MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA NO SANTO: COMPLEXIDADE E SABEDORIA Luiz Eduardo Ferreira da Silva Ana Luiza de Vasconcelos Marques Waldeci Ferreira Chagas Universidade Estadual da Paraíba - UEPB O nosso objetivo neste trabalho é analisar o papel da yalorixá nas práticas candomblecistas, principalmente a sua relação com os seus filhos (as) de santo, ou seja, o modo como se comporta no diálogo que estabelece com eles, visto ser mulher e líder religiosa em meio a uma família composta por homens e mulheres. No candomblé a yalorixá possui importância, visto que é a responsável tanto pela parte sagrada do terreiro e a pessoa que transmite aos filhos e filhas os ensinamentos dos orixás, como também administra o terreiro. Assim diferentemente de algumas outras religiões, se destaca, uma vez que está no mesmo patamar político e social que os homens, os babalorixás. Por isso, é uma personagem fundamental na manutenção do candomblé, uma vez que possui duplo poder: o de agregar a família de santo e guardar a sabedoria dos orixás. Em função disso, é uma figura amada, admirada, mas também temida. Palavras-Chave: Iniciação. Sociabilidade. Conhecimento. Respeito. Tradição Introdução O presente trabalho vem identificar o processo de parentesco na familiaridade e sociabilidade no santo, procurando perceber o processo de relação entre os iniciados e a hierarquia, pontuando a importância da Yalorixá como figura congruente no andamento cotidiano do terreiro. A religiosidade de matriz africana se difere das outras religiões ditas cristãs em sua estrutura, na forma de transmissão do conhecimento e no próprio papel que a mulher representa diante dos iaôs, o respeito recíproco que vai se estabelecendo não apenas nos momentos sagrados e profanos das práticas religiosas, mas, no dia-a-dia atuando como um espelho, que muitas vezes é seguido e levado em consideração. A autoridade espiritual e moral emana direta e exclusivamente do pai ou da mãe, que só reconhece acima da sua autoridade, a dos orixás, uma autoridade absoluta, em linhas perceptíveis de hierarquia, beneficiando especialmente os velhos e as mulheres. É importante que isso ocorra para dar uma maior mobilidade e força nas relações que vão se estabelecendo uma reciprocidade dotada de respeito, conhecimento e cumplicidade. A mãe escolhe suas auxiliares na administração do terreiro, as chamadas iyás (mães), que se encarregam de certos serviços, que tem uma importância muito grande para o próprio funcionamento dos rituais. Uma dessas auxiliares é a iyá moro, ajunta da mãe, que acompanha em todos os serviços religiosos; duas outras são a dagã e a sidagã, a primeira mais velha que a segunda. Nessa linha analisamos que o candomblé em sua estrutura de hierarquia tem um sistema organizacional muito diferenciado. Na estrutura nagô as mulheres ganham uma titulação muito própria em um quadro muito destacável. O pêji-gã (dono do altar) e a iyalaxé (zeladora do axé) são personagens importantíssimos, mas sem funções reais, pessoais, dentro do candomblé. Os seus títulos são uma distinção especial, mas os deveres resultantes dos seus cargos são delegados a filhas da sua imediata confiança. Teoricamente responsáveis, perante a mãe, pelo altar e pelos axés, o pejí – gã e a iyalaxé dão idéias e sugerem modificações para mantê-los à altura das tradições da casa. Uma ou duas filhas se incubem do cuidado com o altar e os axés, seja por delegação direta ou não ,entretanto, esses cargos tem uma importância fundamental nos axés. Substituta imediata da mãe, a (iyá kêkêrê) também conhecida por mãe pequena em nagô, está imediatamente abaixo na linha sucessória da hierarquia, administrando civil e religiosamente no candomblé. Por que civil, muitas vezes os axés tem outras funções além do momento dos rituais religiosos ou profanos, mas a comunicação de relacionamento de se dar também diariamente, ou seja, como a yalorixá tem muitas obrigações a cumprir a mãe pequena está mais juntas das iniciandas e conhece os problemas e confusões que porventura existam. Logo tenta resolver as situações adversas que surge. Salvo casos especiais e muito raros, de profunda amizade ou de parentesco próximo, a mãe pequena é sempre a filha mais velha em relação á feitura no santo, por isso mesmo mais autorizada a substituí-la. Sendo assim a mãe pequena por ter esse contato mais próximo com as filhas nas cerimônias religiosas, estabelece um grau de