UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ESTUDOS DE LINGUAGEM
VERÔNICA HIRATA
CRENÇAS E PRÁTICAS DE
APRENDER E ENSINAR INGLÊS:
CONFLITO E DILEMA NUMA ESCOLA PÚBLICA
Cuiabá
2012
VERÔNICA HIRATA
CRENÇAS E PRÁTICAS DE
APRENDER E ENSINAR INGLÊS:
CONFLITO E DILEMA NUMA ESCOLA PÚBLICA
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Estudos de Linguagem da
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Estudos de Linguagem.
Área de Concentração: Estudos Linguísticos
Linha de Pesquisa: Paradigma de Ensino de
Línguas
Orientadora:
Profa. Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson
Cuiabá
2012
H668c
Hirata, Verônica.
Crenças e práticas de aprender e ensinar inglês: conflito e
dilema numa escola pública. / Verônica Hirata; Orientador(a):
Profª. Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson; Cuiabá, 2012.
120 f.
Dissertação (Mestrado - Programa de Pós Graduação em
Estudos de Linguagem.
Área
de
concentração:
Paradigmas de Ensino de Línguas) – Instituto de Linguagens
da Universidade Federal de Mato Grosso.
1. Inglês - aprendizagem. 2. Inglês - estudo e ensino . 3.
Ensino da língua inglesa - crenças. 4. Escola pública - ensino
da língua inglesa. I. Título.
CDU 811.111´37.057
Ficha Catalográfica elaborada por Carolina Alves Rabelo CRB1/2238
AGRADECIMENTOS
A Ana Antônia de Assis-Peterson, minha admiração e meu respeito pela disposição
do tempo e compartilhamento de conhecimentos. Sem suas valorosas contribuições
e sua paciência, esta dissertação não teria êxito.
A Gloria Gil, Solange Maria de Barros e Sergio Flores Pedroso, por aceitarem o
convite para avaliação desta dissertação. Sem seus olhares críticos, este estudo
teria sido menor.
Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, por todas as
realizações durante o período em que constituí seu corpo discente.
A Eladyr Maria Norberto da Silva, excelente professora e grande incentivadora
desde os tempos da graduação.
A Fernando, companheiro de orientação no MeEL, e a Dánie, pelas boas conversas
e pelos conhecimentos compartilhados.
À Escola Central, principalmente a Susi e ao 8.º Ano A (2011), pela participação e
colaboração intensas.
À CAPES, pelo auxílio financeiro no desenvolvimento desta pesquisa.
A minha família, por toda a compreensão e apoio.
A Danilo Vilanova, pela presença em todos os momentos da minha vida.
RESUMO
HIRATA, Verônica. Crenças e práticas de aprender e ensinar inglês: conflito e
dilema numa escola pública. Dissertação de Mestrado em Estudos de Linguagem.
Orientadora: Ana Antônia de Assis-Peterson. Cuiabá, MT: Universidade Federal de
Mato Grosso, 2012.
Esta dissertação investiga a relação entre crenças e práticas de ensinoaprendizagem de língua inglesa no contexto de uma turma de 8.º Ano do Ensino
Fundamental. Recorrendo à abordagem contextual (BARCELOS, 2000, 2004, 2007)
para o exame de crenças, ao uso de entrevistas, observações e documentos, este
estudo de caráter etnográfico identificou dois grupos de crenças. O Tema 1 – Inglês:
oportunidades dentro e fora da escola – abarcou crenças relacionadas ao que
representa o inglês para os estudantes, em termos de constituição como disciplina
da grade curricular e de oportunidades futuras. O Tema 2 – Relações de ensino e
aprendizagem no 8.º Ano A – referiu-se às formas com que as relações entre
professora e alunos se estabeleceram no ensino de inglês. O estudo demonstrou
que as crenças estão intimamente ligadas ao contexto, pois nem sempre as práticas
já estabelecidas e as teorias estudadas funcionam adequadamente dentro de uma
nova situação. A indisciplina surgiu como fator relevante a influenciar o processo de
ensinar e aprender no 8.º Ano A, ocasionando o surgimento de um dilema para a
professora. A diferença de crenças entre professores e alunos, por outro lado,
estabeleceu um conflito em sala de aula, tornando-se necessária uma negociação
para se tentasse alcançar, ainda que parcialmente, os objetivos de ensino e
aprendizagem.
Palavras-chave: crenças, aprendizagem, escola pública, inglês.
ABSTRACT
HIRATA, Verônica. Beliefs and practices in learning and teaching the English
language: conflict and dilemma in a public school. Master Thesis in Language
Studies. Thesis’s Supervisor: Ana Antônia de Assis-Peterson. Cuiabá, MT: Federal
University of Mato Grosso, 2012.
This master thesis investigates the relationship between beliefs and practices in the
process of teaching and learning the English language inside the context of
an 8th grade elementary school. Using the contextual approach (Barcelos, 2000,
2004, 2007) to examine beliefs as well as the use of interviews, observations and
documents, this ethnographic study has identified two groups of beliefs. Theme 1 –
English: opportunities inside and outside the school – encompassed beliefs related to
what the English language signifies to students as a school discipline and regarding
the future opportunities it offers. Theme 2 – Relations of teaching and learning in the
8th grade – was related to the ways the interactions between teacher and students
have developed in the classroom. It was found that beliefs are closely tied to context
because
not
always
the
established
practices
and
the
theories
learned function properly within a new situation. Indiscipline emerged as a significant
factor influencing the process of teaching and learning and as a dilemma for the
teacher. Different learning and teaching beliefs between teachers and students pose
challenges and conflicts in the classroom interaction in which a certain kind of
negotiation between the teacher and students was necessary to try to achieve
teaching and learning objectives, even partially.
Keywords: beliefs, learning, The English language, public schools.
SUMÁRIO
CAPÍTULO UM – PALAVRAS INICIAIS ................................................................... 10
1.1 Por que investigar crenças? – Da problemática da pesquisa e justificativa ........ 12
1.2 Objetivos e perguntas de pesquisa ..................................................................... 21
1.3 A organização da dissertação ............................................................................. 22
CAPÍTULO DOIS - REFERENCIAIS TEÓRICOS ..................................................... 24
2.1 Crenças: um conceito relacionado com o contexto e com as ações ................... 24
2.2 Diferentes abordagens de investigação de crenças ............................................ 26
2.3 Breve histórico das pesquisas sobre crenças ..................................................... 29
2.4 Pesquisas sobre aprendizagem de línguas ......................................................... 36
CAPÍTULO TRÊS – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................. 41
3.1 A ótica da pesquisa ............................................................................................. 41
3.2 O percurso da pesquisa ...................................................................................... 44
3.2.1 A Escola Central ........................................................................................... 47
3.2.2 A dinâmica da sala de aula ........................................................................... 53
3.2.3 Participantes ................................................................................................. 56
3.3 Metodologia da pesquisa..................................................................................... 59
3.3.1 Das observações .......................................................................................... 60
3.3.2 Das entrevistas ............................................................................................. 62
3.3.3 Da análise documental ................................................................................. 63
3.4 A análise: perspectiva e procedimentos .............................................................. 65
CAPÍTULO QUATRO – CRENÇAS NO DIZER E NO FAZER DA PROFESSORA E
DOS ALUNOS .......................................................................................................... 67
4.1 TEMA 1 – Inglês: oportunidades dentro e fora da escola .................................... 67
4.1.1 “Só que o inglês de escola é só o básico...” (Helô, entrevista, 29/07/2011) . 68
4.1.2 Inglês é bem difícil... Espanhol é bem mais fácil. (Adriana, anotações de
campo, 01/04/2011) ............................................................................................... 72
4.1.3 “(...) você não consegue ler a pergunta porque ela tá em inglês! Aí, pra você
responder, não tem como”. (Ronaldo, entrevista, 02/09/2011) .............................. 76
4.1.4 No futuro, eu vou precisar, porque vai sempre abrir as portas (Helô,
entrevista, 29/07/2011) .......................................................................................... 80
4.2 TEMA 2 – Relações de ensino e aprendizagem no 8.º Ano A ............................ 83
4.2.1. “Treinando a... a escrita, fazendo bastante exercício, eles... eles fixam mais”
(Susi, entrevista, 05/08/2011) ................................................................................ 83
4.2.2 “A professora repete pra gente aprender melhor.” (Jairo, entrevista,
05/08/2011)............................................................................................................ 88
4.2.3 “A professora não consegue tomar conta da sala sozinha” (Maria Luísa,
entrevista, 29/07/2011) .......................................................................................... 92
4.3 Da relação com os contextos micro e macroculturais ......................................... 95
4.3.1 “Com um cupinzeiro na cabeça”: a indisciplina configurando um nó de tensão
entre os participantes ............................................................................................ 96
4.3.2 Dilemas da professora na interação com os alunos ................................... 101
4.3.3 Desencontros entre a crença e a prática na sala de aula ........................... 104
CAPÍTULO CINCO – PALAVRAS FINAIS ............................................................. 106
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 112
APÊNDICE I ............................................................................................................ 112
10
CAPÍTULO UM – PALAVRAS INICIAIS
Nesta dissertação, analiso de que maneira as crenças de alunos e da
professora de inglês de Ensino Fundamental de uma escola pública estadual em
Cuiabá, Mato Grosso, se relacionam com o processo de aprendizagem da nova
língua. Defino crenças como uma construção social, um processo de significação do
mundo a partir de experiências e de relações com outras pessoas e com o contexto
em que estamos inseridos (DEWEY, 1933; DUFVA, 2006; BARCELOS, 2010). Por
contexto,
entendo
um
“fenômeno
socialmente
constituído
e
sustentado
interativamente, onde cada ação acrescentada dentro da interação modifica o
contexto existente enquanto cria uma nova arena para interações subsequentes”
(GOODWIN; DURANTI, 1992 apud BARCELOS, 2001a, p. 81).
Considero que a investigação sobre crenças não pode se limitar a ratificar que
as crenças influenciam a aprendizagem de um novo idioma ou a identificar que
crenças são essas. Importa, sobretudo, explicitar a atuação delas nesse complexo
processo. Dessa maneira, pretendo relacionar o contexto da escola e da sala de
aula pesquisada e o processo de aprendizagem do inglês pelo aluno, por meio do
que os participantes dizem (as crenças que manifestam verbalmente) e,
principalmente, fazem (ações dentro do contexto especificado), seguindo a
abordagem contextual de investigação de crenças proposta por Barcelos (2000,
2001, 2004).
A opção pela abordagem contextual refere-se ao fato de que ela investiga
crenças de professores e alunos em contextos específicos, sem intenção de
generalizar seus resultados a contextos amplos ou recorrer a declarações préelaboradas.
Ademais,
considera
a
influência
da
experiência
anterior
de
aprendizagem de línguas na formação dessas crenças e nas ações dos indivíduos
pesquisados.
Uma vez que a abordagem contextual recorre a múltiplos instrumentos de
coleta, principalmente a observação, a relação entre crenças e ações deixa de ser
meramente sugerida na fala para ser fundamentada nas ações observadas. Assim,
11
os sentidos emergem a partir do conjunto de dados gerados, possibilitando uma
visão mais holística e detalhada da situação pesquisada.
Recorrendo a diversos instrumentos de coleta, pude perceber a complexidade
de atores e fatores envolvidos quando se trata do processo de ensinar e aprender.
Identifiquei contradições, conflitos e dilemas entre crenças e práticas, o que
dificilmente seria explicitado isoladamente através de questionários ou entrevistas,
ainda os instrumentos mais comuns de estudos na área.
A maioria das pesquisas realizadas no Brasil e no exterior se limita ao que é
verbalizado pelo participante, na busca de identificação das crenças, sem, no
entanto, observar como elas próprias se constituem nas ações dos indivíduos
(BARCELOS, 2006). Aqui, não pretendo, me restringir ao verbal, pois sob a
perspectiva da abordagem contextual proposta por Barcelos (2000, 2001, 2004),
encampada por mim, considera-se que o contexto, incluindo as relações
estabelecidas entre os participantes, influencia suas crenças e práticas, podendo ou
não favorecer o aprendizado.
Esta pesquisa se insere no paradigma de investigação qualitativa em
Linguística Aplicada, de caráter interpretativo, empreendida sob uma perspectiva
etnográfica, pois considero que o caráter cultural da sala de aula e da escola
envolvidas possui grande relevância para a interpretação dos dados. “A análise das
práticas na escola ajuda a caracterizar a cultura desta” (MOITA LOPES, 2001 apud
COX; ASSIS-PETERSON, 2001a, p. 162). Em pesquisas do tipo qualitativo, como é
o caso desta, interessa mais o processo do que o produto, uma vez que estudar
pessoas dentro das situações sociais pode proporcionar um melhor entendimento
das circunstâncias envolvidas.
Este estudo integra o projeto “Redes de conhecimento: conectando lares e
salas de aula em torno do ensino de línguas (um estudo sobre crenças, discursos,
práticas e ideologias de língua estrangeira)”1. Tem como principal objetivo construir
conexão entre lares e escolas, estabelecendo redes de conhecimento nas quais
interagem professores, supervisores, pais e seus filhos, de forma a proporcionar
1
projeto é coordenado por Ana Antônia de Assis-Peterson e vinculado à linha de pesquisa
“Paradigmas de Ensino de Línguas” no Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem/UFMT.
12
uma visão mais abrangente sobre como os professores podem ajudar os alunos a
desenvolver habilidades de letramento em língua inglesa.
Dentro desse projeto, restringi-me à pesquisa sobre crenças, especificamente
sobre aquelas relacionadas à aprendizagem, para entender como elas são
construídas dentro de sala de aula, na relação com o professor e com a cultura da
escola e da sala de aula escolhidas. Pretendo colaborar para entender a intrincada
relação entre crenças e aprendizagem, aspecto ainda pouco explorado pelas
pesquisas na área (BARCELOS, 2006), e especificamente no contexto da escola
pública brasileira, com vistas a contribuir para novas práticas que proporcionem uma
experiência mais significativa de ensinar e aprender língua inglesa.
Por “aprendizagem significativa”, recorro a Ausubel (1978 apud FERREIRA
DA CRUZ; R CHA LIMA, 2011, p. 191), que a diferencia da “aprendizagem
mecânica”. Numa aprendizagem significativa, a nova informação se relaciona com
conceitos já existentes e relevantes ou experiências prévias, ligando-se em forma de
rede com elas. De maneira semelhante, entendo que a aprendizagem somente seja
significativa quando se interliga à complexa teia de capacidades, experiências,
relações e conhecimentos do sujeito, sobretudo considerando as características do
contexto envolvido.
Quando há falta desses laços entre os conhecimentos anteriores e os novos,
a aprendizagem torna-se mecânica, favorecendo a memorização ou aprendizagem
por repetição. Neste caso, acredito que a aprendizagem, de fato, não se estabelece.
Não basta que se alcance a última página do livro didático ou que os conteúdos
propostos tenham sido cumpridos. Interessa, sobretudo, proporcionar aos alunos a
possibilidade de agir e interagir com outros a partir do novo conhecimento.
Assim, neste capítulo, introduzo o problema, os objetivos, as perguntas e a
justificativa desta pesquisa. Apresento, ao final, a estrutura desta dissertação e o
conteúdo de cada capítulo que a compõe.
1.1 Por que investigar crenças? – Da problemática da pesquisa e
justificativa
13
Para o professor, conhecer as crenças de seus alunos pode contribuir para o
questionamento de práticas cristalizadas em seu cotidiano, uma vez que suas
crenças interagem, consciente ou inconscientemente, com suas ações em sala de
aula. Explicitar as próprias crenças pode contribuir para o estabelecimento de
práticas mais significativas de ensinar e aprender (FREEMAN; RICHARDS, 1996
apud KUDIESS, 2005). Refletir sobre as crenças que ele manifesta pode, ainda,
conduzi-lo a um ensino mais realista e crítico, tanto no que se refere à prática em
sala de aula quanto aos aspectos externos relacionados ao ensino de línguas (o
valor da língua inglesa no currículo escolar e as questões econômicas e políticas
que são atribuídas ao ensino dessa língua, por exemplo).
Para os alunos, o conhecimento acerca das crenças que manifestam pode
auxiliar no desenvolvimento de estratégias que favoreçam uma significativa
aprendizagem de língua estrangeira, entendendo e adaptando-se às circunstâncias
apresentadas em determinado contexto (WHITE, 1999, p. 18 apud BARCELOS,
2004, p. 139). Também pode influenciar diretamente em sua motivação e em suas
atitudes em sala de aula (LIMA, 2010). No processo de ensino-aprendizagem,
professores e alunos são influenciados pelas crenças, como pontua Madeira (2008,
p. 50):
Na área de ensino e aprendizagem de LE, a investigação sobre crenças
ganhou força em função da influência que elas exercem, tanto sobre
professores quanto sobre alunos, na maneira como se aborda todo o
processo de ensino e aprendizagem da nova língua. A maneira como
pensam, vêem e vivenciam aquele processo os leva a trilhar caminhos
diferentes para atingir seus objetivos. (MADEIRA, 2008, p. 50)
Por caminhos diferentes, entenda-se uma reflexão sobre o processo de
ensino-aprendizagem e, inclusive, a possibilidade de mudança de práticas e de
crenças, que Barcelos (2007, p. 129), recorrendo a diversos autores, afirma
acontecer de duas maneiras:
(a) uma consciência do que se faz, seguida de uma ressignificação ou
reafirmação da crença e da prática atual. Nesse caso, a mudança não
necessariamente significa sempre fazer algo novo ou diferente, mas
envolver-se na reflexão e conscientização de como compreendemos o
que fazemos; e
(b) acomodação da crença e mudança de comportamento ou da ação. Na
verdade, creio que temos um processo contínuo de mudança que vai
desde a assunção do que somos e acreditamos (o que alguns chamam
14
de consciência ou contemplação) até a mudança efetiva da prática, em
que a reflexão na ação é importante. (BARCELOS, 2007, p. 129).
Assim, crenças de ambos os atores, uma vez explicitadas, podem ser
negociadas2 e/ou confrontadas para que a aprendizagem de inglês na escola regular
seja mais adequada às necessidades dos estudantes.
Kudiess (2005, p. 78), investigando crenças de professores de escolas
particulares de línguas no sul do Brasil, acredita que “a realidade da sala de aula faz
com que ele [o professor] confronte a sua crença, fazendo com que esta seja
confirmada, negada ou substituída por outra. As mudanças também ocorrem com o
tempo de experiência do professor”. A mesma autora aponta que o professor tende
a manter crenças positivas que ele teve quando era aluno: “tudo o que funcionou e
fez sentido para ele, permanece com ele.
que não funcionou, substitui” (p. 79).
Essa mesma opinião já havia sido manifestada por Félix (1998), para quem os
professores classificavam como aprendiz ideal de inglês aquele que usava as
mesmas estratégias de aprendizagem que eles próprios usaram quando aprendizes.
Todavia, em uma nova situação, essa estratégia pode não funcionar como
esperado, pois mesma cultura pode abrigar crenças contraditórias. Não significa que
haja crenças errôneas, mas que, em relação a determinado ambiente contextual,
aquelas que o professor explicita podem não ser as mais apropriadas ao
aprendizado ou ao ensino que se pretende realizar. Além disso, nem sempre o
contexto favorece mudanças. Estas costumam ser temidas ou evitadas porque
envolvem o desenvolvimento de outra forma de pensar e de agir.
No Brasil, boa parte das pesquisas sobre crenças de ensino e aprendizagem
de línguas estrangeiras tem como alvo a escola pública e identifica crenças
negativas a respeito desse contexto. Pais, professores e alunos parecem carregar a
crença de que o ensino e a aprendizagem de língua inglesa na escola pública não
funcionam. O lugar ideal de aprendizagem, segundo esses participantes, são os
cursos de idiomas (GRIGOLETTO, 2000; COX; ASSIS-PETERSON, 2002;
GASPARINI, 2005, PERIN, 2005; SANTOS, 2005; DIAS, 2006; PAIVA, 2006;
LEFFA, 2007; BASSO, 2010; COELHO, 2010; LIMA, 2010; ROCHA, 2010;
ARAGÃO, 2010; ARAÚJO DE OLIVEIRA, 2011; entre outros).
2
Por negociação, não pretendo me referir ao simples consenso entre interlocutores, uma vez que
conflitos podem ser tão ou mais benéficos para os participantes em determinado contexto. Ao tratar
de negociação, refiro-me, sobretudo, ao estabelecimento de objetivos comuns mantendo-se o
respeito entre as partes, de forma que nenhuma delas seja completamente anulada pela outra.
15
Dias (2006, p. 120), por exemplo, ao pesquisar as vozes de pais de alunos a
respeito do ensino de língua inglesa na escola pública, obteve o seguinte
depoimento:
(...) O Marcelino quer fazer um curso desse negócio... de inglês. Aí... aí eu...
assim... por mim.... por minha pessoa... eu acho que no curso é que ele vai
aprender mesmo. Na escola, não aprende na escola não, na escola é meio
assim pra tapear, pra dizer, né? (ENT.20/12/04 – Marlon, pai) (DIAS, 2006,
p. 92) (grifo da autora)
Perin (2005), em uma pesquisa desenvolvida em uma escola pública de
grande porte no Paraná, identificou que o ensino de Língua Inglesa é visto com
desprezo e indiferença pelos alunos, o que gera indisciplina, por parte deles, e
estresse, por parte do professor. Ao final, o sentimento, para ambos, é de frustração.
A autora identifica um descompasso entre as condições reais e as condições ideais
de ensino e aprendizagem de Língua Inglesa na escola pública.
A crença de que inglês na escola pública não funciona possui tanta força no
Brasil que Lima (2011) organizou um livro em que apresenta o ponto de vista de
diferentes autores sobre ela. A maior parte deles compartilha essa crença, entre os
quais Araújo de Oliveira (2011), o qual aponta que o problema do ensino de inglês
nas escolas públicas é, sobretudo, um problema político. Há uma discrepância entre
o que propõem as leis (o ensino almejado) e a realidade de sua aplicação (o ensino
real) em todo o território brasileiro, caracterizando a situação do ensino público como
uma política de fingimento. Existem competências que não podem ser desenvolvidas
devido à limitação nos recursos disponíveis, ou, de forma oposta, quando há
estrutura disponível, não há capacitação para uso.
O desencontro entre o que é almejado e o que é oferecido nas escolas
públicas também se mostra no trabalho de Rocha (2010). Em pesquisa com
estudantes, pais, professores, diretores e coordenadores do Ensino Fundamental I e
II (da 1.ª à 4.ª série), incluindo de uma escola particular, identificou crenças
divergentes entre os participantes. Um grupo acreditava ser possível aprender inglês
em escola regular, inclusive na pública, desde que algumas situações contextuais,
como a baixa carga horária, o número de alunos por sala, a motivação do estudante
e o interesse do professor fossem ajustados. Outro grupo se mostrava descrente
quanto à possibilidade de aprender inglês no mesmo contexto. Segundo constatou a
autora, tal crença fundamentava-se nas condições insatisfatórias propostas em nível
16
institucional e governamental. A crença de que não é possível aprender inglês na
escola pública também foi identificada por Santos (2005) em sua pesquisa sobre
inclusão de inglês nas séries iniciais.
Em outras palavras, Rocha (2010) e Santos (2005) identificaram que a
aprendizagem de inglês seria possível em escolas regulares, tanto públicas quanto
privadas, mas as condições em que o ensino vem sendo oferecido é que não
propiciam o seu alcance.
