AULA 07 OS MECANISMOS DE DEFESA, OU A REALIDADE COMO ELA NÃO É A percepção de um acontecimento, do mundo externo ou do mundo interno, pode ser algo muito constrangedor, doloroso, desorganizador. Para evitar este desprazer, a pessoa “deforma” ou suprime a realidade — deixa de registrar percepções externas, afasta determinados conteúdos psíquicos, interfere no pensamento. São vários os mecanismos que o indivíduo pode usar para realizar esta deformação da realidade, chamados de mecanismos de defesa. São processos realizados pelo ego e são inconscientes, isto é, ocorrem independentemente da vontade do indivíduo. Para Freud, defesa é a operação pela qual o ego exclui da consciência os conteúdos indesejáveis, protegendo, desta forma, o aparelho psíquico. O ego — uma instância a serviço da realidade externa e sede dos processos defensivos — mobiliza estes mecanismos, que suprimem ou dissimulam a percepção do perigo interno, em função de perigos reais ou imaginários localizados no mundo exterior. Estes mecanismos são: • Recalque: o indivíduo “não vê”, “não ouve” o que ocorre. Existe a supressão de uma parte da realidade. Este aspecto que não é percebido pelo indivíduo faz parte de um todo e, ao ficar invisível, altera, deforma o sentido do todo. E como se, ao ler esta página, uma palavra ou uma das linhas não estivesse impressa, e isto impedisse a compreensão da frase ou desse outro sentido ao que está escrito. Um exemplo é quando entendemos uma proibição como permissão porque não “ouvimos” o “não”. O recalque, ao suprimir a percepção do que está acontecendo, é o mais radical dos mecanismos de defesa. Os demais referem-se a deformações da realidade. • Formação reativa: o ego procura afastar o desejo que vai em determinada direção, e, para isto, o indivíduo adota uma atitude oposta a este desejo. Um bom exemplo são as atitudes exageradas — ternura excessiva, superproteção — que escondem o seu oposto, no caso, um desejo agressivo intenso. Aquilo que aparece (a atitude) visa esconder do próprio indivíduo suas verdadeiras motivações (o desejo), para preserválo de uma descoberta acerca de si mesmo que poderia ser bastante dolorosa. É o caso da mãe que superprotege o filho, do qual tem muita raiva porque atribui a ele muitas de suas dificuldades pessoais. Para muitas destas mães, pode ser aterrador admitir essa agressividade em relação ao filho. • Regressão: o indivíduo retorna a etapas anteriores de seu desenvolvimento; é uma passagem para modos de expressão mais primitivos. Um exemplo é o da pessoa que enfrenta situações difíceis com bastante ponderação e, ao ver uma barata, sobe na mesa, aos berros. Com certeza, não é só a barata que ela vê na barata. • Projeção: é uma confluência de distorções do mundo externo e interno. O indivíduo localiza (projeta) algo de si no mundo externo e não percebe aquilo que foi projetado como algo seu que considera indesejável. É um mecanismo de uso frequente e observável na vida cotidiana. Um exemplo é o jovem que critica os colegas por serem extremamente competitivos e não se dá conta de que também o é, às vezes até mais que os colegas. • Racionalização: o indivíduo constrói uma argumentação intelectualmente convincente e aceitável, que justifica os estados “deformados” da consciência. Isto é, uma defesa que justifica as outras. Portanto, na racionalização, o ego coloca a razão a serviço do irracional e utiliza para isto o material fornecido pela cultura, ou mesmo pelo saber científico. Dois exemplos: o pudor excessivo (formação reativa), justificado com argumentos morais; e as justificativas ideológicas para os impulsos destrutivos que eclodem na guerra, no preconceito e na defesa da pena de morte. Além destes mecanismos de defesa do ego, existem outros: denegação, identificação, isolamento, anulação retroativa, inversão e retorno sobre si mesmo. Todos nós os utilizamos em nossa vida cotidiana, isto é, deformamos a realidade para nos defender de perigos internos ou externos, reais ou imaginários. O uso destes mecanismos não é, em si, patológico, contudo distorce a realidade, e só o seu desvendamento pode nos fazer superar essa falsa consciência, ou melhor, ver a realidade como ela é. APROFUNDANDO O ASSUNTO: Mecanismos de defesa-A realidade como ela NÃO é . Todo animal, irracional ou racional, se defende daquilo que acha que pode lhe prejudicar de alguma maneira. Quando estamos com medo nos retraímos ou avançamos, claro que isso varia de pessoa pra pessoa e depende da situação, mas todos diante de algo que acham que pode lhes machucar de alguma maneira, se protegem, se defendem. Bem, com a nossa mente acontece o mesmo. Segundo Freud, quando ela percebe que algo pode nos prejudicar mentalmente (alguma emoção, atitude, reação...), ela ativa os seus mecanismos de defesa, que seriam inconscientes e inevitáveis, e atuam sem que percebamos diretamente, sendo assim um processo natural do ser humano. ""Os, mecanismos de defesa são estratégias (inconscientes) de esquiva ao enfrentamento de problemas, elas capacitam as pessoas a falsificar e distorcer o que de outra forma seria doloroso. É uma maneira de maquiar a realidade para evitar sofrimento, impedindo que esses problemas cheguem ao consciente. Todas elas envolvem a auto dissimulação e apresentam um risco: podem impedir a busca e a avaliação de outras soluções." Linda L.Daviddof Eles tentam amenizar qualquer situação psicológica que pode colocar em risco a integridade do ego, pois seria mais difícil pro individuo