pelos aspectos físicos.
44
Para ele, raça é um grupo social com traços culturais, lingüísticos, religiosos, que ele
considera naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence.
De outra forma, o racismo é essa propensão que se resume em considerar que as
características intelectuais e morais de determinado grupo são conseqüências diretas de suas
características físicas ou biológicas.
O racismo pode tomar diversas formas, sendo a segregação a mais ostensiva delas.
O antropólogo e professor Kabengele Munanga durante Seminário Nacional de Relações
Raciais e Educação, em 2003, esclarece sobre as origens do racismo, vejamos:
“Mas o racismo e as teorias que o justificam não caíram do céu, eles têm origens mítica
e histórica conhecidas.
A primeira origem do racismo deriva do mito bíblico de Noé do qual resulta a primeira
classificação, religiosa, da diversidade humana entre os três filhos de Noé, ancestrais das três
raças: Jafé (ancestral da raça branca), Sem (ancestral da raça amarela) e Cam (ancestral da
raça negra).
Segundo o nono capitulo da Gênese, o patriarca Noé, depois de conduzir por muito
tempo sua arca nas águas do dilúvio, encontrou finalmente um oásis. Estendeu sua tenda para
descansar, com seus três filhos.
Depois de tomar algumas taças de vinho, ele se deitara numa posição indecente. Cam,
ao encontrar seu pai naquela postura fez, junto aos seus irmãos Jafé e Sem, comentários
desrespeitosos sobre o pai.
Foi assim que Noé, ao ser informado pelos dois filhos descontentes da risada não
lisonjeira de Cam, amaldiçoou este último, dizendo: seus filhos serão os últimos a ser
escravizados pelos filhos de seus irmãos. Os calvinistas se baseiam sobre esse mito para
justificar e legitimar o racismo anti-negro.
A segunda origem do racismo tem uma história conhecida e inventariada, ligada ao
modernismo ocidental. Ela se origina na classificação dita científica derivada da observação
dos caracteres físicos (cor da pele, traços morfológicos). Os caracteres físicos foram
considerados irreversíveis na sua influência sobre os comportamentos dos povos. Essa
mudança de perspectiva foi considerada como um salto ideológico importante na construção
da ideologia racista, pois passou-se de um tipo de explicação na qual Deus e o livre arbítrio
constitui o eixo central da divisão da história humana, para um novo tipo, no qual a Biologia
(sob sua forma simbólica) se erige em determinismo racial e se torna a chave da história
humana.”
(MUNANGA, Kabengele.Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo,
identidade e etnia. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO, 3,
2003, Rio de Janeiro. )
Na modernidade, a ideologia racial se expande exatamente no momento em que os
europeus precisavam de justificativas para explorar culturas diversas. Inclusive partilhar, dividir
entre eles todo um continente: o africano.
Contudo, a ideologia racista disseminada pela Europa também vai fazer grandes
estragos entre os próprios europeus. Entre as conseqüências práticas dessa ideologia está o
extermínio de seis milhões de judeus pelos alemães nazistas, que se consideravam arianos
puros.
E assim junto com o processo de globalização, o fim das fronteiras, o mundo se
unificando, tem crescido movimentos nacionalistas, racistas, discriminatórios e xenófobos.
Considerados de politicamente de direita por pregarem a intolerância racial, nacional ou
religiosa: os outros devem ser eliminados.
45
O Brasil racista
No Brasil, apesar de vivermos sob a ilusão de uma democracia
Antropologia racial, basta ter um pouco mais de atenção para observar que em todo
lugar e a todo o momento as posturas preconceituosas e discriminatórias
Cultural
se sucedem.
É óbvio que esta situação atual relaciona-se com o nosso passado
escravocrata, uma vez que o aparelho ideológico de dominação dessa
sociedade gerou uma mentalidade racista que perdura até hoje, entretanto não mais
serve como justificativa para simplificar a questão e nem como isenção de
responsabilidades.
As relações de desigualdades presentes na sociedade brasileira ocupam todos
os espaços. A discriminação racial e o preconceito podem ser percebidos das relações
pessoais até os livros didáticos, passando por todos os setores e segmentos sociais.
Uma questão que tem dificultado a compreensão do racismo, especialmente no
Brasil, tem sido a relação entre racismo e pobreza. Freqüentemente, a sociedade
brasileira tende a subestimar a importância do racismo, considerando que no Brasil o
que temos é um problema de pobreza.
Sendo as desigualdades entre negros e brancos tão explicitas, por que a força
explicativa da variável raça tem sido sistematicamente negada no Brasil?
A desqualificação da variável "raça" é feita atribuindo-se todo o poder explicativo
à variável classe, que é apresentada como um fato social simples, natural e evidente.
Vamos para os dados? Que tal tirarmos as nossas próprias conclusões sobre a
nossa sociedade e o tratamento as questões raciais?
A aprovação do Índice de Desenvolvimento Humano como parâmetro de
avaliação das condições de vida da população de um expressivo número de países e
a credibilidade adquirida pela formulação do IDH ajustado à realidade étnico/racial na
população brasileira, nos leva a acreditar que este seja um instrumento apropriado
para avaliar o quanto a população afro-descendente tem, ou não tem, se apropriado
de políticas essenciais ao seu desenvolvimento.
Esperança de Vida e Indicador Longevidade no Brasil Desagregada por Sexo e Grupo Étnico (Afrodescendentes e Brancos) – 1997
Sexo/Grupo Étnico
Homens Brancos
Esperança de Vida (Anos)
69
Indicador de Longevidade (*)
0,775
Mulheres Brancas
71
0,725
Total Brancos
70
0,750
Homens Afro-descendentes
62
0,658
Mulheres Afro-descendentes
66
0,642
Total Afro-descendente
64
0,650
Total da População
66,8
0,700
Fonte: Base de Dados da PNAD 1997.