A dissonância entre o real e o ideal no ensino de inglês na escola pública é
também apontada por Lima, S. S. (2010), que, em pesquisa de natureza etnográfica
com professor e alunos de 5ª série em uma escola pública, investigou a relação
entre crenças e expectativas de professora e alunos na motivação de aprender
língua estrangeira. Nessa pesquisa, através de desenhos dos alunos, verificou que a
sala de aula real e a sala de aula ideal diferem em termos de quantidade de alunos e
de recursos audiovisuais. Além disso, os alunos manifestaram-se a favor de não
haver avaliações na disciplina, considerando-a diferente das outras presentes no
currículo escolar. As expectativas dos alunos de estudar em grupo e desenvolver
atividades diferenciadas em sala de aula (música, filme etc.), não foram atendidas
pela professora.
A diferença qualitativa entre o inglês oferecido em escola pública e o ofertado
pelos cursos de idioma identificado nas pesquisas sobre crenças é considerada por
Siqueira
(2010)
como
consequência
do
investimento
continuado
em
desenvolvimento profissional docente e infraestrutura feitos pelos últimos. Diante do
desprestígio do ensino-aprendizagem de inglês na escola pública, os cursos livres
de idioma surgiram como uma estratégia para compensar a insatisfação/frustração
que a escola pública não consegue sanar.
Acredito na possibilidade de existir um contexto favorecedor de tal processo,
que nem sempre é encontrado nas escolas regulares, sejam elas públicas ou
privadas. Um contexto envolve um conjunto de situações propícias ao aprendizado.
Não se restringe a um mero espaço delimitado por quatro paredes e um professor
que dele participa. Está, sobretudo, relacionado com aspectos sociais, políticos,
culturais e estruturais. Em outras palavras, não basta se atentar para um dos lados
envolvidos e se esquecer dos demais. Trata-se de um processo, ou seja, as partes
estão interligadas. Para que o todo funcione, não basta tratar um aspecto
isoladamente. Dissonâncias podem acontecer, contribuindo para a atual situação do
17
processo de ensino-aprendizagem de LE na escola pública, caracterizada por
Miccoli (2010, p. 220) como constituída por “professores malformados, atuando em
instituições com condições precárias, seja pelo número de alunos em sala, pela falta
de material e/ou recursos didáticos”.
Ademais, é preciso que professores e alunos se engajem em busca de
objetivos comuns. Nem sempre é o que acontece, justamente porque, como
exposto, as expectativas dos envolvidos costumam se focar sobre diferentes
habilidades, finalidades e estratégias.
De fato, acredito que haja diferenças entre escolas públicas e cursos de
idioma no que se refere ao ensino de inglês. No entanto, atribuo tal diferença ao
desencontro entre crenças, objetivos, realizações e expectativas dos envolvidos.
Para definir expectativa, recorro a Lima, S. S. (2010), que, apoiada em Scheib
(1970), Oxford & Shearin (1996) e Pajares (1996), entende expectativas como um
subtipo de crença que ajuda a definir o sucesso ou fracasso escolar. Expectativa
seria “uma espécie de crença que age como um pensamento antecipatório e
influencia a motivação do aluno para a aprendizagem de uma língua estrangeira”
(LIMA, S. S., 2010, p. 150). Assim, expectativas, crenças e motivação são conceitos
que se mostram interligados. Quanto mais convergentes são as crenças e
expectativas entre professores e alunos, maior a tendência de que o aluno e os
professores se esforcem para aprender/ensinar no ambiente escolar e, dessa
maneira, maiores são as possibilidades de um processo de ensino-aprendizagem
mais significativo e promissor.
Igualmente, Basso (2010, p. 70), com base em Barcelos (no prelo apud
BASSO, 2010), afirma que “quanto maior a convergência das mesmas (crenças de
professores e alunos), maior a possibilidade de sucesso na aprendizagem”.
Essa diferença de expectativas, objetivos e crenças fica evidente no que se
refere ao inglês nas escolas públicas. Estas visam ao ensino da língua com
finalidade de estabelecer relações e discussões que envolvam os aspectos políticos,
econômicos e culturais relacionados, ou seja, almeja-se que o aluno se relacione
com o mundo a partir da língua, transformando-o e transformando a si mesmo. O
foco, de fato, não é a oralidade. São as relações que se estabelecem a partir da
língua, seja ela escrita, falada, lida ou ouvida. No entanto, a expectativa de alunos e
pais é que as escolas públicas atendam ao objetivo mais prático da língua, que é
18
seu uso na oralidade. Há, portanto, desencontro entre o que propõem as escolas e o
que querem pais e alunos.
É justamente essa diferença de expectativa em relação ao ensino de inglês
que nos aponta Aragão (2010). Em um texto relacionado à relação crençasemoções, o autor atribui a crença de que o lugar ideal de aprendizagem de inglês
seja na escola de idiomas à expectativa de que o ensino seja calcado no
desenvolvimento comunicativo do aluno através da produção e da produção oral,
seguindo o que seria o ritmo “natural” de aprendizagem de uma língua (primeiro a
fala, depois a escrita, como acontece com uma criança quando aprende a língua
materna). Em decorrência disso, a escola de idiomas passa a ser o parâmetro de
qualidade de aprendizado do idioma, e como a oralidade não é a habilidade foco da
escola pública, esta perde seu valor como local para aquisição de uma nova língua.
A ausência de modelos alternativos de ensino e aprendizagem, por outro
lado, faz com que o foco na escrita e na gramática consagradas em boa parte das
escolas regulares, especificamente na escola pública, influencie as crenças acerca
do funcionamento desse processo e propicie a reprodução, por parte do professor,
de práticas que ele vivenciou enquanto aluno.
O contato com novas oportunidades, por outro lado, pode conduzir à reflexão
e permitir a aproximação com outras formas de ensinar e aprender, como demonstra
Moraes (2010), em pesquisa qualitativa de base etnográfica realizada com
professora e alunos do curso de Letras com o olhar direcionado para a relação entre
crenças e formação de professores.
A autora dividiu a pesquisa em dois momentos de coleta por meio de
inventário e percebeu uma mudança nas crenças dos estudantes entre as duas
etapas. Inicialmente, os alunos identificavam-se com a concepção estruturalista da
língua, que se ancora no ensino gramatical. Na segunda coleta, depois de um
contato com a prática pedagógica diferenciada da professora – que incluía
atividades comunicativas em aulas predominantemente gramaticais –, e de uma
esperada reflexão, os estudantes passaram a acreditar em outras possibilidades de
aprender inglês e se mostraram suscetíveis a práticas mais comunicativas, como as
utilizadas pela professora envolvida.
Hoje já se admite que crenças exercem maior influência nas práticas de
ensino do professor do que os princípios teóricos das abordagens de ensino e o
19
conhecimento advindo das leituras (BRASIL, 1998; MADEIRA, 2008; LIMA, S. S.,
2010). Lima, S. S. (2010, p. 150), ao investigar crenças e expectativas, acredita que
(...) as crenças são mais determinantes do comportamento e das ações
humanas do que o conhecimento sistematizado e disseminado para todas
as pessoas, pois as crenças influenciam individualmente o modo como
tomamos nossas decisões e são mais difíceis de sofrerem mudanças.
(LIMA, S. S., 2010, p. 150)
No entanto, nem sempre a relação entre crenças no ensino e aprendizagem
de LE será harmônica. Por isso, é importante investigar as crenças também como
uma forma de antecipar possíveis conflitos entre as diferentes crenças dos
participantes envolvidos na sala de aula, de forma a colaborar para negociações e
possíveis mudanças de crenças e de atitudes, que conduzam a um significativo
processo de ensino-aprendizagem dentro de determinado contexto. Isso devido ao
fato de que nem sempre as crenças trazidas por professores e alunos atuam no
sentido de favorecer a aprendizagem (MADEIRA, 2008). Influenciados por fatores
socioculturais, questões afetivas, hábitos arraigados, conceitos inadequados
adquiridos (MADEIRA, op. cit.) e também pela mídia, crenças como “só se aprende
inglês no exterior”, continuam atuando com muita expressividade nas salas de aula
de escolas regulares, principalmente das públicas.
Apoiado em outros estudos (FERNANDES; ELLIS; SINCLAIR, 1990;
CARMAGNANI, 1993; BARCELOS, 1999), Madeira (2007, p. 94) realça que “muitos
dos problemas com os quais os alunos se deparam no percurso de seu processo de
aprendizagem são resultado do conflito de suas crenças com aquelas trazidas pelos
professores”.
Barcelos (2006, p. 171), com base em Block (1996), afirma: “Se nós
queremos compreender a cultura de sala de aula, nós temos que compreender não
apenas
a
harmonia,
mas
também
os
conflitos”3.
Referindo-se
a
outros
pesquisadores, aponta que a incompatibilidade entre crenças de alunos e
professores pode causar uma série de problemas:
Incompatibilidade entre crenças de professores e alunos pode causar outros
tipos de problemas, não necessariamente relacionados com a abordagem
comunicativa, como (a) a incompreensão e a falta de comunicação
3
No original: “If we want to understand classroom cultures, we have to understand not only the
harmony, but also the conflicts”. (BARCELOS, 2003, p. 171)
20
(Luppescu & Day, 1990), (b) questionamento dos estudantes sobre a
credibilidade dos professores (Schulz, 1996), (c) engajamento dos
aprendizes em estratégias que o professor desaprova (Rees-Miller, 1993), e
(d) afastamento do estudante e sentimentos de infelicidade (McCargar,
1993). Em resumo, o conflito pode afetar as motivações e esforços dos
aprendizes e os tipos de atividades que eles escolhem fazer (Schulz,
4
1996).” (BARCEL S, 2010, p. 172).
Por outro lado, o conflito torna explícitas as diferenças nas relações entre
professores e alunos. Salas de aula não constituem espaços neutros. São locais
permeados por ideologias, relações de poder, múltiplas identidades e práticas já
legitimadas. O estudo das crenças e das práticas desenvolvidas nesses espaços
permite explicitar a diferenças culturais, políticas e sociais ali estabelecidas. Em
decorrência dessa diversidade, conflitos podem surgir – e não devem ser apagados
(ASSIS-PETERSON, comunicação pessoal em 08/03/2012). Assim a dinâmica das
relações é estabelecida e favorece o fluxo de conhecimentos entre os sujeitos.
Nesse sentido, explicitar crenças e práticas permite conhecer o outro (op.cit.) e
favorece o entendimento de que toda atividade afeta o contexto envolvido. Nenhuma
ação é livre de consequências, mesmo quando não tenha sido conscientemente
desenvolvida.
Dessa maneira, os dois lados envolvidos podem se engajar em práticas de
ensino e aprendizagem mais adequadas ao contexto em que se inserem,
negociando suas diferentes crenças de forma a proporcionar uma relação de ensino
e aprendizagem mais significativa, principalmente na escola pública, continuamente
questionada quando o assunto envolve a aquisição de uma Língua Estrangeira (LE)
na Educação Básica.
Como afirma Barcelos, baseando-se em Pajares (1992), Richardson (1996) e
Rokeach (1968), as crenças devem ser inferidas também através das intenções e
ações dos investigados. Seguindo essa orientação, a relação entre crenças e o
processo de aprendizagem de uma nova língua é carente de novos estudos, como
apontam Barcelos & Kalaja (2006, p. 236):
4
No original: “Mismatches between teachers’ and students’ beliefs can cause other sorts of problems
not necessarily related to the communicative approach, such as (a) misunderstanding and
miscommunications (Luppescu & Day, 1990), (b) students’ questioning of their teachers’ credibility
(Schulz, 1996), (c) learners’ engagement in strategies of which the teacher disapproves (Rees-Miller,
1993), and (d) students’ withdrawal and feelings of unhappiness (McCargar, 1993). In short, the
conflict can affect learners’ motivations and efforts and the types of activities they choose to do
(Schulz, 1996).” (BARCEL S, 2010, p. 172)
21
Qual é a relação entre crenças e os resultados da aprendizagem de
línguas? Muito mais pesquisas precisam ser feitas para revelar as
intrincadas variáveis envolvidas na relação entre crenças e aprendizagem
de línguas. As contribuições desta obra não respondem a essa questão.
Contudo, elas sugerem que uma abordagem de causa-efeito não parece ser
adequada, dada a natureza social e dinâmica das crenças e o processo de
5
aprendizagem. (BARCELOS, KALAJA, 2006, p. 236)
É na lacuna identificada pelas autoras acima e destacada por Assis-Peterson
(comunicação pessoal em 07/06/2011) como um motivo para desenvolvimento de
nova pesquisa de crenças na escola pública que apresento esta proposta de
investigação.
1.2 Objetivos e perguntas de pesquisa
O principal objetivo desta pesquisa é analisar a relação entre crenças e
aprendizagem de inglês, investigando como crenças e ações de alunos e professora
se inter-relacionam nas práticas de aprender e ensinar inglês no contexto de uma
escola pública brasileira. Para isso, será necessário:
a) identificar as crenças de professora e alunos investigados, dentro do
contexto escolar; e
b) analisar como as crenças se (inter)relacionam, influenciando práticas de
professora e alunos nos processos de aprender e ensinar inglês.
Com base nos objetivos expostos, as perguntas de pesquisa são:
1. Como professora e alunos do ensino fundamental de uma escola
pública estabelecem suas crenças de aprender e ensinar inglês?
2. Há uma (inter)relação entre as crenças e as práticas de aprendizagem
de inglês da professora e dos alunos?
5
No original: “What is the relationship between beliefs and language learning outcomes? Much more
research needs to be done to uncover the intricate variables involved in the relationship between
beliefs and language learning. The contributions to this volume do not answer this question. Yet, they
suggest that a cause-effect approach does not seem to be adequate, given the social and dynamic
nature of beliefs and the learning process.” (BARCELOS, KALAJA, 2006, p. 236)
22
Esta pesquisa foi desenvolvida em uma sala de aula de uma escola pública
da rede estadual de Mato Grosso, denominada aqui de Escola Central. Participaram
desta pesquisa 31 alunos, estudantes da turma do 8°. Ano A (2011); Susi, a
professora de inglês dessas turmas; Emiliana, coordenadora pedagógica do Ensino
Fundamental; e Andréia, professora que substituiu Susi em 2011.6
A pesquisa desenvolvida foi de caráter etnográfico e seguiu a abordagem
contextual de investigação de crenças (BARCELOS, 2001a, 2004). Os instrumentos
de coleta utilizados foram observação, entrevista e análise documental. Os
procedimentos analíticos foram baseados em Wolcott (1994).
Esta proposta de investigação de crenças pretende contribuir com diferentes
visões acerca de como a relação de ensino-aprendizagem de inglês é estabelecida
em uma escola pública, identificando crenças e influências recíprocas internas e
externas que alteram as ações e as relações dos participantes dentro de sala de
aula.
1.3 A organização da dissertação
Este trabalho está estruturado em cinco capítulos. Neste Capítulo UM,
intitulado Palavras Iniciais, apresento os motivos pelos quais optei pela pesquisa
sobre crenças, mais especificamente sobre aquelas relacionadas à aprendizagem
de LE e apresento os objetivos e perguntas de pesquisa, justificando-os, bem como
sua contribuição para a área.
No Capítulo DOIS, Referenciais Teóricos, discuto o conceito de crenças,
apresentando aquela que norteia esta pesquisa. Traço um panorama com a visão de
diversos pesquisadores acerca da relação entre crenças e aprendizagem e
conclusões de pesquisas na área, algumas delas desenvolvidas em Mato Grosso.
Discuto, ainda, as diferentes abordagens pelas quais as crenças vêm sendo
investigadas, justificando minha opção pela abordagem contextual de Barcelos
(2001, 2004).
6
Para preservar a privacidade dos participantes, os nomes (exceto o desta autora) foram substituídos
por pseudônimos.
23
No capítulo TRÊS, Procedimentos Metodológicos, discorro acerca dos
participantes, do contexto de pesquisa, dos instrumentos de coleta de dados e o tipo
de informação gerado e dos procedimentos de análise dos mesmos, justificando
minhas
escolhas
metodológicas
pela
pesquisa
de
natureza
etnográfica,
desenvolvida por meio de observação, entrevista e análise documental, seguida dos
procedimentos analíticos propostos por Wolcott (1994), quais sejam: descrição,
análise e interpretação (D-A-I).
No capítulo QUATRO, Crenças no fazer e no dizer da professora e dos
alunos, analiso os dados gerados em minha pesquisa, apresentando crenças de
professora e alunos dentro do contexto pesquisado. Inicialmente, categorizo as
crenças e as descrevo, destacando momentos de encontro e desencontro entre
elas. Posteriormente, analiso-as à luz dos contextos micro e macro na qual se
desenvolveram, considerando as relações internas e externas à sala de aula.
No capítulo CINCO, Palavras Finais, apresento as interpretações a que
cheguei após a análise dos dados e respondo às duas perguntas de pesquisa que
nortearam este trabalho. Mostro, também, as contribuições e sugestões deste
estudo, além do que aprendi durante todo o percurso desta pesquisa.
24
CAPÍTULO DOIS - REFERENCIAIS TEÓRICOS
Neste capítulo, trato do conceito de crenças na Linguística Aplicada,
apresentando aquele que embasa este trabalho (BARCELOS, 2010). Discuto, ainda,
as diferentes abordagens pelas quais as crenças vêm sendo investigadas
(BARCELOS, 2000, 2001, 2004; KALAJA, 2006), justificando minha opção pela
abordagem contextual de Barcelos (2000, 2001, 2004). Por último, traço um
panorama de diversas pesquisas que investigaram crenças e, mais especificamente,
sua relação com a aprendizagem.
2.1 Crenças: um conceito relacionado com o contexto e com as
ações
De acordo com Barcelos (2004), o conceito de crenças não é específico da
Linguística Aplicada (LA). Está presente em outras áreas do conhecimento, como a
Antropologia, a Sociologia, a Psicologia e a Filosofia.
Apesar da denominação, o conceito de crenças não está relacionado com
religião ou superstição (SILVA, 2007). Também não é facilmente distinguido de
conhecimento (BARCELOS, 2007, 2010) – algo que precisa de evidência para se
sustentar (GARBUIO, 2010, p. 88). Por outro lado, se liga à ideia de cognição, se
considerado que esse conceito não mais se refere a um processo unicamente
mental – e sim são cognições distribuídas, influenciadas pela interação do indivíduo
com o ambiente (WATSON-GEGEO, 2004, p. 333 apud BARCELOS, 2010, p. 17).
Crenças, portanto, não se referem apenas ao ensino, mas à própria natureza
do ser humano: “Essa visão é baseada na suposição de que as crenças são os
melhores indicadores das decisões que os indivíduos fazem ao longo de suas
vidas7” (PAJARES, 1992, p.307).
7
No original: “This view is based on assumption that beliefs are the best indicators of the decisions
individuals make throughout their lives.” (PAJARES, 1992, p. 307) Todas as traduções apresentadas
nesta dissertação são da própria autora.
25
Várias foram as denominações criadas para se referir a esse campo do saber.
Pajares (1992), em artigo pioneiro a discutir o conceito, sugeriu que as pesquisas da
área se agregassem em torno da denominação crenças, dentre as diversas usadas
até então.
No Brasil, seguindo a trilha de Pajares, alguns teóricos revisaram os termos
usados para se referir ao conceito, principalmente no que diz respeito à LA (ver
BARCELOS, 2004; SILVA, 2006; SILVA; ROCHA, 2006, entre outros).
Para fins desta pesquisa, consideraremos crenças de acordo com Barcelos
(2010, p. 18), que, baseada em Dewey (1933 apud BARCELOS, 2010), enfatiza o
caráter contextual das crenças, conceituando-as como:
(...) uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras de
ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas
experiências e resultantes de um processo interativo de interpretação e
re(significação). Como tal, crenças são sociais (mas também individuais),
dinâmicas, contextuais e paradoxais. (Barcelos, 2010, p. 18)
Devido a esse caráter contextual, crenças não somente influenciam o
comportamento de aprendizes e professores, mas são por eles influenciadas, numa
relação hermenêutica (BARCELOS, 2007), complexamente relacionada com fatores
contextuais e com as ações dos envolvidos. Assim, nem sempre há encontro entre o
discurso e a prática, entre o dizer e o fazer, isto é, nem sempre as crenças
influenciam as ações e vice-versa (RICHARDSON, 1996 apud BARCELOS, 2010,
p.28).
Outros autores (BORG, 2003; WOODS, 2003) citados por Barcelos (2010),
igualmente enfatizam o desencontro entre o que acreditamos e fazemos, pois os
indivíduos realizam ações que parecem ser inconsistentes com o que eles dizem ser
suas crenças.
Conforme Barcelos (2010), o contexto no qual o professor está inserido
influencia suas ações, pois o professor lida constantemente com interesses
contraditórios – de um lado, possui suas crenças que indicam a maneira como deve
agir para que o seu ensino seja de melhor qualidade; de outro, há a teoria e as
pesquisas que dizem como ele deveria proceder, e, além disso, existe sua realidade
que não lhe permite fazer nem o que ele acredita ser o certo e nem o que as
pesquisas e métodos dizem que é certo. O professor tende assim a agir dentro do
que lhe é possível, não porque ele acredita ser a maneira mais eficaz, mas por ser,
26
muitas vezes, a única possível de ser praticada, pela ausência de modelos
alternativos de conduta.
Acredito que, de fato, uma série de fatores atue na relação entre crenças e
ações. As experiências anteriores, as práticas já estabelecidas, as teorias estudadas
e as identidades dos professores fazem com que a relação entre o dizer e o fazer
revelem dissonâncias. Além disso, o grau de influência não é sempre o mesmo.
Uma crença pode fomentar a mudança de prática do professor e, ao mesmo tempo,
fazer com que nada se altere em relação ao aluno.
Todavia, até considerar o contexto como fator influenciador, as pesquisas
sobre crenças passaram por diversos momentos, como mostro a seguir.
2.2 Diferentes abordagens de investigação de crenças
Kalaja (2006) classifica as investigações sobre crenças, de acordo com o foco
e o método, em pesquisa hegemônica e pesquisa discursiva.
A pesquisa hegemônica baseia-se numa visão realista do mundo, como nas
pesquisas em ciências naturais. Também usa o método hipotético-dedutivo, ou seja,
testa hipóteses com o intuito de estabelecer uma relação causa-efeito com o
fenômeno estudado, objetivando generalizar o resultado.
De acordo com esta abordagem, as crenças são entidades cognitivas,
localizadas na mente do indivíduo e, em função disso, são consideradas estáveis e
controláveis. O instrumento mais utilizado nesse tipo de pesquisa é o questionário, e
os dados obtidos são analisados quantitativamente. A pesquisa hegemônica, como a
própria denominação manifesta, é a predominante nos estudos da área.
De origem mais recente, a pesquisa alternativa/discursiva tem como foco o
discurso. Trabalha com repertórios interpretativos, pois considera a linguagem como
um “local de construção” (KALAJA, 2006, p. 91), no qual o sujeito exerce um papel
ativo. O discurso é, nessa abordagem, considerado como prática social – em outras
palavras, não é predeterminado na mente do sujeito. Assim, o foco desse tipo de
pesquisa é a ação, e não mais a cognição.
27
Essa abordagem, alinhada com a pesquisa qualitativa, baseia-se numa visão
relativista do mundo, no qual as explicações para os fenômenos são interpretações
dos pesquisadores a partir de trechos de fala ou escrita produzidos por uma pessoa,
considerando a construção e a função da comunicação efetuada. Sendo
interpretação, é apenas uma diante das diversas explicações possíveis para o objeto
analisado. Conforme Barcelos (2004, p.140), essa abordagem pressupõe que as
crenças são construídas no discurso, uma vez que o uso da língua é social e cria
realidades.