lidar com situações que por algum motivo considere ameaçadoras. Eles tem como base a angústia e a ansiedade, quanto maior o nível desses dois mais forte será a ação desses mecanismos. Como eu já disse, eles ocorrem sem que nos percebamos diretamente, como se fosse espontâneos, como Freud dizia mesmo aquilo que parece espontâneo, tem uma causa, um sentido, "Há uma causa para cada pensamento, para cada memória revivida, sentimento ou ação.", pois cada evento mental é causado pela intenção consciente ou inconsciente e é determinado pelos fatos que o precedem. Essas causas geram sempre alguma reação do organismo (como a ansiedade por exemplo), mas existem alguns fatores que podemos considerar aqui como principais responsáveis por causar uma angústia psicológica. A perda ou privação de algo desejado (uma criança que não convive com o pai, ou a perda de um parente...). A perda de amor, rejeição, fracasso ou a desaprovação de alguém que lhe importa. Perda de identidade, é o medo da perda de prestigio, de ser ridicularizado em público. Perda de autoestima, por exemplo a desaprovação do superego por alguma atitude que resulte em culpa ou ódio em relação a si mesmo. Todos esses fatores geram problemas internos, e existem duas formas de resolver, enfrentando o problema diretamente ou negando e deformando a realidade através dos mecanismos de defesa, que funcionam também como formas de adaptação. Nenhuma pessoa utiliza todos esses mecanismos, mas é feita uma seleção que vai sempre se repetindo como reação quando necessário. A filha de Freud, Anna Freud, distinguiu e conceituou vários tipos de mecanismos de defesa dentre os principais são: A Repressão: Ocorre quando as pessoas excluem da consciência motivos, ideias, lembranças que podem gerar ansiedade. Eles permanecem no subconsciente e não se manifestam para não causar ansiedade e angustia no individuo, mas mesmo assim, influi no comportamento. Além de que durante o processo de repressão o indivíduo tende a ter um otimismo não compatível com a realidade, vendo apenas o lado bom de coisas desagradáveis para não se machucar. Lembrando que esse processo é inconsciente e acontece quase que diariamente. Como exemplo temos uma pessoa em que viu uma cena de assassinato mas como está em estado de choque não consegue se lembrar do ocorrido. A Negação: Quando ocorre algo que nos incomoda profundamente, há a tendência a não aceitar esse ocorrido, ou lembrá-lo de modo incorreto. Então negam a realidade, ignoram ou recusam -se a reconhecer a existência desses aspectos desagradáveis de suas experiências, apesar de estarem plenamente cientes das mesmas. Esse método sempre envolve a auto dissimulação, na qual o próprio indivíduo se engana, como por exemplo, uma pessoa portadora do vírus HIV que ao receber o resultado diz ao médico que o exame não é dele, que ele se sente muito bem portanto não está doente. A Fantasia: É um processo psíquico em que o indivíduo concebe uma situação em sua mente, quer satisfazer uma necessidade ou desejo, que talvez não pode ser, na vida real. satisfeito. O sujeito imagina de orgias e coisas contrarias a sua realidade até por exemplo as férias tão desejadas, um encontro amoroso ou possíveis soluções para um problema, fazendo com que as necessidades fantasiadas sejam de um certo modo supridas. A Racionalização::Envolve a invenção de razões plausíveis e aceitáveis para determinadas situações, atos, pensamentos ou impulsos quando alguém deseja esconder de si próprio as verdadeiras explicações, é um processo pelo qual o sujeito procura apresentar uma explicação coerente do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista moral, para uma atitude, uma ação, uma ideia, um sentimento, cujos motivos verdadeiros causariam angustia nele e fariam sua mente entrar em conflito por não irem de acordo com sua moral e realidade. Podemos dar como exemplo quando o sujeito dá desculpas do tipo "Eu teria passado naquele exame se o professor não tivesse feito perguntas tão idiotas" que possibilita ao estudante evitar o seu desespero ou capacidade limitada. A Formação reativa: É quando as pessoas escondem de si próprias algum motivo, emoção, atitude, traço da personalidade ou qualquer outra coisa parecida, expressando o oposto. Como por exemplo o ódio disfarçado de exagerada exibição de amor, o forte impulso sexual em excessivo recato, a hostilidade em gentileza. É como se a mente não quisesse admitir determinado fato e para isso demonstra o oposto, lembrando que o indivíduo não está representando algo que ele não é,pois esse é um fenômeno inconsciente. A Projeção: Manifesta-se quando o Ego não aceita reconhecer um impulso inaceitável do Id e o atribui a outra pessoa. No sentido propriamente psicanalítico, operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro- pessoa ou coisa- qualidades, sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que ele desconhece ou recusa nele. As pessoas que se utilizam da projeção são muito mais rápidas em observar defeitos nos outros que muitas vezes elas mesmas possuem (e as vezes até em maior grau) mas não o "enxergam" em si mesmas. Como exemplo temos, uma mulher que critica uma conhecida por ser muito gastadeira enquanto ela mesma o é. A Identificação: É um processo psíquico no qual o sujeito assimila uma característica ou comportamento de outra pessoa e imita essa característica, se identificando. Nós também somos compostos por várias identificações ao longo da vida. Podemos exemplificar