amizade, obedecendo a yalorixá que acaba fiscalizando e aconselhando as iniciandas. A história das religiões de matriz africana no Brasil é remota ao século XVI e está intimamente relacionada à inserção dos africanos para trabalhar no processo de produção de açúcar, uma vez que eles trouxeram suas manifestações culturais, as quais se tornaram uma das bases da formação social e cultural dos brasileiros. Embora as expressões da cultura africana tenham começado a desembarcar no Brasil a partir do século XVI, as primeiras casas ou terreiros de culto aos orixás só foram abertas no século XIX, e especificamente na Bahia e no Maranhão; tamanha foi à repressão a que os africanos foram culturalmente submetidos. No entanto, isso não impediu que a cultura africana se espalhasse Brasil afora e se solidificasse como matriz do povo brasileiro, formando o que posteriormente se denominou chamar cultura afro-brasileira. A rigor quando começam a se formar ou abrirem as primeiras casas, podemos ver, que a religiosidade equipara-se a um paradigma familiar, onde os pais sanguíneos são substituídos por pessoas que antes não eram muitos conhecidas e vai ter a responsabilidade de serem os pais ou responsáveis dessas pessoas no santo, ou seja, o formador, o educador ensinado o conhecimento da tradição, desse elo com a terra mãe fundindo com elementos locais. O título de mãe vem do fato de o chefe do candomblé aceitar iniciandas ( filhas, no futuro) para criar na devoção aos deuses. Depois de efetivamente admitidas na comunidade, estas iniciandas se consideram filhas espirituais do chefe do candomblé, e neste sentido é que se emprega a palavra mãe. Desde de que toda gente ou fora do candomblé, tem um espírito protetor, que deve habitar seu corpo, e desde que o chefe do candomblé precisa preparar a iniciandas para receber, em si mesma , a visita mais ou menos freqüente da divindade. Fazer o santo vale por uma segunda educação, que confere ao chefe da seita a ascendência de mãe em relação a filha. Os chefes são chamados de diversas maneiras, nos candomblés nagôs, usam-se por vezes as expressões yorubas yalorixá e babalorixá, que significam exatamente mãe e pai - de – santo. Nos candomblés jêjês, os chefes se chamam vôdunô, em ambos os casos. Nos candomblés de Angola e do Congo, tata de inkice (pai) e mamêto de inkice (mãe). Nos candomblés de caboclo, padrinho e madrinha, zelador e zeladora. Mais cotidianamente costumou-se chamar de acordo com a tradição nagô, mãe – de – santo e pai- de –santo. Busco identificar essas construções, maneiras de olhar o papel de destaque que essas mulheres edificaram, como sendo figuras inteligentes e obedientes as divindades, torna-se fundamental fazer o historicismo dessas mulheres como chefes de um conhecimento religioso, que para os padrões ocidentais isso é uma afronta a cultura do “macho” que foi construída, esse macho não apenas em sentido genérico, no entanto, de equidade na administração dos axés. É interessante acentuarmos que a análise concisa sobre essa religiosidade é um fator a ser levado em consideração, para, até mesmo romper com visões reducionistas ou demoníaca dessa religiosidade na vida cotidiana dos chefes especificamente a mulher, no ambiente fora barracão, a relação que vai ser estabelecida torna-se preponderante. A partir dos anos de 1930 os cultos aos orixás passaram a ser rendilhados pelos intelectuais e estudiosos das práticas culturais e religiosas afro-brasileira, pela sua relação com a cultura africana, que aqui foi citada ( Jêjê-nagô, congo, angola), entre outros, isso para passearmos um pouco nesse contexto de inserção que pretendo tecer. Assim sendo, as diversas etnias ou nações que ao Brasil chegaram era intrinsecamente diversidade no que corresponde a demarcação de gênero, eram clãs ou linhagem até famílias inteiras que foram separadas, mulheres e crianças perdidas, nesse banzo forçado as mulheres sempre tiveram que se sobre viver contra as adversidades da própria terra, como também proteger seus filhos únicas coisas que no momento era valioso e companheiro dos momentos sangrentos que aos quais tiveram que superar. Desta forma, foram configurações elaboradas no processo diaspórico, que também foi uma atenuação de resistência contra esses tormentos. Assim, as práticas e os valores religiosos (rituais, liturgias e cânticos,etc.) constituíram-se como espaço pertinentes de articulação de identidades coletivas diversificadas, que