Barcelos (2000, 2001, 2004), por sua vez, classifica as abordagens de
investigação de crenças sobre aquisição de línguas em três momentos principais,
diferenciadas pelo conceito de crenças adotado, pelos instrumentos utilizados e pela
relação das crenças com o contexto. São elas: normativa, metacognitiva e
contextual. Somente as duas primeiras abordagens consideram, segundo a autora,
as crenças como cognitivas. Na abordagem contextual, as crenças são
consideradas construções sociais, pois envolvem o contexto, as relações
interpessoais e as experiências vivenciadas pelos pesquisados.
Na abordagem normativa, estas são definidas como algo estático, préconcebido e geralmente errôneo. Elas indicariam o comportamento futuro dos
alunos, explicando suas ações em sala de aula, num claro estabelecimento de
relação causa-efeito. Barcelos (2004) salienta que os estudos nessa abordagem são
descritivos, classificativos e a relação crenças-ações é apenas sugerida, sem
investigação do contexto.
O método de investigação mais adotado é o questionário com escalas do tipo
Likert, como o BALLI, de Horwitz (1988). Em questionários desse tipo, o participante
apenas aponta seu grau de concordância/discordância com afirmações abstratas e
pré-estabelecidas pelos pesquisadores – que, nesse caso, “falam” pelo investigado.
No entanto, se a pesquisa envolver um grande número de participantes, o uso desse
instrumento de coleta facilita a análise dos dados. Algumas pesquisas incluem
entrevistas para validar as respostas obtidas, uma vez que o participante pode
querer descrever suas crenças de outra forma que a estabelecida no questionário,
bem como pode interpretar os itens de maneira diferente da que pretendia o
pesquisador.
Esta abordagem, muitas vezes, ignora a perspectiva dos aprendizes,
criticando as crenças apresentadas por eles. Comparadas às crenças de
28
pesquisadores, as crenças dos alunos são consideradas errôneas e devem ser
confrontadas pelo professor.
De acordo com a abordagem metacognitiva, as crenças são definidas como
conhecimento metacognitivo, estável e, às vezes, falível. As crenças, aqui, são
relacionadas a estratégias de aprendizagem dos alunos. Estes usam o
conhecimento metacognitivo para constituir suas “teorias em ação” (WENDEN, 1987,
p. 112 apud BARCELOS, 2001a). Tal conhecimento os leva à reflexão sobre seu
processo de aquisição de língua e os auxilia a desenvolver seu potencial de
aprendizagem. Em outras palavras, as pesquisas nesta abordagem indicam que
uma crença negativa levaria a estratégias negativas de aprendizagem da língua.
Assim, fica implícito que o aprendiz deveria adotar crenças mais “eficazes”.
A
metodologia
predominante
nessa
abordagem
envolve
o
uso
de
questionários semiestruturados, mas também pode incluir o uso de entrevistas. Isso
porque, por meio delas, os alunos podem usar seus próprios termos para definir e
avaliar seu processo de aquisição de segunda língua. A relação entre crenças e
ação também não é investigada, apenas sugerida e discutida no que se refere a
estratégias de aprendizagem. Nessa abordagem, as crenças são consideradas
como conhecimento, ou seja, constituem o processo de raciocínio do aluno.
Terceiro período de investigação de crenças, a abordagem contextual
caracteriza as crenças como dependentes do contexto, ou seja, as crenças não são
consideradas estáveis. Os estudos sob essa perspectiva não têm como objetivo
generalizar os resultados obtidos, mas compreender as crenças em contextos
específicos. Também procuram considerar a influência anterior de aprendizagem de
línguas dos alunos em suas crenças e em suas ações dentro de um contexto
determinado.
A metodologia utilizada envolve o uso de entrevistas e, principalmente,
observações de sala de aula. Múltiplos instrumentos de coleta são usados nesta
abordagem, de forma que os dados sejam triangulados para uma visão mais
holística da situação investigada. Os estudos nessa perspectiva têm uma visão mais
positiva do aprendiz, mas podem consumir muito tempo e se adéquam a uma
investigação com menor número de participantes.
As duas primeiras abordagens – normativa e metacognitiva – apresentam
limitações por desconsiderar o contexto social das crenças, postulando-as como
29
conceito fixo e pré-concebido, além de não permitir aos participantes das pesquisas
definir suas crenças usando os próprios termos (recorre à visão de um outsider).
Em comum, todas as abordagens estabelecem que as crenças influenciam o
comportamento. Entretanto, destaco que a relação entre crenças e ações não é tão
direta como supõem as duas primeiras. As crenças não somente influenciam ações,
mas as ações e reflexões sobre experiências podem levar a mudanças ou criar
novas crenças, como discutido anteriormente.
Outra forma de se entender as diferentes abordagens é com base nos
métodos usados, pois as duas primeiras abordagens propostas por Barcelos (2001,
2004) centram-se na fala e na escrita, enquanto a abordagem contextual baseia-se
nas ações dos indivíduos pesquisados. Nem sempre as crenças que o sujeito
manifesta na fala são diretamente identificadas em sua prática cotidiana, por isso a
necessidade de recorrer a instrumentos que não se restrinjam ao que é verbalizado.
Por meio do breve histórico a seguir, é possível perceber as mudanças que
acompanharam as pesquisas sobre crenças, não apenas no que se refere às
abordagens e aos instrumentos de coleta, mas também à inclusão de outras vozes
(pais, professores, coordenadores) e às relações que estabeleceram com conceitos
como o discurso, as emoções e as experiências.
2.3 Breve histórico das pesquisas sobre crenças
As pesquisas de crenças em LA são relativamente recentes. De acordo com
Barcelos (2007), no exterior, iniciaram-se na década de 80. Uma das pioneiras foi
Elaine Horwitz (1988) que criou um inventário de crenças Beliefs About Language
Learning Inventory (BALLI), para aprendizes de segunda língua.
Para constatar a prevalência de crenças comuns entre grupos típicos de
aprendizes, Horwitz (1988) organizou o citado BALLI, questionário composto por 34
itens divididos em cinco áreas: 1) Dificuldade de aprendizagem de língua; 2) Aptidão
em línguas estrangeiras; 3) A natureza da aprendizagem de línguas; 4) Estratégias
de aprendizagem e comunicação; e 5) motivação e expectativas.
30
O BALLI resultou de crenças obtidas através de recordações livres de
estímulos (free-recall protocols) com professores e grupos focais com estudantes.
Caracterizou-se por itens que eram avaliados em escala de 1 (concorda
plenamente) a 5 (discorda plenamente), conforme o grau de concordância ou
discordância.
A autora aplicou tal inventário em pesquisa com estudantes de língua da
Universidade do Texas, durante as três semanas iniciais do primeiro semestre.
Foram 80 estudantes de alemão, 63 de francês e 98 de espanhol. O objetivo dessa
diversidade foi comparar as respostas entre os grupos. A autora chegou à conclusão
de que os alunos trazem noções preconcebidas acerca da aprendizagem de línguas.
Entre os grupos investigados, as crenças foram similares, como as de que aprender
uma língua é questão de tradução, de que há línguas mais fáceis de aprender do
que outras ou de que aprender um novo idioma envolveria um dom ou aptidão
especial, por exemplo.
A autora identificou crenças que considerou errôneas, segundo ela por serem
baseadas no conhecimento e experiência limitados do aluno, como a de que a
fluência seria possível de obter em dois anos ou menos. Essas crenças deveriam
ser modificadas com o auxílio do professor, o qual as confrontaria com novas
informações. Esse questionário foi posteriormente traduzido para a língua
portuguesa como CRESAL – Crenças Sobre Aprendizagem de Línguas.
O livro organizado por Almeida Filho (1999) elenca diversas pesquisas sobre
crenças, algumas baseadas no questionário BALLI/CRESAL. Uma delas foi
realizada por Félix (1999) com duas professoras (P2 e P3) de escola pública sobre a
maneira ideal de aprender uma língua. Além do questionário, o estudo recorreu a
observações, gravações e transcrições de aulas e a entrevistas.
Triangulando dados, a autora percebeu que algumas manifestações na
entrevista não foram contempladas nos questionários, como a crença de que não se
aprende inglês na escola pública.
Além disso, em relação à professora P2, a pesquisadora encontrou
descompassos entre respostas do questionário e da entrevista. Enquanto no
questionário a participante não opinou sobre motivação, na entrevista manifestou-se
preocupada em motivar os alunos, principalmente os mais inibidos.
De maneira geral, contudo, as crenças das professoras sobre a forma ideal de
aprender línguas se mostraram relacionadas às experiências que tiveram como
31
aprendizes. Assim, esperavam de seus alunos as mesmas atitudes e motivação que
fizeram com que sua aprendizagem fosse bem-sucedida.
Os resultados a que chegou a autora ratificam a necessidade de se recorrer a
múltiplos instrumentos de coleta, de permitir a manifestação do sujeito investigado e
de incluir a observação de suas ações, como proposto na abordagem contextual de
Barcelos (relatada na seção anterior). Nesse momento de investigação das crenças,
porém, tal lacuna permaneceu como orientação para novos estudos.
Mais recentemente, Zolnier (2010), baseando-se no questionário BALLI
(HORWITZ, 1988), elaborou um inventário específico sobre as habilidades de fala, o
qual aplicou a nove professoras participantes do Projeto de Educação Continuada
para Professores de Língua Inglesa (PECPLI), desenvolvido na Universidade
Federal de Viçosa. Além do inventário, a autora recorreu a gravações dos encontros
do projeto citado e a entrevistas individuais.
Nos resultados obtidos, destacou que sete das nove professoras que
responderam ao questionário consideraram ensinar o estudante a falar como uma
das prioridades em sala de aula e um dos principais interesses dos alunos. No
entanto, em entrevista, relataram os problemas que, em sua acepção, faziam com
que o ensino se mantivesse essencialmente gramatical: indisciplina, escassez de
materiais, grande quantidade de alunos por sala e baixa carga horária.
A pesquisadora, na discussão dos dados, apresenta a insegurança das
professoras quanto ao ensino da fala como mais um fator impeditivo. Nesse sentido,
aponta que os encontros do PECPLI têm proporcionado mudanças, como o aumento
da autoconfiança em sala de aula.
Essas pesquisas brasileiras sobre crenças, porém, devem o pioneirismo a
outros estudos que introduziram essa área no país, no início da década de 90. Leffa
(1991), Almeida Filho (1993) e Barcelos (1999) foram os primeiros a se voltar para
pesquisas nessa área, ainda não denominada “crenças”.
Leffa (1991) pesquisou concepções de língua, linguagem e aprendizagem de
línguas de alunos da 5ª série, ou seja, de alunos que ainda não tinham iniciado o
estudo da língua inglesa. Através dos termos usados pelos estudantes, o autor
procurou entender qual conceito os participantes tinham acerca da linguagem que
iriam estudar, o que pensavam das pessoas que falavam o idioma, que aspectos
envolveriam o aprendizado de uma língua estrangeira e que vantagens poderiam lhe
trazer.
32
A
pesquisa
revelou
que
os
estudantes
pesquisados
entendiam
a
aprendizagem de um novo idioma como a aquisição de um conjunto de palavras. A
nova língua poderia ser aprendida como qualquer outra disciplina do currículo
escolar, inclusive de forma solitária, através de leituras. A aprendizagem de inglês,
para os estudantes, serviria para se tornar professor de línguas ou para viajar ao
exterior, realidades distantes do cotidiano do aluno.
No Brasil, Almeida Filho (1993) foi quem primeiro teorizou as crenças,
definindo a cultura de aprender num modelo teórico de ensino-aprendizagem
(Modelo de Operação Global de Línguas).
Tal modelo envolvia o planejamento dos cursos, a produção/seleção de
materiais, a experiência na, com e sobre a língua dentro e fora de sala de aula e a
forma de avaliação dos aprendizes. Cercava-se de uma cultura de aprender (por
parte do aluno) e uma abordagem de ensinar (por parte do professor). O primeiro
configuraria as “maneiras de estudar e de se preparar para o uso da língua-alvo
consideradas como ‘normais’ pelo aluno e típicas de sua região, etnia, classe social
e grupo familiar, restrito em alguns casos, transmitidas como tradição, através do
tempo, de uma forma naturalizada, subconsciente, e implícita” (ALMEIDA FILHO,
1993, p. 13).
Já a abordagem de ensinar do professor envolvia as concepções de
linguagem, de aprender e ensinar, além das capacidades profissional, aplicada,
teórica, implícita e linguístico-comunicativa, que juntas deveriam funcionar como
uma força propulsora à aprendizagem do aluno.
A cultura de aprender e a abordagem de ensinar poderiam apresentar
incompatibilidades. O estudo de ambas possibilitaria mais chances de bons
resultados no processo de ensino-aprendizagem.
Barcelos (1999), por sua vez, investigou alunos do último ano do curso de
Letras de uma universidade federal do sudeste brasileiro sobre a cultura de aprender
língua estrangeira. Numa pesquisa de caráter etnográfico, foram identificadas três
fortes crenças, a saber: “Aprender inglês é saber sobre a estrutura dessa língua”; “
professor é o responsável pela aprendizagem do aluno”; e “
inglês que se aprende
aqui não é o mesmo que se aprende lá”.
A autora concluiu que as crenças detectadas carregavam influência de
experiências anteriores e não favoreciam uma aprendizagem bem-sucedida. Os
estudantes acabavam por adotar uma atitude passiva que, futuramente, auxiliaria na
33
manutenção de concepções já enraizadas na cultura escolar, por reproduzir o
mesmo ciclo pelo qual passaram.
Essas pesquisas iniciais já detectavam a influência das crenças no processo
de ensino e aprendizagem. Pode-se perceber que a língua estrangeira é vista como
uma disciplina qualquer do currículo escolar, perpassada pela concepção
estruturalista da língua, como o estudo de português. Também é possível notar que
a responsabilidade pelo processo de aprendizagem é atribuída ao professor. Essas
crenças ainda permeiam o contexto escolar brasileiro, contribuindo para que as
escolas públicas continuem estigmatizadas como lugar de fracasso.
Desde 2002, segundo Barcelos, as pesquisas sobre crenças de ensino e
aprendizagem de línguas no contexto brasileiro encontram-se em fase de expansão.
Acompanhando recentes publicações na área, percebi que os estudos sobre
crenças têm se direcionado para diferentes relações, estabelecidas com a cognição
e as emoções (ARAGÃO, 2010), com as experiências (MICCOLI, 2010) e com
discursos (ASSIS-PETERSON; COX; GÓES DOS SANTOS, 2010).
A partir da Biologia do Conhecer de Humberto Maturana, Aragão (2010)
recorre a uma visão sistêmica do processo de convivência humana para defender
que cada indivíduo participa de uma rede de histórias e relações, permeada pelas
emoções. O contato com o outro, no processo de convivência, favorece reflexões e
pode levar a mudanças nas emoções, uma vez que poderemos alterar nosso
domínio de ação – o que, de forma sistêmica, afeta todo o processo de ensinoaprendizagem, inclusive crenças e condutas. Justamente por se relacionar com as
emoções, situações de conflito entre crenças podem favorecer sentimentos de
frustração, irritação ou mesmo depressão.
O autor pontua a necessidade de se pesquisar as emoções dentro da sala de
aula, uma vez que elas participam do cotidiano escolar por meio de condutas como
a resistência de alunos à aprendizagem de um novo idioma, por exemplo.
Miccoli (2010), por sua vez, teoriza a relação entre crenças e experiências.
Segundo a autora, experiências seriam processos complexos que envolvem
circunstâncias, dinâmicas, emoções e relações vividas em um contexto específico de
interações. Uma vez narrada, a experiência demonstra ter se tornado uma situação
singular para quem a vivenciou.
Miccoli divide as experiências em diretas e indiretas. As categorias de
experiências diretas diferem entre professor e aluno. Já as categorias de
34
experiências indiretas são as mesmas para ambas as partes, classificando-se em
contextuais, anteriores, conceptuais e futuras. São as experiências conceptuais,
referente ao contexto intra e extrainstitucional em que professores e alunos se
encontram, que perpassam as crenças.
As experiências seriam capazes de modular as crenças, que, por sua vez,
modulariam as ações. O estudo dessa relação entre crenças, experiências e ações
levaria, assim, ao entendimento do processo integral de ensino-aprendizagem,
propiciando compreender e pesquisar os problemas com os quais os participantes
envolvidos se deparam.
Outra linha de expansão na pesquisa sobre crenças diz respeito à relação
que elas estabelecem com o discurso, que é entendido como uma das formas de
materialização das ideologias. Cox, Assis-Peterson & Góes dos Santos (2010)
entendem que as crenças são construídas no discurso, dado o fato de serem
construções sociais, cujos sentidos não existem por si sós – são contextualmente
situados, ou seja, dependem da formação discursiva na qual se inscrevem. As
formações discursivas são os lugares de constituição de sentidos, determinando o
que pode e deve ser dito de acordo com a posição a partir de onde o sujeito fala.
Uma vez que o sentido não se origina no sujeito, mas se relaciona com a formação
discursiva da qual ele participa, o que dissemos, pensamos e também cremos
seguem as mesmas restrições da formação discursiva na qual estamos inseridos,
defendem as autoras.
Em Mato Grosso, Assis-Peterson tem orientado trabalhos sobre crenças
desde a década de 90, inicialmente no Mestrado em Educação e, atualmente, no
Mestrado em Estudos de Linguagem (MeEL).
As pesquisas pioneiras tiveram início em 1995. Relacionavam-se com
crenças sobre Língua Francesa: “Atitudes e Crenças de Diretores, Professores e
Alunos em Torno da Língua Francesa em Duas Escolas de 1º e 2º Graus” (19951997), de Delcinha Peccini Saquetti; e “A Língua Francesa: Crenças e Imagens
entre Professores e Alunos da Universidade Federal de Mato Grosso” (1995-1997),
de Maria Lúcia Paiva dos Santos. Afastando-se da concepção cognitivista de
crenças, ambos foram estudos qualitativos.
Pesquisas mais recentes feitas em Mato Grosso, orientadas por AssisPeterson, caracterizaram-se pelo caráter etnográfico, com o uso de diferentes e
múltiplos instrumentos, sobretudo observação e entrevista, e da inclusão de outros
35
atores além de professores e aprendizes. Por exemplo, Dias (2006) pesquisou
alunos, pais e atores da escola (professoras, diretoras e coordenadora) de uma
escola pública de ensino fundamental localizada na periferia na qual encontrou, além
da crença de que a escola pública não seja o local apropriado para a aprendizagem
de inglês, crenças relacionadas à importância do inglês para o acesso ao mundo, de
uma forma geral, e, mais especificamente, ao mercado de trabalho. Aprender inglês
significava ampliar o círculo afetivo e social no qual os alunos estavam inclusos,
permitindo distanciar-se do espaço do “mundinho” da comunidade em que moravam
para ter acesso ao mundo globalizado.
O distanciamento social vivido por quem não sabe inglês também se revelou
na pesquisa de Lyons (2005), realizada com alunos, professora, diretora e
coordenadores de uma escola pública de ensino fundamental. Nesse estudo de
caráter etnográfico que enfocou a relação crença-contexto, apenas para citar um
exemplo, são tantos os desafios de quando se trata de ensinar e aprender inglês na
escola pública que a aprendizagem desse idioma assume dimensão secundária se
comparada à necessidade de ensinar cidadania e boas maneiras ao aluno. Além da
falta de apoio dos pais, o suporte institucional é falho. A falta de material didático é
reforçada pelos problemas infraestruturais, como ausência de biblioteca e de
espaços de lazer dentro da unidade escolar.
Assim como Lyons, considero crenças como construções sociais dinâmicas,
passíveis de mudança e estreitamente relacionadas ao contexto em que se inserem.
Acredito que a investigação de crenças que se pauta apenas em questionários ou
entrevistas não consegue expor a complexidade desse conceito e de suas
realizações na prática cotidiana. Por esse motivo, opto pela abordagem contextual
proposta por Barcelos (2001, 2004), por meio da qual pretendo relacionar crenças,
contexto e ação. Para tanto, observações, entrevistas e análise documental serão
envolvidas numa investigação de natureza qualitativa e etnográfica, de forma a
propiciar um panorama mais completo das crenças inferidas.
Além de identificá-las, pretendo entender qual o papel das crenças dentro do
contexto investigado – ou, de outra maneira, como as crenças de aprendizagem de
alunos e professora se inter-relacionam, tanto no estabelecimento ou mudança de
crenças quanto na prática de alunos e professora na sala de aula. Antes disso,
porém, traço um sucinto panorama de pesquisas que envolvem aprendizagem de
línguas e crenças.
36
2.4 Pesquisas sobre aprendizagem de línguas
Os estudos que se relacionam à aprendizagem de inglês na escola pública
costumeiramente tendem a indicar um culpado ou “bode expiatório”: o governo, o
professor ou os alunos (LEFFA, 2011, p. 18-25). Há sempre uma justificativa para
tal: o professor quer ensinar, mas é impedido pelo “sistema” – referência ao governo;
o aluno quer aprender, mas o professor não tem domínio do conteúdo; o professor
quer ensinar, mas o aluno desvaloriza a aula de inglês porque não vê relação direta
com seu cotidiano – entre tantas outras conclusões apontadas. Essas três instâncias
compõem o “triângulo do fracasso escolar” (LEFFA, 2011, p. 24).
No entanto, mais do que apontar culpados, é crucial identificar e entender o
papel de cada elemento no processo de ensino-aprendizagem na escola pública.
Para isso, é necessário entender também suas crenças, uma vez que elas atuam
sobre e entre todos eles. Crenças de professores e alunos se inter-relacionam e se
influenciam, pois aprendizagem pressupõe uma parceria entre professor e aluno.
“Quem aprende precisa de quem ensina e vice-versa” (GIMENEZ, 2009 in LIMA,
2009, p.110-111).
É preciso, assim, que os papéis estejam bem definidos – e que cada parte
tenha consciência do que lhe é esperado – para que essa relação seja efetivamente
formada, ou seja, estabelecendo crenças e ações que contribuam para uma
aprendizagem bem-sucedida.
Este estudo se dedica a investigar como as crenças de professores e alunos
acerca do processo de ensino e aprendizagem se relacionam dentro do contexto de
uma escola pública, uma vez que as crenças estão fundamentadas nas redes de
experiências e interações de uma pessoa com outras (BARCELOS; KALAJA, 2006,
p. 236), variando de acordo com o contexto, podendo ser, inclusive, contraditórias.
Pesquisas que identificam crenças de professores e alunos, como têm sido
desenvolvidas no Brasil, já surgem como um primeiro passo, uma vez que,
conhecedores das crenças que manifestam, os envolvidos no processo escolar
podem se engajar em atividades que permitam alcançar os objetivos a que se
propõem em sala de aula.
37
Mas é preciso ir além da mera identificação de crenças, pois, como aponta
Madeira (2007), com base no estudo de Green (1993), nem sempre os aprendizes
conseguem discernir quais atividades são realmente eficazes, tampouco são
capazes de relacionar atividades agradáveis e a devida eficiência. Atividades
gramaticais, avaliadas negativamente, muitas vezes mostravam-se mais certas de
atingir os objetivos propostos.
