Apontamentos pelos trilhos da Igualdade…
A linguagem (não) discrimina?...
Uma das questões que a discussão à volta da igualdade de género levanta prende-se com a forma
como podemos discriminar (ou não) através da linguagem. Dizemos alunos ou estudantes? Dizemos
professores ou docentes? Dizemos?…
O projeto Diagnóstico e Implementação da Igualdade de Género na Escola Superior de Educação
do Instituto Politécnico do Porto suscitou um debate produtivo sobre a preocupação com o discurso e com
o apagamento de marcas linguísticas que possam denunciar uma atitude discriminatória. Há, aqui, dois
fatores que entram na equação e que envolvem a natureza, a génese e a evolução da língua, por um lado,
e as atitudes e os comportamentos do ser humano, por outro.
A língua portuguesa tem como matriz o latim, língua nascida em Roma e que apresentava três
géneros linguísticos: o masculino, o feminino e o neutro. Na evolução para os diferentes idiomas
românicos, as formas do masculino e do neutro (com)fundiram-se numa só, passando a estabelecer-se um
contraste puramente gramatical com a forma do feminino. Assim, é possível perceber que o género é uma
categoria linguística, logo arbitrária e convencional, fruto dos padrões típicos das línguas e da sua
evolução, e que não pode confundir-se com a noção de sexo, de natureza biológica. Mesmo em situações
em que os nomes se referem a entidades sexuadas, essa associação pode não ser viável: a palavra criança
é do género feminino e designa seres do sexo masculino ou feminino; a palavra indivíduo é do género
masculino, embora possa indicar seres do sexo feminino ou masculino. Por outro lado, diferentes matrizes
linguísticas dão origem a diferentes estruturas, tal como acontece em inglês, língua em que o género só é
marcado em palavras que designem entidades sexuadas. Tal não significa, contudo, que os anglófonos
tenham atitudes mais ou menos discriminatórias, mas apenas que seguem padrões morfofonológicos
diversos dos nossos.
A compreensão das particularidades que definem as línguas não impede, todavia, que se
equacionem aspetos relativos à igualdade de género enquanto prática individual e social desejável. Nessa
medida, a reflexão que desenvolvemos, sob forma de recomendações/sugestões, decorre, precisamente,
de um exercício de apagamento de marcas que possam inculcar no pensamento (organizado
linguisticamente) e nos usos linguísticos o reforço do género masculino como padrão dominante, ideia
que perpassa os vários movimentos pela igualdade de género existentes na atualidade. Constituindo a
linguagem uma forma particular de ver e analisar o mundo, é desejável que ela não seja sentida como
mais um veículo de discriminação num contexto ainda marcado por várias formas de distinção negativa do
ser humano.
Neste sentido, construímos um guião com um conjunto de recomendações sobre usos linguísticos
que, de acordo com o objetivo textual, especifiquem o sexo dos indivíduos referidos ou, então,
neutralizem essa referência se tal for o propósito. Trata-se apenas de sugestões, uma vez que os
documentos legais (Resolução do Conselho de Ministros n.º 77/2010) apontam para que a linguagem seja
neutra ou inclusiva quanto às questões de género/sexo, mas não fornecem qualquer indicação concreta
para pôr em prática tal orientação.
sexo1
Neutralização da referência ao sexo
Especificação do
Recomendações para a promoção de uma linguagem inclusiva na marcação de género
Recomenda-se…
em vez de…
termos distintivos2
educadora e educador
educador(es)
barras
os/as estudantes
a/o cidadã/o
o/a formador/a
os estudantes
nomes sobrecomuns
a pessoa/o indivíduo
o homem
nomes coletivos
pessoal não docente
nomes comuns de dois
a/o docente
o/a estudante
palavras/expressões
funcionários não
docentes
professor
aluno
filho de…
marcadas
filiação
Presidência
Coordenação
Coordenador
pronomes/formas
quem pretender
os interessados em
invariáveis
participar…
participar…
omissão do artigo
estudantes e docentes
podem…
os estudantes e os
equivalentes não
Presidente
docentes podem…
Fonte
Abranches, G. (2009). Guia para uma linguagem promotora da igualdade entre mulheres e homens na
Administração Pública. Lisboa: CIG
Vale a pena pensar nisto!
Por José António Costa e Teresa Martins, 2013
1
Em situações de concordância com adjetivos, recomenda-se o acordo com o elemento mais próximo (Os professores
e as professoras estrangeiras/As candidatas e os candidatos portugueses).
2
Nas categorias profissionais, recomenda-se a utilização do termo que explicita o sexo do sujeito (Professor
Coordenador ou Professora Coordenadora/Técnica Superior ou Técnico Superior).
Download

A linguagem (não) discrimina?