BR R lho de bR RuXa O muNDO D@ N ITE – VI L . J . SMI TH BR R lho de bR RuXa O muNDO D@ N ITE – VI Tradução de Jorge Colaço Planeta Manuscrito Rua do Loreto, n.º 16 – 1.º Direito 1200-242 Lisboa • Portugal Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor Witchlightt copyright © 1998 by Lisa J. Smith © 2009, Planeta Manuscrito Título original: Witchlight – Night World 6 Revisão: Fernanda Fonseca Paginação: Guidesign 1.ª edição: Setembro de 2011 Depósito legal n.º 329 699/11 Impressão e acabamento: Guide – Artes Gráficas ISBN: 978-989-657-210-5 www.planeta.pt c@pítulo Ⅰ O centro comercial estava tranquilo. Nada apontava para que algo de terrível estivesse prestes a acontecer. Parecia igual a qualquer outro centro comercial da Carolina do Norte num domingo de Dezembro à tarde. Moderno. Decorado e brilhante. Cheio de clientes que sabiam que apenas restavam mais dez dias de compras até ao Natal. Quente, apesar do céu cinzento e gelado lá de fora. Seguro. Não parecia o género de lugar onde poderia aparecer um monstro. Keller passou por uma exposição sobre «O Pai Natal ao longo dos tempos» com todos os seus sentidos alerta. E isso significava uma grande quantidade de sentidos. As imagens de si própria que conseguia ver de relance nos vidros das montras escurecidas mostravam uma estudante do ensino secundário com um macacão macio, cabelo liso e negro que lhe caía até às ancas e olhos cinzentos e frios. Mas ela sabia que quem a observasse de perto veria mais alguma coisa – uma espécie de graça no modo como caminhava 9 L. J. SmiTH e um brilho interior sempre que os seus olhos cinzentos se focavam em alguma coisa. Raksha Keller não parecia humana. O que não surpreendia, uma vez que não o era. Era mutante, e se as pessoas que a olhavam ficavam com a impressão de que se tratava de uma pantera semidomesticada à solta, acertavam por completo. – Atenção, toda a gente – disse Keller tocando no alfinete preso à gola e depois premindo um dedo sobre receptor quase invisível que tinha no ouvido, tentando não ouvir a música de Natal que enchia o centro comercial. – Ponto da situação. – Aqui Winnie – e a voz que se ouviu através do receptor era ligeira, quase cantada, mas profissional. – Estou junto da Sears. Ainda não vi nada. Talvez ela não esteja aqui. – Talvez – disse Keller, lacónica, na direcção do alfinete, que não era um alfinete, mas sim um aparelho de transmissão extremamente caro. – Mas ela parece adorar compras e os pais disseram que veio nesta direcção. É a pista mais segura que temos. Continuem à procura. – Aqui Nissa – esta voz era mais fria e mais suave, sem emoções. – Estou no parque de estacionamento, vim pela entrada de Bingham Street. Nada a assinalar. Espera. Seguiu-se uma pausa e, depois, a voz fantasmagórica voltou a ouvir-se, com uma nova tensão. – Keller, temos sarilhos. Uma limusina preta acabou de aparecer em frente da Brody’s. Eles sabem que ela está aqui. O estômago de Keller apertou-se, mas manteve a voz igual. – Tens a certeza de que são eles? 10 brilho de bruxa – Tenho. Estão a sair. Um par de vampiros e… mais alguém. Um tipo novo, um miúdo, na verdade. Talvez um mutante. Não estou certa; não se parece com nada que eu alguma vez tenha visto. A voz estava perturbada e isso perturbou Keller. Nissa Johnson era um vampiro com um cérebro parecido com a Biblioteca do Congresso. Um coisa que ela não reconhecia? – Queres que estacione e vá ajudar-te? – perguntou Nissa. – Não – disse Keller terminantemente. – Fica no carro; vamos precisar dele em caso de fuga rápida. Winnie e eu damos conta disto. Certo, Winnie? – Certo, chefe. Posso encarregar-me sozinha de todos. Vocês vão ver. – Tu vê lá como falas. Mas Keller teve de lutar contra o sorriso cruel que lhe subiu aos lábios. Winfrith Arlin era o oposto de Nissa… uma bruxa com tendência para ser emocional. O seu singular sentido de humor iluminara alguns momentos negros. – Fiquem ambas alerta – disse Keller, agora séria. – Vocês sabem o que está em jogo. – Certo, chefe. Desta vez, ambas as vozes foram contidas. Elas sabiam. O mundo. A rapariga de que andavam à procura podia salvar o mundo. Ou destruí-lo. Embora não o soubesse… ainda. O seu nome era Iliana Harman e fora criada como uma criança humana. Não se 11 L. J. SmiTH apercebera de que tinha sangue de bruxa e era um dos quatro Poderes Indomáveis cujo destino consistia em lutarem