através de um menino que vê outro ser generoso, admira a atitude e a repete incorporando-a ao seu comportamento. Aqui vimos alguns dos principais mecanismos de defesa psicológicos segundo a psicanálise. Quando eles não funcionam, o sujeito fica ansioso e angustiado, podendo causar até mesmo um surto mental. Porém a manifestação mais ocorrente quando eles não funcionam além de ansiedade é claro, são os conflitos psicológicos, surgem quando dois ou mais objetivos (necessidades, ações, emoções, pensamentos) competem um com o outro, pressionando o sujeito em diferentes direções, e como a escolha por uma opção acarreta no abandono da outra isso faz com tais conflitos sejam frustrantes e geradores de ansiedade. Se esses conflitos forem temporários eles são chamados de transtornos, se forem duradouros são chamados de cargas crônicas. AULA 08 PSICANÁLISE: APLICAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS A característica essencial do trabalho psicanalítico é o deciframento do inconsciente e a integração de seus conteúdos na consciência. Isto porque são estes conteúdos desconhecidos e inconscientes que determinam, em grande parte, a conduta dos homens e dos grupos — as dificuldades para viver, o mal-estar, o sofrimento. A finalidade deste trabalho investigativo é o autoconhecimento, que possibilita lidar com o sofrimento, criar mecanismos de superação das dificuldades, dos conflitos e dos submetimentos em direção a uma produção humana mais autônoma, criativa e gratificante de cada indivíduo, dos grupos, das instituições. Nesta tarefa, muitas vezes bastante desejada pelo paciente, é necessário que o psicanalista ajude a desmontar, pacientemente, as resistências inconscientes que obstaculizam a passagem dos conteúdos inconscientes para a consciência. A representação social (a ideia) da Psicanálise ainda é bastante estereotipada em nosso meio. Associamos a Psicanálise com o divã, com o trabalho de consultório excessivamente longo e só possível para as pessoas de alto poder aquisitivo. Esta ideia correspondeu, durante muito tempo, à prática nesta área que se restringia, exclusivamente, ao consultório. Contudo, há várias décadas é possível constatar a contribuição da Psicanálise e dos psicanalistas em várias áreas da saúde mental. Historicamente, é importante lembrar a contribuição do psiquiatra e psicanalista D. W. Winnicott, cujos programas radiofônicos transmitidos na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, orientavam os pais na criação dos filhos, ou a contribuição de Ana Freud para a Educação e, mais recentemente, as contribuições de Françoise Dolto e Maud Mannoni para o trabalho com crianças e adolescentes em instituições — hospitais, creches, abrigos. Atualmente, e inclusive no Brasil, os psicanalistas estão debatendo o alcance social da prática clínica visando torná-la acessível a amplos setores da sociedade. Eles também estão voltados para a pesquisa e produção de conhecimentos que possam ser úteis na compreensão de fenômenos sociais graves, como o aumento do envolvimento do adolescente com a criminalidade, o surgimento de novas (antigas?) formas de sofrimento produzidas pelo modo de existência no mundo contemporâneo — as drogadições, a anorexia, a síndrome do pânico, a excessiva medicalização do sofrimento, a sexualização da infância. Enfim, eles procuram compreender os novos modos de subjetivação e de existir, as novas expressões que o sofrimento psíquico assume. A partir desta compreensão e de suas observações, os psicanalistas tentam criar modalidades de intervenção no social que visam superar o mal-estar na civilização. Aliás, o próprio Freud, em várias de suas obras — O mal-estar na civilização, Reflexões para o tempo de guerra e morte — coloca questões sociais, e ainda atuais, como objeto de reflexão, ou seja, nos faz pensar e ver o que mais nos incomoda: a possibilidade constante de dissociação dos vínculos sociais. O método psicanalítico usado para desvendar o real, compreender o sintoma individual ou social e suas determinações, é o interpretativo. No caso da análise individual, o material de trabalho do analista são os sonhos, as associações livres, os atos falhos (os esquecimentos, as substituições de palavras etc.). Em cada um desses caminhos de acesso ao inconsciente, o que vale é a história pessoal. Cada palavra, cada símbolo tem um significado particular para cada indivíduo, o qual só pode ser apreendido a partir de sua história, que é absolutamente única e singular. Por isso é que se diz que, a cada nova situação, realiza-se O sofrimento humano assume inúmeras expressões. novamente a experiência inaugurada por Freud, no início do século 20 — a experiência de tentar descobrir as regiões obscuras da vida psíquica. AULA 09 RETOMANDO A HISTÓRIA COMPLEMENTO DA VÍDEO AULA BREVE HISTÓRIA DA PSICANÁLISE A Psicanálise, como qualquer outra escola psicológica é ponto de partida de várias outras teorias. Aquilo que denominamos Psicanálise deve ser entendida sob pelo menos dois aspectos independentes, mas complementares. Por um lado como uma teoria explicativa do funcionamento e do desenvolvimento da mente humana, por outro como um conjunto de técnicas terapêuticas destinadas ao autoconhecimento ou ao tratamento de pessoas mentalmente perturbadas. Como uma teoria do conhecimento da mente humana a Psicanálise deu uma das mais importantes contribuições à psicologia moderna, inclusive podendo seu aparecimento ser considerado um dos marcos da criação de uma