Dados elaborados por Juarez Oliveira (DEISO/IBGE)
(*) Para o cálculo do Indicador de Longevidade o PNUD considera parâmetros diferenciados para
homens e mulheres, respectivamente, 22,5 e 27,5 anos. Essas diferenças são assumidas pelo fato
de as mulheres possuírem uma expectativa de vida superior aos homens.
46
Que informações nos traz essa tabela?
• Os afro-descendentes possuem uma expectativa de vida 6 anos inferior à expectativa
de vida da população branca;
• Os homens afro-descendentes têm a mais baixa expectativa de vida entre os
brasileiros, 62 anos;
• As mulheres afro-descendentes têm expectativa de vida 8 meses abaixo da média
nacional que é de 66,8 anos;
• Os homens brancos têm expectativa de vida de 69 anos, 1 ano a mais sobre a
expectativa de vida da população afro-descendente no seu conjunto;
• As mulheres brancas com expectativa de vida de 71 anos, estão acima de todos os
grupos e média nacional de 70 anos.
Taxa de Alfabetização, Escolaridade e Indicador Educacional no Brasil Desagregados por
Sexo e Grupo Étnico (Afro-descendentes e Brancos) – 1997
Índice
Taxa de
Índice
Escolaridade Escolaridade Educacional
Índice de
Alfabetização
Taxa de
Alfabetização
Homens Brancos
92%
0,92
82%
0,82
0,887
Mulheres Brancas
90%
0,90
83%
0,83
0,887
Total Brancos
91%
0,91
82%
0,82
0,880
Homens Afro-descendentes
78%
0,78
70%
0,70
0,753
Mulheres Afro-descendentes
78%
0,78
76%
0,76
0,773
Total Afro-descendentes
Total da População
78%
0,78
73%
0,73
0,760
85%
0,85
78%
0,78
0,830
Sexo/Grupo Étnico
Fonte: Base de Dados da PNAD 97.
Os dados relacionados à alfabetização e escolaridade também são expressivos quanto
às diferenças reinantes entre afro-descendentes e brancos no Brasil. De fato, deveríamos
considerá-los como igualmente alarmantes dado o reconhecimento do peso decisivo que a
educação desempenha no futuro das novas gerações, perfil de empregabilidade e exercício
da cidadania. No ano de 1997, a taxa de analfabetismo entre a população branca foi de 9%,
contra 22% para os afro-descendentes! No que diz respeito às taxas de escolarização, essas
são ainda mais expressivas quanto a sua precariedade: 6,2 anos de estudo para a população
branca e 4,2 anos de estudo para a população afro-descendente.
Você ainda acredita que vivemos em uma democracia racial?
As relações étnicos-raciais no Brasil
“O negro construiu um país para outros;
o negro construiu um país para os brancos”.
Joaquim Nambuco
Em frente a sociedades que desconheciam e que não se ajustavam em seu conjunto de
valores, os europeus decidiram pela subjugação, facilmente legitimadas pelas teorias que
afirmavam que os índios e os africanos eram inferiores. Imersos nesse universo de crenças, os
portugueses fundamentavam suas atitudes violentas e criavam os fundamentos ideológicos que
sustentariam suas relações com negros e índios durante todo o período colonial e que, em grande
parte, a sociedade brasileira recebeu como herança cultural após a independência e a abolição.
47
A inquietação em delimitar linhagem de origem racial e ou étnica no Brasil
tem mudado de acordo com as demandas sociais, econômicas e políticas dos
grupos que disputam a hegemonia na sociedade brasileira. Resultando disso
que o reconhecimento da origem e da cor da população não é apresentado em
Antropologia
diversos recenseamentos realizados no decorrer da nossa História.
Cultural
Por conta dos processos abolicionistas e de proclamação da República,
a partir do final do Século XIX, passa a acontecer entre as elites dominantes da
nossa sociedade a necessidade da articulação de uma identidade nacional. O
plano de construção de uma nação, por conseguinte, torna necessária a discussão das questões
relativas à cor e à raça dos brasileiros, como já aparecem nos censos de 1872 e de 1890, por
exemplo.
Diversidade no Brasil contemporâneo: desconstruindo mitos
Contrariando o senso comum que nos ensinou ao longo dos anos que a sociedade
brasileira é o resultado da mistura das raças, nos últimos trinta anos organizações do movimento
negro têm sido incansáveis na demonstração de fatos que comprovam o tratamento
diferenciado e negativo dispensado à população afro-descendente. Neste sentido, essas
organizações contribuíram decisivamente para a destituição da idéia generalizada de que o
Brasil constituía uma democracia racial.
A transformação da democracia racial de ideário político em mito e em ideologia e,
portanto, em expediente de ilusionismo social vai se dar, de maneira consistente, a partir dos
anos 1970 e, talvez, um dos fatos mais importantes dessa nova tendência e postura seja a
fundação em 1978, em São Paulo, do Movimento Negro Unificado.
Em 1988, no ano do centenário da Abolição da Escravidão, foi promulgada a nova
Constituição da República Federativa do Brasil. Nela, em decorrência da lutas pelos direitos
civis dos negros, ficou consagrado, no Título II - Dos direitos e garantias fundamentais -, Capítulo
I - Dos direitos e deveres individuais e coletivos -, Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
Artigo XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à
pena de reclusão, nos termos da lei.
A regulamentação desse parágrafo veio em seguida pela Lei nº 7716, de 5 de janeiro
de 1989, modificada pela Lei 008882 de 3 de junho de 1994 e novamente modificada em 13
de maio de 1997, pela Lei nº 9459, que acrescentou também ao Artigo 140 do Código Penal
relativo ao crime de injúria por utilização de "elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou
origem", estabelecendo pena de "reclusão de um a três anos e multa".
