NÃO INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE LUCROS DECORRENTES DE RECEITAS DE EXPORTAÇÃO. CIRCUNSCRIÇÃO DO TEMA A Constituição Federal estabeleceu, desde 11 de dezembro de 2.001, através da Emenda Constitucional número 33 daquela data, a imunidade relativamente à cobrança das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre receitas de exportações, introduzindo o § 2º e seu inciso I no artigo 149 da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB, o qual tem o seguinte comando: Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; Além das contribuições diversas de intervenção no domínio econômico, este estudo deter-se-á sobre as contribuições sociais a que se referem as letras “b” e “c” do inciso I do artigo 195 da CRFB que, como ali disposto incidem sobre a receita ou o faturamento (“b”) e sobre o lucro (“c”). Pois bem, entendo que a imunidade constitucional alcança as receitas de exportação, excluindo-se aí a incidência da COFINS e a do PIS as quais alcançam a receita ou faturamento. Porém, entendo ainda, como será demonstrado adiante, que tal imunidade estende-se sobre a CSLL –Contribuição sobre os Lucros Líquidos, visto que tais valores também são componentes das receitas de exportação. Entretanto, assim não pensa a Secretaria da Receita Federal, através de sua Superintendência Regional da Receita Federal da 9ª Região que, em resposta a consulta formulada assim respondeu: • 9ª REGIÃO FISCAL – DRF: Curitiba, Cascavel, Foz do Iguaçu, Londrina, Maringá, Paranaguá, Ponta Grossa, Blumenau, Florianópolis, Joaçaba, Joinville, Lages, Itajaí. Solução de Consulta nº 102/2003 – CSLL CSLL. Imunidade. Contribuições sociais. A imunidade conferida pelo art.149, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, atinge apenas as contribuições sociais que possuem como base de incidência as receitas decorrentes de exportação, não alcançando a contribuição social incidente sobre o lucro. DISPOSITIVOS LEGAIS: Constituição Federal, art.149, § 2º, inciso I, e 195, inciso I, alínea “c”; Lei nº 7.689, de 1988, art.2º. (DOU de 12.08.2003). Como se pode constatar, a interpretação da Secretaria da Receita Federal ao pretender incluir no campo de incidência da CSLL os lucros decorrentes de receitas de exportação tentou, através de interpretação literal e estrita, diminuir o alcance da imunidade concedida a tais receitas de exportação. Demonstrar-se-á. CONSIDERAÇÕES SOBRE A NORMA CONSTITUCIONAL IMUNIZANTE. Preliminarmente, antes de ser abordada a questão da interpretação da norma limitadora da competência impositiva, é necessário entender qual a natureza do instituto da imunidade constitucional. É em Paulo de Barros Carvalho (1) que a doutrina atual encontra escora para definir a natureza da imunidade como sendo“... a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”. Mais adiante o ilustre professor paulista acrescenta, ao examinar o paralelismo que traça a doutrina brasileira entre a isenção e a imunidade, conclui que “São proposições normativas de tal modo diferentes na tecitura do ordenamento positivo que pouquíssimas são as regiões de contacto. Poderíamos sublinhar tão-somente três sinais comuns: a circunstância de serem normas jurídicas válidas no sistema; integrarem a classe das regras de estrutura; e tratarem de matéria tributária. Quanto ao mais, uma distância abissal separa as duas espécies de unidades normativas. O preceito de imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais”. “Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da conseqüência da regra-matriz do tributo, como teremos a oportunidade de descrever em capítulo ulterior”. “São categorias jurídicas distintas, que não se interpenetram, mantendo qualquer tipo de relacionamento no processo de derivação ou de fundamentação, a não ser em termos muito oblíquos e indiretos”. “A conclusão é no sentido de que não se pode delinear paralelismo entre as mencionadas instituições, como o faz a doutrina brasileira”. Também Sacha Calmon Navarro Coelho (2), nos dá a precisa posição da doutrina, quanto ao instituto da imunidade, quando diz que “A doutrina, em peso, posiciona a imunidade no capítulo da competência. Pontes de Miranda preleciona: “A regra jurídica de imunidade é a regra jurídica no plano da competência dos poderes públicos – obsta a atividade legislativa impositiva, retira ao corpo que cria impostos qualquer competência para pôr, na espécie”. Bernardo Ribeiro de Moraes secunda-o: “Cabe à Carta Magna estabelecer