efetiva Psicologia como ciência, pois ela definiu de forma marcante um objeto de estudo e uma metodologia para a Psicologia, permitindo-lhe o descobrimento de leis básicas: o principio do prazer, o determinismo psíquico e a proposição da inconsciência, como sendo características básicas dos processos mentais. ORIGENS DA PSICANÁLISE A mente humana e os seus processos foram sempre tão misteriosos e fascinantes quanto o próprio universo. Através dos tempos, filósofos, teólogos, psicólogos, médicos, e outros tipos de sábios tentaram compreender o enigma da mente humana. O que levava o homem à loucura? Qual a origem e a finalidade dos sonhos? Muitos autores costumam situar o início da Psicanálise por volta do século XIX, com os trabalhos de Pinel e Charcot, dois ilustres psiquiatras. Podemos, no entanto, localizar as raízes da Psicanálise nos povos antigos, com no início da filosofia. A Bíblia, por exemplo, cita os sonhos do faraó e a interpretação de José. Da mesma forma no Talmude, livro de leis judaicas, encontramos a citação de que um sonho incompreendido é como uma carta não aberta. Para os gregos o objetivo da filosofia era fazer a passagem do mito para a razão. Podemos então localizar os germes da psicanálise, na primeira tentativa de autoconhecimento dos antigos gregos: 'Conhece-te a ti mesmo' aqui reside a máxima da psicanálise. Muitos séculos iriam se passar antes que os progressos de vulto ocorressem no conhecimento da mente. Num rápido retrospecto podemos citar como precursores da Psicanálise: Anton Mesmer (1734 – 1815), místico e médico austríaco, criador do método de tratamento de “magnetismo animal”, uma forma primitiva de hipnose e sugestão. De certa forma estas idéias abriram as portas para a descoberta do hipnotismo e do inconsciente. Philipe Pinel (1745 – 1836), médico francês, que modificou os métodos de tratamento dos doentes mentais, libertando-os das celas e das correntes, sendo o primeiro a demonstrar que a substituição dos métodos brutais por métodos mais “humanos” era muito mais eficiente. Pinel foi o grande responsável pela saída das doenças mentais do âmbito da teologia e da filosofia e sua entrada para a medicina. Jean Charcot (1825 – 1893), neurologista francês de grande prestígio em sua época, foi outro nome na escada que levaria até a psicanálise. Na metade final do século XIX, tal como as ciências físicas e biológicas que deram grandes passos no sentido da cura de muitas doenças, a neurologia e a psiquiatria também fizeram seus progressos. Charcot chefiava uma clínica neurológica na Salpetrière em Paris, para onde afluíam jovens médicos de vários países na busca dos novos conhecimentos sobre a cura da histeria e sua relação com o hipnotismo. Entre muitos de seus alunos se encontrava um jovem médico austríaco chamado Sigmund Freud. Freud ficou impressionado com o poder da sugestão mental, porém Charcot não formulou nenhuma teoria sobre o comportamento humano, pois acreditava que a histeria tivesse uma origem orgânica. Vez por outra, entretanto, mencionava o conceito de “memórias esquecidas”, que viriam a ter relevo grande relevo na psicanálise. Ele, também, tinha conhecimento de problemas sexuais ligados à histeria. Pierre Janet (1859 – 1947), um dos mais conceituados alunos de Charcot, continuou seus estudos sobre as neuroses histéricas, mostrando com a ajuda do hipnotismo, que as manifestações patológicas da histeria dependiam estritamente de idéias inconscientes fixas. Muitos outros nomes foram importantes para a descoberta da Psicanálise por Freud. Entre eles estão: James Braid, um dos inventores do hipnotismo; Bernheim, estudioso do hipnotismo; Émile Coué, que usou a sugestão e a autossugestão nos seus estudos. Do hipnotismo original tiramos dois ensinamentos básicos: • Algumas alterações somáticas singulares são resultados de influencias psíquicas; • A conduta dos pacientes depois do transe hipnótico deixava a nítida impressão da existência de processos anímicos, que só poderiam ser oriundos do inconsciente. Paralelamente, neste período, a Psicologia também passava por grandes transformações. Em 1860, nascia a Psicologia Experimental, quando Gustav Fechner (1801 – 1887) publicou sua obra “Elementos de Psicofísica” em que apresentava métodos psicológicos para medir as sensações, cujos resultados poderiam ser expressos através de formulas matemáticas. O sucessor de Fechner foi outro alemão, Wilhelm Wund (1832 – 1920), que em 1879 fundou na universidade de Leipzig o primeiro laboratório de Psicologia Experimental. Sob sua influência surgiram nos Estados Unidos à escola Comportamentalista de Watson e na Alemanha a escola Gestaltica de Wertheimer, Köhler e Kofka. Porém, os dois homens que mais influenciaram Freud foram Joseph Breuer e Pierre Charcot. Freud conheceu Breuer em 1878. Breuer mostrou a Freud que em pacientes histéricos hipnotizados desapareciam os sintomas de histeria, se fizesse reaparecer no doente, a lembrança dos acontecimentos traumáticos, durante o sono hipnótico. Mais tarde Freud e Breuer se separaram e Freud seguiu seu caminho sozinho. Na Europa Vitoriana, uma jovem desconhecida de Viena, chamada Anna O, ajuda a desvendar-se um dos maiores mistérios da mente humana. Anna adoecera subitamente em 1880, aos 21 anos, enquanto cuidava do pai agonizante. A mãe de Anna chama seu médico particular, Joseph Breuer (1842 – 1925), para tratar de sua filha que apresentava paralisias motoras, inibições e perturbações de consciência. Seguindo uma