A necessidade de garantias constitucionais, conseqüentemente derruba por terra a noção
tão arraigada em nossa sociedade de igualdade.
Seguramente, o evento que tornou visível a discriminação racial no Brasil, nos anos
recentes, foi a Conferência Internacional de Durban (África do Sul) contra a discriminação
racial, patrocinada pela ONU em 2001.
Por parte do Estado, a adoção de ações afirmativas relativas à população negra do
país, entre elas o abandono oficial da doutrina da "democracia racial", acompanhada de
instituição de cotas de emprego em vários ministérios e serviços, além da criação de programas
voltados para os direitos humanos, para a formação profissional e para o reconhecimento do
direito à titulação de propriedade de terras remanescentes de quilombos, entre outros.
48
Políticas de ação afirmativa: em busca de alternativas
Histórico
Na história da ideologia anti-racista, as políticas de ação afirmativa são iniciativas muito
recentes. Nos países onde já foram implantadas, Estados Unidos, Inglaterra, Malásia, Índia, entre
outros, elas têm como objetivo oferecer aos grupos discriminados e excluídos um tratamento
diferenciado para compensar as desvantagens devido à sua condição de vítimas do racismo e de
outras formas de discriminação. Por isso, as nomenclaturas de “equal oportunity policies”, ação
afirmativa, ação positiva, discriminação positiva ou políticas compensatórias.
Outro objetivo importante das políticas de ação afirmativa é introduzir transformações de
ordem cultural e de convivência entre os denominados “diferentes”.
Nos Estados Unidos, onde são empregadas desde a década de sessenta, elas intentam
proporcionar aos afro-americanos as oportunidades de participar da dinâmica da crescente
mobilidade social. Para exemplificar, os empregadores foram obrigados a mudar suas práticas,
planificando medidas de contratação, formação e promoção nas empresas visando a inclusão
dos afro-americanos; as universidades foram obrigadas a implantar políticas de cotas e outras
medidas favoráveis à população negra; as mídias e órgãos publicitários foram obrigados a reservar
em seus programas uma certa percentagem para a participação dos negros.
Ao mesmo tempo, projetos de aprendizado para tomada de consciência racial foram
desenvolvidos com o intuito de levar a reflexão aos americanos brancos na questão do combate
ao racismo.
Na Índia, desde a sua primeira Constituição, em 1948, previam-se medidas especiais de
promoção a casta dos intocáveis, reserva de assentos no Parlamento, no ensino superior e no
funcionalismo público.
Na Malásia, adotaram medidas de promoção da etnia majoritária, os buniputra, sufocados
pelo poder econômico de indianos e chineses e indianos.
No Brasil, as ações afirmativas têm contemplado diversos setores sociais, principalmente
mulheres e portadores de deficiência física. Para pessoas portadoras de deficiência física, a Lei nº
8.112/90 define a reserva de 20% das vagas nos concursos públicos e a Lei nº 8.666/93 permite a
contratação, sem licitação, porém pelo preço de mercado, de associações sem fins lucrativos,
compostas por membros deste grupo, e desde 1991 empresas com mais de cem funcionários
devem preencher de 2% a 5% dos cargos com esses profissionais.
Quanto às mulheres, a Lei Eleitoral nº 9.504/97 dispõe sobre a participação delas como
candidatas, estabelecendo o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de cada sexo.
Políticas de Ação Afirmativa no Brasil: as cotas numéricas
No Brasil, a discussão sobre as ações afirmativas raciais tomou maiores proporções a
partir das propostas apresentadas pelo Estado brasileiro na III Conferência Mundial contra o Racismo,
ocorrida em Durban, África do Sul, em 2001.
Os debates sobre a precisão e validade ou não da aplicação das políticas de ação afirmativa
no Brasil vêm ocorrendo, quase sempre, no âmbito das organizações do Movimento Social Negro
nacional, bem como em alguns restritos espaços acadêmicos.
Esse debate começou pelas cotas numéricas.
As cotas integram um aspecto da ação afirmativa, adotado principalmente nos casos em
que não há a oferta por parte de instituições governamentais e empresas de políticas e ações
direcionadas a favorecer a igualdade para grupos sociais e raciais que se encontram em condição
de desvantagem.
49
As cotas numéricas são um aspecto ou possibilidade da ação afirmativa
que, em muitos momentos, tem conseqüências pedagógicas importantes, uma
vez que obrigam o reconhecimento do problema da desigualdade e a execução
de ações concretas que garanta direitos ao trabalho, à educação, à promoção
Antropologia
profissional às pessoas em condição social inferior.
Cultural
Essas discussões sobre a implementação de ações afirmativas
reavivaram a polêmica sobre cor e classificação racial dos brasileiros. A proposta
de cotas para estudantes negros em universidades públicas trouxe de volta a
discussão sobre a delimitação de raça, origem e identificação étnica, colocando em pauta as
seguintes questões: Como definir quem são os herdeiros da segregação racial conseqüente
da escravidão e do racismo contra negros em nosso país? Como determinar quem é negro ou
quem é afro-descendente em um país miscigenado e em que a própria população se
autodetermina através de quase duzentas cores, como demonstra o resultado de uma pesquisa
realizada pelo IBGE e divulgada em 2000?
De algum modo, as cotas nas universidades tem um papel estratégico nessa luta por
igualdade de oportunidades e são parte de um conjunto maior de ações afirmativas que tendem,
oxalá, a crescer cada vez mais em nossa sociedade.
Vamos analisar os dados de 2001 da pesquisa direta do programa “A cor da Bahia/
UFBA” e do I Censo Étnico Racial da USP e IBGE, para termos idéia desse abismo
segregacional na educação superior.