a competência dos poderes tributantes. Da mesma forma, cabe-lhe limitá-la, podendo, na entrega do poder impositivo, reduzir a competência tributária pela exclusão de certas pessoas, atos ou coisas, colocados fora da tributação”. Aliomar Baleeiro, insigne e saudoso mestre, não discrepa: “As limitações constitucionais ao poder de tributar funcionam por meio de imunidades fiscais, isto é, disposições da lei maior que vedam ao legislador ordinário decretar impostos sobre certas pessoas, matérias ou fatos, enfim situações que define”. Ataliba aduz que: “... imunidade é ontologicamente constitucional” e que só “a soberana Assembléia Constituinte pode estabelecer limitações e condições do exercício do poder tributário”. Ulhôa Canto reforça-o com dizer que: “... imunidade é a impossibilidade de incidência que decorre de uma proibição imanente, porque constitucional... portanto é tipicamente uma limitação à competência tributária que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sofrem por força da Carta Magna, porque os setores a eles reservados na partilha de competência impositiva já lhes são confiados com exclusão desses fatos, atos ou pessoas”. Como se pode constatar, a regra de imunidade atinge a competência conferida às pessoas constitucionais. Portanto, ocorre em momento anterior ao surgimento da obrigação tributária, impedindo sua ocorrência ao limitar a competência do Estado para impor determinado tributo. De outra banda, as normas constitucionais imunizantes têm por objetivo alcançar uma finalidade almejada pelo constituinte em benefício da nação e nesse passo diferem das regras de isenção porque estas últimas, em primeiro lugar, não alcançam a obrigação tributária excluindo simplesmente o crédito tributário dela decorrente como ensina Rubens Gomes de Sousa(3), Amílcar Araújo Falcão(4) e outros; e, em segundo lugar, porque estão circunscritas no âmbito da política tributária do Estado que exclui o crédito tributário sobre determinadas situações ou fatos que lhe interessa prestigiar por motivos extrafiscais. Como visto, a imunidade se insere na norma de competência impositiva, negando-a e dela fazendo parte para delimitar essa competência em seus contornos constitucionais. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL IMUNIZANTE. Assentada a natureza do instituto da imunidade, imperativo se torna investigar se ele está sujeito ou não às limitações de interpretação a que está a isenção. Entendo, apoiado na doutrina e na jurisprudência, que a interpretação das regras imunizantes deve ser ampla buscando alcançar o seu sentido finalístico ou mesmo teleológico, de sorte a encontrar os objetivos colimados pelo constituinte. Como dito, essa posição encontra total apoio na doutrina e na jurisprudência, como adiante se vê dos votos dos Ministros Carlos Velloso e Celso Mello que, ao tratarem da imunidade do artigo 150, VI, d da Constituição que se refere aos livros, jornais, periódicos e ao papel destinado a impressão, assim se manifestaram, a saber: “Repito: é preciso interpretar a imunidade inscrita no art.150, VI, d, tendo em vista os valores que a norma visa a proteger: valores da cultura, da liberdade de expressão, de crítica, de informação. Ora, é incontestável que o livro, o jornal e o periódico estão a serviço de tais valores, certo que a proteção a esses valores é a tônica do constitucionalismo brasileiro. O entendimento em sentido contrário assenta-se, na verdade, numa interpretação puramente literal do texto constitucional. A interpretação literal, entretanto, não presta obséquio nem ao Direito nem à Justiça. Ela não chega a ser, aliás, interpretação. É técnica de trabalho, tão-só”.(grifado) (VOTO DO MINISTRO CARLOS VELLOSO NO RE Nº 203.859-8-SÃO PAULO) ........................... As normas constitucionais referentes à imunidade tributária devem merecer, em sua aplicação, exegese compreensiva e, até mesmo, extensiva. Por isso mesmo, acentua RUY CARLOS DE BARROS MONTEIRO (“Apontamentos sobre as imunidades tributárias à luz da jurisprudência do STF”, in Revista de Informação Legislativa, vol. 93/148, 1987), “importa salientar que, no campo da interpretação das imunidades, a única regra admissível é, ao contrário do que sucede no da isenção, a ampla, de modo que propicie a completa transparência dos princípios nela consagrados”. Essa orientação doutrinária, prestigiada por AMÍLCAR DE ARAÚJO FALCÃO (RDA 66/372) e IVES GANDRA MARTINS (“Sistema Tributário na Constituição de 1988”, p.151, 1989, Saraiva), dentre outros, foi acolhida por esta Corte (RTJ 116/267).