Nesse aspecto, Félix (1999) põe em cena a motivação dos alunos como um
fator essencial para que a aprendizagem de língua estrangeira ocorra. A autora
pesquisou crenças de duas professoras de inglês de escola pública. Felix identificou
que o aprendiz ideal de inglês, dentro do contexto pesquisado, seria aquele que usa
as mesmas estratégias de aprendizagem das professoras envolvidas na pesquisa.
Situação semelhante é apontada por Aragão (2010), que, ao investigar a
relação entre crenças, cognição e emoções com seis voluntários matriculados na
disciplina Habilidades Integradas I: Inglês, oferecida pela Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais, deparou-se com as condutas herdadas
(termo usado por uma participante denominada Arwen), que se referiam a
experiências prévias de ensino e aprendizagem de inglês que predispunham o
aprendiz a se compatibilizar ou não com as crenças e o estilo de ensino da
professora.
Nessa pesquisa, a professora se focava em atividades metalinguísticas, como
as que vivenciou no período em que foi aluna. Reproduzia sua experiência na sala
de aula e opinava que os estudantes deveriam acreditar em seu estilo de ensinar a
língua.
Leffa (1991) critica essa visão reprodutivista ao afirmar que os professores
acreditam que a concepção de aprendizagem de seus alunos é ingênua. Assim, os
professores tentam substituí-la por “ideias sofisticadas” (LEFFA, 1991), que, dentro
de determinado contexto, podem se constituir em um caminho errôneo. “Entre estar
errado e ser ingênuo, nós optamos por ser errados, às vezes nos afastando de onde
o estudante está8”. (LEFFA, 1991, p. 58).
Concordo que a simples reprodução, por parte do professor, de métodos e
estratégias por ele experienciadas no período em que era aprendiz pode não ser
No original: “Between being wrong end being naive, we have decided, in a way, to be wrong,
sometimes moving very far from where the student is.”
8
38
uma atitude acertada ou adequada. Primeiro, há uma lacuna temporal entre as
práticas de seu tempo como aprendiz e de seu momento como professor. Segundo,
o contexto é, obviamente, outro. Vive-se hoje cercado por recursos como a internet e
as mídias sociais, favorecedores de contatos com outros idiomas de formas mais
relevantes aos alunos do que aquelas propostas pelas escolas. Nos contextos reais
de uso com falantes da língua-alvo, o estudante consegue perceber se a língua
ensinada na escola foi aprendida ou somente memorizada mecanicamente.
Em outras palavras, o que esses pesquisadores mostram é que há uma série
de fatores a interferir no ensino e, consequentemente, na aprendizagem de uma
língua estrangeira na escola pública – e na escola privada também, como bem
apontou Barcelos (2006).
Em um estudo etnográfico sobre a relação entre as crenças de três
professores americanos de inglês como segunda língua e seus alunos brasileiros no
contexto de um instituto internacional de línguas nos EUA, a autora mostrou que a
relação entre crenças de professores e alunos vai além da influência das crenças
dos primeiros sobre os segundos. As crenças de ambos mostram-se interrelacionadas, ou seja, as crenças dos alunos também exercem influência sobre as
crenças e práticas dos professores, e não somente o contrário. Além disso, pode
haver conflitos entre as crenças dos dois lados envolvidos, mudando também as
práticas.
Essa complexidade estabelecida entre o que é ensinado e o que é aprendido
pode ser vista em estudos que, embora não se refiram diretamente a crenças,
envolvem a aprendizagem de uma língua estrangeira. Miccoli (2010), ao estudar
uma série de relatos de alunos e professores de língua inglesa, questiona a ideia de
que o aprendizado seja uma experiência unicamente cognitiva. Cada pessoa pode
vivenciar o processo de uma forma particular, mas como a mesma aponta, aprender
língua estrangeira em sala de aula é uma atividade complexa na qual se relacionam
o aspecto social e emocional, ou, em outras palavras, é uma experiência de
dimensão coletiva. A autora mostrou que uma experiência cognitiva coletiva entre os
alunos é a de que sempre aprendem alguma coisa nas aulas, ainda que esse
aprendizado seja diferente do objetivo proposto pelo professor.
Esse aspecto já havia sido apontado por Dewey (1936), que destacou as
chamadas “aprendizagens paralelas” – a pessoa não aprende somente ou
especificamente o que está estudando naquele momento. Ainda que os objetivos
39
para a aula sejam determinados tópicos gramaticais, a apresentação de um diálogo
pode indicar, por exemplo, algumas regras implícitas de conduta social dentro
daquela cultura de língua inglesa, e serão aprendidas pelos alunos. Trata-se de uma
visão bastante positiva da sala de aula, com a qual também concorda Erickson,
mencionado por Cox & Assis-Peterson (2001a) no prefácio do livro “Cenas de Sala
de Aula”. Há de se presumir que, dentro da sala de aula, o aprendizado é
ininterrupto, ainda que seguindo rumo diferente do esperado pelo professor.
Entretanto, ainda que a aprendizagem ocorra, por ser nesses moldes, ela não
satisfaz os professores e, possivelmente, também não satisfaz os estudantes. As
aprendizagens paralelas e acidentais não devem ser substituídas pelos objetivos de
aprendizagem da disciplina. Se assim fosse, não haveria necessidade de escolas,
professores ou alunos.
Dias (2006), ao analisar o depoimento de professores de inglês e de outras
disciplinas (Matemática, Português e História), constatou que todos eles se mostram
insatisfeitos com a aprendizagem apresentada por seus alunos.
Esses depoimentos reforçam a crença de que a escola não tem conseguido
cumprir fielmente o seu papel principal: o de levar o aluno à aprendizagem.
Ou, pelo menos, não está conseguindo alcançar os objetivos estabelecidos.
Curiosamente, não há referências à questão de que o ensino seja a outra
face da aprendizagem. Se a aprendizagem não funciona significa que o
ensino também não. (DIAS, 2006, p. 83)
Para Dewey (2010, p.28), essas situações ocorrem porque “tudo depende da
qualidade da experiência que se tem”. Segundo o autor, o problema é que, nas
escolas tradicionais, como tem se apresentado a Escola Central, muitas
experiências são do “tipo errado”:
Quantos alunos, por exemplo, tornaram-se insensíveis a certas ideias, e
quantos perderam a motivação para aprender por causa da forma como
experimentaram o processo de aprendizagem? Quantos adquiriram
habilidades específicas por meio de exercícios automáticos que limitaram
seu poder de julgamento e sua capacidade de agir com inteligência diante
de novas situações? Quantos passaram a associar o processo diante de
novas situações? Quantos passaram a associar o processo de
aprendizagem com algo entediante e maçante? Quantos acharam o que
aprenderam tão distante da vida fora da escola que nenhuma capacidade
de controle lhes proporcionou para o comando da vida? Quantos passaram
a associar os livros com uma tarefa tão maçante de maneira a ficarem
“condicionados” a leituras rápidas e ocasionais? (Dewey, 2010, p. 28)
40
De acordo com Dewey (2010), quando não se leva em consideração a
capacidade e os propósitos dos alunos e quando não se pratica uma adaptação
mútua em sala de aula, o processo de ensino-aprendizagem torna-se acidental. Em
outras palavras, apenas aqueles que se adaptam às condições propostas
conseguirão aprender. Para o autor, é provável que o aluno tenha aprendido se se
mostrou apto nas avaliações aplicadas. O que ocorre, porém, é que a falta de
adaptação entre os conteúdos da escola e as experiências do aluno fora dela faz
com que o que foi aprendido fique isolado em compartimentos fechados, sendo
acessado apenas quando as condições em que se deu o aprendizado forem
repetidas.
Parto do pressuposto de que a diversidade que compõe a sala de aula torna
necessária uma adaptação mútua. Não é preciso anular o outro nem ser anulado. É
necessário que os sujeitos se organizem e se engajem em práticas para que o
processo flua.
No caso do ensino de língua inglesa, a aplicação cotidiana daquilo que foi
estudado parece pouco ocorrer, uma vez que o conteúdo ensinado nem sempre está
adequado ao contexto dos estudantes e, quando está, não afeta diretamente sua
vida a ponto de se tornar um incômodo o fato de não ser proficiente em inglês. Para
muitos desses alunos, torna-se mais viável buscar outra oportunidade de emprego
do que voltar aos bancos escolares para aprender inglês. Trabalhar pode ser uma
real necessidade naquele momento, enquanto o inglês não o é.
Independentemente de ter gerado ou não algum aprendizado, se o objetivo
das aulas de inglês é que o aluno aprenda o idioma ensinado, mas, ao final de anos
de estudo, ele sai sem conseguir se comunicar em tal idioma, é impossível esconder
o fracasso desse processo (LEFFA 2011 in LIMA, 2011, p. 17).
Complementando Leffa (op. cit.), acredito que tanto o sucesso quanto o
fracasso se tornam visíveis. Mas, antes de decretar qualquer deles, é crucial verificar
quais eram os objetivos propostos.
Tendo em vista a conclusão dos autores acima, procurei identificar como a
relação de ensino-aprendizagem se constituía na Escola Central, buscando perceber
quais fatores influenciavam professora e alunos na convivência em sala de aula.
Com esse objetivo, empreendi uma pesquisa de natureza etnográfica, cujo contexto
de realização e instrumentos de coleta detalho a seguir.
41
CAPÍTULO TRÊS – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo, inicialmente relato a opção pelo método qualitativo e pela
pesquisa de cunho etnográfico para a identificação de crenças dentro do contexto do
8.º Ano A da Escola Central. Posteriormente, apresento as circunstâncias em que a
pesquisa se desenvolveu. Descrevo a escola, a dinâmica da sala de aula e
componho o perfil dos principais participantes. Ao final, discorro sobre os
instrumentos de coleta (observação, entrevista e análise documental) e exponho os
procedimentos analíticos aos quais recorri.
3.1 A ótica da pesquisa
Nesta pesquisa, interessa-me evidenciar quais crenças referentes ao
processo de ensino-aprendizagem de inglês constituem o contexto da sala de aula
de uma professora de inglês e de seus alunos – uma turma de 8.º ano de Ensino
Fundamental da Escola Central. O objetivo da pesquisa é identificar como essas
crenças são constituídas no dizer e na ação dos participantes no contexto micro da
sala de aula, como também entendê-las no contexto mais amplo da instituição. Para
atingir esses objetivos, as perguntas de pesquisa que orientam o estudo são:
1. Como professora e alunos do ensino fundamental de uma escola
pública estabelecem suas crenças de aprender e ensinar inglês?
2. Há uma (inter)relação entre as crenças e as práticas de aprendizagem
de inglês da professora e dos alunos?
Esta pesquisa busca entender crenças observando as práticas vivenciadas
em sala pelos participantes, como também buscando as suas orientações sobre o
que entendem ser aprendizagem-ensino de língua estrangeira. O conhecimento é
algo socioculturalmente construído, produzido através da linguagem e que está
diretamente relacionado com os valores e com a posição sob a qual uma pessoa vê
42
o mundo. Conforme Erickson (1990, p. 85), todas as questões de pesquisa
qualitativa/interpretativa, longe de serem óbvias ou desnecessárias, referem-se a
escolhas humanas e a significados atribuídos, e, dessa forma, sempre se relacionam
com a possibilidade de melhoria de práticas como a educativa.
O objetivo da pesquisa interpretativa é a investigação das ações – e não do
comportamento (ERICKSON,1990, p. 98). Por ação, o autor entende o ato físico
somado aos significados atribuídos por quem atua e por aquele com quem ele se
inter-relaciona. Comportamento, diferentemente, seria apenas o ato físico.
A diferenciação feita por Erickson é pertinente tendo em vista que o conceito
de comportamento é comumente associado ao behaviorismo e suas convenções de
estímulo-resposta.
Diferentemente, por se basear em atribuição de significados, ou seja, em
escolhas humanas feitas dentro de um contexto de interação social, a pesquisa
interpretativa é passível de ressignificação e mudança (ERICKSON, 1990, p. 98).
Não é possível prever ou controlar o que vamos obter, pois as relações sociais – nas
quais a pesquisa se baseia – são dinâmicas.
Dentre as formas de pesquisa qualitativa interpretativa, a opção foi pelo
enfoque etnográfico. Watson-Gegeo (1988, p. 576), apoiada em outros teóricos
(FIRTH, 1961; HYMES, 1982), define etnografia como “o estudo do comportamento
das pessoas em contextos naturais e dinâmicos, com foco na interpretação cultural
do comportamento9” (grifo desta autora). Considero cultura como “um contexto, algo
dentro do que os símbolos podem ser inteligivelmente – ou densamente – descritos”
(GEERTZ, 1973, p. 14 apud ANDRÉ, 1995, p. 19-20). A cultura envolve um sistema
simbólico de significados sobre o que as pessoas falam, fazem, constroem e usam,
ou seja, sobre suas experiências (SPRADLEY, 1979 apud ANDRÉ, 1995, p. 19).
Assim, o foco da pesquisa etnográfica recai sobre o grupo social, do qual o
indivíduo se configura uma amostra representativa, uma vez que comportamentos
culturais são comportamentos compartilhados (WATSON-GEGEO, 1988, p. 577).
Assim, todos os aspectos pesquisados são analisados em relação ao contexto
cultural/social no qual o indivíduo – e o grupo – estão inseridos. Como expõem
Lightbown & Spada (2006, p.133):
9
“The study of people’s behavior in naturally occurring, ongoing settings, with a focus on the cultural
interpretation of behavior.” (WATS N-GEGEO, 1988, p. 576)
43
(…) etnografias nas salas de aula de segunda língua ou de língua
estrangeira não se concentram unicamente na aprendizagem ou no ensino,
mas também nas realidades sociais, culturais e políticas e o impacto delas
10
no desenvolvimento linguístico cognitivo e social do aluno. (LIGHTBOWN
& SPADA, 2006, p.133)
O estudo do processo educativo com foco na cultura, segundo André (1995,
p. 28), não pode ser considerado etnografia em sentido estrito por envolver um
trabalho de campo de curta duração e se referir a um contexto mais específico,
limitado pelos muros escolares. O que se faz, nesse caso, é o que pode ser
denominado de pesquisa de natureza ou de cunho etnográfico.
Concordo com tal posicionamento, uma vez que a pesquisa em sala de aula
investiga um contexto bastante restrito, limitado pelo tempo e pelo espaço. Ademais,
seria incapaz de expor as diferentes identidades dos participantes, tampouco
explorar as relações sociais mais amplas em que estão envolvidos.
Pela importância do contexto na análise dos dados é que a pesquisa de
cunho etnográfico se torna adequada a esta proposta: o que se busca, nesse tipo de
pesquisa, não é a verdade do fato, não é a referência a um padrão universal, mas
sim o entendimento do espaço particular no qual tal cultura e linguagem ocorrem.
Em outras palavras, o princípio da relatividade cultural se relaciona com a
contextualização das práticas investigadas (ASSIS-PETERSON, comunicação
pessoal, 27/10/2011, aludindo à leitura realizada por Blommaert (2005) do legado
dos estudos contextuais de formas culturais de estudiosos como Franz Boas,
Edward Sapir, Benjamin Lee Whorf, Dell Hymes, John Gumperz, James Clliford,
entre outros).
Assim, todos os acontecimentos devem ser descritos e analisados em relação
ao contexto em que estão inseridos (WATSON-GEGEO, 1988; AGAR, 1996;
BLOMMAERT; JIE, 2010), pois constituem um sistema simbólico em que cada
informação está conectada a outras, em diferentes níveis (micro e macro), tempos e
lugares da cultura pesquisada (BLOMMAERT; JIE, 2010, p. 30).
Feita a opção pela pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, a perspectiva de
análise dos dados que procuro adotar nesta pesquisa é êmica, ou seja, como
10
“(...) ethnographies in second or foreign language classrooms do not focus solely on learning or on
teaching but also on social, cultural and political realities and their impact on learner’s cognitive,
linguistic and social development” (LIGHTB WN & SPADA, 2006, p. )
44
pesquisadora, busco conhecer a perspectiva de pessoas inseridas na cultura
pesquisada, buscando entender e recorrendo a termos usados por seus membros.
Entretanto, como aponta Watson-Gegeo (1988, p. 580), a análise etnográfica
não é exclusivamente êmica porque uma das bases da etnografia é a comparação
entre contextos distintos, o que deve partir de uma análise ética – que recorre a
termos, conceitos e categorias operacionais tidas como estáveis dentro das ciências
sociais, ou seja, que não estão sujeitas a mudanças de acordo com o contexto que
se investiga. Geralmente, a terminologia ética é influenciada pela cultura do
pesquisador e nem sempre possui significado aos pesquisados.
3.2 O percurso da pesquisa
Imagino que qualquer pesquisador iniciante, ao empreender uma pesquisa,
sente-se inseguro acerca de como proceder. Senti tal insegurança ao começar este
estudo de cunho qualitativo-etnográfico. Apesar da decisão pelo tópico de crenças,
não sabia exatamente por onde começar. Investigar crenças de quem? Com qual
finalidade?
Enfim, em conversa com minha orientadora, esta me indicou a leitura das
sugestões apontadas por Barcelos (2006), refletindo se algum dos questionamentos
propostos poderia servir como ponto inicial. Assim, nos deparamos com uma
questão relativa às crenças de aprendizagem (BARCELOS, 2006, p.236). Baseada
nela, supomos que uma investigação sobre crenças e práticas de professores de
inglês em uma escola pública poderia contribuir com a área, desde que a pesquisa
encampasse principalmente a observação de sala de aula, uma vez que poderíamos
verificar como alunos e professores constroem suas crenças nas ações cotidianas.
Depois da decisão pela investigação de crenças de aprendizagem, veio o
questionamento de como dar início à pesquisa de campo. Qual escola escolher?
Quem seria o foco da pesquisa, o professor ou aluno? De que nível? E como seria
fazer etnografia? A opção foi pela Escola Central11, uma unidade escolar situada na
região central de Cuiabá, MT, baseada no fato de que poderíamos encontrar um
11
Por motivos éticos, o nome da escola e dos participantes usados nesta pesquisa são fictícios.
45
ambiente rico em interações e capaz de proporcionar um exemplo positivo sobre o
ensino e a aprendizagem de inglês na escola pública.
Superada a dificuldade inicial em definir o foco da pesquisa, outra surgiu – o
contato com a escola selecionada. Como expôs Erickson (1990, p. 103), apesar da
aparente semelhança entre as salas de aula, os significados locais para o mesmo
evento podem ser diferentes. Assim, a insegurança de pisar em território familiar, e,
ao mesmo tempo, desconhecido, somado ao medo de receber um “não”, quase se
configuraram em obstáculos. Mas, uma vez contatada a instituição, por meio de
Emiliana, Coordenadora Pedagógica da Escola Central, senti que a pesquisa iria
fluir.
No momento em que iniciaria minha entrada em sala de aula, a inexperiência
de pesquisadora iniciante se fez presente: Será que os alunos gostariam de mim?
Seria eu capaz de conseguir informações relevantes para minha pesquisa? Foi
preciso assistir à primeira aula para me sentir aliviada. Tanto a professora, Susi,
quanto os alunos, me receberam bem e com certa curiosidade. Colaborou o fato de
os alunos já estarem acostumados à presença de um estranho – a Escola Central
era bastante procurada por alunos de cursos de licenciatura para o cumprimento de
estágio
supervisionado
obrigatório.
Em
minha
primeira
observação12,
fui
recepcionada como se fosse estagiária, pois uma aluna questionou-me se eu seria a
nova professora da turma: “Tia, a senhora que vai dar aula pra gente?”.
Passei os olhos pela sala, procurando perceber o ambiente como um todo,
observando os detalhes que o caracterizavam: as cores, as formas, os textos, as
relações entre as pessoas. Durante as primeiras observações, andava pelo local e
tentava me aproximar dos alunos e da professora. Registrava atitudes e falas que
pareciam relevantes à pesquisa, porque formavam um panorama das crenças
existentes naquele contexto. Porém, pesquisas qualitativas estão sujeitas a
mudanças no decorrer do processo. Foi o que aconteceu com esta.
Inicialmente, entrei em campo para investigar a construção das crenças de
aprendizagem de inglês no 7.º Ano A. A primeira observação aconteceu em 23 de
agosto de 2010. Depois de um intervalo para ajustes em meu projeto, voltei à escola
em 19 de outubro, acompanhando as aulas até o fim do semestre letivo, em 07 de
dezembro de 2010. Em 18 de março de 2011, voltei a observar a Profa. Susi, mas
12
A primeira observação ocorreu em 23/08/2010.
46
agora, em novo ano, as observações foram realizadas em outra turma, o 8.º Ano A,
as quais prosseguiram até o dia 12 de agosto desse ano.
Na mudança de ano letivo, cinco alunos do 7°. Ano permaneceram no 8.º Ano
A. Entretanto, considerei-as duas turmas distintas. Cada sala de aula representa
uma microcultura (ERICKSON, 1990), ou seja, uma organização social dinâmica em
que a interação cotidiana dos indivíduos estabelece um sistema de significados
entrelaçados.
Por esse motivo, e também por ter permanecido em campo por um período
de curta duração (apenas um mês e meio), considerei esse período como um plano
piloto em que, pela primeira vez, me tornava observadora participante em uma sala
de aula. Assim, os dados gerados no contexto do 7.º Ano A não foram analisados
nesta pesquisa.
Essa curta experiência em que acompanhei a turma do 7.º Ano, no final do
ano de 2010, me ajudou a aprimorar as ações como observadora do que acontecia
na sala de aula. Se nas primeiras observações não sabia muito bem como perceber
as crenças em contexto, nas minhas anotações de campo no 8.º Ano A buscava
registrar mais sistematicamente o que pareciam ser crenças referentes ao ensino e à
aprendizagem de língua inglesa, bem como anotava as ações dos alunos em sala,
como se comportavam nas aulas, interagindo com a professora e colegas. Os
alunos não paravam em suas carteiras. Notava que aviões de papel eram lançados
entre os colegas, celulares e aparelhos de som portáteis (MP3) eram usados de
forma indiscriminada, conversas eram contínuas e barulhentas, ao ponto de eu optar
por não registrar mais em áudio as aulas, uma vez que não era possível distinguir os
diálogos. Nesse ponto, minha orientadora chamou-me a atenção: poderia tal
conduta estar afetando o processo de ensino-aprendizagem de inglês naquela
turma? Não seria esse um “ponto rico” (rich point), isto é, um momento-chave da
pesquisa de que nos fala Agar (1996)? (ASSIS-PETERSON, comunicação pessoal,
06/05/2011).
Lendo Agar (1996), compreendi que rich points seriam os momentos de
surpresa com os quais o etnógrafo se depara, quando suas expectativas são
confrontadas com a linguagem e a cultura pesquisada. Segundo Blommaert & Jie
(2010, p. 40), os rich points sinalizam o início do trabalho etnográfico, pois mostram
que um evento ultrapassou as barreiras das convenções culturais e sociais do
47
etnógrafo. A partir daí, é preciso entrar na cultura investigada para interpretar o que
lhe causou estranheza.
Além
disso,
a
palavra
“indisciplina”
que
usei
para
caracterizar
o
comportamento dos alunos, fez com a orientadora me alertasse que eu estava
usando um termo de um outsider (aquele que está fora) e que os alunos (aqueles
que estão dentro – insider) poderiam usar outro termo para caracterizar tal conduta
em sala. Esse era um princípio da etnografia que eu deveria lembrar. Os termos
usados pelos participantes e suas práticas naquela sala poderiam não ser os meus.
Assim, mais informada sobre o fazer etnográfico, focalizei com insistência a
conduta dos alunos, tentando saber de que forma esse comportamento por mim
considerado inadequado estaria ou não afetando a aprendizagem naquela turma.