com a era de escuridão que estava prestes a vir. Ela vai apanhar um susto quando lhe contarmos, pensou Keller. Supondo que a equipa de Keller chegaria antes dos maus. Mas chegaria. Tinha de chegar. Por alguma razão fora escolhida para lá ir, quando todos os agentes do Círculo da Aurora, na América do Norte, gostariam de ter ficado com a missão. Eram as melhores. Tão simples como isso. Constituíam uma estranha equipa – vampiro, bruxa e mutante –, mas eram imbatíveis. E Keller tinha apenas dezassete anos, mas possuía já a reputação de nunca perder. E não estou prestes a estragar tudo, agora, pensou ela. – É tudo, miúdos – disse ela. – Nada de conversas até identificarmos a rapariga. Boa sorte. As transmissões entre eles eram distorcidas, claro, mas não havia razão para arriscar. Os maus estavam extremamente bem organizados. Não faz mal. Venceremos, apesar disso, pensou Keller, e fez uma pausa nas suas andanças durante o tempo suficiente para realmente expandir os seus sentidos. Era como entrar num mundo diferente. Eram sentidos que um humano nem sequer imaginaria. Infravermelhos. Via o calor do corpo. Olfacto. Os humanos não têm qualquer sentido do olfacto, realmente apurado. Keller conseguia distinguir a diferença entre uma Coca e uma Pepsii desde a outra ponta da sala. Tacto. Enquanto pantera, Keller tinha pêlos muitíssimo sensíveis ao longo de todo o corpo, sobretudo 12 brilho de bruxa no rosto. Mesmo na forma humana, podia sentir coisas com dez vezes mais intensidade que um verdadeiro humano. Podia sentirr o seu caminho, na escuridão total, pela pressão do ar na sua pele. Ouvido. Podia ouvir registos mais altos e mais baixos do que um humano e conseguia identificar uma tosse individual no meio de uma multidão. Visão. Tinha visão nocturna como… Bem, como a de um gato. Para não referir os mais de quinhentos músculos que podia mover voluntariamente. E, neste preciso momento, todos os seus recursos estavam sintonizados para descobrir uma adolescente neste centro comercial cheio de gente. Os seus olhos deambulavam pelos rostos; as orelhas empinavam-se ao som de qualquer voz jovem; o nariz escrutinava milhares de odores em busca de um que correspondesse ao da T-shirtt que ela tirara do quarto de Iliana. Então, no momento em que parara para captar o bafo de algo familiar, o receptor que trazia no ouvido despertou. – Keller! Localizei-a! Junto da Hallmark, no segundo piso. Mas eles também estão aqui. Tinham-na descoberto primeiro. Keller praguejou em silêncio. Em voz alta, disse: – Nissa, traz o carro para o lado oeste do centro comercial. Winnie, não faças nada. Estou a chegar. As escadas rolantes mais próximas eram ao fundo do centro. Mas ela via, pelo mapa que tinha na mão, que a Hallmark era mesmo por cima do lugar onde estava, no segundo piso. E não podia perder tempo. Keller juntou as pernas, encolhendo-as, e saltou. 13 L. J. SmiTH Um salto, directo para cima. Ignorou as exclamações e alguns gritos das pessoas em volta, quando se alçou. Quando atingiu a altura máxima, agarrou a grade que fazia de balaustrada das ruas do piso superior. Ficou, por um segundo, dependurada pelas mãos, depois içou-se suavemente. Havia mais pessoas a olharem. Keller ignorou-as. Deram-lhe passagem quando ela se dirigiu à loja da Hallmark. Winnie estava de pé, de costas para a montra da loja. Era baixa, com um friso de caracóis ruivos e um rosto de duende. Keller abeirou-se dela, tendo o cuidado de se manter fora do campo de visão da Hallmark. – Que se passa? – São três – murmurou Winnie num tom praticamente inaudível. – Tal como Nissa disse. Vi-os entrar e depois vi-a a ela. Rodearam-na, mas até agora estão apenas a falar com ela – disse, olhando de esguelha para Keller com os olhos verdes a bailarem. – São só três, podemos dar conta deles com facilidade. – Sim, e é isso que me preocupa. Por que teriam enviado apenas três? Winnie encolheu ligeiramente os ombros. – Talvez sejam como nós: os melhores. Keller admitiu aquilo com um piscar de olhos. Aproximava-se, centímetro a centímetro, tentando vislumbrar o interior da loja da Hallmark por entre as meias e os animais de pelúcia da montra. Lá estavam. Dois tipos vestidos de escuro, quase como se usassem uniformes. Vampiros rufiões. Um outro tipo, cuja silhueta Keller apenas conseguia ver parcialmente, através de um expositor de ornamentos de Natal. E ela. Iliana. A rapariga que todos queriam. 