(grifado) Em suma: o fato de inquestionável relevo na análise deste tema tão densamente impregnado de significação político-jurídica, que transcende a própria esfera de índole meramente fiscal, reside na circunstância de que o instituto da imunidade tributária há de ser definido e interpretado em função da própria razão que justifica a sua previsão constitucional. Desse modo, é preciso ter presente – como já referido – o próprio sentido finalístico, a teleologia mesma, da cláusula constitucional que institui a garantia da imunidade como típica e insuprimível limitação ao poder de tributar do Estado.(grifado) Incensurável, sob esse aspecto, o magistério de HUGO DE BRITO MACHADO (“Curso de Direito Tributário”, p.191/192, item nº 3.11, 7ª Ed., 1993, Malheiros), que, em precisa abordagem do tema salienta: “A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel destinado a sua impressão, há de ser entendida em seu sentido finalístico. E o objetivo da imunidade poderia ser frustrado se o legislador pudesse tributar qualquer dos meios indispensáveis à produção dos objetos imunes. Assim, a imunidade, para ser efetiva, abrange todo o material necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico”. Concluo o meu voto, Sr. Presidente. Tendo presentes estas considerações, peço vênia para conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário interposto pela empresa jornalística. (VOTO DO MINISTRO CELSO DE MELLO NO RE Nº 203.859-8-SÃO PAULO) Também o E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim entende como se pode ver do voto do Desembargador Federal Vilson Darós, abaixo transcrito: Hugo de Brito Machado, em seu Curso de Direito Tributário, chama atenção para um importante aspecto a ser considerado para o deslinde da questão posta em juízo, qual seja, a evolução operada no conceito clássico de livro. Vale transcrever o seguinte trecho: “Questão das mais relevantes consiste em saber se a imunidade dos livros, jornais e periódicos, e do papel destinado a sua impressão, abrange os produtos da moderna tecnologia, como os CD-roms e os disquetes para computadores. A melhor interpretação das normas da Constituição é aquela capaz de lhes garantir a máxima efetividade. Toda imunidade tem por fim a realização de um princípio que o constituinte considerou importante para a nação. A imunidade dos livros, jornais e periódicos tem por fim assegurar a liberdade de expressão do pensamento e a disseminação da cultura. Como é inegável que os meios magnéticos, produtos da moderna tecnologia, são hoje de fundamental importância para a realização desse mesmo objetivo, a resposta afirmativa se impõe. O entendimento contrário, por mais respeitáveis que sejam, e são, os seus defensores, leva a norma imunizante a uma forma de esclerose precoce, inteiramente incompatível com a doutrina do moderno constitucionalismo, especialmente no que concerne à interpretação especificamente constitucional. É certo que o constituinte de 1988 teve oportunidade de adotar redação expressamente mais abrangente para a norma imunizante, e não o fez. Isto, porém, não quer dizer que o intérprete da Constituição não possa adotar, para a mesma norma, a interpretação mais adequada, tendo em vista a realidade de hoje. Realidade que já não é aquela vivida pelo constituinte, pois nos últimos dez anos a evolução da tecnologia, no setor de informática, tem sido simplesmente impressionante. Se em 1988 não se tinha motivos para acreditar na rápida substituição do livro convencional pelos instrumentos e meios magnéticos, hoje tal substituição mostra-se já evidente, embora o livro tradicional ainda não tenha perdida sua notável importância. A evolução, no setor da informática, é tão rápida, que o CD ainda nem ocupou espaços significativos no mercado brasileiro e já está sendo substituído, com imensa vantagem, pelo DVD, levando várias empresas a incluir drivers especiais em alguns de seus micros; previa-se, mesmo, que até o final de 1998 “esses drivers terão substituído totalmente os de CD-ROM, que serão, então, peças de museu” (INFO-Exame, n. 12, dezembro/97, p. 44). Não pode, pois, o intérprete, deixar de considerar essa evolução. Nem esperar que o legislador modifique o texto. O melhor caminho, sem dúvida, para que o Direito cumpra o seu papel na sociedade, é a interpretação evolutiva”. (Malheiros Editores, 18ª ed., 2000, p. 228). Nesse sentido foi a definição conferida pelo