A seguir detalho o perfil da escola e dos participantes.
3.2.1 A Escola Central
A Escola Central está localizada no bairro Bandeirante, região leste de
Cuiabá, capital de Mato Grosso. O bairro é assim nomeado em homenagem aos
exploradores bandeirantes que fundaram a cidade de Cuiabá. Originou-se de um
loteamento residencial datado de 1956. Segundo o PPP da escola (2010), não foi
possível identificar os primeiros moradores. Atualmente, uma parcela significativa de
seus moradores é de origem árabe. A única mesquita da cidade localiza-se no
bairro.
Além da Escola Central e da mesquita, o bairro abriga desde atividades
comerciais como bares, hotéis e restaurantes, a órgãos públicos e hospitais (ProntoSocorro Municipal de Cuiabá e Santa Casa de Misericórdia). Nas proximidades da
escola, há igrejas católicas e evangélicas, hotéis, praça, farmácia, restaurante e
outras escolas, públicas e privadas.
Por se situar na região central, o bairro é atendido por muitas linhas de
transporte coletivo, facilitando o acesso de estudantes das diferentes regiões de
Cuiabá (principalmente do Coxipó e do Centro Político-Administrativo) e também de
Várzea Grande, cidade vizinha.
A Escola Central, como o nome indica, localiza-se na região do centro
comercial de Cuiabá, capital mato-grossense. Parte da rede oficial de ensino, a
48
escola possui 40 anos de funcionamento. Oferece aulas nos períodos diurno e
noturno e atende à Educação Básica nos níveis Fundamental e Médio. É muito
procurada por alunos de bairros periféricos, que veem nela uma das melhores
opções de escola pública da Capital.
Muitos pais optam por matricular o filho na Escola Central por acreditar que
ela oferece mais qualidade de ensino do que as escolas dentro de sua comunidade.
Esse tipo de ocorrência aconteceu, por exemplo, com os alunos Ronaldo e Adriana,
oriundos de unidades escolares periféricas.
Todo ano há uma grande disputa por vagas nas escolas mais tradicionais da
Capital, como a Escola Central, ainda que a orientação da Secretaria de Estado de
Educação seja a de que o aluno frequente a unidade mais próxima de sua
residência. Estudantes e seus pais veem nessas escolas uma chance maior de ter
um ensino da qualidade que esperam. De fato, por estarem mais expostas, mais
“visíveis” à sociedade, dificilmente essas instituições enfrentam problemas
estruturais graves e ausência de professores, como ocorrem em inúmeras escolas
mais distantes do alcance governamental.
A mobilidade proporcionada pela gratuidade do transporte coletivo aos
estudantes de Cuiabá (Lei nº 4.141, de 17 de Dezembro de 2001) acabou
favorecendo a prática de transferência, como pode ser detectado no 8.º Ano A.
Devido à sua localização, entre algumas das principais avenidas da cidade, a Escola
Central é de fácil acesso, sendo atendida por diversas linhas de transporte coletivo
municipal e intermunicipal (de Várzea Grande).
A maioria dos alunos matriculados na Escola Central não mora no entorno da
instituição, mas, sim, é oriunda de 52 localidades diferentes de Cuiabá e Várzea
Grande (cidade vizinha à Capital), incluindo de distritos e comunidades ribeirinhas.
Os alunos participantes desta pesquisa residiam em 31 diferentes bairros da
Capital13, como Jardim Vitória, Passaredo, São Francisco, Novo Horizonte, Tijucal,
Comunidade Império do Sol e Pedra 90 (este bairro se situa no cinturão verde, área
limítrofe da cidade), e de Várzea Grande, cidade vizinha. Dos 31 alunos que
compunham o 8.º Ano A, apenas Jairo morava nas imediações da escola.
Tal escola está entre as 15 maiores instituições de educação básica de
Cuiabá, segundo o Censo Escolar da Educação Básica de 2009 (SEDUC, 2009. Os
13
Informações coletadas por meio de curto questionário entre os alunos inserido no Apêndice 1.
49
dados referem-se a 2009 porque, contatada, a Secretaria de Educação de Mato
Grosso não forneceu dados atualizados para inclusão nesta pesquisa). Compõem a
escola 1416 alunos (SEDUC, 2009), 49 professores efetivos e 29 temporários (PPP
2010), além dos 42 servidores técnicos ou de apoio educacional, também entre
efetivos e temporários.
Quando iniciei as observações, a Escola Central se encontrava em momento
de transição do sistema seriado para o organizado em ciclos de formação humana implantado, no Ensino Fundamental dessa escola, no ano de 2009. A 3.ª Fase do 2.º
Ciclo, correspondente à 5.ª série, e a 1.ª fase do 3.º Ciclo, que se relaciona com a
6.ª série do sistema regular seriado, já se encontravam em funcionamento em 2010,
enquanto as últimas séries do Ensino Fundamental (7.ª e 8.ª), todas do 3.º Ciclo,
ainda permaneciam no antigo sistema, assim como o Ensino Médio. Em 2011, no
reinício das observações, o 8.º Ano ciclado (correspondente à 7.ª Série do sistema
regular seriado) já havia sido implantado.
A organização do ensino em ciclos de formação humana nas unidades
escolares de Mato Grosso é normatizada pela Resolução n.º 262/02-CEE/MT
(Conselho Estadual de Educação/MT). Esta define que o Ensino Fundamental terá
duração de nove anos, divididos em três ciclos, cada um com fases anuais e
duração total de três anos.
O 1.º Ciclo corresponde à fase infantil, com atendimento a crianças entre seis
e nove anos de idade. O 2.º Ciclo atende ao público pré-adolescente, com idade
entre nove e 12 anos. O 3.º Ciclo destina-se aos adolescentes, considerados pela
referida resolução como os jovens entre 12 e 15 anos de idade.
Os dois primeiros ciclos são unidocentes, enquanto o terceiro ciclo é atendido
por professores com formação específica nas disciplinas componentes do currículo
escolar. Segundo a citada resolução, o fator idade não é critério rígido para
organização das turmas, pois o coletivo dos professores de cada ciclo na unidade
escolar pode decidir por reclassificar um aluno diante das necessidades por ele
apresentadas.
No regime ciclado, a progressão dos alunos é feita mediante avaliação
sistemática e periódica, podendo ser de três tipos: a) progressão simples, quando o
aluno desenvolveu sua aprendizagem sem necessidade de apoio pedagógico; b)
progressão com plano de apoio pedagógico, quando o aluno ainda apresenta
50
dificuldade de aprendizagem não superada; e c) progressão com apoio de serviços
especializados, a qual envolve alunos com necessidades educacionais especiais.
A jornada escolar diária, para o Ensino Fundamental, é de 4 horas, com aula
de 60 minutos de duração e carga horária anual de 800 horas, dividida entre 200
dias letivos.
A opção por uma escola pública se justifica em razão de ser ela a principal
formadora de alunos da Educação Básica no Brasil. Segundo a Síntese do Censo
Escolar 2009 apresentada pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso,
o estado conta com 2744 unidades escolares, 2360 delas públicas, das quais 1655
são estaduais.
De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais (BRASIL, 2009), 87,1% e
86,3% dos alunos brasileiros dos Ensinos Fundamental e Médio, respectivamente,
são atendidos pela escola pública. Em Mato Grosso, as proporções são ainda
maiores: 90,3% e 93,9% dos alunos matriculados nos Ensinos Fundamental e
Médio, respectivamente, ocupam vagas na escola pública.
A escolha de uma instituição de ensino localizada na região central da cidade
se deve ao ambiente propício ao encontro de alunos de diferentes localidades. Os
1416 alunos da Escola Central (Síntese do Censo Escolar 2009) são oriundos de 52
diferentes localidades da cidade, inclusive de distritos e comunidades ribeirinhas,
segundo informações da própria escola.
Aos olhos de quem chega pela primeira vez, a Escola Central assemelha-se a
uma prisão. Passa-se por dois portões (um de acesso à rua e outro de acesso ao
ambiente interno) e um porteiro até se chegar ao pátio comum. As salas de aula têm
portas metálicas que só permitem ver o interior da sala através de um visor. São
trancadas por corrente e cadeado, e abertas somente no momento da aula. Em cada
sala, há um cartaz com o art. 331 do Código Penal (Decreto-Lei no 2.848, de 7 de
dezembro de 1940), tipificando o desacato a funcionário público: “Art. 331 Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”.
O pátio é escuro e todo gradeado, onde há uma placa antiga dos Alcoólicos
Anônimos. Os alunos são acompanhados por agentes de pátio, cuja função é zelar
pelo bom comportamento dos estudantes nas áreas comuns da escola. Nesse
sentido, a Escola Central rememora a ideia de escola de Foucault, em Vigiar e Punir:
uma história da violência nas prisões (2003): uma instituição produtora de corpos
51
dóceis e disciplinados, nos quais o comportamento é controlado por um poder que
torna os indivíduos objetos e instrumentos de submissão e obediência.
No entanto, ao participar do cotidiano da escola, essa impressão de prisão vai
se enfraquecendo, mesmo sem desaparecer. As cores dos ambientes comuns são
quentes: laranja e vermelho, seguindo o padrão adotado pelas escolas estaduais.
Percebo que há vários murais e cartazes espalhados pelo pátio. Entre eles, há
mensagens motivacionais: “Ser forte é bom, ser inteligente é melhor, ser confiável é
essencial”; “Guie o seu coração pelo bom caminho. Se a tua vida está na ‘área de
risco’ busque o Senhor, antes que venha a tragédia”. Ao entrar, um banner
recepciona os alunos: “Escola Central. Estudar aqui faz a diferença”. Esse mesmo
banner lista a missão, a visão de futuro, os valores, os eixos norteadores e os
princípios pedagógicos da escola:
Nossa Missão
Promover um ensino de qualidade, garantindo uma sólida formação para o
pleno exercício da cidadania e para atuarem na sociedade com sabedoria e
responsabilidade.
Nossos Valores
Ética, Democracia, Tolerância, Cooperação, Equidade e Legalidade.
Nossa Visão de Futuro
Sermos reconhecidos como uma Escola aberta à participação da
comunidade, ética, democrática, onde o relacionamento interpessoal
envolvendo toda a comunidade escolar esteja pautado pelos princípios da
legalidade, da tolerância, do respeito à diversidade cultural, política, étnicoracial e religiosa, pautada pela equidade e pela cooperação em busca da
constante melhoria da qualidade do ensino e pela defesa da escola pública
e da gestão democrática.
Eixos Norteadores
- Aprender a aprender;
- Respeito, solidariedade, disciplina e coletividade;
- Trabalho unificado – coletivo;
- Criar para humanizar;
- Compromisso.
Nossos Princípios Pedagógicos
Desenvolver a autonomia dos alunos, entendida aqui como a capacidade
de:
- Saber posicionar-se mantendo uma postura ética;
- Ter habilidade na elaboração de projetos;
- Ser consciente da responsabilidade dos seus atos;
- Buscar informações e saber organizá-las.
Durante o intervalo, os alunos costumam se organizar para montar o aparelho
de som que animará aquele momento com ritmos populares (sertanejo e pagode) ou
52
música eletrônica. O repertório é selecionado por eles. O intervalo é barulhento, mas
comportado: os alunos ouvem música alta e conversam bastante, mas não se vê
correria, brincadeiras de mau gosto, baixarias ou brigas. Para isso, possivelmente,
colabora a presença dos citados agentes de pátio, que transitam entre os alunos
durante esse momento. Convém destacar que era expressamente proibido aos
alunos “formar grupos, promover algazarra ou perturbação nos corredores e pátios,
bem como nas imediações do estabelecimento”. (PPP 2010, p. 33).
Apesar da rigidez da Escola Central, a relação entre alunos e professores
parecia ser agradável. Ainda assim, inevitavelmente, circulavam comentários sobre
os professores ou comparações entre eles. Todos os entrevistados elogiaram Susi.
A Profa. Catarina, de Geografia, várias vezes foi citada como a que dava as
melhores aulas. Em conversa informal, Catarina demonstrou surpresa com a opinião
dos alunos sobre suas aulas, e explicou que gostava de propor atividades em dupla
ou grupos e recorrer a aulas práticas, diferentemente de outros professores.
Na última sexta-feira do bimestre (são quatro bimestres), os professores se
reúnem no Conselho de Classe. Nesse momento, discutem acerca do desempenho
de cada aluno e dos problemas enfrentados em sala de aula.
Durante o intervalo, os docentes encontram-se na Sala dos Professores.
Nela, aproveitam para conversar e, informalmente, trocar impressões sobre
determinado aluno ou turma. Há sempre algum lanche a ser dividido: um bolo, ou
pão, e café. Cada professor tem um armário nessa sala, onde guarda seus materiais
para a aula. Quando o intervalo está próximo de acabar, muitos alunos sondam a
Sala dos Professores: querem saber se o professor já chegou, se vai dar aula ou se
corrigiu as provas.
A estrutura física da escola, ainda que antiga, comporta dois pavimentos, 26
salas de aula, biblioteca, anfiteatro, cantina terceirizada, quadras de esporte,
laboratório de Informática e de Ciências da Natureza e Matemática. Cada sala de
aula “pertence” a um professor – de acordo com o Projeto “Sala Ambiente”, o espaço
que constitui a sala de aula seria “especializado” para o atendimento de determinada
disciplina. Assim, os alunos – e não mais os professores – é que trocam de
ambiente a cada aula. Essa proposta não funcionou adequadamente na Escola
Central, pois nem todos os professores respeitavam o espaço do outro.
53
3.2.2 A dinâmica da sala de aula
Na planilha de horário do 8.º Ano A, as duas aulas semanais de inglês eram
geminadas (sequenciais). Eram as últimas aulas das sextas-feiras, com início às
9h20 e término às 11h15. Ocorriam após o intervalo escolar e costumeiramente se
iniciavam com atraso de 5 a 10 minutos. Entre as duas aulas de inglês, havia uma
pausa de 5 (cinco) minutos, momento em que os alunos saíam da sala para beber
água, ir ao sanitário ou passear pelo corredor. Fica evidente que o horário destinado
ao inglês desprestigiava a disciplina. O comportamento inadequado dos alunos
atingia o auge durante as aulas de Susi, afinal, os alunos mostravam-se ansiosos
em ir embora.
As aulas de Susi eram ministradas na sala de aula n.º 44, seguindo o projeto
Sala Ambiente, desenvolvido pela Escola Central (ver tópico 3.2.1). No entanto,
houve três situações em que outros professores ocupavam a sala de Susi no
momento das aulas do 8.º Ano A. Em todas elas, a professora de inglês é quem
precisou conseguir um novo espaço, o que, em minha opinião, demonstra o
desprezo direcionado a essa disciplina por professores de outras áreas.
Susi iniciava as aulas à frente do quadro, cumprimentando os alunos em
inglês com um “good morning” ou um “hi, people, how are you?”.
s alunos
geralmente respondiam mecanicamente em inglês, com “hi” ou “good morning”.
Após os cumprimentos, Susi fazia a chamada, à qual os alunos respondiam
em português. Apenas no momento da chamada Susi costumava sentar-se à sua
mesa, que ficava à frente da sala, próxima ao quadro. Na maior parte das vezes, ela
deixava a frente da sala e passava a caminhar entre os alunos, verificando se
estavam com o livro, se faziam os exercícios ou se havia alguma dúvida.
Após os cumprimentos iniciais, caso houvesse tarefa, a professora
questionava quem havia feito (comumente, poucos) e o que acharam da atividade –
se estava fácil ou difícil, e por quê. Interagindo com os alunos, oralmente corrigia o
exercício, cuja resposta escrevia no quadro, para que todos pudessem conferir. A
correção da tarefa durava entre 10 e 15 minutos.
Quando não havia tarefa a corrigir, Susi iniciava a aula propriamente dita
expondo e explicando o tópico gramatical que seria dado naquela ocasião. Os novos
conteúdos eram passados em pequenas doses, cada uma delas seguida de prática
54
de exercícios para auxiliar a assimilação. A explanação da professora era curta,
utilizando no máximo 20 minutos da aula. Invariavelmente, escrevia um texto
explicativo e objetivo no quadro, com exemplos de uso, como abaixo:
Some/Any
Some/Any – expressam uma quantidade indefinida de algo.
Usamos some em frases afirmativas.
Ex.: There is some coffee in the coffee pot.
Usamos any em frases interrogativas:
Ex.: Is there any coffee in the coffee pot?
Usamos any em frases negativas:
Ex.: There is not any coffee in the coffee pot.
(Susi, notas de campo, 15/07/2011)
Em quase todas as aulas, Susi utilizava o livro didático para a prática de
exercícios. Quando isso não acontecia (o que era raro), a professora recorria a
atividades mais dinâmicas, como jogos e disputas, envolvendo inclusive aspectos
não-verbais, como teatro e mímica.
Se optava pelo uso do livro, Susi indicava a página com os exercícios e
explicava quais e como fazer. Também verificava o vocabulário usado, escrevendo
no quadro uma lista de palavras acompanhada da tradução. Essa lista ficava até que
os alunos concluíssem a lição daquela aula.
Susi não escrevia o exercício no quadro, porém, solicitava aos alunos que
copiassem a atividade para o caderno. A orientação da professora era a de que o
livro seria devolvido ao término do ano letivo para ser usado por outro estudante,
motivo pelo qual não poderia ser tratado como uma edição consumível. Além disso,
para controlar quem estava ou não fazendo a lição, Susi vistava o caderno dos
alunos.
A maior parte do tempo era dedicada à prática do conteúdo ensinado.
Dependendo da complexidade, no máximo cinco exercícios eram propostos –
entretanto, o mais comum era a conclusão de dois por dia de aula. Os alunos mais
preparados apresentavam as respostas ainda na primeira aula. Os demais, somente
ao término da segunda aula, geralmente sob pressão do horário de saída.
Susi rotineiramente condicionava a liberação do aluno à conclusão das
atividades, que eram individuais e quase sempre escritas. A oralidade era praticada
55
na correção dos exercícios ou durante leitura/encenação de diálogos – o que pouco
ocorria. Susi não costumava recorrer à repetição oral com a turma.
A sala organizava-se em duplas ou em pequenos grupos, quase sempre
meninos separados de meninas. O lado direito (em referência a quem está à frente
da sala, olhando para os alunos) e as primeiras filas eram predominantemente de
presença masculina, enquanto as meninas sentavam-se mais ao lado esquerdo,
principalmente nos fundos da sala (ver Figura 1). Entretanto, os alunos
movimentavam-se muito durante as aulas, levantando-se de suas carteiras para ir
até os colegas conversar sobre assuntos que não se referiam ao conteúdo da aula,
como diversão, relacionamentos, jogos (eletrônicos e de futebol) e curiosidades
vistas na internet ou na TV. Quando não conseguiam completar a tarefa discutindo
com seu grupo, os alunos buscavam outros colegas antes de se dirigir à professora.
Figura 1. Organização espacial da sala de aula 44.
O relacionamento entre os colegas era amigável. Durante as aulas, eram
raras as ocorrências que necessitavam de intervenção da Coordenação Pedagógica.
Apenas em situações específicas houve desentendimento entre eles, como na
56
ocasião em que Ronaldo perturbava a aula com seus comentários e risadas e os
colegas apoiaram sua expulsão, ou quando João Carlos ofendeu colegas colando
cartazes em suas costas. Situações como essas, contudo, eram atípicas no
cotidiano do 8.º Ano A.
Cerca de cinco minutos antes do encerramento da aula, a professora passava
alguma atividade como tarefa de casa. Em seguida, entregava o cartão do aluno –
fornecido pela escola –, ou o cartão de transporte. Esse documento era deixado pelo
aluno na portaria, no momento em que entrava na escola. Era devolvido no
encerramento das aulas daquele dia.
Esse procedimento de identificação com o cartão era uma exigência da
Escola Central, por motivo de segurança, para garantir que os alunos somente se
ausentassem do estabelecimento com conhecimento da escola. O momento de
devolução desses cartões na aula de inglês era sempre aguardado pelos alunos do
8.º Ano A, pois sinalizava que as aulas – do dia e também da semana – estavam
chegando ao fim.
3.2.3 Participantes
O 8.º Ano A compunha-se de 31 alunos14, entre 12 e 15 anos de idade,
listados a seguir15:
14
Participante
Idade
Adriana
13 anos
Afonso
14 anos
Ana Clara
12 anos
Danilo
13 anos
Diogo
13 anos
Edna
13 anos
Edson
15 anos
As informações foram coletadas por meio de um curto questionário aos alunos inserido no
Apêndice I.
15
Todos os nomes são fictícios.
57
George
13 anos
Helô
13 anos
Isadora
13 anos
Jairo
13 anos
João Carlos
13 anos
Jonas
13 anos
Júlio César
15 anos
Kaio
15 anos
Kely
15 anos
Leonardo
14 anos
Lidiane
13 anos
Luan
13 anos
Lúcia
12 anos
Maria Luísa
12 anos
Nelson
13 anos
Paula
14 anos
Roberta
14 anos
Ronaldo
13 anos
Rose
13 anos
Saulo
14 anos
Tatiana
13 anos
Vagner
13 anos
Wallace
13 anos
Wender
15 anos
Ao início do ano letivo, a turma compunha-se de 26 alunos, porém, a
dinâmica da sala foi sendo alterada pelo movimento de transferência entre escolas.
Foram cinco inclusões ao longo do período observado. Sete do total de alunos foram
meus principais informantes, quais sejam: Jairo, Júlio César, Wender, Ronaldo,
Roberta, Helô e Maria Luísa.
Jairo, 13 anos, gostava de inglês e considerava fáceis as atividades propostas
por Susi. Fascinava-se com as atividades de inglês que envolviam disputas, das
58
quais sempre participava com muito ânimo. Fora da escola, mantinha contato com o
inglês por meio de jogos eletrônicos. Em 2011, desde o começo do ano letivo
demonstrou preocupação com o mercado de trabalho, para o qual a mãe já o vinha
preparando, atenta aos cursos oferecidos em função da Copa do Mundo.
Júlio César, 15 anos, não gostava da disciplina de inglês, mas afirmava gostar
muito de Susi. Filho de pais separados, Júlio César ora estava na residência do pai,
ora na da mãe – nos bairros Jardim Cuiabá e Pedregal, respectivamente.
Wender, 15 anos, era o líder do 8.º Ano. Estudava, trabalhava e, por um bom
período do ano de 2011, morou sozinho. Apenas no segundo semestre de 2011,
voltou a morar com o pai e com um irmão mais novo. Segundo me relatou em
conversas informais, já havia se envolvido com más companhias e, por esse motivo,
acabou se afastando dos estudos. Reprovou um ano, ficou afastado por mais um em
função do trabalho, e voltou mudado em 2011, após ter iniciado a frequentar a
Escola Bíblica, grupo formado por estudantes da Escola Central que se reúne às
sextas-feiras, quando as aulas do período matutino se encerram. Nessa
aproximação com a religiosidade, Wender voltou às aulas e despontava como um
dos alunos mais interessados na disciplina de inglês.
Ronaldo, 15 anos, veio transferido de uma escola em Várzea Grande, por
decisão dos pais. Falante, envolvia-se em zombarias e provocações com seus
colegas. Sua companhia mais constante era Saulo. Na instituição em que
anteriormente estudou, Ronaldo teve aulas de espanhol. Chegou à Escola Central
sem saber nada de inglês, segundo me relatou em conversa informal.