Segundo esses dados, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o número
de alunos brancos é de 76,8%, o de negros 20,3% para uma população negra no estado de
44, 63%; na Universidade Federal do Paraná (UFPR) os brancos são 86,6%, os negros, 8,6%,
para uma população negra no estado de 20,27%; na Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), brancos são 47%, negros 42,8% e a população negra no estado, 73,36%; na
Universidade Federal da Bahia (UFBA), 50,8% são brancos, 42,6% negros e 74,95% a
população negra do estado; na Universidade de Brasília (UnB), são brancos 63,74%, são
negros 32,3%, tendo o Distrito Federal uma população negra de 47,98%; na Universidade de
São Paulo (USP), os alunos brancos somam 78,2%, os negros, 8,3% e o percentual da
população negra no estado é de 27,4%.
Percebe-se, assim, que o déficit produzido por essas diferenças é bastante desfavorável
ao negro nos estados onde se encontram essas universidades: 24,33% na UFRJ, 11,67% na
UFPR, 30,56% na UFMA, 32,35% na UFBA, 15,68% na UnB e 19,1% na USP.
As políticas de ação afirmativa promovem grandes controvérsias em todas as
sociedades em que se propõem medidas concretas para sua implementação. Entre nós
também estão provocando intensos debates.
Estes desvelam incontáveis aspectos relacionados à própria construção histórica da
nossa sociedade e sua forte hierarquização, lógica de privilégios, autoritarismo, apadrinhamento
e favor. São discussões marcadas pela emoção e a paixão, onde a indignação, a militância e
o conservadorismo se fazem fundamentalmente presentes.
Todavia, uma frase do sociólogo português Boaventura Souza Santos, sintetiza de
maneira especialmente oportuna esta tensão: “temos direito a reivindicar a igualdade sempre
que a diferença nos inferioriza e temos direito de reivindicar a diferença sempre que a igualdade
nos descaracteriza.”.
50
Texto Complementar
Uma genealogia das imagens do racismo
Muniz Sodré
Drácula, bem o sabem os aficionados, não se reflete no espelho — logo, é sem imagem.
O mito do vampiro tem sido persistente no imaginário contemporâneo, talvez porque indique,
com alguma magia, a armação da cultura em construção de uma identidade. O Conde Drácula
é o inverso da identidade normalizada pela cultura pequeno-burguesa. E, para coroar todas as
suas inversões antropológicas, não aparece no espelho.
Mais uma razão, assim, para a atualidade desse mito. Na sociedade da imagem
(anagrama de magia) ou dos dispositivos de visão, o sujeito só existe se aparece no "espelho",
isto é, se tem condições socioculturais de ter imagem publicamente reconhecível.
Passados 300 anos de Zumbi dos Palmares, os ecos brasileiros dessas discussões
primeiro-mundistas em torno de quociente de inteligência, superioridade ou inferioridade de
raças parecem-me abrigar, na verdade, uma outra questão, que pode ser anunciada da seguinte
maneira: Qual o quociente de "aceitabilidade" da imagem do homem de pele escura numa
ordem social que ilumina suas pretensões planetaristas e hiper-racionalistas com tonalidades
branco-européias?
Para responder a essa questão, é preciso remontar historicamente a "fontes" de imagens
coletivas do homem negro no Brasil. Não qualquer fonte, certamente, mas aquelas bem
acolhidas pelas elites e pelos aparatos de reprodução das idéias (escolas, manuais escolares,
academias, obras literárias, etc) postos sob a égide do Estado nacional.
Sabe-se que todo Estado nacional procura instituir uma "comunidade nacional" na base
de uma etnicidade fictícia — e se entende o "fictício" não como mera ilusão, mas como a
montagem de um efeito institucional com sentido histórico preciso. A partir de critérios linguísticos
e biológicos, o Estado "etniciza" a população, essencializando as suas representações por
meio de ideologias nacionalistas ou mitos de identidade baseados em cultura, origem e projeto
coletivo presumidamente comuns.
A identidade assim obtida permite a idealização das relações políticas que instituem a
cidadania. É o Estado que a garante como ficção étnica, certo, mas como ficção única,
desenhada contra o pano de fundo da cultura universalista européia, que classifica a diversidade
humana por categorias étnicas ("etnicidades") unas, únicas e diferentes. Características
linguísticas, mas também somáticas e psicológicas funcionam como operadores públicos dessa
ficção.
Pouco importa que já desde o século passado um pensador do porte de Max Weber
tenha proposto em Economia e Sociedade o abandono da etnia como conceito sociológico,
por considerá-lo cheio de ambiguidades e contradições. Na prática, a etnicidade tem livre
curso como dialética de uma comunidade e uma história, desenhando as linhas de uma
identidade e uma diferença coletivas.
A nação resulta de jogo dialético entre uma herança comunitária e uma história onde se
constrói uma entidade política. O imaginário, o fictício entram no jogo quando se trata de forjar
uma identidade coletiva. Tomar essa identidade como "natural" é esquecer ou recalcar a trama
histórica de sua montagem, abrindo caminho para estigmatizações e racismos.
51
As teorias etnicistas alemãs, desde Fichte, incorporavam a crença na
naturalidade étnica. Talvez também por isso os pensadores brasileiros que, a
partir do declínio do Império, se indagaram sobre a identidade nacional, fossem
bastante sensíveis à questão da etnia. Sílvio Romero, autor de uma famosa História
Antropologia
da Literatura Brasileira (1888), localizava a identidade étnica do brasileiro na
Cultural
mestiçagem, física ou psicológica. Para ele, a influência africana era maior que a
européia ou a indígena, o que faria a distinção entre o elemento nacional brasileiro
e o das outras nações hispano-americanas.