Juiz Zuudi Sakakihara ao mérito da ação mandamental, prestigiando, a meu sentir, o valor-informação contemplado pela norma (art. 150, inc. VI, alínea d, da CF/88) em detrimento da interpretação literal, que se afigura demasiado singela diante da complexidade que envolve a matéria. “...Como verdadeira garantia individual, a imunidade do livro não merece o tratamento amesquinhado de simples benefício econômico à atividade livreira, assim como seria demasiadamente tacanho imaginar que a proibição constitucional de instituir impostos sobre o livro tivesse como destinatário a reunião de folhas ou cadernos, soltos, cosidos ou por qualquer outra forma presos por um dos lados, e enfeixados ou montados em capa flexível ou rígida, que é a definição de livro, que se encontra no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda. As garantias constitucionais, como verdadeiros princípios, não se confinam à materialidade de um objeto, naturalmente cambiável no tempo, mas prendem-se ao seu conceito imanente, e assim se perpetuam, nada obstante as mudanças trazidas pelos avanços da tecnologia. Assim, a garantia de que nenhum imposto incidirá sobre a operação que tenha o livro como objeto, não teve em vista o que o livro é, mas o que o livro representa. Lascas de pedra, pranchas de madeira e peles de animal já serviram como livro. Hoje, o livro ainda é conhecido por ser impresso e ter como suporte material o papel. Rapidamente, porém, o suporte material vem sendo substituído por componentes eletrônicos, cada vez mais sofisticados, de modo que, em breve, o papel será tão primitivo, quanto são hoje a pele de animal, a madeira e a pedra. A imunidade, assim, não se limita ao livro como objeto, mas transcende a sua materialidade, atingindo o próprio valor imanente ao seu conceito. Pode-se dizer, então, que a Constituição não tornou imune a impostos o livro objeto, mas o livro-valor. E o valor do livro está justamente em ser um instrumento do saber, do ensino, da cultura, da pesquisa, da divulgação de idéias e difusão de ideais, e meio de manifestação do pensamento e da própria personalidade do ser humano. É por tudo isso que representa, que o livro está imune a impostos, e não porque apresenta o formato de algumas centenas de folhas impressas e encadernadas. Diante disso, qualquer suporte físico, não importa a aparência que tenha, desde que revele os valores que são imanentes ao livro, é livro, e como livro, estará imune a impostos, por força do art. 150, VI, d, da Constituição. O denominado quickitionary, segundo se deduz do laudo técnico, embora não se apresente no formato tradicional do livro, tem conteúdo de livro e desempenha exclusivamente a função de um livro. Não há razão alguma para que seja excluído da imunidade que a Constituição reserva para o livro, pois tudo que desempenha a função de livro, afastados os preconceitos, só pode ser livro. (..)”. (fl. 84). Penso que a decisão concessiva da segurança, que examinou minuciosamente o tema objeto do litígio, emprestou correta interpretação ao dispositivo constitucional em testilha, razão por que deve ser mantida nos exatos termos em que proferida. Isso posto, nego provimento ao apelo da Fazenda Nacional e à remessa oficial. É como voto. Juiz VILSON DARÓS Relator (APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.70.00.002338-5/PR) Do exposto, a interpretação da norma imunizante deve buscar, de forma ampla o seu sentido finalístico para que sejam alcançados os objetivos colimados pelo constituinte. A IMUNIDADE DAS RECEITAS DE EXPORTAÇÃO QUANTO ÀS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS E DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. Como visto anteriormente, nos termos do artigo 149, § 2º, inciso I da CRFB, as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico “não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação”. A incidência das contribuições sociais sobre “receita” se deu com o advento da EC n. 20/98 que alterou o artigo 195, I da Constituição Federal, introduzindo a alínea “b”, no inciso citado, onde a incidência da COFINS passou a ser sobre “a receita ou o faturamento”, e a doutrina, a partir desta data, debruçou-se a perquirir o alcance de ambos os vocábulos empregado no Texto Político e dentre estes doutrinadores, destaco Marco Aurélio Greco(5) que esgotou o tema no trabalho indicado partindo dos conceitos de receita e faturamento. Para o festejado autor o conceito de receita encerra o de faturamento sendo este