Roberta, 13 anos, era uma aluna bastante crítica em relação à turma. Quando
discordava de seus colegas, manifestava sua opinião. No Ensino Fundamental,
sempre estudou inglês em escola pública. Afirmava não gostar do idioma, mas fazia
as atividades propostas. Dizia ter dificuldade principalmente em relação ao
vocabulário de inglês.
Helô, 13 anos, veio transferida de outra escola, no segundo bimestre letivo.
Gostava muito de inglês e, em conversa informal, afirmou ter aprendido muito acerca
do idioma assistindo a videoclipes de música internacional acompanhados de
tradução. Embora manifestasse interesse em estudar mais a língua inglesa, não
possuía condições financeiras de pagar um curso em escola de idiomas. Trabalhava
ajudando os pais nas vendas em uma feira próxima à sua casa.
59
Maria Luísa, 12 anos, era alegre, muito falante e participativa. Não parava em
sua carteira durante a aula: andava pela sala, conversava com todos os colegas,
fazia performances (cantava, dançava, deitava-se no chão, sentava no colo de
algum colega). Afirmava não gostar de inglês, mas gostava de Susi, a professora da
turma. Era alta e forte, aparentando mais idade do que seus 12 anos.
Susi, 45 anos, a professora de inglês do 8.º Ano A, nasceu na Argentina e era
descendente de ingleses. Aprendeu português aos 12 anos, quando passou a morar
no Brasil com sua família.
Possui uma experiência de 11 anos como professora – primeiro lecionou
espanhol, devido à sua origem latino-americana. Não possui formação acadêmica
nesse idioma. Há cinco anos, mudou de foco: em vez de dar aulas de espanhol,
tornou-se professora de inglês, com a graduação obtida por meio da Universidade
Federal de Mato Grosso. Começou a lecionar primeiro em institutos de idioma e, em
2011, como contratada temporária do Governo do Estado, dava aulas para o Ensino
Fundamental e para uma turma de Ensino Médio da Escola Central. Assumia 15 h
de carga horária nessa unidade escolar.
Em julho, foi convocada em um concurso do Governo do Estado para ser
professora de inglês em Várzea Grande, MT. A impossibilidade de acúmulo das
atividades como professora efetiva e como professora temporária na mesma rede de
ensino fez com que Susi deixasse de lecionar inglês na Escola Central em agosto de
2011.
3.3 Metodologia da pesquisa
Esta investigação se baseia nos três instrumentos configuradores de
pesquisas de natureza etnográfica na educação, a saber: observações, entrevistas e
análise documental (WOLCOTT, 1994; ANDRÉ, 1995). Entretanto, a análise
documental adquiriu caráter secundário diante dos dados gerados pelos outros
meios, servindo apenas de apoio na análise. Discorro a seguir sobre cada
instrumento, a aplicação deles no contexto e os dados gerados.
60
3.3.1 Das observações
As observações no 8.º Ano A, período matutino, iniciaram-se em 18 de março
de 2011 e se encerraram em 12 de agosto do mesmo ano. Descontados os feriados,
ausências da professora e da pesquisadora, as avaliações e o período de greve
(aulas não acompanhadas), foram 24 aulas observadas, ocorridas sempre aos pares
(aulas duplas), totalizando aproximadamente 14 horas de gravação. A seguir,
organizo as aulas observadas em uma tabela, para melhor acompanhamento da
pesquisa.
Observação 8.º Ano A (aulas duplas)
Data
1ª e 2ª
18/03/2011
3ª e 4ª
01/04/2011
5ª e 6ª
29/04/2011
7ª e 8ª
06/05/2011
9ª e 10ª
13/05/2011
11ª e 12ª
20/05/2011
13ª e 14ª
27/05/2011
15ª e 16ª
03/06/2011
Greve dos professores da rede estadual – 06/06 a 01/07
17ª e 18ª
08/07/2011
19ª e 20ª
15/07/2011
21ª e 22ª
05/08/2011
23ª e 24ª
12/08/2011
Durante as aulas, permanecia sentada em uma carteira ao fundo da sala,
anotando falas e ações dos alunos e da professora. Minhas anotações eram
manuais, registradas em folhas avulsas, as quais eu datava e enumerava. Ao voltar
das observações, retomava os registros feitos e os digitava, incluindo meus
comentários.
61
As aulas observadas foram registradas em áudio. Entretanto, essas
gravações não puderam ser detalhadamente resgatadas devido à intensidade dos
ruídos e conversas em sala de aula. Pelo mesmo motivo, houve momentos em que
optei por desligar o aparelho. É possível que o registro em áudio pudesse ser
mantido caso houvesse um gravador por aluno, ou pelo menos diversos gravadores
espalhados em pontos estratégicos da sala. Infelizmente, essa não era a realidade
da minha pesquisa.
Com
receio
de
serem
“flagrados”
em
declarações
ou
atitudes
constrangedoras, os alunos ficavam atentos ao gravador – inclusive, alertavam os
colegas desavisados. Em momentos de prática oral, como ocorreu na nona aula
observada, foi preciso desligá-lo para que alunos mais tímidos participassem das
atividades.
Com o decorrer das observações, no entanto, minha presença e o uso do
gravador deixaram de ser impedimento às ações dos alunos. Alguns, mais
despojados, chegavam perto apenas para garantir que suas falas fossem
registradas. A diminuição dessa influência sobre os participantes já era esperada
(ver ERICKSON, 1990; AGAR, 1996; BLOMMAERT; JIE, 2010).
O surgimento da indisciplina como influência nas relações em sala de aula me
levou a readequar a observação, incluindo um olhar mais atento do que antes sobre
as relações de poder e as negociações que se estabeleciam dentro daquele
contexto.
No início, quase todas as ocorrências nas aulas observadas pareciam
constituir rich points (AGAR, 1994). Com a delimitação do foco, o decorrer do tempo
e a inclusão na cultura investigada, a quantidade de notas de campo foi
significativamente diminuída, pois me tornei mais seletiva quanto às ações e práticas
dentro do ambiente do 8.º Ano A, registrando apenas aquelas que se relacionavam à
investigação empreendida. Além disso, eventos que no início me causaram
surpresa, como a indisciplina dos alunos, pareciam fazer mais sentido para mim
durante as últimas aulas observadas.
62
3.3.2 Das entrevistas
Com base nas ações e nas manifestações verbais em sala de aula, selecionei
os participantes que julgava necessário entrevistar para esta investigação. O tipo de
entrevista que considerei mais adequado para atingir meus objetivos foi a
semiestruturada. Nela, a existência de um roteiro prévio não impossibilitava a
inclusão de novos tópicos, surgidos durante o curso da própria entrevista.
Os tópicos inicialmente incluídos na entrevista com os estudantes envolviam o
ponto de vista sobre as aulas, a professora, os colegas/a turma e o livro didático. Ao
questioná-los sobre as aulas, inevitavelmente os alunos comentavam sobre gostar
ou não de inglês. Em relação aos colegas/a turma, os participantes foram unânimes
em classificar a turma como “bagunceira”.
Contudo, nem todas as entrevistas corresponderam às expectativas,
provavelmente em razão de minha inexperiência com esse instrumento de coleta.
Em decorrência disso, não predeterminei a quantidade de alunos que seriam
entrevistados, considerando que a delimitação ocorreria não pela quantidade de
registros efetuada, mas pela qualidade das informações obtidas por esse
instrumento. Quanto mais consistente e mais possível de classificação devido à
recorrência de padrões, mais eu estabelecia redes de significação entre os dados e
me aproximava do “ponto de saturação” desse trabalho de campo, momento em que
predomina a impressão de que nenhuma nova informação de relevância será
apreendida no contexto investigado (DUARTE, 2002, p. 144).
Cabe destacar que, devido à idade dos alunos – todos legalmente menores –
e à disponibilidade dos mesmos, as entrevistas foram de curta duração, com média
de 7 minutos, e ocorreram durante intervalos, aulas em que Susi esteve ausente ou
após a conclusão das atividades de sala, com a anuência da professora. Poucos
aceitaram colaborar ao primeiro convite, porém a tarefa mais difícil foi mantê-los
atentos à entrevista, devido à curiosidade dos demais colegas.
Em relação à professora Susi e a seu escasso tempo, realizei a entrevista
durante a última aula em que ela esteve à frente da turma, em 29 de julho de 2011,
aproveitando o momento em que os alunos se dedicavam a realizar uma atividade
que constituiria a média bimestral. Pelo tom desenvolvido, aproximou-se mais de
uma conversa do que uma entrevista propriamente dita.
63
Ao final, foram 17 entrevistas, realizadas com os seguintes participantes:
Entrevistado(a)
Data
Afonso
05/08/2011
Danilo
29/07/2011
Emiliana
22/07/2011
Ester
22/07/2011
George
05/08/2011
Helô
29/07/2011
Isadora
22/07/2011
Jairo
05/08/2011
Jonas
05/08/2011
Júlio César
05/08/2011
Maria Luísa
29/07/2011
Roberta
22/07/2011
Ronaldo
02/09/2011
Susi
05/08/2011
Tatiana
22/07/2011
Vagner
05/08/2011
Wender
15/07/2011
3.3.3 Da análise documental
Os documentos aos quais recorri para auxiliar a atribuição de significado às
práticas de ensino e aprendizagem do 8.º Ano A foram os Projetos PolíticosPedagógicos dos anos de 2009 e 2010, o livro didático, as avaliações aplicadas e
uma atividade de tradução.
Os Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs), espécie de pacto entre os pais dos
alunos e toda a comunidade escolar, foram cedidos pela Coordenadora Emiliana,
após solicitação. Nele, constavam informações acerca dos conteúdos e objetivos de
aprendizagem previstos para o 8.º Ano, do histórico da unidade escolar, do bairro no
64
qual está localizada, da estrutura física e de pessoal da Escola Central. Esses
documentos serviram de base para a descrição da unidade, conforme consta no
item 3.2.1.
O livro didático – Keep in Mind 8.º Ano (Ed. Scipione), das autoras Elizabeth
Chin e Maria Lúcia Zaorob – foi oferecido pelo Ministério da Educação (MEC),
através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Trata-se do primeiro ano
letivo em que o ensino de línguas estrangeiras modernas no Ensino Fundamental foi
contemplado com um livro didático. O exemplar usado nesta pesquisa foi
gentilmente cedido pela Profa. Andréia.
Devido à política do Ministério da Educação em encaminhar às unidades
escolares livros didáticos de inglês e espanhol, independentemente da opção de
língua estrangeira moderna feita pelas escolas, a quantidade de livros de inglês para
o Ensino Fundamental na Escola Central foi insuficiente. O livro também se mostrou
além do nível esperado para a turma. No ano letivo anterior, Susi havia utilizado a
coleção Take your time (Ed. Moderna), de Zuleica Agueda Ferrari, porém procurava
acompanhar o ritmo de aprendizado dos alunos, o que fez com que alguns capítulos
e conteúdos não fossem estudados na série proposta pelo livro.
Previsto para ser consumível, ou seja, sem devolução ao término do ano
letivo, o livro didático Keep in Mind não foi assim usufruído pelos alunos da Escola
Central. Ao recebê-lo, cada estudante assinava um termo de compromisso em que
se responsabilizava por devolvê-lo ao término da série. Susi orientava os alunos a
fazer as atividades no caderno, muito embora eles pudessem ser respondidos no
livro – quando autorizados a fazer a atividade no livro, os alunos deveriam fazê-lo “a
lápis e bem fraquinho” (Susi, anotações de campo, 18/03/2011), para que suas
respostas pudessem ser apagadas pelo próximo estudante a ocupá-lo.
Quanto às avaliações, o acesso foi negociado com a Susi e ficou limitado ao
documento em branco, tal qual elaborado pela professora. Restou verificar se as
atividades propostas na prova correspondiam ao que havia sido ensinado em sala
de aula. Nesse aspecto de adequação, todas as avaliações estavam condizentes
com o nível e o conteúdo aplicado.
A atividade de tradução baseou-se em um diálogo que compôs uma atividade
de listening proposta em 03 de junho de 2011. O diálogo utilizado compunha a faixa
9 do CD que acompanha o livro Keep in Mind.
65
3.4 A análise: perspectiva e procedimentos
Tendo como base as ideias de Bogdan & Biklen (1994, p. 206), uma préanálise foi sendo feita concomitantemente ao registro dos dados. Isso se tornou útil
porque, à medida que os dados iam sendo registrados, pude alterar aspectos da
pesquisa para adequá-la mais efetivamente aos objetivos já expostos.
A releitura dos dados constituiu-se uma prática corrente durante os
procedimentos analíticos, num constante ir-e-vir que proporcionou a construção de
uma análise mais focada, feita no período após a geração dos dados. Em um
primeiro momento, destaquei os temas e padrões que surgiram nas notas de campo
e na transcrição das entrevistas. Posteriormente, revisei-os e os reduzi aos mais
relevantes para a minha pesquisa. Organizei-os de forma a contar uma narrativa
temática (EMERSON, FRETZ, SHAW, 2011, p. 202), ou seja, estabeleci conexões
entre eles, o que permitiu constituir um painel do contexto estudado no que se
referia a crenças e práticas de ensino e aprendizagem, principalmente por meio da
incorporação de múltiplas visões dos participantes. Nessa narrativa, inseri exemplos
que servissem como espécie de evidência aos temas elencados.
A proposta de “contar uma história” a partir dos dados ancora-se na origem da
investigação etnográfica, que é na antropologia, ou seja, com preocupação na
cultura como uma totalidade, o que ultrapassa o interesse apenas na linguagem. Em
outras palavras, não seria possível separar a linguagem de seu contexto, porque
todo ato a ela relacionado envolve também um valor sociocultural (BLOMMAERT,
JIE, 2010, p. 9). Assim, apenas de posse dos dados coletados, tendo observado e
entendido as práticas socioculturais do 8.º Ano A, é que pude categorizar e
interpretar as crenças encontradas no dizer e no fazer dos participantes.
Como procedimento analítico, segui a proposta de Wolcott (1994), segundo a
qual há três atividades relacionadas à transformação dos dados: Descrição-AnáliseInterpretação (D-A-I).
autor usa o termo “transformação” porque considera que
tudo tem o potencial de ser um dado de investigação, mas nada se transforma nele
sem a intervenção do pesquisador. Sobretudo, “transformar” enfatiza o processo
pelo qual os dados passam em uma investigação qualitativa. Registrar ou coletar
66
dados são termos que Wolcott associa com pesquisas de laboratório, voltadas para
análises quantitativas (WOLCOTT, 1994, p. 3-4).
A primeira etapa – descrição – envolve o relato de ações, falas e interações
como foram presenciadas, detalhando-as. Está sujeita a exclusões e inclusões do
pesquisador – nunca é neutra ou exatamente o fato como foi observado.
A análise relaciona-se à identificação de características essenciais (pontoschave) do contexto pesquisado e estabelecimento de relação coerente entre elas,
como se estivesse a contar uma história. Na análise, os dados passam por uma
espécie de redução, pois, segundo Wolcott (1994, p. 175):
O negócio da análise é mostrar - e demonstrar – o que quer que seja, que
nós sabemos que estamos acertando. A análise exerce uma espécie de
força centrípeta conservadora sobre a transformação de dados, em
contraste com a expansão da interpretação, uma força centrífuga.16
Essa redução é necessária porque nem todos os dados obtidos em uma
investigação desse tipo devem ser usados. São muitas as informações obtidas,
porém boa parte delas se destaca apenas como mera curiosidade.
A última etapa, interpretação, relaciona-se com a atribuição de significados e
contextualização dos eventos relatados. Dada a complexidade e a riqueza dos
dados obtidos, há tantas possibilidades de análise quanto as leituras possíveis de
um mesmo texto (KVALE, 1996, p. 13). Não é à toa que o pesquisador qualitativo se
posiciona como um cocriador dos dados que interpreta (KVALE, 1996, p. 180).
Segundo Wolcott (1994), não há como estabelecer limites precisos entre as
dimensões da descrição, análise e interpretação. Elas ocorrem simultaneamente,
atuando entre si dialeticamente. Baseando-me no modelo D-A-I de Wolcott,
apresento no capítulo seguinte as descobertas deste estudo.
16
No original: “The business of analysis is to show – and show off – whatever it is we know we are
getting right. Analysis exerts a kind of conservative centripetal force on the transformation of data, in
contrast to interpretation’s expansive, centrifugal one.” (WOLCOTT, 1994, p. 175)
67
CAPÍTULO QUATRO – CRENÇAS NO DIZER E NO FAZER DA
PROFESSORA E DOS ALUNOS
Neste capítulo, analiso os dados gerados, descrevendo e categorizando as
crenças encontradas no contexto do 8°. Ano da Escola Central de acordo com o
ponto de vista dos participantes. O capítulo está organizado em dois temas. O tema
1, “Inglês: oportunidades dentro e fora da escola”, aborda as crenças relacionadas
ao idioma, com implicações políticas e socioculturais, como as características do
inglês ensinado na Escola Central e as esperadas influências do aprendizado de
uma nova língua no futuro dos estudantes.
tema 2, “Relações de ensino e
aprendizagem no 8.º Ano A”, refere-se ao envolvimento de professora e alunos no
processo de ensinar e aprender uma nova língua, apresentando consonâncias e
dissonâncias em termos de crenças. Uma vez descritas, problematizo tais crenças,
interpretando-as e estabelecendo uma inter-relação entre elas e os contextos micro
e macro na qual estão inseridas. Ao final, faço um breve resumo do que foi abordado
neste capítulo.
4.1 TEMA 1 – Inglês: oportunidades dentro e fora da escola
As crenças apresentadas nesta seção relacionam-se ao inglês como
disciplina na Escola Central e as influências percebidas e/ou esperadas no cotidiano
dos alunos. Abordam as implicâncias políticas e educacionais da escolha desse
idioma como parte do currículo do 8.º Ano da Escola Central, bem como fazem
referências às possibilidades futuras que o idioma pode proporcionar aos
estudantes, principalmente no que se refere à inclusão deles no mercado de
trabalho. Com essas características, foram identificadas quatro crenças:
1. “Só que o inglês de escola é só o básico...” (Helô, entrevista,
29/07/2011)
68
2. “Inglês é bem difícil... Espanhol é bem mais fácil.” (Adriana, anotações
de campo, 01/04/2011);
3. “(...) você não consegue ler a pergunta porque ela tá em inglês! Aí, pra
você responder, não tem como.” (Ronaldo, entrevista, 02/09/2011);
4. “No futuro, eu vou precisar, porque vai sempre abrir as portas.” (Helô,
entrevista, 29/07/2011)
4.1.1 “Só que o inglês de escola é só o básico...” (Helô, entrevista, 29/07/2011)
Os estudantes do 8.º Ano A aparentaram aceitar a ideia de que o inglês
oferecido pela Escola Central não seria capaz de lhes proporcionar um aprendizado
completo. Para eles, a disciplina, na escola ficava restrita ao “básico”, ou seja,
possuía limitações que não permitiriam o aprendizado pleno da língua, incluindo as
quatro habilidades (listening, speaking, writing e reading).
A fala era apontada como a habilidade que mais esperavam desenvolver e a
que tornava realmente possível a comunicação com pessoas de outros países,
como manifestou a estudante Roberta, em entrevista no dia 22/07/2011: “Tem
muitos empregos que pede pra falar outra língua... Se você for pra fora, você não
sabe falar, e aí, né? Ah, eu acho importante!”.
O ideal seria ter acesso a cursos livres de idioma, o que se mostrava distante
da realidade dos alunos envolvidos, seja devido às condições financeiras para
custeio, seja por indisponibilidade de tempo, visto que alguns alunos já
desenvolviam atividades remuneradas.
Helô, por exemplo, em conversa informal não gravada, contou que trabalhava
com a família vendendo produtos em uma feira. Gostaria de ter estudado em um
centro de idiomas, mas não possuía condições financeiras para tal. Então, dedicavase às aulas na Escola Central e recorria principalmente a músicas, por meio de
videoclipes legendados, para aprender mais.
EXCERTO 1 (Entrevista)
Verônica: Helô, como é que a sua história de aprendizagem de inglês?
(silêncio) Assim, quando você começou a estudar inglês...
Helô: Ah, sim. É... Eu nunca estudei inglês, assim, em uma escola
particular. Que é... sempre foi meu sonho, mas eu nunca consegui. Eu
estudo inglês desde a segunda série, se eu não me engano, que é na
escola, tem... Só que o inglês de escola é só o básico, e eu sempre
69
procurei me aprofundar no... no que eu aprendia. (Helô, entrevista,
17
29/07/2011)
Tatiana, diferentemente, apontava a falta de tempo como fator impeditivo ao
estudo em uma escola de idiomas. Após as aulas na Escola Central, ela dirigia-se
ao trabalho – provavelmente na informalidade, visto que a aluna contava apenas 13
anos no período da observação.
EXCERTO 2 (Entrevista)
Verônica: É? Fora daqui da sala, você usa alguma outra coisa pra estudar
inglês?
Tatiana: Não.
V: Não? Por quê?
T: Tipo, minha mãe queria pagar um curso, mas eu não tenho tempo.
Saio da escola, vou pro serviço, e aí eu nem... aí eu nem faço, não.
(Tatiana, entrevista, 22/07/2011)
Emiliana, a Coordenadora Pedagógica do Ensino Fundamental da Escola
Central, admitiu que o inglês oferecido na instituição não tinha pretensões de ir além
de proporcionar o conhecimento de palavras inglesas presentes no cotidiano do
aluno. Fluência no idioma não estaria, portanto, entre os objetivos da disciplina para
o Ensino Fundamental. Assim, a língua inglesa estava atendendo aquilo a que se
propunha.
EXCERTO 3 (Entrevista)
Emiliana: (...) eu acredito que o ensino da língua inglesa vem tendo o... um
aproveitamento... é... no sentido de que eles pode... eles possam estar ali
tendo um conhecimento básico.
Acho que o básico ele está
cumprindo.
Verônica. E qual seria esse básico, assim, no seu entendimento?
Emiliana: Seria mesmo no uso diário de... de palavras, né, do dia-a-dia, no
qual ele... nosso idioma já tem conhecimento, já usa no dia-a-dia. (Emiliana,
coordenadora pedagógica, entrevista, 22/07/2011)
O Projeto Político-Pedagógico da Escola Central prevê, porém, que o
estudante seja capacitado a falar, ler e escrever na língua estrangeira que estuda.
Entre as competências e habilidades desejadas para o Ensino Fundamental, estão o
conhecimento de vocabulário “diversificado”, para uso nas habilidades orais e
auditivas (PPP 2010, p. 67). O objetivo da disciplina, segundo o PPP, seria o
desenvolvimento da habilidade comunicativa, uma vez que considera a língua
17
Todos os grifos em negrito contidos nas vinhetas de observação e nas entrevistas foram realizados
pela autora com o objetivo de destacar trechos que sustentam a argumentação. Os comentários vêm
em itálico.
70
estrangeira numa abordagem interdisciplinar e inserida em contextos reais de
interação.
Neste sentido, concebemos as Línguas Estrangeiras, não como disciplinas
isoladas, mas inserida numa área, numa perspectiva interdisciplinar e
relacionada com contextos reais, dando nova configuração ao processo
ensino-aprendizagem, capacitando o educando a falar, ler e escrever em
um novo idioma, visto que elas constituem em veículos fundamentais na
comunicação entre os homens no mundo atual. (PPP 2010, p. 67)
A falta de ajustamento entre o que é oferecido pela escola, o que é proposto
no PPP e o que é almejado pelos alunos contribuiu para frustrá-los. Os estudantes
perceberam pouca evolução entre um ano letivo e outro, principalmente porque as
aulas foram desenvolvidas para uma turma idealmente homogênea, embora o nível
de proficiência entre os alunos reais fosse acentuadamente desigual. As aulas
pareciam difíceis demais para os oriundos do espanhol, mas fáceis demais aos que
buscavam outros recursos de aprendizagem (internet, filmes e jogos, entre outros).