indicação da própria paciente, Breuer empregou o hipnotismo, verificando que em todas as vezes que Anna lhe comunicava as paixões e as idéias que a dominavam, voltava a um estado psíquico normal. Pela repetição das sessões o trabalho de Breuer teve êxito. Todavia, o médico se absteve de levar adiante sua descoberta, mantendo sigilo sobre a mesma durante sete anos, até o outono de 1886. Em 1885, Freud vai a Paris estudar com Pierre Charcot. Lá conhece bem o hipnotismo, a sugestão e os seus efeitos sobre a histeria. Tudo estava, finalmente, pronto para a entrada no cenário da história, do verdadeiro criador da Psicanálise, Sigmund Freud. Sigmund Freud nasceu em 1856, na hoje República Tcheca, chamava-se Scholomo Sigismund. Estudou medicina em Viena, na Áustria. Casou-se com Martha Bernays, com quem teve 6 filhos. Freud faleceu em 1939, em Londres. Freud é aclamado como o pai da Psicanálise. Ele define em várias passagens que uma das missões da Psicanálise seria levar o EGO (nossos processos mentais conscientes) onde está o ID (nossos processos mentais inconscientes). Em 1900, Freud lança um dos seus primeiros e mais importantes livros: A Interpretação dos Sonhos, onde ele começa a abordar o tema do inconsciente. Foi a partir do gênio de Sigmund Freud que a Psicanálise tomou a forma que a define e a distingue de outros tipos de psicoterapia até hoje. A partir dos seus estudos sobre o inconsciente, os sonhos, a sexualidade infantil, a transferência, a repressão, as resistências, as psicopatologias como neuroses obsessivas e histerias puderam ser tratadas de forma satisfatória, devolvendo qualidade de vida para esses doentes. Freud escreveu uma vastíssima obra por mais de quarenta anos. Sua obra engloba estudos de psicologia, sexualidade, antropologia e até mesmo crítica literária. Como tratou de todos esses assuntos sobre uma ótica psicanalítica, ele acabou por fundar uma ciência distinta de outras, apesar de que por mais de cem anos, outras ciências como a psicologia e a psiquiatria reivindicam a si a primazia sobre a psicanálise. Mas é importante frisar que a psicanálise é uma ciência livre, com formação específica para seus profissionais. Outras escolas psicanalíticas surgiram do berço freudiano, algumas acrescentando, outras alterando, mas nenhuma rompendo com a obra de Freud. Mas esse fato não se dá por uma idolatria a obra de Freud, mas por sua qualidade, que atravessa o tempo e até hoje, conceitos como inconsciente são utilizados, ainda que com variações, são a base da psicanálise. Esse aliás é um dos critérios para se diferenciar se uma psicoterapia é ou não psicanálise - se a psicoterapia tem suas bases na obra de Freud. As principais contribuições que seguiram a Freud foram feitas pelas seguintes escolas: Melanie Klein - a partir de seus estudos com crianças, Klein fundamentou a psicanálise infantil, que até hoje permanece a mesma, com pequenas contribuições de outros autores. Klein também contribuiu para o melhor entendimento do psiquismo de recém nascidos, ampliando o campo de atuação da psicanálise, permitindo o tratamento de psicóticos. Donald Winnicot - a partir de seus trabalhos em pediatria, Winnicot contribuiu para aprofundamento do entendimento sobre o psiquismo da criança, em especial a importância que a função materna tem nesse desenvolvimento. Jacques Lacan - Importantes contribuições foram feitas por esse psicanalista, que a partir de uma releitura da obra de Freud, aliada a uma instigante mistura com Hegel e Heidegger, reformulou muitos dos fundamentos do mestre, como por exemplo, a constituição como uma estrutura de linguagem. O seu trabalho aprofundou o entendimento e o tratamento da mente psicótica. Existem vários outros autores que contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento e progresso da Psicanálise, como por exemplo W. Bion, M. Mahler, F. Dolto, W. Reich, e muitos outros. AULA 10 A DESCOBERTA DA PSICANÁLISE COMPLEMENTO DA VÍDEO AULA l — O que o hipnotismo encobria Freud era ainda um médico muito jovem quando descobriu o método de cura pela Psicanálise. Empregava ele o hipnotismo, no tratamento das afecções nervosas, quando começou a notar que as ideias, ou melhor, os fatos esquecidos pelo paciente, eram perfeitamente relembrados logo que os enfermos sofriam a ação da força hipnótica. Uma vez despertados da hipnose, “esqueciam-se”, porém, os doentes, de tais ocorrências, não tendo assim nenhuma ideia consciente do que se havia passado. Pois bem. Durante esses tratamentos, principiou a observar que os seus clientes apresentavam uma certa “resistência” em confessar as reminiscências “esquecidas”, tornando-se, às vezes, uma barreira quase intransponível. Segundo o grau, a extensão de “resistência”, pôde então concluir que as lembranças desmemoriadas, na vida consciente, se achavam profundamente cavadas no espírito dos enfermos. Para que elas se apresentassem, seria preciso, portanto, vencer, certamente, “alguma coisa” de forte que se opunha tenazmente à exteriorização das ideias “soterradas”. Por outro lado, essas deslembranças estavam sempre ligadas a acontecimentos desagradáveis, penosos, considerados pelo indivíduo como questões dolorosas ou vergonhosas às aspirações da personalidade. O hipnotismo encobria, assim, um jogo de forças que precisava evidenciarse. Freud começou a pensar que todo segredo desse jogo de forças consistia em dominar a “resistência” dos enfermos. Mas se essa “resistência” era vencida pelo hipnotismo apenas, isto não lhe bastava, porque, após o sono hipnótico, ela de novo se apresentava, impedindo que as ideias viessem à tona da consciência. Não seria a falta de libertação dessas lembranças, em estado de vigília, a causa dos distúrbios nervosos de seus pacientes? 