último uma espécie do primeiro. Para encontrar o verdadeiro sentido do termo receita e distinguí-lo de faturamento o preclaro autor utiliza-se do recurso de encontrar traços comuns e traços específicos do segundo termo, o faturamento. Como traços comuns tem-se que receita e faturamento representa ingressos novos com relevância patrimonial. Isso vale dizer que nem todo ingresso de recursos representa receita ou faturamento. Para tanto é mister que estes ingressos tragam modificações positivas ao patrimônio considerado. Nesse aspecto, Aliomar Baleeiro(6) embora tratando de receita pública entende como tal a “entrada (quantia recebida pelos cofres públicos) que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo”. De outra parte, todo faturamento é receita mas, nem toda receita é faturamento. Este último está intimamente ligado ao objeto social da empresa correspondendo a todo ingresso que tenha origem na exploração desse objeto social constituindo-se em evento positivo para o patrimônio social. O conceito de receita é mais amplo e abrange todo e qualquer ingresso que interfira positivamente com o patrimônio da empresa. Como visto, já se tem o alcance do conceito de receita empregado pela Constituição. De outra banda, a expressão constitucional empregada no inciso I do § 2º do artigo 149 da CRFB (receitas decorrentes de exportação) deve abranger, como dito acima, não somente as receitas do faturamento de mercadorias para o mercado externo, como também, as receitas de variação cambial dessas exportações decorrentes e quaisquer outras que também o sejam. Feitas essas considerações acima, cabe então indagar qual o objetivo desta imunidade concedida às empresas no tocante às exportações. Fica claro que o constituinte procurou desonerar nossas exportações de sorte a proporcionar maior competitividade aos produtos nacionais no mercado externo, visto que não se exporta tributos, como fazem todos os países em geral em suas transações comerciais internacionais. Um fato de grande importância a ser observado é que a União de uns tempos para cá “descobriu as contribuições” como fonte de recursos para financiar suas despesas, inclusive o “defict” público, através de desvinculação de 20%(vinte por cento) dos recursos arrecadados com estes tributos (artigo 76 do ADCT da CRFB) até 2.007. Essa “descoberta” trouxe ônus sem par aos exportadores dificultado as exportações, sendo necessária e urgente a desoneração das exportações. Diante deste quadro e procurando atender ao princípio da desoneração tributária das exportações é que, através da Emenda Constitucional número 33/2001 de 11 de dezembro de 2001, foi acrescentado o § 2º e seu inciso I ao artigo 149 da CRFB. Mas, é somente este o fim a que se destina a imunidade concedida? É óbvio que não. O objetivo principal é promover o desenvolvimento nacional, a geração de emprego e renda o que vem acontecendo e, em fim último, o bem-estar social. Por seu turno, o estímulo ao desenvolvimento que deságua no bem-estar social atende aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil no sentido de que sejam promovidos os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana insertos nos incisos IV e III do artigo 1º da Constituição Federal. Aliás, sobre estes fundamentos da República Federativa do Brasil, Celso Ribeiro Bastos (7) acrescenta sobre a dignidade da pessoa humana que a “referência à dignidade da pessoa humana parece conglobar em si todos aqueles direitos fundamentais, quer sejam os individuais clássicos, quer sejam os de fundo econômico e social. Em última análise, a dignidade tem uma dimensão também moral. São as próprias pessoas que conferem ou não dignidade às suas vidas. Não foi este sentido, todavia, o encampado pelo constituinte. O que ele quis significar é que o Estado se erige sob a noção da dignidade da pessoa humana. Portanto, o que ele está a indicar é que é um dos fins do Estado propiciar as condições para que as pessoas se tornem dignas”. Já quanto aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa acrescenta que “o trabalho é que confere ao homem uma das suas qualificações mais marcantes. É muito freqüente mesmo identificar-se certas pessoas pelo trabalho que exercitem. Pelo trabalho o homem realiza a sua própria existência. Transforma o mundo, impregna-o da sua imagem. Embora visto biblicamente como uma maldição (“ganharás o pão com o suor de teu rosto”), nada obstante derivar da sua condição de ser decaído (no Éden não havia trabalho) ainda