Ao verificar que o conteúdo cobrado em uma das aulas no 8.º Ano A já havia
sido estudado no ano anterior e seus colegas não recordavam, a estudante Maria
Luísa reagiu com descaso e raiva. A vinheta abaixo expõe, no inicio do ano, as
expectativas de Maria Luísa de que nada de novo seria acrescentado ao que ela já
sabia. Bastava apenas ocupar o tempo da aula, com uma atividade qualquer, para
considerar ou simular que a aula havia sido ministrada.
EXCERTO 4 (Vinheta de observação)
Na primeira aula do ano letivo de 2011, em 18 de março, Susi entrega o
livro didático aos alunos, ensinando-os a usar os recursos disponíveis
(vocabulário, resumo, lista de verbos irregulares, CD de áudio, entre outros).
Susi baseia-se nas atividades introdutórias do livro para perguntar aos
alunos, oralmente e em português, qual a matéria que eles mais gostam,
em qual delas eles se saem melhor. Alguns não se manifestam, mas Maria
Luísa faz questão de dizer: “A (matéria) que eu mais gosto é inglês. (Vira-se
para mim) É legal, não é, professora?
Cansada, vira-se para Susi e pede: Professora, fala como que foi as
férias da semana passada, do Carnaval, e manda todo mundo embora!
Susi ignora o pedido de Maria Luísa e continua a aula. Passa, então, pelas
figuras contidas na página 10, para que os alunos identifiquem o que há de
diferente entre elas. As respostas são todas em português.
Após essa familiarização com o livro didático, Susi inicia a unidade 1, cujo
título é “Where is the National Bank?” A professora então pergunta à turma
o que significa essa frase. Ninguém responde. Susi não desiste:
“Gente, o que significa where?”
Novamente, não há resposta.
Maria Luísa, cansada do silêncio da turma, grita: “Gente, é igualzinho ao
do ano passado!”
71
Susi desiste e passa uma lista de palavras no quadro, para que os alunos
procurem o significado.
(Anotações de campo, 18/03/2011)
Ronaldo, que, antes de ingressar na Escola Central só havia estudado
espanhol, costumeiramente se recusava a fazer as atividades porque acreditava que
não teria sucesso no idioma, conforme demonstra o excerto 5:
EXCERTO 5 (Vinheta de observação)
No dia 03/06/2011, Susi propôs uma atividade de listening a partir da faixa 9
do CD que acompanhava o livro didático. A finalidade era organizar um
diálogo cujas falas estavam fora de ordem. Após várias repetições do áudio,
e tendo corrigido o exercício, Susi solicitou aos alunos que fizessem a
tradução do texto, para entrega.
Susi: Vocês vão traduzir pra me entregar, que vai valer ponto! Vocês vão
tirar uma folha do caderno, traduzir e entregar pra mim. Vocês entenderam?
Ronaldo: Eu não vou fazer, porque não adianta nada.
(Anotações de campo, 03/06/2011)
Apesar de considerarem que as aulas na Escola Central não lhes
proporcionaria fluência no idioma, os estudantes percebiam que o inglês fazia parte
de seu cotidiano. Quando interessados, procuravam outras fontes, como vídeos,
filmes, jogos ou internet, que possibilitavam contato com a língua de forma
prazerosa e mais próxima de sua realidade.
EXCERTO 6 (Entrevista)
Helô: (...) E, então, quando aparecia uma matéria nova, sempre
pesquisava na internet. Traduções de música também são... são algo,
assim, que eu gosto bastante de ver. Sair um pouco além do que tem
na sala de aula, entendeu? Procurar algo mais.
Verônica: E você acha que isso tem te ajudado?
H: Eu acho que sim, porque eu tenho um... uma percepção maior do que é
o inglês e da concordância como se fala.
(Helô, entrevista, 29/07/2011)
Diferentemente, Jairo se empenhava em tarefa inversa: de outras fontes,
principalmente jogos de videogame, trazia as palavras que gostaria de aprender.
EXCERTO 7 (Vinheta de observação )
Na aula do dia 1.º de Abril de 2011, Susi inicia um novo conteúdo,
relacionado com preposições como on, in, at, behind, between, on the
corner of, across from, in front of e next to, estudadas na primeira unidade.
Como etapa de apresentação do conteúdo, constava um diálogo em inglês,
contido na página 12 do livro Keep in MInd 8.º Ano e no CD que
acompanhava o livro. O diálogo envolvia uma senhora perguntando a um
policial onde ficava o National Bank. O diálogo foi passado e repassado. A
72
frase final era You´re welcome. Jairo logo identificou a frase presente em
18
um de seus jogos preferidos: “Essa frase tem no Resident Evil ”.
Mais tarde, para ajudar os alunos em relação ao conteúdo, Susi escreve as
preposições no quadro:
On
Between
On the corner of
And
In
Across from
In front of
Behind
Next to
Antes, porém, que Susi indique o significado de cada palavra, Jairo pede:
“Professora, eu queria saber o que é across. Meu videogame tem uma
missão que é across to”.
(Anotações de campo, 1.º/04/2011)
Com base nos excertos acima, pode-se perceber que os estudantes atribuíam
importância à aprendizagem de inglês, mas possuíam baixa expectativa quanto à
sua realização na Escola Central. Consideravam que a disciplina mantinha-se
focada em conteúdos básicos, muitas vezes apenas repetindo o que já havia sido
ensinado em anos anteriores.
Os estudantes interessados em maior desenvoltura na língua recorriam a
recursos fora da sala de aula, como filmes, videoclipes e games. Ao estabelecer
relações com o cotidiano do aluno, os conteúdos de inglês tornavam-se mais
instigantes aos alunos, como demonstrado nos excertos 6 e 7.
4.1.2 “Inglês é bem difícil... Espanhol é bem mais fácil.” (Adriana, anotações de
campo, 01/04/2011)
Uma das estratégias iniciais no ensino de segunda língua é compará-la à
língua materna do aprendiz. Apontar semelhanças e contrastes entre os idiomas
envolvidos parece simplificar a complexa tarefa de aprender uma nova língua. E, de
fato, alunos e professora do 8.º Ano A dedicaram-se às comparações entre uma
língua e outra.
A semelhança estrutural com o português fomentava nos alunos a crença de
que o espanhol seria mais facilmente aprendido do que o inglês. Assim,
supostamente, quanto mais aspectos semelhantes com a língua materna do
18
Jogo eletrônico produzido pela Capcom. Resident Evil e Capcom são marcas registradas.
73
aprendiz, mais fácil seria a aprendizagem da nova língua. É dessa maneira que
Roberta e Vagner se manifestaram.
EXCERTO 8 (Vinheta de observação)
Na aula do dia 18 de março de 2011, após a entrega dos livros didáticos
aos estudantes, Susi baseia-se na atividade contida na página 09 para
iniciar um diálogo com os alunos, em português. Ela questiona em qual
disciplina escolar os alunos são bons. Todos querem falar, e a maioria
aponta que não é bom em inglês.
Leonardo: Depende muito da professora. É que tem professora que é chata.
Maria Luísa: A professora mais legal é a de Geografia. E a senhora,
professora!
Susi: Tá, mas vamos fazer a atividade!
Maria Luísa: Eu só tô elogiando sua aula, p*!
Os alunos seguem falando entre si coisas do tipo: “Porque inglês é outra
língua, é difícil”.
Afonso: Ah, mas pra professora não é difícil, ela é da Argentina.
Susi ouve e retruca: Eu só aprendi a falar português com 12 anos. Eu sei
que é difícil. A língua portuguesa é difícil.
Vagner: Professora, mas a senhora é da Argentina. O da Argentina
com o português é parecido.
Susi: É parecido, mas não é igual. Português é difícil.
Roberta: É mais fácil a senhora falar português do que a gente aprender
inglês, não é? Eu acho mais fácil!
A maioria dos alunos concordou com Roberta.
(Anotações de campo, 18/03/2011)
Apesar das aproximações entre português e espanhol, com Susi o caso foi
diferente. Ela não possuía referências do português até se mudar para o Brasil, aos
12 anos de idade. Nessa convivência cotidiana com o idioma, viu-se obrigada a
aprender a língua, independentemente de gostar ou não dela.
EXCERTO 9 (Entrevista)
Susi: Bom, eu... pra mim, a língua mais difícil de aprender foi Português
(risos).
Verônica: Você aprendeu Português com quantos anos?
S: Com doze anos.
V: Doze anos?
P: É.
V: Já morando aqui no Brasil?
P: É. Foi no contato com a língua, né? Porque eu não conhecia, não tinha
contato nenhum com a língua até os doze anos, então aí que eu comecei...
Então, a minha dificuldade, assim, como eu não conhecia nada da língua,
né, eu... tive muita dificuldade.
(Susi, entrevista, 05/08/2011)
Já em relação ao inglês, a aprendizagem mostrou-se prazerosa, associada às
origens de sua família. Falante nativa do espanhol, Susi era descendente de
ingleses e, dessa maneira, teve contato com a língua desde criança.
74
EXCERTO 10 (Entrevista)
Verônica: (...) a senhora pode contar um pouquinho da sua história...
Susi: Com a língua inglesa?
V: Com a língua inglesa.
P: De quando eu era criança? Pode ser?
V: É. De quando aprendeu...
P: Ah, então. A minha ligação com a língua inglesa, a minha história,
começou desde criança, porque meu... avô, e toda a família dele, são
descendentes de... ingleses, são descendentes, não – são ingleses. Não
são descendentes – eles nasceram lá. E... e meu avô nasceu no Canadá,
por um trajeto, um... né, os pais dele estavam morando lá na época. Mas
eles são ingleses. Então, desde sempre é... eu tive contato com a língua
inglesa, e eu... sempre gostei, porque é a parte da minha convivência,
né? Então, é... quando... quando eu escolhi fazer o curso de Letras, eu
fiz pra Inglês porque eu sempre gostei de Língua Inglesa, eu achei que
tinha tudo a ver comigo. Eu sempre gostei de Língua Inglesa, sempre
procurei tudo... procurei saber tudo sobre Língua Inglesa, e eu gosto...
sempre gostei de estudar... procurar coisas – músicas, livros... sempre
gostei.
(Susi, entrevista, 05/08/2011)
No caso daqueles estudantes de espanhol, em parte, atribuo a crença de que
há línguas mais fáceis do que outras à falta de suporte na nova disciplina. Sem
acompanhamento adequado, esses alunos iniciaram seus estudos de inglês como
se já dominassem estruturas e vocabulários básicos quando, de fato, sequer tinham
ouvido falar em verbo to be. Essa situação foi vivenciada por Ronaldo, como expõe
o excerto 12.
EXCERTO 11 (Entrevista)
Verônica: E o que que você tem achado da... da professora? Pode ser da
antiga, né?
Ronaldo: da antiga?
V: da Susi.
R. Ela tenta ensinar, ela passa bastante atividade, mas é difícil aprender.
Que eu passei basicamente dois anos estudando espanhol, daí caí no
inglês, inglês é totalmente diferente... Então, difícil aprender.
(Ronaldo, entrevista, 02/09/2011) (Obs.: No momento da entrevista, Andréa
já havia assumido o 8.º Ano A no lugar de Susi)
Muitos alunos que constituíram o 8.º Ano A da Escola Central em 2011 não
iniciaram o Ensino Fundamental nessa unidade. Entre eles, cito Maria Luísa, Helô,
Tatiana, Ronaldo, Kaio, Adriana e Rose. Helô e Maria Luísa possuíam bom nível no
idioma, enquanto Rose e Kaio enfrentavam dificuldades. Este voltava a estudar
depois de um período fora da escola, por motivo de emprego.
Ronaldo, Adriana e Tatiana, diferentemente, eram oriundos de unidades em
que o espanhol ocupava o lugar de língua estrangeira moderna, ou seja, não haviam
75
estudado Inglês antes. Por terem se transferido para a Escola Central no decorrer do
Ensino Fundamental, acabaram numa espécie de “limbo”, sem concluir os estudos
do espanhol e sem conseguir acompanhar as aulas de inglês que, seguindo o livro
didático, estava sendo considerado avançado até mesmo para o nível dos que já
estudavam na escola. Adriana e Tatiana apresentavam muitas dificuldades, mas
tentavam
acompanhar
a
turma.
Ronaldo,
contrariamente,
encontrava-se
desmotivado.
EXCERTO 12 (Entrevista)
Verônica: Onde você estudava?
Ronaldo: Na escola em Várzea Grande.
V: Ahã.
R: Aí eu mudei de escola, vim aqui pra Cuiabá e tô estudando inglês
agora. Mas antes eu estudava espanhol.
V: Espanhol? E você vê alguma diferença entre as duas, você prefere
alguma...
R: Bastante. Espanhol é mais fácil de aprender.
V: Espanhol é mais fácil? Por que você acha mais fácil?
R: Porque você entende mais. É meio como o português. O inglês, não.
O inglês é totalmente diferente.
(Ronaldo, entrevista, 02/09/2011)
Embora o Projeto Político-Pedagógico dos anos 2009 e 2010 da Escola
Central tenha previsto uma adaptação àqueles que não tenham cursado alguma das
disciplinas oferecidas pela unidade escolar, oficialmente não houve suporte para
sanar esse desnível. Os estudantes tampouco se manifestaram à coordenação
pedagógica solicitando aulas de adaptação.
Extraoficialmente, durante conversa informal não gravada, Susi me informou
tê-las oferecido aos estudantes provenientes de outras instituições, fora da jornada
escolar, mas nenhum deles se interessou pelo auxílio.
Cabe destacar que a adaptação prevista no PPP deve ocorrer sem prejuízo
da grade curricular/carga horária na nova turma, referindo-se à execução de
trabalhos sob orientação do professor e acompanhamento de especialistas em
assuntos educacionais e da direção. Tem por finalidade fazer com que o estudante
alcance os conteúdos que lhe permitam acompanhar o novo currículo ao qual está
submetido.
Para um aluno que inicia as aulas de inglês no 8.º Ano sem conhecimentos
básicos iniciais no idioma, sem suporte pedagógico de adaptação e com um livro
76
didático totalmente escrito na língua-alvo, torna-se árdua e desmotivadora a tarefa
de aprender inglês.
EXCERTO 13 (Vinheta de observação)
Na aula do dia 27/05/2011, os alunos estão estudando o verbo would. Susi,
após corrigir a tarefa, passa uma atividade para ser resolvida no quadro,
com a colaboração de todos. A atividade consiste em reorganizar um
diálogo cujas palavras estão isoladas em pedaços de papel. A professora
pede voluntários. Jairo e Wender se oferecem para participar. Aos poucos,
alunos como Edna, Lidiane, Tatiana, Edson e Luan se juntam à dupla para
concluir a atividade. Susi pede a participação dos demais. Chama Danilo,
que primeiro questiona se seria obrigatório participar. A professora informa
que não, mas diz que ficaria feliz se ele participasse. Danilo aceita ajudar
também. Susi então se dirige a Ronaldo, pedindo para participar da
atividade com os colegas. Este lhe responde: “Não dá jeito, não, professora.
Não aprendi nem o abecedário (da língua inglesa)!” (Ronaldo, anotações
de campo, 27/05/2011)
Há um lapso entre os conhecimentos exigidos na série e os conhecimentos
possuídos pelos alunos nessa situação, tanto no que se refere a estruturas
gramaticais quanto a vocabulário. Por exemplo, o conteúdo inicial do 8.º Ano A,
acompanhando a sequência do livro didático, foi constituído pelo modo imperativo
(afirmativo e negativo), preposições e vocabulário relacionado a locais e direções.
No entanto, os alunos novatos não conheciam estruturas e conteúdos simples, como
o simple present (afirmativo e negativo) e numbers, além de conhecer poucos
vocábulos no idioma (palavras como hot dog, milk shake, coffee, game, ou seja,
geralmente associadas ao mercado de consumo e à cultura pop).
Diante desse quadro, é preciso repensar a forma como se propõe a
adaptação de um aluno à grade curricular da escola.
4.1.3 “(...) você não consegue ler a pergunta porque ela tá em inglês! Aí, pra você
responder, não tem como.” (Ronaldo, entrevista, 02/09/2011)
A dificuldade com o idioma relatada na seção anterior foi acentuada com a
adoção do livro didático Keep in Mind 8.º Ano. Todo em inglês – à exceção das
seções Food for thought, em português –, o livro e suas propostas nem sempre
eram interpretados adequadamente pelos alunos, inclusive os que já estudavam
inglês desde o início do Ensino Fundamental.
77
EXCERTO 14 (Entrevista)
Verônica: O que que você tem achado do livro de inglês?
Afonso: Ah, o livro é uma... uma base de estudo, pra que fortaleça o estudo
do aluno. Isso é bem gratificante, mas a forma como o... como o Ronaldo
falou agora há pouco, que as perguntas são em inglês, fica mais difícil de
entender.
(Afonso, entrevista, 02/09/2011)
Ademais, o fato de o livro ser todo em inglês causou decepção em alguns
alunos. Ao entrevistar Isadora, esta se fez acompanhar de Lidiane, uma de suas
companhias mais constantes nas aulas. Durante um questionamento sobre o
material, Lidiane, que optou por não ser entrevistada quando a procurei, interrompeu
a fala da colega para manifestar-se contra o livro didático, pois sabia que sua
opinião estava sendo gravada.
EXCERTO 15 (Entrevista)
Verônica: É? E sobre o livro didático, o que você está achando do livro de
inglês?
(Lidiane interrompe: Era melhor não ter!)
Isadora: Do livro, eu não entendo nada. (Risos)
(Lidiane interrompe novamente: É todo em inglês, né?)
Isadora: Do livro, eu não entendo nada.
(Entrevista, 22/07/2011)
Susi também demonstrou preocupação com o fato de que o nível do livro
estava além do conhecimento da turma. Inicialmente, a professora comemorou o
oferecimento desse recurso. Posteriormente, porém, concordou com os alunos
sobre a dificuldade em acompanhar um material todo em inglês.
Susi justificou a opção pelo Keep in Mind alegando que apenas duas coleções
de livros de inglês foram disponibilizadas pelo MEC no Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD). A outra coleção, cujo nome não me informou, continha textos muito
longos, totalmente em inglês, sendo descartada porque estava ainda mais além do
nível dos alunos. O Keep in Mind, por sua vez, continha atividades gramaticais e os
textos eram mais raros e mais curtos, geralmente sob a forma de diálogo, e seguia a
abordagem comunicativa sugerida no PPP.
Entretanto, apesar de o livro estar adequado ao projeto político-pedagógico
da escola, não se demonstrou apropriado às práticas de ensinar e aprender dentro
daquele contexto, pelo que pude acompanhar no decorrer desta pesquisa.
Os alunos se mostravam mais à vontade com métodos tradicionais, baseados
na gramática normativa e na memorização. Não trabalhavam muito a oralidade e o
78
listening, subutilizando o recurso do CD. Além disso, sequer estavam acostumados
ao uso de livro didático de língua estrangeira. Em suma, gostaram da novidade,
entretanto, não estavam preparados para usá-la da forma como foi proposta.
Após a entrega, Susi apresentou o livro aos alunos, ensinando-os a usar os
recursos disponíveis. Mostrou que havia um vocabulário na pág. 166, um resumo
gramatical na pág. 174, uma lista de verbos irregulares na pág. 179 e que, ao fim de
cada unidade, havia uma revisão do conteúdo. Também falou sobre o CD, cujo
conteúdo estava listado na pág. 208. A professora fez questão de destacar o recurso
do CD, que os alunos deveriam ouvir e repetir.
Apesar disso, durante as aulas, os alunos pouco recorriam aos recursos do
livro, possivelmente pela dificuldade em identificar o que cada parte continha.
Acabavam recorrendo a Susi sem antes consultar o vocabulário disponibilizado no
próprio livro.
Somado a isso, o livro não proporcionou algumas mudanças esperadas pelos
participantes. Susi e os alunos esperavam não despender muito tempo copiando
atividades do quadro, no que o livro seria de grande valia. Todavia, o que prevaleceu
foi justamente a prática de transcrever atividades de um suporte para outro, devido à
insuficiência quantitativa do material. A cópia era geralmente feita de forma
mecânica, uma vez que os alunos não conseguiam entender plenamente o
enunciado das questões.
Diferentemente do que foi proposto pelo Ministério da Educação (MEC), na
Escola Central o exemplar do aluno deveria ser devolvido ao término do ano letivo,
motivo pelo qual Susi não permitia que utilizassem o livro didático como uma edição
consumível. Segundo a professora, isso era necessário porque o livro seria usado
pelo menos por mais duas turmas (dois anos letivos).
De acordo com Emiliana, a coordenadora pedagógica, essa atitude tornou-se
necessária em função da quantidade insuficiente de exemplares enviados à Escola
Central. A política do MEC, ainda segundo a coordenadora, era dividir os
exemplares do Ensino Fundamental entre os idiomas espanhol e inglês. Como a
escola não oferecia a língua espanhola, recebeu apenas a parte que cabia ao inglês.
Em função dessa limitação, alunos que vieram transferidos no decorrer de 2011 não
conseguiram exemplares – foi o que houve com Kaio, Helô e Rose, por exemplo.
Esses alunos precisavam pedir o livro emprestado ou sentar-se junto a algum
colega.
79
EXCERTO 16 (Entrevista)
Verônica: Sobre o livro didático. Você parece que me disse que não, não
veio em número suficiente?
Emiliana: É. O MEC colocou o material disponível para língua estrangeira,
ele dividiu, né, em espanhol e língua inglesa. E nós não temos espanhol no
ensino fundamental – só temos a língua inglesa. Então, o livro não foi
suficiente. Então, os professores estão trabalhando de forma a trabalhar
com grupos, né, quando tiver trabalhando com os alunos em sala.
(Emiliana, entrevista, 22/07/2011)
Susi previa que essa dificuldade dos alunos com o material continuaria na
série seguinte, uma vez que seus alunos do 9.º Ano também não estavam
conseguindo acompanhar o livro a eles destinado, integrante da mesma coleção.
EXCERTO 17 (Vinheta de observação)
Na aula do dia 06/05/2011, o 8.º Ano A estava estudando o uso de there
is/there are. Susi explicou a diferença no quadro, mostrando que there is era
usado com singular e there are era usado com plural. Mostrou as formas
negativas e interrogativas de ambas. Na hora de fazer atividades, percebeu
que os alunos estavam com dificuldade em identificar singular e plural.
Cansada de ter que repetir a explicação, Susi veio até mim.
Conversando com ela, perguntei-lhe sobre o livro didático, uma vez que
percebi que os alunos não estavam usando as explicações do livro para
tentar sanar suas dúvidas. Susi pensou um pouco e me respondeu: “Por
enquanto, está fácil... Mas depois, lá pra frente, não sei, não. Tem texto...
Aí, ó (mostra o livro)... Até aqui eu não acho que esteja difícil pro nível
deles. Na unidade seguinte, vem mais vocabulário. Se bem que, comida...
Tem outras estruturas. Aqui tem would... (breve silêncio) Não sei se eles
vão dar conta. É, eles estão com dificuldade.