2 — A paciente histérica A pergunta se achava sem resposta, quando um seu colega e amigo, Prof. Breuer, com quem Freud privava todos os dias, observou na sua clínica, também de hipnotismo, o seguinte caso: Submetida ao sono hipnótico uma senhora histérica revelara-lhe certa e determinada lembrança, esquecida por completo na vida desperta e de real interesse clínico. Tratava-se uma moça histérica, de 21 anos de idade, inteligente e culta. Tendo adoecido (a enfermidade durou dois anos), apresenta inúmeras perturbações físicas e além de muitos outros fenômenos psíquicos, tinha a mais uma paralisia de ambas as extremidades do lado direito, com anestesia (insensibilidade), cujo sintoma se estendia, por vezes, até o lado oposto. Várias outras perturbações também eram observadas: anormalidade dos movimentos oculares, dificuldade em manter a cabeça erguida, tosse nervosa, repugnância alimentar, impossibilidade beber água, apesar da sede martirizante, etc. Tais distúrbios chegaram a ponto de inibi-la de compreender a língua materna e tantas outras coisas que alteravam inteiramente a própria personalidade. Notava-se que no estado de confusão mental, a doente murmurava palavras que pareciam relacionar-se com males que a afligiam. Sujeita ao hipnotismo, a paciente reproduzia fantasias ou devaneios profundamente tristes, muitas vezes até de real beleza poética. Estas iniciavam-se, quase sempre, descrevendo a situação de uma jovem à cabeceira do pai enfermo. Depois de desafogada a fantasia, sentia-se como que aliviada. Tal estado durava, porém, algumas horas para, ao dia seguinte voltar de novo. Durante a hipnose os sintomas desapareciam. Pois bem. Ninguém até então removera por tal meio os sintomas histéricos de ordem corporal. Pesquisados os síndromes dessa mesma enfermidade em outros pacientes, pôde Freud realmente chegar à conclusão de que todos eles se formam à custa de reminiscências afetivas, que valem como verdadeiros “traumas psíquicos”, cujos sintomas se relacionam com as cenas traumáticas que os produzem. Assim, todos os distúrbios da doente não passavam de impressões penosas, fixadas durante o tempo em que ela se dedicava ao pai enfermo. 3 — As ideias soterradas Certa noite, velava o pai, em estado de superexcitação nervosa, pois se esperava de Viena um cirurgião que haveria de operá-lo. Ausente sua mãe, sentada à cabeceira do doente, passou a filha o braço sobre o espaldar da cadeira e, num semi-sonho, viu, como que se viesse da parede, uma cobra que rastejava, em direção ao leito do pai, para mordêlo. (Provavelmente — diz Freud — no quintal da casa existiam cobras, assustando anteriormente a moça e fornecendo agora o material da alucinação.). Nessa alucinação pretendeu ela afastar o animal, mas estava como que paralisada, o braço direito (estendido no espaldar da cadeira) ficara adormecido. Quando o contemplou, seus dedos transformaram-se em cobrinhas, cujas cabeças eram caveiras (as unhas). A anestesia do braço associou-se assim à alucinação da serpente. Quis em seguida rezar, mas não achou palavras em idioma algum. Com a reconstituição desta cena durante a hipnose, foi removida a paralisia do braço que existia desde o começo da moléstia e a paciente curou-se. Todos os sintomas, como as perturbações visuais, a sede, etc., etc., achavam-se ligados aos cuidados da moça ao leito do pai e são minuciosamente esclarecidos por Freud. Para nós, entretanto, é suficiente o presente resumo, o qual nos dá, perfeitamente, uma ideia do caso histórico que levou Freud a descobrir a Psicanálise. Quando, depois, começou ele a empregar o mesmo critério nos seus enfermos, pôde confirmar a veracidade do fenômeno ocorrido neste caso clínico. Se antes o hipnotismo era empregado para os fins comuns a que ele se destina, já agora lhe servia como um método “catártico”. Isto é, o doente “vomitava” os seus desejos inconfessáveis, através da hipnose, assegurando, assim, o diagnóstico de suas perturbações e, ao mesmo tempo, libertando-se de seus males, quer físicos, quer psíquicos, uma vez dissolvidos os sentimentos profundos inconfessáveis. Ora, até então, a todos os cientistas, inclusive Charcot repugnava a concepção psicológica da histeria, justamente porque, não raro, ela também se manifesta com sintomas igualmente orgânicos (paralisias, etc.). Diante, porém, desse caso já não havia mais dúvida de que tais sintomas emocionais procuravam outras vias de exteriorização, refletindose na trama nervosa. Tudo não passava de uma conversão (os males psíquicos são convertidos no físico), como assim chamou o mestre, discordando, portanto, das opiniões correntes. O fato provocou as mais sérias controvérsias entre professores e discípulos, pois demonstrava cabalmente que a histeria podia manifestarse em homens, derrubando uma velha teoria de que a neurose era fundamentalmente feminina, de onde até lhe veio o nome clássico hysteron, útero. 