Candomblé: miscigenação genuinamente brasileira
“uma visão sobre as influências e comportamentos
religiosos na cidade de Jataí 2008”
THIAGO LEANDRO DA SILVA*
DANIELLE SOUSA MARQUES**
Este trabalho é resultado de um projeto inicialmente
apresentado a coordenação do curso de História, que tinha como
objetivo
principal
a
produção
de
um
documentário.
Este
documentário pretendia mostrar as dificuldades que um pequeno
grupo de candomblecistas de Jataí passava por pertencer a esta
religião, e também criar uma ferramenta para apresentar à religião
as demais pessoas, além de ser um instrumento para as aulas de
ensino religioso que poderia ser proposto ou um suporte a antiga lei
nº 10.639/03, que tornava obrigatório o ensino de culturas afrobrasileiras nos Ensinos Fundamental e Médio.
Desde
o
início
foram
realizadas
mais
de
60 visitas,
entrevistas e filmagens com cerca de 6 horas de cultos que visavam
ser compiladas, editadas e depois realizar as montagens, para
finalmente obter a criação do documentário. Mas devido a questões
financeiras o projeto de criação do documentário foi adiado para a
segunda metade deste semestre.
Muito além de uma fonte de pesquisa o candomblé em Jataí
se tornou para nós um local de vivências e de experiências. E foi a
partir deste contato com a religião, que ela passa a conquistar nosso
fascínio. A luta cotidiana imposta a seus pares, assim como o
preconceito enraizado contra a religião, o seu sincretismo e a sua
capacidade de sobreviver, fazem com que esta religião se mantenha
ocultada perante os discursos religiosos tradicionais e imponentes.
*
Thiago Leandro da Silva, acadêmico do 7º Período do Curso de História da Universidade Federal de
Goiás, Campus Jataí. Este graduando também é contemplado pela bolsa PIBIC por esta mesma
instituição. [email protected].
**
Danielle Sousa Marques, acadêmica do 4º Período do Curso de História da Universidade Federal de
Goiás, Campus Jataí. [email protected].
Seus líderes vão ser além de mentores religiosos, agentes
possuidores de uma força quase imperceptível aos olhos e ouvidos da
sociedade como um todo. Como se alguém gritasse de dentro de um
poço e ninguém ouvisse, ou os que ouvissem não ligassem para o
que ocorria, assim o Babalorixá1 será antes de qualquer coisa um
político que vai migrar além das barreiras impostas a ele e a “sua
gente” para sussurrar aos ouvidos de quem mais interessa ou pode
ajudar.
Atores sociais em integração concreta e situações
cerimoniais em sua abertura para o acontecimento
serão ângulos a partir dos quais analisarei o
cruzamento
de
representações
políticas
e
representações religiosa. (DOS SANTOS p. 15
2006)
O Candomblé surge a partir do sincretismo das religiões
africanas. Os negros ao chegarem ao Brasil se veem em um dilema.
Quando uma etnia ou tribo da África era aprisionada e escravizada
eram levadas para o litoral africano onde seus integrantes eram
separados.
Essa separação visava evitar a formação de grupos
étnicos fortes e uma possível rebelião, um exemplo de rebeliões de
grupos étnicos foi a Revolta dos Males no nordeste brasileiro. Cada
negro tinha uma religião e a impossibilidade de cultuar a sua religião
nas
senzalas,
as
quais
abrigavam
centenas
de
etnias
e
conseqüentemente centenas de religiões, o que ocasionou no
surgimento do Candomblé, uma religião puramente americana e não
de origem africana. Esta junção de elementos de todos os povos e
etnias que vieram da África, assim mesmo os povos misturados
permitiam cultuar seus Deuses (ORIXÀS).
[...] Em cada vila um culto se estabeleceu sobre a
lembrança de um ancestral de prestígio e lendas
foram transmitidas de geração para geração para
lhe render-lhes homenagens. (VERGER p. 9 1987)
1
Babalorixá chefe religioso do candomblé popularmente conhecido como pai-de-santo.
Assim entenderemos como se deu a formação de cada
religião na África a partir do culto de um ancestral que se torna uma
lenda local, se torna um herói e posteriormente uma divindade, e
assim podermos perceber todos os Orixás como seres humanos
perfeitos que se tornaram melhores homens.
Cada orixá terá uma história para sua criação e assim se
apresentará a mitologia africana como peça fundamental que dá o
suporte teórico a religião. Pierre Fatumbi Verger fotógrafo francês vai
à África e tenta entender as origens que formaram os conceitos do
Candomblé.
Um balalaô me contou: “Antigamente, os Orixás
erma homens. Homens que se tornaram Orixás por
causa de seus poderes. Homens que se tornaram
Orixás por causa de sua sabedoria. Eles eram
respeitados por sua força. Eles eram venerados
por causa de suas virtudes. Nós adorávamos sua
memória e os atos feitos que realizaram. Foi assim
que estes homens se tornaram Orixás[...].