Enquanto Romero encarava a ascendência africana — mesmo às vezes ambiguamente
— como um traço positivo, escritores como Euclides da Cunha (Os Sertões, 1902) e Oliveira
Vianna (Populações Meridionais do Brasil, 1910), embora também ambíguos em algumas partes
de suas obras, tendiam a ver no negro ou na miscigenação fatores de instabilidade social e de
enfraquecimento intelectual frente a Portugal ou a nações "brancas".
A verdade é que, desde a Independência (1822), as representações racistas, enquanto
sistema de pensamento institucional, tinham começado a exacerbar-se no Brasil. Os negros
foram deixados de fora do pacto social instaurador da nova ordem, e os índios apenas
simbolicamente incluídos.
A relação social racista impôs-se com mais força à consciência pequeno-burguesa depois
da abolição da escravatura, no instante em que as antigas hierarquias sociais sentiram-se
ameaçadas. Era a época em que o negro despontava como objeto de ciência para alguns setores
da intelectualidade nacional, ao mesmo tempo em que se expandia a "ideologia do
embranquecimento". Esta última alimentou os dogmas da superioridade racial, do determinismo
climático, da geopolítica, da filosofia eugenista, que redundaram em instituições como a Liga de
Higiene Mental ou em pensamentos como os de Oliveira Vianna e Euclides da Cunha.
Oliveira Vianna, advogado, mulato, repetia muitas das opiniões de Silvio Romero e
Euclides da Cunha. Ele começa Populações Meridionais do Brasil com loas à "genialidade" de
gente como Lapouge, Gobineau e outros pais do racismo doutrinário. Mas seu real objetivo era
refletir sobre como poderia uma população racialmente miscigenada como a do Brasil preservar
a sua unidade nacional e desempenhar um papel no mundo moderno. Em sua tentativa de resposta,
os mestiços apareciam como seres "inferiores", embora houvesse aqueles que, por terem
"aparência ariana" (cabelo, cor da pele, moralidade dos sentimentos, etc), faziam exceção. Com
esta ressalva, Vianna buscava certamente livrar a própria cara.
A ideologia do embranquecimento, já presente na obra de Oliveira Vianna, era no fundo
uma tentativa de preservar a discriminação contra eventuais efeitos colaterais da abolição.
Representava a passagem do racismo de dominação ao racismo de exclusão.
Dessa ideologia excludente procedem as fontes de imagens racistas circulantes na
contemporaneidade. Suas premissas são, entretanto, acadêmica e cientificamente irrelevantes.
Por quê?
1º) Em primeiro lugar, porque não existe a raça negra. Se for sociologicamente ambíguo,
como já indicamos o conceito de etnia, o de raça é ainda mais problemático. Inexiste raça, a não
ser a humana. Montaigne já o havia dito: "Todo homem carrega a forma inteira da humana
condição". Ou seja, "raça" não é mais do que a "humana condição". Fora disso, existem linhas
morfológicas (formato craniano, tipo de cabelo, cor da pele, etc) que já permitiram à antropologia
física classificar os grandes grupos humanos como "caucasóides", "mongolóides" e "negróides".
Esses traços visíveis (ponto de partida para qualquer imagem) não têm nenhuma coerência
genética com outros traços não imediatamente visíveis, a exemplo da frequência de proteínas
séricas na gamaglobulina. É possível, portanto, que um indivíduo de pele branca apresente genes
de origem negróide, como correu recentemente em pesquisa feita na região de Porto Alegre (cf.
Joel Rufino em Atrás do Muro da Noite).
O que existe mesmo é a diversidade das linhas morfológicas da "raça humana" em função
da adaptação territorial e a diversidade dos modos pelos quais cada grupo humano relaciona52
se com o seu real, ou seja, a diversidade das culturas. A diferença dita étnica resulta de uma
combinação de linhas morfológicas com singularidades lingüísticas e culturais. Mas essa diferença
é simbolicamente, culturalmente construída. Quanto à raça, é tão só uma invenção de quem nela
crê, daquela consciência que sobrecarrega a percepção de imagens fantasiosas.
2º) Um certo senso comum precisa continuar acreditando na idéia de raça ou em algo
equivalente. De fato, com a desmoralização científica do conceito de raça, o racismo ideológico
ou doutrinário — o mesmo em que trafegaram Oliveira Vianna, Euclides da Cunha e outros —
perdeu suas bases biológicas e sobrevive apenas como aberração de pensamento junto a
grupos anacrônicos ou a pseudo-cientistas.
Resta para o senso comum (as representações sociais, as opiniões, a antiga dóxa),
um vazio de classificação ou de saber em face da alteridade humana. Como ajustar a
consciência à percepção daquele que, por ter cor e cabelo diferentes, sabe-se ser "outro"?
Ou seja, como ajustar, num mundo regido por imagens tecnicamente normalizadas, a
imagem de um "outro" à minha própria? A idéia de raça torna-se operativa (ou mesmo a de
etnia, que pode esconder a noção de raça).
Embora não exista raça, o senso comum constrói imaginariamente a relação racial. A
discriminação desse tipo vem a calhar, porque todo racismo implica um saber automático
(sem dúvidas, sem discussões) sobre o outro. Vê-se a cor da pele e, como um passe de
mágica ou de imagem, tem-se a ilusão de um saber-poder sobre o outro diferente. Rosenberg,
teórico do nazismo, bem o percebeu: "Os que sabem tudo não têm medo de nada".
Há, assim, na consciência racista ou na neo-racista, uma busca de exorcismo do vampiro,
do medo do outro. Há a secreta esperança de estabelecer "relações de verdade" com
concidadãos familiares. Isso importa no momento da cultura ocidental em que a questão da
verdade universal se enfraquece juntamente com o esvaziamento dos sistemas metafísicos —
religião, ciências humanas, doutrinas morais e filosóficas.