4 — A revelação Freud já podia ter a certeza de que os sintomas nervosos, apresentados na sua clínica, eram movidos por essas lembranças dolorosas, adormecidas no fundo do espírito e das quais não tinha a consciência, até então, nenhuma ideia. Valiam elas como verdadeiros traumas na alma humana, desconhecidos por completo dos enfermos, porque eles o haviam esquecido. Entretanto, desde que esses traumas viessem a ser desmascarados à luz da consciência, analisados friamente por esta, todos os sintomas cessavam. Assim, os pacientes de Freud tinham também que “saber” o que lhe era acessível na hipnose, trazendo ao âmago da consciência todo o “esquecido” mórbido de suas vidas. “O processo empregado, diz Freud, havia de ser mais trabalhoso, porém mais elucidativo. Abandonei o hipnotismo e só conservei dele a maneira de colocar o meu cliente em decúbito supino, sobre um divã, ficando eu por trás dele, de forma a não ser visto.” E com esse novo processo, a que deu o nome de PSICANÁLISE, Freud pôde concluir, então, depois de infinitas experiências, que o homem não vive apenas a vida do seu psiquismo consciente e que uma outra vida palpita nas esconsas camadas do espírito humano. E é precisamente essa vida interior, profunda, indevassável, até hoje, que a Psicanálise estudou, estuda e continua observando. Através dessa vida interior, a ciência de Freud sai do campo restrito da Medicina para ganhar o domínio do inconsciente. Psicanálise é, portanto, a Ciência do Inconsciente. Psicanálise seria tal e qual o nome indica, a análise do psiquismo. Por isso é comum falar-se de psicanálise em outras esferas de pesquisas mentais. Desde que Freud, porém, lhe deu uma acepção mais profunda e perfeitamente definida, ninguém mais deve aplicar o nome de psicanálise a outras investigações que não estejam de acordo com os problemas do inconsciente. A Psicanálise, como vimos, nasceu de uma experiência clínica e, inicialmente, só foi aplicada como processo terapêutico no tratamento das neuroses. Revolvendo, porém, a vida inconsciente dos pacientes, esta região do espírito abriu-se, na ciência, como um novo panorama, desconhecido até então, esclarecendo infinitas concepções errôneas, tidas e havidas como certas, na órbita do Conhecimento. AULA 11 Jean Charcot COMPLEMENTO DA VÍDEO AULA Jean-Martin Charcot (1825 - 1893), cientista francês nascido em Paris, e falecido em Morvan, França, alcançou fama no terreno da psiquiatria na França, na segunda metade do século XIX. Foi, um dos maiores clínicos e professores de Medicina da França e juntamente, com Guillaume Duchenne, o fundador da moderna neurologia. Começou seus estudos médicos em 1844 e foi nomeado residente médico dos Hospitais de Paris em 1848 e chefe de Clínica em 1853. Sua tese de doutorado estabeleceu a diferença fundamento entre a gota e o reumatismo articular ou nodoso. Realizou estudos pioneiros sobre o sangue descobrindo as plaquetas que levam o seu nome, e descobriu também a gênese da claudicação intermitente. Foi professor na Universidade de Parispor 33 anos (1860-93). A partir de 1862 e até o fim da sua vida trabalhou no hospital da Salpêtrière, do qual foi diretor. Atraiu discípulos de toda a Europa, alguns deles, como Sigmund Freud, se tornariam famosos mais tarde. Orientou sua própria pesquisa sobre as doenças mentais para o campo da neurologia, criando uma clínica neurológica na Salpêtrière, que foi a primeira da Europa. É considerado o fundador da neurologia moderna. Em 1867 publicou Leçons cliniques sur les maladies des veillards et les maladies chroniques e em 1877 o seu manual Leçons sur les maladies du foie, des voies biliaires et des reins ("Lições sobre as doenças do fígado, das vias biliares e dos rins") Charcot tornou-se um hábil hipnotizador, e utilizava essa técnica para induzir no paciente as manifestações próprias da histeria, uma doença mental com variada sintomatologia psíquica, acompanhada de manifestações físicas como enrijecimento do corpo característico da doença. Charcot demonstrava para sua audiência de médicos e estudantes que ele podia usar a hipnose para criar em uma pessoa sadia sintomas como tremores, paralisia, insensibilidade à dor, e vários outros sinais próprios da histeria (um caso avançado de hipocondria e depressão) e que podia igualmente aliviar os sintomas dos pacientes histéricos mediante sugestão hipnótica. En 1882 criou na Salpêtrière, o que viria a ser a maior clínica neurológica da época, na Europa, centrando seus estudos sobre a histeria, epilepsia e outras desordens neurológicas. Descobriu numerosas enfermidades e síndromes neurológicos como o da esclerose lateral amiotrófica, - que diferenciou da atrofia muscular progressiva de Aran-Duchenne -, a neuropatia de Charcot-Marie-Tooth, a esclerose múltipla (EM) , da qual fez a primeira descrição histológica completa das lesões da EM e estabeleceu muitas características importantes da mesma, como a perda de mielina e a proliferação de fibras e núcleos gliais. No seu estudo de atrofia muscular, Charcot descreveu os sintomas da ataxia locomotora, uma degeneração da medula espinhal e dos feixes nervosos dos sentidos. Ele foi também o primeiro a descrever a desintegração dos ligamentos e das superfícies das juntas (Síndrome de Charcot ou "junta de Charcot"; artropatías dos joelhos, pélvis e outras articulações) causado por ataxia locomotora e outras doenças e ferimentos relacionados. Ele conduziu pesquisa pioneira de localização dos centros cerebrais responsáveis por funções nervosas específicas, e descobriu os aneurismas miliaria (dilatação das pequenas artérias que alimentam o cérebro), demonstrando sua importância na hemorragia cerebral. Criou o Museu Anatomopatológico de La Salpêtriére, os laboratórios fotográfico, anatômico e fisiológico. Dois dos seus trabalhos mais conhecidos