assim é pelo esforço que cada um faz para subsistir, assegurando o necessário a si e àqueles que dele dependem, que o homem pode transcender a sua condição, praticando coisas assemelhadas às divinas. Pelo trabalho criativo o homem se supra e aproxima-se de Deus. Mas, obviamente, o trabalho que redime não é o escravo, mas o livre. Não é o trabalho imposto de fora, mas o trabalho livremente escolhido. Para que o homem projete sua personalidade no trabalho ele há de ser livre, é dizer, é necessário que o Estado assegure a opção individual de cada um”. Como se pode ver, o alcance da regra imunizante vai além de uma simples decisão de Estado no sentido de exclusão de crédito tributário com fins meramente extrafiscais. Pertinente então a seguinte indagação no sentido de saber-se porque então o constituinte resolveu criar uma norma de imunidade. Porque o legislador ordinário não concedeu a isenção simplesmente? A resposta reside no fato de que não deseja ele, o constituinte, a pequenez da interpretação literal desta norma que poderia obstar sua aplicação ampla e irrestrita de sorte que as exportações ficassem verdadeiramente desoneradas de toda e qualquer contribuição social ou de intervenção no domínio econômico. Não fora esse objetivo ou fim, o legislador nacional, simplesmente, teria legislado por lei ordinária e teria concedido isenção podendo então a Secretaria da Receita Federal dar suas normais interpretações restritivas ao instituto criado. Com efeito, se fosse regra de isenção poderia tal exclusão ficar restrita tão somente às contribuições que incidissem sobre receita “stricto sensu”. Mas não é. A norma é de imunidade, de limitação de competência tributária e deve ser interpretada de forma ampla de sorte a serem alcançados os seus objetivos finais. Sendo assim, nenhuma contribuição social ou de intervenção no domínio econômico, pode incidir sobre qualquer receita de exportação, ou parte dela, os lucros decorrentes destas receitas de exportação. Tal afirmativa tem sustentação quer em termos jurídicos quer em termos econômicos porque a receita auferida seja de vendas no mercado interno, seja decorrente de exportações, só tem dois destinos inexoráveis, independentemente de quem possa auferi-las. Assim, ela (a receita) ou é despendida, gasta, ou ela (a receita) é poupada. Note-se que em geral essa “poupança” gera “novos investimentos” tão desejados pela economia nacional cujo nível de investimento atual beira os 18% do PIB sendo necessários 36%, no dizer dos economistas, para que a nação possa crescer saudável e por longo tempo. Ora, se o fim da desoneração das exportações é a maior penetração de nossas mercadorias no mercado internacional, daí resultando maior desenvolvimento, mais empregos e maiores investimentos não se justifica liberar as receitas decorrentes de exportação somente das contribuições que incidem sobre elas diretamente e de outro lado, tributar parte dessas receitas que foram poupadas (lucros) e que deverão desaguar em “novos investimentos”. Tal interpretação da Secretaria da Receita Federal não atende ao fim a que foi proposta a imunidade constitucional para as exportações, pois aqui não cabe qualquer interpretação restritiva do instituto da imunidade, como se pode constatar das decisões proferidas em casos análogos: CONSTITUCIONAL - TRIBUTÁRIO - ICMS - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - C.F., art.150, VI, c. I - Não há invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade. II - Precedentes do STF. III - Agravo não provido. AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 389.118-8 - SP Relator: Ministro Carlos Velloso Agte: Estado de São Paulo Agda: Fundação Casa do Pequeno Trabalhador Decisão: Unânime. 2ª Turma do STF. (Fonte: DJU I de 08/11/2002 - Pag.49) ...................... TRIBUTÁRIO - IPMF - INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO - IMUNIDADE DO ART.150, VI, C, E § 4º, DA CONSTITUIÇÃO. - Tributo que, ao incidir sobre movimentação ou transmissão de valores, créditos e direitos de natureza financeira, desenganadamente onera recursos relacionados com as finalidades essenciais dos entes da espécie. - Instituição cujas atividades, no caso, foram expressamente reconhecidas pelo acórdão recorrido como exercidas sem fins lucrativos. - Configuração da hipótese de imunidade tributária prevista nos dispositivos sob enfoque. - Agravo desprovido. AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 211.790-1-MG Relator: Ministro Ilmar Galvão Agte: União Federal Agdo: União Brasileira de Educação e Ensino - UBEE Decisão: Unânime. 