Elementos de Teoria Clássica de Campos Teoria de Campos Lagrangeana Faremos uma breve revisão do formalismo de teoria clássica de campos Ação ( S ) é a entidade fundamental da Mecânica Clássica: S = ∫ Ldt = ∫ L (φ, ∂ µφ )d 4x , sendo L (φ, ∂ µφ ) a densidade de lagrangiana. Daqui para frente vamos chamá-la simplesmente de lagrangiana – Princípio da Mínima Ação Quando um sistema evolui de uma dada configuração (instante t1) para uma outra (instante t2) ele o faz ao longo de uma trajetória no espaço das configurações para a qual a ação é um extremo (normalmente um mínimo): ⎧ ⎫ ∂L ⎪ 4 ⎪ ∂L d x δφ δ ( φ ) + ∂ ⎨ ⎬= µ ∫ ⎪⎩⎪ ∂φ ∂(∂ µφ ) ⎪ ⎪ ⎭ ⎛ ∂L ⎞⎤ ⎛ ⎞⎫ ⎧⎪ ⎡ ∂L ⎟⎟ ⎥ δφ + ∂ µ ⎜⎜ ∂L δφ ⎟⎟ ⎪ d 4x ⎨ ⎢ − ∂ µ ⎜⎜ ⎬ ⎪⎩⎪ ⎣⎢ ∂φ ⎝⎜ ∂(∂ µφ ) ⎠⎟ ⎥⎦ ⎝⎜ ∂(∂ µφ ) ⎠⎟ ⎪ ⎪⎭ 0 = δS = = Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes ∫ 1 • • • • O último termo pode ser transformado em integral de superfície sobre a fronteira da região de integração em 4 dimensões; Como as configurações inicial e final são dadas (fixas), δφ = 0 nos instantes inicial e final Restringindo a análise a deformações que também se anulem na fronteira espacial desta região e portanto termos de superfície se anulam O termo restante da integral deve se anular para δφ arbitrário levando às Equações de Euler-Lagrange ⎛ ∂L ⎞ ∂L ⎟⎟ − ∂ µ ⎜⎜ =0 ⎜⎝ ∂(∂ µφ ) ⎟⎠ ∂φ • Caso a lagrangiana contenha mais que um campo teremos uma equação de Euler-Lagrange para cada um dos campos Teoria de Campos Hamiltoniana Formulação lagrangiana: mais apropriada à dinâmica relativística • todas as expressões são explicitamente invariantes de Lorentz Formulação hamiltoniana: torna mais simples a transição quântica • para sistema discreto, pode-se definir o momento conjugado a cada variável dinâmica q como p = ∂L / ∂q (com q = ∂q / ∂t ) e hamiltoniana fica: H = Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes ∑ (pq ) − L 2 – Generalização para sistemas contínuos Para facilitar, vamos supor que os pontos espaciais x sejam discretamente espaçados. Definem-se, então, os momentos canonicamente conjugados: = ∑ y ∂L ( φ (y ), ∂φ (y ) ) ∂φ (y ) ∂φ (y ) ∂φ (x ) d 3y = ∑ π (y ) δ 3 (x − y )d 3y ∼ ∫ π (y ) δ 3 (x − y )d 3y y = π (x )d 3x onde a densidade de momento conjugado a φ (x ) é Assim, a hamiltoniana se escreve na forma Passando ao limite do contínuo: sendo H é a densidade de hamiltoniana. Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes 3 – Exemplo simples: Consideremos a teoria de um único campo φ(x) real governado pela lagrangiana: = 1 2 [ (∂ tφ )2 − (∇ φ )2 ] − 12 m 2φ 2 Usando as equações de movimento (Euler-Lagrange): Temos ⎧⎪ ∂ ⎡ 1 (∂ φ ∂ ν φ ) − 1 m 2φ 2 ⎤ ⎫⎪⎬ − ∂ ⎡ 1 (∂ φ ∂ ν φ ) − 1 m 2φ 2 ⎤ = 0 ∂µ ⎨ ν 2 2 ⎦⎥ ⎪⎭⎪ ∂φ ⎣⎢ 2 ν ⎦⎥ ⎪⎩⎪ ∂(∂ µφ ) ⎣⎢ 2 Ou seja: ∂ µ [ (∂ ν φ )δ νµ ] − [ −m 2φ ] = ( ∂ µ ∂ µ + m 2 )φ = 0 a qual nada mais é do que a equação de Klein-Gordon. Lembre-se que neste contexto esta é uma equação clássica de campos, como as equações de Maxwell, i.e., não como uma equação de onda quântica. Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes 4 Lembrando que π (x ) = ∂L =φ ∂φ é a densidade de momento canonicamente conjugado a φ (x ) , pode-se facilmente determinar a hamiltoniana nesse caso: o que resulta em Os três termos da hamiltoniana acima podem ser interpretados como: • • • 1º Æ custo em energia para “se mover” no tempo 2º Æ custo em energia para “se deformar” no espaço 3º Æ custo em energia para “se ter” propriamente o campo Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes 5 Teorema de Noether Este teorema resume a relação entre simetrias e leis de conservação em teoria clássica de campos. Ele diz respeito a transformações contínuas nos campos φ , as quais, em forma infinitesimal, podem ser escritas na forma Onde α é um parâmetro infinitesimal (aqui suposto independente de x) e ∆φ é um tipo de deformação da configuração de campo. Chamamos esta transformação de simetria se ela deixar invariantes as equações de movimento. • • Isto é assegurado caso a ação seja invariante sob tal transformação Lembremos que a ação pode variar por um termo de superfície já que ele não afeta as equações de Euler-Lagrange. Portanto, a lagrangiana deve ser invariante sob a transformação acima, a menos de uma quadri-divergência: para algum Jµ. Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes 6 Relacionemos este resultado com aquele que obtemos variando o campo (δφ=α∆φ) = 0 (Euler-Lagrange) Comparando o resultado acima com a expressão anterior para ∆L e igualando o termo que sobrou a α ∂ µ J µ (x ) , obtém-se: ⎡ ∂L ⎤ ∴ ∂µ ⎢ ∆φ − J µ ⎥ = 0 ⎢⎣ ∂(∂ µφ ) ⎥⎦ ou onde Se a simetria envolver mais de um campo, o primeiro termo da expressão para jµ acima deverá ser substituído por uma soma deles. µ O resultado acima ( ∂ µ j = 0 ) estabelece que X a corrente 0= ∫ d Ω(∂ µ j µ ) = ∫ j µ é conservada dS µ j µ = ∫ S1 j µdS µ − ∫ j µdS µ = S2 ∫ x 10 j 0dV − ∫ j 0dV x 20 X a carga é constante no tempo (conservada) Q≡ Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes ∫ j 0dV 7 j µ dS µ representa a integral tomada sobre todo o hiperplano quadri-dimensional ortogonal ao eixo-x0 (i.e., integração sobre todo o espaço tridimensional). • Por simplicidade, ∫ • A demonstração anterior permanece válida para quaisquer duas integrais nas quais a integração seja estendida a quaisquer duas hiper-superfícies infinitas (e não apenas aos hiper-planos x0 = constante) que contenham todo o espaço tridimensional. X Para cada simetria de L haverá uma tal lei de conservação. – Um exemplo simples: transformação de fase A Lagrangiana livre para o campo escalar complexo φ: L =| ∂ µφ |2 −m 2φ 2 = ∂ µφ ∂ µφ * − m 2φφ * As equações de movimento dessa lagrangiana são as equações de Klein-Gordon: ⎡ ∂L ⎤ ∂L ⎥− ∂µ ⎢ =0 ⇒ ⎢⎣ ∂(∂ µφ ) ⎥⎦ ∂φ ∴ (∂ µ ∂ µ + m 2 )φ = 0 ∂ µ ⎣⎡ ∂ µφ * ⎦⎤ − ⎣⎡ −m 2 (φ * ) ⎦⎤ = 0 e (∂ µ ∂ µ + m 2 )φ * = 0 Em geral, considera-se φ e φ* como campos independentes; alternativamente, podese trabalhar com as partes reais e imaginárias de φ Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes 8 Essa lagrangiana é invariante sob a transformação . φ → φ ' = e iαφ E para a forma infinitesimal dessa transformação (e iα ≈ 1 + iα), temos: φ → φ ' ∼ φ + iαφ φ ∗ → φ ∗ ' ∼ φ ∗ − iαφ ou A corrente conservada pode ser obtida por: jµ = ∂L ∂L ∆φ + ∆φ * = (∂ µφ * )(iφ ) + (∂ µφ )(−iφ * ) * ∂(∂ µφ ) ∂(∂ µφ ) ∴ j µ = i[(∂ µφ * )φ − (∂ µφ )φ * ] A conservação dessa corrente é demonstrada usando a equação de Klein-Gordon: ∂ µ j µ = i ∂ µ [(∂ µφ * )φ − (∂ µφ )φ * ] = i[(∂ µ ∂ µφ * )φ + ∂ µφ *∂ µφ − ∂ µφ *∂ µφ − φ * (∂ µ ∂ µφ ) (K-G) = −i[(m 2φ * )φ − φ * (m 2φ )] = 0 Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes 9 – Transformações espaço-temporais Podemos descrever uma translação infinitesimal do tipo x µ → x 'µ = x µ − a µ como uma transformação da configuração de campos: φ (x ) → φ (x + a ) = φ (x ) + a µ ∂ µ φ (x ) A lagrangiana também é um escalar e deve se transformar de forma análoga: L → L + a µ ∂ µL ≡ L + a ν ∂ µ ( δ µν L ) Comparando a expressão acima com nota-se que agora corrente não é nula: J µ ν = δ µν L Estendendo, então, a definição da corrente conservada para uma variação “vetorial do campo” (i.e., em vez de ∆φ tem-se agora ∂ µφ ), vê-se que, aplicando o Teorema de Noether, obtém quatro correntes, conservadas separadamente: T µν = ∂L ∂ν φ − L δ µν , ∂( ∂ µφ ) Este é precisamente o tensor de energia-momento do campo φ . Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes 10 A carga associada a translações no tempo é a hamiltoniana H = ∫ T 00d 3x = ∫ H d 3x No caso do campo de Klein-Gordon, L = 12 (∂ µφ )2 − 12 m 2φ 2 = 12 [φ 2 − (∇φ )2 ] − 12 m 2φ 2 temos T 00 = ∂L ∂ 0φ − Lg µν = φ 2 − Lg 00 ∂(∂ 0φ ) e π = ∂L ∂L = =φ ( ) ∂ ∂ φ ∂φ 0 ou, conforme visto anteriormente nesse caso. T 00 = H = πφ − L ⇒ H = ∫ 1 2 2[π + (∇φ )2 + 21 m 2φ 2 ]d 3x As cargas conservadas associadas às translações no espaço são P i = ∫ T 0id 3x = ∫ ∂L ∂ iφd 3x = ∂(∂ 0φ ) i 3 3 ∂ = − ∂ π ( φ ) d x π ( φ ) d x, i ∫ ∫ as quais, naturalmente, são interpretadas como as componentes do momento físico carregado pelo campo. Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes 11 Lista 1 Exercício 1: Obter, a partir da lagrangiana livre de Klein-Gordon: • as equações de Euler-Lagrange correspondentes • a expressão da hamiltoniana Exercício 2: Discuta o caso de uma translação infinitesimal das coordenadas, i.e., x µ → x 'µ = x µ − a µ , correspondente a uma transformação da configuração de campos φ (x ) → φ (x + a ) = φ (x ) + a µ ∂ µφ (x ) . Discuta a transformação associada da lagrangiana e obtenha a corrente (tensorial) conservada. Obtenha as “cargas” conservadas nesse caso. Sandra S. Padula & Sérgio F. Novaes 12