Afirmando-se uno, idêntico a si mesmo e a um grupo determinado pelos traços visíveis
da cor, o sujeito da consciência discriminante acredita entrar numa relação de verdade com
membros de uma comunidade imaginariamente semelhante em tudo — da cor aos genes.
Uma falsa verdade, pois somos radicalmente idênticos, os que não se parecem conosco são
radicalmente diferentes, logo discrimináveis, já que não nos comunicamos com eles em termos
de "verdade".
O ocaso do racismo doutrinário ou ideológico não acaba com a discriminação,
precisamente porque esta não é mais questão de razões de Estado colonialista nem de
evolucionismo teórico. A discriminação foi assimilada pelo senso comum e difrata-se no mundo
das práticas cotidianas, porque é uma espécie de saber-poder.
Na microfísica das relações humanas, esse suposto saber automático sobre o diferente
gera poder. É preciso não esquecer que o nazi-fascismo não estava só no Estado nazi-fascista,
mas também na multiplicidade dos atos cotidianos de um vizinho ou de um colega de trabalho.
O saber discriminante tem estreita analogia com a caracterologia histérica e obsessiva.
Ao contrário do que possam pensar os otimistas das chamadas tecno-democracias
ocidentais, apologistas do mundo neoliberal, a globalização cultural só tem exacerbado a
discriminação étnica. Com o aumento da mobilidade migratória das populações e com a
acelerada circulação das imagens públicas das variadas espécies humanas, cada um vê-se
compelido, muito mais do que no passado, à troca com a alteridade. O Ocidente culto estava
preparado para reconhecer o direito à diferença. Mas descobre a duras penas que a questão
não é apenas intelectual, ou seja, que não se resolve por reconhecimento nem por direito.
Há aí uma verdadeira questão simbólica, mais difícil do que a socioeconômica e mesmo
a psicológica. A questão simbólica não passa por reconhecer ou desconhecer, mas por dar e
receber ou hospedar e ser hospedado. Implica reversibilidade das trocas.
Ora, abrigar o outro (o migrante, o estrangeiro, o diferente) sem a mediação de uma
ética do acolhimento parece ameaçar a consciência viciada no individualismo moderno. O
53
"outro" representa a ameaça fantasmática de dividir o espaço a partir do qual
falamos e pensamos. É essa a ameaça (arcaica, primitiva) que espreita a
consciência discriminante: o medo de perder o espaço próprio. Medo primitivo,
análogo ao terror noturno das crianças. O "outro" acaba virando Drácula, sem
Antropologia
imagem legítima.
Cultural
Voltar a falar hoje da tradição de pensamento racista no Brasil faz sentido
porque é fundamental rever o posicionamento das elites logotécnicas (articulistas,
editorialistas, jornalistas de destaque, publicitários, programadores culturais,
professores, etc) no que diz respeito à questão étnica. Não tem sido uma questão prioritária
para as elites e, no entanto, vem sendo um problema crescente na ordem global contemporânea.
A formação de uma imagem total, diz Paul Virilio, é tributária de uma iluminação. O que
tem "iluminado" no espaço público/mediático do Brasil a imagem dos descendentes de Zumbi?
As tonalidades ainda sombrias da consciência discriminante.
Pode-se até aceitar o fato de que a imagem do negro tenha melhorado aqui e ali, mas
a sua real condição é desastrosa, quando se pensa em termos de distribuição de renda, de
emprego e de oportunidades educacionais. Diferentemente do que ocorre nos EUA, não se
pode citar uma só "família tradicional" negra.
É que aqui são fundas as raízes da discriminação. Nelas tropeçam até mesmo as
consciências ditas iluministas, por deliberação (caso vergonhoso de figuras públicas ou
jornalistas que são abertamente racistas no vídeo, sem que ninguém proteste) ou por ato falho
— quando alguém diz, por exemplo, que tem pé na cozinha por ser mulato. A nação real é uma
metonímia dos Palmares. Mas suas elites estamentárias — leitoras de Oliveira Vianna e
quejandos nas escolas — olham no espelho europeu para se verem como moços de fino trato
ou, como canta Caetano Veloso em seu último disco, "caballeros de fina estampa". É preciso
reeducar as elites com a lição de Zumbi dos Palmares.
(MUNIZ SODRÉ é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e escritor)
Atividade Complementar
1.
Pesquise e reúna mitos de criação do homem e do mundo em diversas culturas (por
exemplo, entre os gregos, os romanos, os judeus, os egípcios, os iorubas...). Elabore um minepainel com as narrativas desses mitos.
2.
Na mídia, constantemente podemos observar exemplos de atitudes que demonstram o
racismo. Com relação à televisão, identifique em sua programação padrões racistas.
54
3.
Apresente argumentos através de um pequeno texto sobre por que o racismo é uma
forma de dominação.
Atividade Orientada
Etapa 1
Registrar! Registrar não é fácil por diversos motivos: as pessoas têm medo de se expor,
de errar, sem contar que, em alguns casos não potencializamos o desenvolvimento dessa
competência. A opção de estratégias de escrita no nosso material impresso tem como objetivo
pontuar a necessidade de desenvolver a competência escritora dos futuros educadores,
considerando-se esta competência como uma das mais importantes e que se encontra na
base da profissionalização docente.
Então, nessa primeira etapa, você vai criar um caderno de registro para ir fazendo suas
anotações sobre os aspectos mais relevantes da disciplina e que, certamente, utilizará mais
adiante. Além disso, deverá produzir um texto dissertativo a partir do seguinte tema: como
podemos atuar enquanto agentes de transformação do ambiente educacional, na
superação das visões etnocêntricas e racistas.