(VERGER p. 9 1987)
O Candomblé será então o resultado de uma resistência dos
negros
africanos
às
condições
impostas
a
ele
no
período
escravocrata. As formas do negro se rebelar neste período foram
diversas e a partir desta óptica vários conceitos culturais foram sendo
misturados e agregados entre si, o Candomblé mesmo sincretizará
com outras religiões afro brasileiras como a Umbanda2, então o negro
para fugir da vigilância do senhor branco, esconderá seu Orixá por
traz do santo católico e por isso hoje podemos presenciar tais
sincretismos dentro da religião.
2
Religião afra brasileira que é resultado da mistura de catolissismo, candomblé e espiritismo.
3
Ao entrarmos em contato com o terreiro de Candomblé
Joana D’Arc4, pudemos conhecer um pouco da realidade vivida por
seus filhos-de-santo que na luta diária contra as dificuldades não
deixam de ter em sua fé o suporte para continuarem a disseminar os
preceitos religiosos defendidos por eles.
Estes elementos despertam na sociedade um temor
proveniente da época colonial onde a igreja católica vendo a
população de cativos aumentarem, busca como forma de proteger
sua hegemonia a disseminação de que esta seria uma seita
demoníaca, visão que se mantém em muitas religiões protestantes
até os dias de hoje. Mas para o candomblecista o bem e o mal é uma
particularidade de cada indivíduo, o ser humano é o único ser capaz
de fazer o bem e o mal e deles é provenientes tais conceitos.
As pessoas são livres para fazer o bem e o mal, ou
seja, um serviço para prejudicar alguém. Mas
depois de algum tempo, esse mal acaba
retornando à pessoa que o solicitou, fechando o
circuito. Enquanto o bem se propaga em linhas de
dádivas de forma nômade, o mal se fecha num
circuito de reciprocidade estrita. A idéia de bem e
mal não estão substanciadas[...]. ((DOS SANTOS
p. 20 2006)
É neste terreno que se cria e recria conceitos sobre a “seita”
que na verdade é uma religião que tem em suas características forte
aos padrões ocidentais de culto, aspectos como o sacrifício animal, e
3
Sincretismo, santos católicos dividem espaço com ORIXÀS, as vezes são as mesmas entidades, mas
representadas de maneira diferenciadas.
4
Poderemos já perceber certo sincretismo onde um terreiro de candomblé recebe um nome de um santo
Católico europeu.
dentre outros fazem a imagem destes parecem animalescas a olhos
ocidentais cristãos.
5
O terreiro terá início por seu Babalorixá Hegner que veio de
Brasília e assim traz com sigo a religião, sendo até o final de 2008 o
único terreiro de Jataí, este por sua vez passará por diversificados
conflitos internos onde sua presença no bairro irá causar certo
desconforto para os moradores, que após a intervenção do próprio
Hegner é revertida e hoje o terreiro atua normalmente aos sábados
até de madrugada sem qualquer tipo de reclamação formal.
Poderemos perceber também que o terreiro tem influência
do espiritismo sendo seus preceitos aproveitados em algumas
ocasiões o “pai nosso” também e rezado antes dos cultos.
5
Tambores que dão o ritmo as cantigas para a purificação do ambiente e chamada ao ORIXÀ.
6
Os santos e Orixás ocupam o mesmo espaço, e não querer
uma religião “pura” é não querer uma religião genuinamente
brasileira, o Candomblé vai transitar livremente pelos preceitos
religiosos que mais lhe der respaldo de garantir seu discurso e
validade, por isso presenciamos tais diferenciações. Se faz necessário
para o candomblecista que sua fala seja ouvida e a causa de tais
misturas religiosas são justamente para dar validade a fala destes
que
somente
por
serem
afro-religiosos,
excluídos.
6
Casa de Candomblé Joana D’Arc. Situada em Jataí Goiás.
são
automaticamente
Sentir que tais preceitos servem como base para explicar a
luta cotidiana que negros tem em seu dia-a-dia, além disso
agravados por serem “macumbeiros”, isso faz desta religião em suas
origens, uma revolta ao regime de opressão indiretamente impostos
a eles que não desistem da luta e continuam a prosseguir mesmo
sendo ignorados por entidades públicas que tinham como dever
manter tais tradições para que não se perdesse aos emaranhados
burocráticos e sincretizantes da sociedade e da necessidade de se
adaptarem.
7
Babalorixá Hegner, em culto realizado em 2008.
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Educação Anti-racista: caminhos abertos pela Lei federal nº
10.639/03 Secretaria de Educação continuada, Alfabetização e
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61. Thiago Leandro da Silva / Danielle Sousa Marques