14 brilho de bruxa Era linda, de forma quase impossível. Keller vira uma fotografia e ela era linda, mas agora via quão longe ficara da rapariga real. Tinha o cabelo de um louro-prateado e olhos violeta que mostravam o sangue Harman. Tinha também uma extraordinária delicadeza de traços e uma graça nos movimentos que a tornavam tão bela aos olhos como um gatinho branco na relva. Embora Keller soubesse que ela tinha dezassete anos, parecia leve como uma criança. Quase como uma fada. E naquele preciso momento escutava o que o tipo da silhueta lhe dizia com os olhos arregalados e confiantes. Para grande fúria de Keller, não conseguia perceber o que ele estava a dizer. Devia estar a sussurrar. – É mesmo ela – disse Winnie num sopro mesmo ao lado de Keller, com respeito. – A Bruxa Infanta. É exactamente como dizem as lendas, exactamente como eu a imaginei – disse e a sua voz adquiriu um tom indignado. – Não suporto vê-los a falarem com ela. É como… uma blasfémia. – Aguenta-te lá – murmurou Keller, ainda à procura com os olhos. – Vocês, bruxas, ficam muito emotivas quando se trata das vossas lendas. – Bem, devemos ficar. Ela não é apenas um Poder Indomável, é uma alma pura – disse Winfrith com suave reverência na voz. – Deve ser tão sábia, tão gentil, tão visionária. Mal posso esperar para falar com ela. A sua voz ficou mais cortante. – E não devia ser permitido àqueles assassinos falarem com ela. Vamos, Keller, podemos dar cabo deles rapidamente. Vamos. 15 L. J. SmiTH – Não, Winnie. Era demasiado tarde. Winnie estava já em movimento, avançando pela loja dentro sem qualquer preocupação de se esconder. Keller praguejou de novo. Mas agora não havia escolha. – Nissa, mantém-te alerta. As coisas vão ficar excitantes – disse ela de repente, tocando no alfinete, e depois seguiu. Winnie caminhava na direcção do pequeno grupo formado pelos três tipos e Iliana quando Keller chegou à porta. Os tipos levantaram os olhos, imediatamente alerta, Keller viu os seus rostos e preparou-se para saltar. Mas não o chegou a fazer. Antes de conseguir ter os músculos prontos, o tipo da silhueta voltou-se… e tudo mudou. O tempo entrou em câmara lenta. Keller viu-lhe claramente o rosto, como se tivesse tido um ano para estudá-lo. Ele não tinha mau aspecto, parecia bastante bonito, na verdade. Não parecia muito mais velho do que ela e as suas feições eram bem modeladas. O corpo era pequeno e compacto, aparentando possuir músculos endurecidos sob a roupa. O cabelo era negro, desgrenhado mas brilhante, quase como uma pele de animal. Caía-lhe sobre a testa de um modo esquisito, um modo que parecia deliberadamente despenteado e em contraste com o aprumo de tudo o resto. E tinha olhos de obsidiana. Completamente opacos. Prata negra brilhante, sem rasto de limpidez ou de transparência. Sem revelarem nada; apenas lançavam luz a quem os olhasse. 16 L. J. SmiTH Eram os olhos de um monstro e cada um dos quinhentos músculos autónomos de Keller gelou de medo. Ela não precisava de ouvir o bramido que era muito abaixo do registo audível pelo ouvido humano. Não precisava de ver o remoinho de energia negra que faiscava como aura negra raiada de vermelho que o rodeava. Ela sabia já, por instinto, e tentou arranjar fôlego para lançar um grito de aviso a Winnie. Não houve tempo. Só conseguiu ficar a olhar quando o rosto do rapaz se virou para Winnie e expeliu uma onda de energia explosiva. Fê-lo casualmente. Keller podia afirmar que correspondeu apenas a um leve estremeção da sua mente, como um cavalo que enxota uma mosca com a cauda. Mas a energia negra atingiu Winnie e lançou-a pelos ares, de braços e pernas abertos, contra uma parede coberta de pratos decorativos e relógios. O choque foi tremendo. Winnie!! Keller quase articulou o seu nome em voz alta. Winnie caiu atrás do balcão da caixa registadora, fora do campo de visão de Keller. Não sabia se estava viva ou morta. O encarregado da caixa, que estivera atrás do balcão, saiu a correr e aos gritos em direcção ao fundo da loja. Os clientes espalharam-se, alguns foram atrás do homem da caixa, outros precipitaram-se para a saída. Keller ficou por mais um segundo na entrada enquanto passavam por ela. Depois recolheu-se até ficar de costas para a montra da loja a seguir, respirando com força. Sentia espirais de gelo nas entranhas. Um dragão. Ele era um dragão. 17