1ª Turma do STF. (Fonte: DJU I de 19/12/2002 - Pag.80) ....................... CONSTITUCIONAL - TRIBUTÁRIO - IMUNIDADE - INSTITUIÇÃO DE ENSINO SEM FINS LUCRATIVOS - IOF SOBRE OPERAÇÕES BANCÁRIAS - CF, ART.150, VI, C. - Hipótese em que o tributo incide sobre o patrimônio das entidades da espécie, representado por ativos financeiros, com ofensa à imunidade prevista no dispositivo em referência. - Recurso desprovido. AGRG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 249.980-3-RJ Relator: Ministro Ilmar Galvão Agte: União Agda: Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa Decisão: Unânime. 1ª Turma do STF. (Fonte: DJU I de 14/06/2002 - Pag.142) Como constatado acima, no primeiro caso de imunidade de entidade de assistência social, a mesma foi estendida ao ICMS incidente sobre bem adquirido para integrar o seu patrimônio, não importando perquirir se o ICMS integra ou não o grupo dos IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÔNIO E A RENDA como classificado no Capítulo III do Código Tributário Nacional e sim, o grupo dos IMPOSTOS SOBRE A PRODUÇÃO E A CIRCULAÇÃO do Capítulo IV seguinte. No segundo caso, o IMPOSTO SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA – IPMF por alcançar recursos relacionados com as finalidades essenciais da entidade imune, também foi afastado e, o terceiro caso de interpretação ampla ou teleológica retira do alcance do IOF- IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES BANCÁRIAS as operações bancárias de instituição de educação porque, embora este imposto seja classificado no mesmo grupo do ICMS, também atinge ativos financeiros daquela entidade imune. Ora, a contribuição que incide sobre os lucros decorrentes de receitas de exportação, finda por incidir sobre parte dessas receitas, quer sejam esses lucros apurados em balanço, quer sejam apurados de forma presumida. Se os lucros forem apurados em balanço é perfeitamente possível através da contabilidade, com apropriação dos custos e despesas correspondentes às receitas internas e de exportação, inclusive através de rateios de despesas comuns proporcionais às receitas de exportação, apurar a base de cálculo imune também a CSLL. Se tais lucros tributáveis são apuráveis através do sistema de lucro presumido, mais fácil será a apuração, como adiante demonstrado, visto que a base de cálculo da CSLL assim apurada é de 12% (doze por cento) da receita bruta auferida no período de apuração e a sua alíquota é de 9% como se vê da regulamentação da citada contribuição segundo a Instrução Normativa SRF nº 390, de 30 de janeiro de 2004, DOU de 2.2.2004. Por conseqüência, a CSLL sobre o lucro presumido corresponde a 9% de 12% da receita bruta do período e assim é fácil entender que a CSLL no caso de lucro presumido é 1,08% (9% de 12%) da receita bruta do período. Nesse caso, bastam excluir da imposição as receitas brutas de exportação. CONCLUSÃO Do exposto é possível concluir que, se as receitas de exportações estão imunes à incidência das contribuições sociais, a parte que foi poupada dessas receitas, ou seja, os lucros delas decorrentes também estão alcançados pela norma de imunidade prescrita no inciso I do §2º do artigo 149 da Constituição Federal. Frederico de Moura Theophilo Advogado em Londrina. OAB-PR 8719 _________________________ (1) Paulo de Barros Carvalho – CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO – 4ª Edição, atualizada de acordo com a Constituição Federal de 1988 Editora Saraiva – 1991 - Págs.117/119. (2)- Sacha Calmon Navarro Coelho – Curso de Direito Tributário Brasileiro – 6ª edição – Editora Forense – Rio de Janeiro 2003 – Págs.160/16. (3)- Rubens Gomes de Souza – PARECERES 1 – IMPOSTO DERENDA – Edição Póstuma – Resenha Tributária – São Paulo, 1975 – prs. 266. (4)- Amílcar de Araújo Falcão – Parecer – Revista de Direito Administrativo – 1961 – vol. 66 – pgs. 367 – apud Rubens Gomes de Souza – Obra citada. (5)- Marco Arélio Greco - COFINS NA LEI 9.718/98 – Variações Cambiais e Regime da Alíquota Acrescida DIALÉTICA – vol. 50 pgs. 110/151. (6) – Aliomar Baleeiro - Introdução à Ciência das Finanças – Forense – Rio – 12ª Edição – pgs. 130 - 1978 (7) - Celso Ribeiro Bastos - COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL (Promulgada em 05 de outubro de 1988) 1º volume – PréConstitucionalismo. O Estado. Constituição. Arts.1º a 4º - 1988 – Editora Saraiva – 1988 - pgs.425/426