os adeptos interligam com “africana” independentemente de serem construções ou não. A atuação de mulheres no terreiro constitui-se como referência de práticas culturais para a ocupação e a estruturação dos espaços, que podem e devem ser desmembrados pelos bairros das cidades de área urbana ou rural. Narrar experiências de mulheres nas religiões afro-descendentes é contrapormos a visão dualista que a sociedade cotidianamente colocou ao se falar dessas questões relacionadas; primeiramente ao gênero mulher em coordenar uma religião que em seus quadros de adeptos tem uma forte tendência de homens praticando consideravelmente e atuando como um membro religioso. Focalizamos sem sombra de dúvidas visivelmente a presença da yalorixá, posto mais alta da hierarquia religiosa. Muitas biografias de diferentes autores apontam essas figuras como sujeitos ativas da própria extensão da religiosidade como por exemplo Stella de Oxossi, Menininha de Gantois, trazendo para o contexto paraibano essa participação feminina pode ser encontrada na Mãe Renilda, Mãe Lúcia entre outras, como uma hierarquia onde os praticantes devem obedecer por intermédio das divindades, percebemos uma relação de poder que está caracterizada em diversas comunidades religiosas afro-brasileira. Segundo alguns teóricos como José Beniste ( 2000 ) e Helena Theodoro ( 1996), nas religiões de matriz africana a mulher tem sua própria demarcação de espaço que dever ser levado em consideração, os autores apontam que a religião tratam as mulheres como guardiãs dos ministérios naturais que concedem a vida, abençoada por Olorun a grande mãe de todos ( Ìyá won) aquela que deve ser respeitada e considerada. Esse artigo não é apenas uma análise historiográfica do papel feminino no mais alto cargo da religião, mas também fervilha de inquietações dessa mulher fora dos muros dos barracões e até mesmo percebe o papel feminino no Brasil com uma vertente religiosa atentando para a importância das relações por essas visões de inter-relação entre as mulheres em sua grande maioria negras como responsáveis por administrar algo tão complexo. Na terra Mãe, ou seja, na África as mulheres africanas ocupavam o espaço público; como feiras, trocavam bens. O interessante que não era apenas os seus bens que essas mulheres trocavam, mais coisas que constituíam-se se chamar de simbólicas como músicas, danças, receitas para curar o corpo, muitas vezes elas chegavam a ocupar até cargos públicos, um cotidiano africano marcado por conflitos e perdas muitos grandes, muitas vezes em grande escala, porém não podemos dizer que a mulher africana não possuía alguma certa autonomia. O universo feminino afro-brasileiro tem uma relação de aproximação com as próprias divindades, como Iemanjá, Iansã e Oxum orixás femininos que também estão presentes no contexto religioso. Atentando novamente para as questões de gêneros Joan Scott nos dar uma afirmação concisa a esse respeito vejamos: [...] gênero é a organização da diferença sexual. Mas isso não significa que o gênero reflita ou produza diferenças físicas fixas e naturais entre mulheres e homens; mais propriamente, o gênero é o conhecimento que estabelece significados para diferenças corporais. Quando pensei em desenvolver esse trabalho foi através do projeto de iniciação cientifica, através de pesquisa de campo entrevistando as hierarquias do terreiro em sua grande maioria é representado por mulheres, isso me levou a me questionar sobre esse papel feminino no topo da religião, de outro lado nas religiões ditas cristãs a figura da mulher como uma hierarquia propriamente dita é quase inexistente, a mulher da religião de matriz africana está intrinsecamente interligada com a fundação dessa religiosidade no nosso trópico, como uma figura que desempenha uma função bastante explorada, tanto por fazer suas obrigações com os seus respectivos orixás, assim como transmitir com a colaboração dos antepassados o conhecimento e as regras da religião. Segundo Carneiro: O candomblé é um oficio da mulher. Indicam-no entre outras coisas a necessidade de se cozinhar as comidas sagradas, de velar os altares, de enfeitar a casa por ocasião das festas, se superintender a educação. ( 1948) Notemos que fora dos espaços sagrados as mulheres também irão auxiliar, não apenas a Yalorixá, assim como as suas auxiliares, seja na organização do ritual e posteriormente se zelar pelo terreiro, ou seja, na parte profana do mesmo