Etapa 2
A partir das informações do texto abaixo, pesquise em livros, revistas especializadas,
sites na web, sobre a utilização da pedadogia de projetos e com um texto dissertativo responda
o seguinte questionamento proposto no texto do professor Nilbo Nogueira:. Projetos Temáticos
- Uma visão reducionista do ato de projetar ou uma prática de um modismo com falhas
conceituais?
Projetos Temáticos - Uma visão reducionista do ato de projetar ou uma prática
de um modismo com falhas conceituais?
Por: Prof. Nilbo Ribeiro Nogueira
Como ponto de partida, gostaríamos de ampliar o conceito de Projetos, para não
corrermos o risco de limitá-lo, no caso dos projetos temáticos, a mera junção de atividades
programadas realizadas pelos alunos. De alguma forma, o Projeto tem sido encarado como
mais um modismo na área educacional, o que também concordaremos de certa forma.
Praticamente todas as escolas trabalham ou dizem trabalhar com Projetos nos dias de hoje; a
falta de conhecimento sobre essa prática tem levado o professor a conduzir atividades
totalmente insipientes denominadas de Projetos. Qualquer cartaz pendurado na parede com
desenho de três patinhos já é denominado: " Projeto Animais", - reduzindo, desta forma, um
Projeto a mera elaboração de cartazes. É exatamente esta visão reducionista que pretendemos
romper neste texto. Para ampliarmos, portanto, a visão de Projetos, temos que inicialmente ir
além do tema, ou seja, não queremos discutir, no primeiro momento, o "Projeto Brasil 500
anos", o "Projeto Olimpíadas" ou o "Projeto Meio Ambiente", mas sim o PROJETO em sua
55
forma mais ampla e abrangente. Um Projeto, na verdade, é a princípio uma
irrealidade que vai tornando-se real, conforme começa ganhar corpo a partir da
realização de ações e conseqüentemente as articulações destas. E ainda,
segundo MACHADO (1997, p.63):
Antropologia
"Como esboço, desenho, guia de imaginação ou semente da ação, um
Cultural
projeto significa sempre uma antecipação, uma referência ao futuro".
Por uma outra perspectiva, poderíamos imaginar ainda o projeto como
algo virtual. Entendendo-se virtual como aquilo que não se opõe ao real mas
simplesmente ainda não é o atual. Como exemplo, podemos citar LÉVY (1996, P.15) quando
diz que: "A árvore está virtualmente presente na semente" e completa ainda sua explicação
mencionando "Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao
atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes." Para tanto, os
termos irreal e virtual, embora expressem perspectivas diferentes, fundem-se no pensamento
de que o projeto é aquilo que ainda estar por vir, pois ainda não é atual, não está presente já
que é ainda uma antecipação do futuro. Numa visão macro, um Projeto Temático, por exemplo,
é antecedido de um sonho, uma necessidade, um interesse em projetar, uma vontade de
conhecer mais e, portanto investigar sobre um tema e/ou assunto. Podemos até considerar
este primeiro momento como um pré-projeto, se assim for mais claro para o entendimento do
leitor. Em Teoria da Inteligência Criadora, MARINA (1995, p.178 e179) exemplifica bem esta
fase com a seguinte citação:
"Não existem projectos desligados da acção. Há, evidentemente, muitas antecipações
de acontecimentos futuros, como os sonhos, os desejos ou os planos abstractos que são
apenas, na melhor das hipóteses, anteprojectos que se converterão em projectos quando
tiverem sido aceites e promulgados como programas vigentes. O projecto é uma acção prestes
a ser empreendida. Uma possibilidade vislumbrada não é projecto até que se lhe dê uma
ordem de marcha, ainda que diferida.”
Com este primeiro conceito, podemos iniciar os questionamentos no que se refere a
prática dos Projetos Temáticos dentro do ambiente escolar. Na sua grande maioria, estes
Projetos são "desenhados" e planejados pela coordenação pedagógica em um trabalho
solitário, ou seja, a coordenação decide qual será o tema e/ou objeto de investigação, traça
posteriormente os objetivos gerais, os específicos, as estratégias e as ações que deverão ser
desenvolvidas pelos alunos. Aparentemente, estaria tudo correto, mas gostaríamos de
questionar os seguintes pontos: Se considerarmos um projeto a realização de um ato de projetar,
sonhar, etc, como a coordenação pedagógica poderá estar "sonhando" ou vislumbrando os
interesses e as necessidades de seus executores (alunos)? Por outro lado, os alunos irão
realizar as atividades planejadas pela coordenação pedagógica. É possível então "sonhar" os
sonhos de terceiros? Podemos imaginar, então, que um projeto deverá, desde a sua fase
inicial, ser um processo coletivo. Impossível aceitar a idéia de alguém traçar, sozinho,
inteiramente um projeto num ato de gabinete, ou seja, decidir por sua conta quem irá fazer,
como irão fazer, porque irão fazer e assim por diante. Se for um projeto traçado sozinho, o
executor das ações poderá ser apenas quem o planejou. Desta forma não queremos impedir
a coordenação pedagógica de realizar o ato de "pensar sobre", pois julgamos inclusive ser
esta uma de suas funções. Na realidade ela pode sim traçar planos, porém estes só se
transformarão realmente em um projeto quando junto com suas ações, no caso coletiva,
alcançarem objetivos. Embora estranho mencionar, julgamos que muitos destes (pseudo)
projetos realizados no ambiente escolar provém de uma falta de conhecimento real do ato de
projetar. Por não ser uma prática ainda bem trabalhada e contextualizada pelos professores, a
coordenação pedagógica se vê no papel e com o direito então de realizar sozinha todo o
planejamento, inclusive das ações do projeto, cujo tema também foi decidido por ela. Como
triste e recente exemplo disto, presenciamos a realização de projetos em várias escolas,
intitulados de "Projeto Brasil 500 anos". Num ato arbitrário, muitas coordenações pedagógicas
56
traçaram totalmente o "projeto" e depois saíram distribuindo atividades para os professores.