foram Leçons sur les maladies du système nerveux, em 5 vol., publicados de 1872 a 1883; ("Lições sobre as doenças do sistema nervoso") eIconographie de Ia Salpêtrière, de 1876 a 1880. Em muitas de suas experiências apresentou BlancheWittmann, conhecida como "a rainha das histéricas", descrita como uma jovem bonita, autoritária e caprichosa. Charcot acreditava que a histeria resultava de um sistema neurológico fraco e era uma doença hereditária. Podia se instalar após a pessoa sofrer um acidente, era progressiva e irreversível. Um professor de extraordinária competência, ele atraiu estudantes de todas as partes do mundo. Um de seus estudantes em 1885 foi Sigmund Freud, e foi o emprego da hipnose feito por Charcot's na tentativa de descobrir a origem orgânica da histeria que estimulou o interesse de Freud pela origem psicológica das neuroses. Foram seus alunos, além de Freud, também os psicólogos Alfred Binet e Pierre Janet. AULA 12 O caso Ana COMPLEMENTO DA VÍDEO AULA O Caso de Anna O. O médico Josef Breuer (1842-1925), que ganhou notoriedade com o estudo sobre a respiração e o funcionamento dos canais semicirculares do ouvido, ajudou o jovem Freud. O bem-sucedido e sofisticado Bruer aconselhava Freud, emprestava-lhe dinheiro e aparentemente o considerava como um irmão mais novo precoce. Para Freud, Breuer tinha a figura de um pai. Os dois muitas vezes discutiam a respeito dos pacientes de Breuer, inclusive da paciente de 21 anos, Anna O., cujo caso se tornou fundamental no desenvolvimento da psicanálise. Inteligente e atraente, Anna O. apresentava sintomas profundos de histeria, incluindo paralisia, perda de memória, deteriorização mental, náuseas e distúrbios visuais e orais. Os primeiros sintomas apareceram quando ele cuidava do pai, que sempre a mimara e estava morrendo. Dizem que ela nutria por ele uma espécie de paixão (Ellenberger, 1972, p. 274). Breuer começou o tratamento de Anna O. usando a hipnose. Ele pensava que, enquanto estivesse hipnotizada, ela se lembraria de experiências específicas que pudessem ter originado alguns dos sintomas. Ao falar sobe as experiências durante a hipnose, freqüentemente ele se sentia aliviada dos sintomas. Durante mais de um ano, Breuer atendia Anna O. diariamente. Ela relatava os incidentes perturbadores ocorridos durante o dia e, depois de falar, algumas vezes alegava sentir-se aliviada dos sintomas. Ela se referia as conversas como uma limpeza de chaminé ou o que chamou de cura da palavra. Conforme prosseguiam as sessões, Breuerpercebia (assim ele disse a Freud) que os incidentes de que Anna O. se lembrava estavam relacionados com pensamentos ou eventos que ele repudiava. Revivendo as experiências perturbadoras durante a sessão de hipnose, os sintomas eram reduzidos ou eliminados. A esposa de Breuer começou a ficar com ciúmes da relação emocional muito próxima criada entre os dois. A jovem Anna O. exibia o que se tornou conhecida como *transferência positiva para Breuer. Em outras palavras, ela estava transferindo o amor que sentia pelo pai para o terapeuta. Essa transferência fora incentivada pela semelhança física entre o pai e Breuer. Além disso, talvez Breuer também estivesse nutrindo uma ligação emocional com a paciente. Um historiador observou: "os seus dotes joviais, o charmoso ar de desamparo e até mesmo o seu nome (...) despertaram em Breuer os desejos edipianos adormecidos que ele sentia pela própria mãe" (Gay, 1988, p. 68). Breuer acabou sentindo-se ameaçado com a situação e disse aAnna O. que não podia mais tratar dela. Dali a poucas horas, Anna O. foi acometida de dores histéricas comparáveis às de um parto. Breuer acabou com essa condição usando a hipnose. Assim, reza a lenda que ele teria viajado com a esposa para Veneza em uma espécie de segunda lua-de-mel, durante a qual ela teria engravidado. Essa história se transformou em um mito perpetuado por diversas gerações de psicanalistas e historiadores. Ela ilustra mais um exemplo de dado histórico distorcido. Nesse caso, a história persistiu durante mais de 100 anos. Breuer e a esposa realmente viajaram para Veneza, mas a data de nascimento dos seus filhos revela que nenhum deles foi concebido naquela época (Ellenberger, 1972). Análises posteriores dos registros históricos revelaram que Anna O. (cujo nome real era Bertha Pappenheim) não foi curada com os tratamentos catárticos de Breuer. Depois que ele deixou de vê-la, foi internada e passava horas diante da foto do pai, dizendo que ia visitar seu túmulo. Ela teve alucinações e convulsões, neuralgia facial e dificuldades recorrentes na fala e também se viciou em morfina; Breuer prescrevera a droga para aliviar a dor facial (Webster, 1995). Breuer disse a Freud que Bertha enlouquecera; acreditava que ela sofreria até morrer. Não se sabe bem ao certo como Bertha Pappenheim superou os problemas emocionais, mas ela acabou se tornando assistente social e feminista, apoiando a educação feminina. Publicou vários contos, escreveu uma peça sobre os direitos da mulher e acabou sendo homenageada com a criação de um selo postal alemão (Shepherd,1993). O relato de Breuer acerca do caso de Anna O. foi importante para o desenvolvimento da psicanálise por ter apresentado a Freud o método catártico, a chamada cura por meio da conversa, que mais tarde viria a figurar com destaque em seus trabalhos. *Transferência: processo pelo qual um paciente responde ao terapeuta como se ele fosse uma pessoa importante (como pai ou mãe) em sua vida.