onde é transformado na casa da hierarquia e filhos no santo. Segundo Mãe Stella: O papel da mãede-santo facilita a preservação da identidade negra. É nessa linha linear que devemos fazer essa análise dessa religiosidade dessas esferas que perpassa por diferentes contextos históricos e situações que outrora não pensaríamos que houvesse, o candomblé mantém resistentes suas tradições, a mãe é essa mediadora entre os Orixás e os participantes, seguidas pelos ancestrais e pessoas mais velhas nos santo. Na comunidade a mãe-de-santo tem um bom seguimento e respeito das pessoas, sendo catalisadora e responsáveis por todos os processos, como responsabilidade pela iniciação das filhas e dos filhos-de-santo. Essa relação deve ser uma relação de reciprocidade, exercendo o controle da pessoa uma humana e subseqüente inter-relacionando divindades e cavalos. Assim, a mãe-de-santo, no período de iniciação, é submetida a uma série de exigências, no qual o conhecimento, ou seja, o saber iniciático, é colocado em termos de experiências vividas. O tempo no candomblé se caracteriza pela comunicação ligada a uma experiência vivida, aqui e agora e culmina nas situações rituais. No lado sagrado a mãe tenha uma função extremamente importante, seja nas preparações para os rituais seja na oferta que é destinada a Exu antes de tais festividades. Nesse apêndice quando vamos aos terreiros conversar com essas mulheres pude observar que as mesmas têm uma satisfação enorme em desempenhar o cargo ao qual foi destinado. Nesta ótica de representação e também de identificação a mulher como figura de conhecimento tem um grande destaque, não apenas elas, assim como os chefes masculinos juntamente com os antepassados. Considerações Finais Debruçar-me sobre está temática é perceber que nos quadros hierárquicos a figura feminina na religião de matriz africana principalmente a mulher tem um papel importantíssimo no próprio andamento dessa religiosidade, haja vista, as cosmovisões estereotipada que foram jogadas no contexto social, falar da Yalorixá é quebrar culturalmente essas visões simplistas de redução, de aniquilamento, é contribuir historiograficamente para explorar o lado positivo dessa prática religiosa é de forma analítica e quantitativa através da pesquisa de campo que os afro-descendentes e africanos tem algo incomum e esse a mais podemos perceber nas relações estruturais do cotidiano, na gênese das primeiras casas que foram abertas no nosso trópico. Enfim falar dessa questão de gênero enfatizando o papel de destaque da mulher é aproximar-nos do encanto que essa religião tem, não de forma mágica como alguns autores colocam, não é isso, é percebemos que é sim uma religião com seus estatutos e regras, com conhecimento e respeito aos antepassados, e acima de tudo estabelecendo e cumprindo uma aproximação incondicional com os seu respectivos orixás. A história do Candomblé é marcada por visões de extremos preconceitos e de insurreições que visavam acabar com suas práticas. No entanto, os negros (as) quando fizeram a simbiose com o catolicismo, camuflaram-se em território inimigo resistiram como povo, como cultura e acreditaram que através dos orixás seria possível manter seus laços de parentesco, de linhagem e de clã. Nos debates aqui abordados compreendemos a importância da busca pela tradição como forma de estreitar as relações com a Mãe África. Percebemos a força para manter vivos os laços africanos. Ao analisarmos as obras aqui apontadas percebemos que nos terreiros de candomblés espalhados pelo Brasil perpetuam línguas, cânticos, danças, crenças, ou seja, vestígios da cultura africana. Observamos como a tradição perpetua nos espaços do terreiro, e está presente na magia do processo de iniciação e no axé dos atabaques, e que muito embora esses elementos estejam atrelados aos “muros das cidades”, o candomblé mantém a resistência e todos os dias reinventam a memória de um povo. Referências CARNEIRO, Édison. Candomblés da Bahia. Bahia: Secretaria de Educação e Saúde, 1948. CARNEIRO, Édison. Candomblés da Bahia. Bahia: Secretaria de Educação e Saúde, 1948, p. 32. HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003, p. 238 COSTA, José Rodrigues da. Candomblé de Angola: nação kassanje; história, etnia, inkises, dialeto litúrgico dos kassanjes. Rio de Janeiro: Pallas, 1996, p. 33. BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia. 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