Por felicidade ou infelicidade, alguns professores de disciplinas como ciências, educação
física e matemática foram "sorteados" para trabalhar com seus alunos, por exemplo, o governo
de 1750 a 1800. De forma desesperada e desamparados repassaram então a
responsabilidade da "pesquisa" para seus alunos. Desta forma, tivemos então um repasse de
atividades, onde a coordenação mandou o professor fazer e este, por sua vez, manda seus
alunos fazerem. Ao final do projeto, presenciava-se dezenas de cartazes colados pelos
corredores e folhas e mais folhas de papel almaço com cópias de livros sobre o governo do
período solicitado. Mais triste ainda era presenciar o orgulho da coordenação pedagógica em
mostrar o "seu projeto" e estampar um olhar orgulhoso de missão cumprida. Aparentemente
estereotipado o exemplo que mencionamos, porém é uma prática absolutamente real em muitas
escolas que se designam utilizar a "Pedagogia dos Projetos". Acreditamos, desta forma, ter
traçado em poucas pinceladas a simplificação e o reducionismo com que tem sido tratados
os projetos. Esperamos enfim, em poucas palavras, ter plantado a importância do "coletivo",
do "participativo" e do "cooperativo" para só depois caminharmos em direção do projeto. Se
sonhar não puder ser um ato de interesse individual, que ao menos seja uma necessidade e
uma vontade coletiva.
Esquema para elaboração de projetos
Capa:
• INSTITUIÇÃO
• TÍTULO
• AUTORES
1. INTRODUÇÃO (falar sobre o tema, mostrando sua importância)
2. JUSTIFICATIVA (o professor-aluno falará o porquê da escolha do tema)
3. CLIENTELA ( quem será beneficiado)
4. COMPETÊNCIA (o que está sendo almejado)
5. HABILIDADES (atitudes e procedimentos a serem conquistados durante e depois
da aplicação do projeto)
6. CONTEÚDO (relacionar todo o conteúdo que pode ser explorado com o tema proposto)
7. METODOLOGIA (situação didática)
8. CRONOGRAMA
9. AVALIAÇÃO: (o professor estabelece critérios para avaliar, elaborando uma ficha de
avaliação)
Etapa 3
A partir dos conhecimentos adquiridos na disciplina e da sua vivência, elabore em grupo,
um projeto pedagógico de implantação da Semana da Consciência Negra em uma escola.
57
Antropologia
Cultural
Glossário
ALGARVE – Região ao sul de Portugal.
ARIANISMO – teoria que justifica a desigualdade entre os homens e adverte contra
o cruzamento das raças. Seu mais importante teórico Arthur de Gobineau faz
distinção entre as raças ariana e semita. Classificando a primeira como física, moral
e culturalmente superior a segunda, rotulando os semitas de inassimiláveis e
pervertedores, que seriam uma raça híbrida, branca, mas degenerada por uma
mistura com os negros.
AVILTAMENTO – desonra, rebaixamento, degradação.
COSMOLOGIA - Concepção de um determinado grupo étnico sobre os princípios
que organizam e regem seu mundo; Conjunto de crenças a respeito da estrutura do
universo.
DARWINISMO SOCIAL – aplicação da Teoria da Evolução das espécies de Charles
Darwin para a compreensão da realidade social. Afirmavam que a vida em sociedade
é uma infinita luta pela sobrevivência, onde os mais capazes, esforçados e talentosos
se destacam se tornando ricos e poderosos. Os darwinistas sociais defendiam as
idéias liberais, uma vez que a competição capitalista selecionaria os competentes
e eliminaria os incapazes.
DILIGENTE – ativo; cuidadoso; zeloso.
ESTRATAGEMA - manha; astúcia; ardil.
ESTUÁRIO – lugar em que o rio se lança no mar; confluência; foz; desaguadoro.
ETIMOLOGIA – parte da lingüística que se ocupa em estudar a origem e o significado
das palavras no decorrer do tempo.
EUROCENTRISMO – modo de compreender a realidade que enquadra todos os
povos de outras partes do mundo a partir da experiência européia. Tudo que não for
semelhante a civilização e cultura européia, ou que não se ajuste a seus costumes
e valores é visto como inferior.
FALÁCIA – ilusão; engano.
58
INTUITO – intenção; objetivo; finalidade.
JAGAS – povo essencialmente guerreiro; atacavam os inimigos com facas, lanças,
azagaias, arcos e flechas. Eram excelentes militares, cuja principal tática de luta
era a surpresa.Viviam em acampamentos muito bem vigiados, os quilombos.
MERCANTILISMO – doutrina econômica que vigorou entre os séculos XVI e XVIII,
no momentos finais do feudalismo e durante a formação dos Estados nacionais
europeus, que se fundamentava no acúmulo de metais preciosos, no estímulo ao
comércio exterior e no pressuposto que o comércio e a indústria são mais
importantes para a economia do que a agricultura. Essa reunião de concepções
produziu um grande protecionismo estatal e um grande intervencionismo do Estado
na economia.
PARADIGMA – padrão; modelo.
PUMBEIROS – espécie de emissários dos comerciantes europeus estabelecidos
no litoral;
RÉPLICA – ato de responder; exemplar de uma obra de arte que não é original.
XENÓFOBOS – que tem xenofobia; aversão às pessoas e tudo quer for estrangeiro.
59
Antropologia
Cultural
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Antropologia
Cultural
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Anotações
Anotações
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Antropologia
Cultural
FTC - EaD
Faculdade de Tecnologia e Ciências - Educação a Distância
Democratizando a Educação.
www.ftc.br/ead
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