Continuou a explicar a matéria aos grupos/duplas. Percebendo a dificuldade
dos alunos, culpou a falta de atenção deles durante sua explicação no
quadro. Depois de ter explicado a todos, aproximou-se de mim e comentou:
“No 9º ano – eu tô falando porque eu dô aula lá – eles estão tendo muita
dificuldade. É o próximo livro dessa coleção, e eles estão vendo que o
bicho vai pegar”. (Susi, anotações de campo, 06/05/2011)
O livro didático, portanto, não proporcionou mudanças significativas de
práticas da professora e dos alunos. A quantidade insuficiente fez com que a
professora continuasse a passar os conteúdos no quadro e os alunos, de forma
semelhante, se mantivessem a copiar mecanicamente as atividades no caderno com
a finalidade de serem respondidas.
O fato de o livro ser todo em inglês dificultou o entendimento dos conteúdos.
As atividades constantemente precisavam ser explicadas diversas vezes pela
professora. Os alunos, por não entender o enunciado dos exercícios ou por não
saber
como
respondê-los,
engajavam-se
simplesmente desistiam de fazer os exercícios.
em
conversas
com
colegas
ou
80
O CD contido no livro, por outro lado, apesar de constituir um recurso louvável
para as práticas de listening, não pôde ser adequadamente utilizado devido à
insuficiência de equipamentos e às atitudes da turma durante as aulas.
Diante desse panorama, acredito que o oferecimento de livros didáticos de
língua estrangeira precisa considerar mais as especificidades das salas de aula
beneficiadas. Seria interessante que o PNLD checasse quais coleções de livros têm
sido mais usadas pelos professores de língua estrangeira, para que o livro gratuito
não seja tratado apenas como um enfeite.
A abordagem do livro, mais do que estar adequada às recentes teorias da
área de ensino e aprendizagem de línguas, não pode estar completamente
dissociada do cotidiano de professora e alunos. É indispensável que os professores
e estudantes estejam preparados para ensinar e aprender tendo o livro como
recurso adicional, mas não único, sob pena de o aprendizado não se realizar.
4.1.4 “No futuro, eu vou precisar, porque vai sempre abrir as portas.” (Helô,
entrevista, 29/07/2011)
Falar inglês é visto pelos alunos do 8.º Ano A como um fator favorável à
obtenção de melhores empregos e de interação com estrangeiros, principalmente
em função da Copa do Mundo de 2014. Saber se comunicar em inglês tem sido
apontado pelos meios de comunicação cuiabanos como uma necessidade para
quem pretende aproveitar as oportunidades que serão trazidas pela Copa do Mundo,
mesmo para quem não aprecia o idioma.
EXCERTO 18 (Entrevista)
Ele é um… uma matéria, assim, que eu me interesso bastante, porque é
uma matéria que, no futuro, eu vou precisar, porque vai abrir as portas
e...eu... se eu tiver essa vantagem – porque pra mim é uma vantagem
aprender inglês – se, no futuro, eu tiver essa vantagem no meu
currículo, com certeza vai ser mais fácil até de eu conseguir um
emprego de... uma qualidade mais alta. (Helô, entrevista, 29/07/2011)
EXCERTO 19 (Entrevista)
Verônica: No que que ele (o inglês) poderia fazer diferença, assim, que você
acha?
81
19
Roberta: Ih, vixe ! Alguns... Tem muitos empregos que pede pra falar
outra língua... Se você for pra fora, você não sabe falar, e aí, né? Ah, eu
acho importante!
(Roberta, entrevista, 22/07/2011)
Convém destacar que, no excerto 20, Jairo demonstra uma preocupação
qualitativa: a expectativa do estudante não diz respeito a conseguir emprego, mas,
diferentemente, relaciona-se com conseguir melhores oportunidades no mercado de
trabalho por saber inglês.
Apesar de serem todos legalmente menores de idade (possuem menos de 18
anos; os alunos mais velhos têm 15 anos), a preocupação com o mundo do trabalho
está próxima da realidade dos estudantes.
EXCERTO 20 (Entrevista)
Verônica: E o que você acha do inglês? Você gosta, não gosta...
Jairo: É, eu gosto porque, tipo... É... mais chances de você aprender um
emprego que tá vindo pra Copa, também. Aí minha mãe procurou me...
me botar em vários cursos pra aprender cada vez mais. (Jairo,
entrevista, 05/08/2011)
Alguns deles, inclusive, já vêm sendo preparados pelos pais para começar a
trabalhar. Informalmente (sem registro formal em carteira de trabalho), outros já
trabalham. Em função disso, apontam algumas dificuldades em acompanhar as
aulas.
Em conversa informal, Helô, por exemplo, lamentou a nota baixa em
matemática, pois não pôde estudar porque esteve ajudando os pais na venda de
produtos em uma feira que ocorre aos fins de semana. Wender, que trabalha
durante a semana inteira, incomodava-se em levar problemas do serviço para a sala
de aula, o que atrapalhava sua concentração e, consequentemente, seu
desempenho na escola.
EXCERTO 21 (Entrevista)
Verônica: Você trabalha... Isso afeta de alguma forma?
Wender: Olha, afeta um pouco, por causa que... quando eu tô na aula, tem
hora que eu foco na aula e tem hora que eu foco no serviço. Por causa
que... eu não tô conseguindo juntar meu... eu tô misturando as coisas
tudinho, mesmo tempo. Por causa que, na escola, eu tô estudando, a
professora tá explicando, eu tô lembrando de outra coisa lá do serviço
que tem de fazer, aí, nisso, eu não consigo prestar muita atenção na
aula. É nisso que acaba me afetando.
(Wender, entrevista, 15/07/2011)
19
Expressão regional que indica espanto, surpresa.
82
A excessiva preocupação com o mercado do trabalho permite interpretar que,
para muitos dos estudantes do 8.º Ano A, as expectativas de continuar estudando
iam se esvanecendo com o avanço nos estudos. Talvez uma minoria chegue, de
fato, a concluir um curso de graduação.
Longaray (2009), aludindo a Norton (2001 apud LONGARAY, 2009) e Norton
Peirce (1995 apud LONGARAY, 2009), atribui a expectativa sobre o que o inglês
pode proporcionar ao investimento feito pelo aprendiz. Quando investe em uma
língua, o aprendiz, de fato, investe em sua própria identidade mutável, o que, por
sua vez, se refere à forma com a qual se relaciona com o mundo social e com seus
desejos de reconhecimento e segurança. Entretanto, os problemas surgem quando
o contexto do aprendiz mostra-se distante do mundo em que realmente faz diferença
saber um novo idioma. Acredito que, para esses estudantes, se a língua-alvo não for
capaz de proporcionar um retorno sob a forma de acesso a recursos antes
indisponíveis, não há justificativa para continuar o investimento no idioma.
Em resumo, no Tema 1, predominaram crenças que julgo estarem inseridas
no discurso de que a escola pública não funciona. Explano brevemente a seguir.
A crença 1 (seção 4.1.1) aponta o inglês oferecido nessas instituições como
uma disciplina estanque, cujo conteúdo não acompanha a mudança de série/ciclo do
estudante. Logo, se não acompanha a turma, tem sua eficiência questionada.
A crença na existência de línguas mais fáceis de aprender do que outras
salienta outro aspecto problemático: a falta de suporte para estudantes advindos de
unidades escolares adeptas do ensino de outro idioma. Apesar da previsão nos
PCN, a realidade é outra.
Além disso, o livro oferecido no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
constituiu o discurso do fracasso da escola pública ao ser apontado como um
recurso praticamente fictício, uma vez que, apesar da gratuidade, não se mostrou
adequado ao nível da turma e tampouco pôde ser usado como edição consumível.
A última crença do tema, por outro lado, expõe que, apesar de todos os
percalços, os estudantes acreditam que o conhecimento da língua inglesa pode lhes
proporcionar melhores oportunidades de emprego. Esta crença demonstra que,
embora o inglês na escola pública seja alvo de constantes críticas, os alunos sempre
aprendem algo.
83
O Tema 2, abordado a seguir, foca seu olhar para as inter-relações
estabelecidas entre professora e alunos na experiência cotidiana de aprender e
ensinar inglês.
4.2 TEMA 2 – Relações de ensino e aprendizagem no 8.º Ano A
Nesta seção, apresento as crenças diretamente relacionadas à sala de aula
do 8.º Ano A, especificamente envolvendo a relação estabelecida entre professora e
alunos no processo de ensinar e aprender uma nova língua, revelando momentos de
consonâncias e dissonâncias no que se refere às crenças manifestadas dentro do
contexto pesquisado. Foram identificadas três crenças, listadas abaixo e, a seguir,
detalhadas:
1. “Treinando a... a escrita, fazendo bastante exercício, eles... eles fixam
mais.” (Susi, entrevista, 05/08/2011)
2. “A professora repete pra gente aprender melhor.” (Jairo, entrevista,
05/08/2011)
3. “A professora não consegue tomar conta da sala sozinha.” (Maria Luísa,
entrevista, 29/07/2011)
4.2.1. “Treinando a... a escrita, fazendo bastante exercício, eles... eles fixam mais”
(Susi, entrevista, 05/08/2011)
Durante o ano letivo de 2011, Susi privilegiou atividades escritas, baseandose, principalmente naquelas oferecidas pelo livro didático Keep in Mind 8.º Ano. A
justificativa da professora era a de que, ao escrever, o aluno concentrava sua
atenção no que copiava, reforçando sua capacidade de fixação de conteúdos.
Atividades escritas, segundo Susi, transmitiam a sensação de segurança aos
aprendizes porque permitiam manter algum registro no caderno, comprovando que
frequentavam as aulas e possibilitando consultar o conteúdo, caso fosse necessário.
84
EXCERTO 22 (Entrevista)
V. É... tem algum tipo de atividade que a senhora acha que é mais
interessante de passar pra eles, na situação da sala de aula, dessa turma,
dessa quantidade de alunos... é... com esse... com essa conversa... tem
algum tipo de atividade que a senhora acha que surtiria mais efeito, que
eles gostam mais...
P. Eles gostam de brincadeiras, né? Eles gostam de... de jogos,
brincadeiras... aquela vez que eu fiz nos papeizinhos, no quadro... Não são
todos, mas a maioria gosta. Eu acho que eles gostam mais desse tipo de
atividade, e também de escrever, porque eles se sentem mais seguros,
eu acho, escrevendo e fazendo atividade.
V. Pra senhora: tem algum tipo de atividade que a senhora percebe que
eles aprendem mais, parece que eles guardam mais, retêm mais conteúdo,
tem algum tipo de atividade...
P. Eu acho que treinando a... a escrita, fazendo bastante exercício,
eles... eles fixam mais... Eu acho... Pra eles, pra essa turma aqui.
(Susi, entrevista, 05/08/2011)
A cópia das atividades do livro para o caderno enfatizou a habilidade escrita,
que a professora acreditava ser benéfica ao aprendizado do aluno. A ideia de que tal
habilidade transmite mais seriedade no ensino é evocada pela professora como uma
crença dos alunos. Segundo Susi, se não é escrita, os alunos não a consideram
como uma verdadeira atividade.
EXCERTO 23 (Vinheta de observação)
Na aula do dia 29/04/2011, durante uma avaliação complementar escrita
para melhorar a nota dos alunos, Susi percebe que a turma está mais
silenciosa. Após comentar que iria aplicar atividades escritas em outra
turma para tentar obter silêncio, Susi comenta comigo que crê que os
exercícios escritos ajudem o aluno na “fixação” do conteúdo: “Eu acho que
eles fixam mais. É que eles vão, buscam as palavras, olham no livro. Mas
eu passo outro tipo de atividade. Tem que passar. É que eu sigo o livro.
Mas parece que nas atividades orais eles ficam mais dispersos, não
conseguem fixar. Eles levam na brincadeira, parece que não é de
verdade, porque não vão ter nada escrito.”
Em outro momento da mesma aula, ela comenta que já havia tentado trazer
atividades “diferentes”, mas que o resultado não foi bom: “A gente tenta,
quer trazer coisa diferente, mas eles levam na brincadeira, fazem
bagunça.” (Susi, anotações de campo, 29/04/2011)
Por outro lado, as atividades escritas são usadas por Susi como uma forma
de controle sobre a atitude dos estudantes em sala. Desde as aulas acompanhadas
no ano de 2010, a professora recorria a exercícios de escrita quando percebia que
os alunos estavam muito agitados, movimentavam-se muito pela sala ou
conversavam excessivamente. Justificava o pouco uso de dinâmicas como forma de
proporcionar aprendizado mais significativo aos alunos, uma vez que aulas com foco
na oralidade ou com uso de jogos e recursos audiovisuais seriam um convite à
dispersão, de acordo com sua experiência na Escola Central.
85
EXCERTO 24 (Vinheta de observação)
A aula do dia 07/12 foi a última do ano letivo de 2010. A turma em questão
era o 7.º Ano A. Nesse dia, Susi comentou comigo a reação da turma diante
da atividade da aula passada, um game entre meninos e meninas. O jogo
baseava-se no conhecimento vocabular dos alunos. Alternadamente, a
professora questionava os grupos sobre a forma ou o significado de
determinadas palavras – por exemplo, como dizer leão em inglês ou o que
significava cat. O foco foi o vocabulário relacionado a animais – conteúdo
que os alunos haviam estudado recentemente. A animação da turma diante
do game foi geral. A respeito disso, Susi fez o seguinte comentário:
“Aprender, eles aprendem falando. Atividade tipo música – música eles
gostam. Aquele dia que eu fiz o jogo, eles gostaram. Só é difícil de
domar eles. Eu acho que eles gostam de falar, só que, fixar conteúdo,
aprender mesmo, eu acho que é mais na escrita mesmo.” (Susi,
anotações de campo, 07/12/2010)
As atividades escritas serviam como controle porque, à sua conclusão,
deveriam ser apresentadas ou entregues a Susi, com finalidade avaliativa (valendo
nota ou apenas para ser vistada), além de ocupar o tempo dos alunos.
Concentrados nas atividades, os estudantes dedicavam menos tempo às conversas
com os colegas.
EXCERTO 25 (Vinheta de observação)
No dia 29/04/2011, Susi preparou uma avaliação complementar para ajudar
os alunos na recuperação das notas obtidas na prova feita durante a aula
anterior. A avaliação consistia em quatro atividades contidas no livro
didático, valendo cinco pontos. Tais atividades deveriam ser respondidas
individualmente e entregues à professora.
Buscando recuperar as notas, os alunos dedicaram-se às atividades. Nesse
dia, a aula foi significativamente mais silenciosa, motivando o seguinte
comentário da professora, dirigido a mim: “Eles estão quietinhos, né?
Milagre. Se eu tivesse descoberto isso antes... Vou fazer com a outra
turma também”. (Susi, anotações de campo, 29/04/2011)
A finalidade avaliativa das atividades escritas era vista como um incentivo aos
alunos, o que, em minha opinião, demonstrava que os participantes (man)tinham
como parâmetro a escola tradicional. Não se pode negar que, em uma sala de aula,
professores e alunos construam relações e poder assimétricas, com predominância
dos primeiros. É nesse sentido que receber o visto da professora significava aos
alunos sair-se bem nas aulas, como mostra a seguinte situação:
EXCERTO 26 (Vinheta de observação)
Na aula do dia 15 de julho de 2011, Susi pediu aos alunos que lessem e
traduzissem o diálogo da página 44 do livro. Ronaldo não fez a atividade,
mas, percebendo que a professora irá vistar (dar visto) no caderno, pede
para “colar” (copiar) a atividade de Helô, que se faz de desentendida:
Helô: Tem cola quente, cola fria...
Ronaldo: Eu quero é copiar!
86
Helô não cede ao pedido do colega.
Ronaldo comenta (para mim): Consegui três pontos de História, só na cola!
Colei de um nerd (aponta para Luan, colega de sala).
Saulo, amigo de Ronaldo, pede ajuda a Helô e esta senta ao seu lado.
Depois de algumas tentativas e já cansado, vai até a carteira de Helô, pega
o caderno desta e se senta para copiar as respostas. Helô toma o caderno
de volta, mas decide continuar a ajudá-lo.
Ronaldo, assistindo a tudo, comenta comigo: Eu tô até melhorando... Aqui,
ó, meu caderno (mostra o caderno). De Português, tenho dois vistos. De
matemática, meu primeiro visto do ano! A gente vai tentando melhorar, né?
Tudo colando. Se não dá de um jeito, a gente tenta de outro, né, e vai
melhorando. Eu tô melhorando.
(Anotações de campo, 15/07/2011)
A cópia com finalidade de acúmulo de conteúdo, somada a atividades
repetitivas e memorização, está apropriada ao conceito de aprendizagem como
fixação/armazenamento de conteúdo e à prática do método audiolingual. Houve
momentos em que Susi solicitou a memorização de estruturas e conteúdos, como no
trecho a seguir.
EXCERTO 27 (Vinheta de observação)
Na aula do dia 18 de março de 2011, é feita a entrega do livro didático.
Todos o folheiam, mas a maioria logo deixa o material de lado devido a um
detalhe: o livro é inteiramente em inglês. Uns poucos, como João Carlos,
detêm-se no Hino Nacional, na quarta capa do livro – a única parte que
percebem estar em português. A professora passa a explicar como usar o
livro, as partes que o compõem e recursos como vocabulário e CD de áudio.
Paula se preocupa e questiona a professora se eles precisam traduzir todos
os diálogos do CD. Susi esclarece: “Não é para traduzir. É para repetir o
que está ouvindo”.
Em outro momento da mesma aula, Susi passa uma lista de palavras no
quadro, relacionada a locais. Trata-se do conteúdo abordado na primeira
unidade do livro didático. A professora solicita aos alunos que copiem tal
lista e escrevam, ao lado de cada palavra, sua tradução. Antevendo
reclamação dos alunos, Susi se antecipa e avisa: “Vou colocar aqui, vocês
procuram o que é e colocam aqui. Quando eu perguntar, vocês vão ter que
saber. Esse vocabulário todos vocês têm que fazer, têm que decorar o
diálogo. Esse ano eu vou fazer prova oral. Vai ter prova oral, vai valer 5
pontos. E vai ter prova de listening”. (Anotações de campo, 18/03/2011).
A ênfase em atividades escritas, repetitivas e individuais, porém, contraria o
conceito de aprendizagem manifestado por Susi em entrevista, mais condizente com
a abordagem comunicativa. A professora relacionou aprendizagem a troca,
interação. A aprendizagem não poderia ser dissociada do ensino, configurando uma
situação mutuamente benéfica aos envolvidos. Os alunos aprendiam com a
professora e esta aprendia com seus alunos. E, nem sempre, o conteúdo aprendido
estava entre os objetivos apresentados pelo professor, aspecto já apontado por
87
Dewey (1936) como “aprendizagens paralelas” – a pessoa não aprende somente ou
especificamente o que está estudando naquele momento. Ainda que os objetivos
para a aula sejam determinados tópicos gramaticais, a apresentação de um diálogo
pode indicar, por exemplo, algumas regras implícitas de conduta social dentro
daquela cultura de língua inglesa, e serão aprendidas pelos alunos.
EXCERTO 28 (Entrevista)
V. O que eu queria perguntar é: o que a senhora entende por
aprendizagem?
(silêncio)
P. Aprendizagem? Mas como assim, o que que você quer saber?
V. É... digamos assim: qual seria o seu conceito de aprendizagem?
(silêncio)
P. eu acho que aprendizagem é... (silêncio) Tem um pouco a ver com a
nossa vivência também, né, e no dia a dia. Eu acho que não é só... é... tipo
assim, conteúdo que a gente... Eu tô falando em termos, né, os alunos
daqui... não é só chegar e jogar conteúdo, é, é, é uma troca, né? É um
aprendizado, eu acho, que dos dois lados, porque, assim como eles
aprendem comigo, ou com qualquer professor, eles... a gente também
aprende com eles. Então, eu acho que é isso: é uma troca, e é a vivência,
é mais ou menos por aí que eu penso mesmo. (Susi, entrevista,
05/08/2011)
Ao considerar a aprendizagem um processo mútuo, Susi retira os estudantes
da posição de passividade, ou seja, deixa de considerá-los meros receptores de
conhecimento. O conceito de aprendizagem como interação evoca a abordagem
comunicativa, que coloca o aluno como centro do processo de ensino-aprendizagem
e envolve a atribuição de significados. A aprendizagem, assim, fica estritamente
relacionada a um contexto de ação.
Em relação a esta crença, foi possível perceber que, para Susi, a ênfase em
atividades escritas proporcionava respostas adequadas a duas situações: a
indisciplina da turma e a crença dos alunos, segundo a professora, de que só
atividades escritas seriam “de verdade”. Apesar de ser contraditória à sua
concepção de aprendizagem, voltada para a abordagem comunicativa, as atividades
escritas proporcionavam à professora a sensação de poder sobre o 8.º Ano A – estar
com o controle da situação perpassava a concepção de Susi acerca do que seria um
bom professor.
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4.2.2 “A professora repete pra gente aprender melhor.” (Jairo, entrevista,
05/08/2011)
Muitos estudantes do 8.º Ano A, como Jairo, Kely, Edna, Adriana, entre
outros, demonstraram a crença de que, para aprender inglês, é necessário repetir. A
repetição é uma prática que remete às técnicas do método audiolingual, com
finalidade de memorização do conteúdo ensinado. Pelo que se pode interpretar das
falas de Jairo, no excerto 37, a repetição funcionava para ele.
EXCERTO 29 (Entrevista)
Verônica: E o que você tem achado das... das aulas? Daqui.
Jairo: Bem, porque a professora dedica, aprende gente... repete, pra gente
aprender melhor, isso é muito bom.
V: É? E você acha que repetir ajuda?
J: Ajuda.
V: É?
J: Porque, tipo, tem professor que num dedica, fala só uma vez e quer
que a gente grave... daqui, não. A professora repete pra gente aprender
melhor.
(Jairo, entrevista, 05/08/2011)
Já no caso da aluna Kely, a repetição da estrutura gramatical na escrita
(cópia), feita de forma mecânica e sem o entendimento dos vocábulos usados, gerou
um resultado inesperado.
EXCERTO 30 (Vinheta de observação)
Na aula do dia 29 de abril de 2011, Susi resolveu passar 4 atividades
valendo ponto. Elas serviriam como uma espécie de recuperação às notas
da prova, que foram abaixo do esperado.
Kely sentou-se com Adriana para fazer os exercícios, pois estava com
dificuldades.
Um dos exercícios solicitava que se indicasse, abaixo das colunas food,
public service e entertainment, os lugares contidos no mapa. Mais uma vez,
o livro trazia um exemplo: na coluna food, incluía ice cream shop. Kely pediu
ajuda a Susi, que lhe explicou tratar de uma atividade de vocabulário.
Bastava Kely identificar as figuras e classificá-las. Explicou o exemplo do
livro, dizendo que o mesmo apontava “there is one ice cream shop”. Se
houvesse mais de um, era para usar o plural. A aluna afirmou ter entendido
e Susi se afastou.
Antes de levar à professora, Kely me trouxe o caderno para que eu
conferisse se a resposta da atividade da página 31 estava correta. Kely
respondeu da seguinte forma:
Food
There is one ice cream shop.
There is one ice cream school.
There is one ice cream cinema.
Fui de volta à carteira dela dizer que ice cream significava “sorvete” (apontei
para o desenho) – assim, ela não poderia indicar “ice cream school”. Kely
89
apagou o exercício e, posteriormente, conseguiu concluir a atividade
corretamente.
(Anotações de campo, 29/04/2011)
Os exemplos acima permitem identificar que a repetição é um recurso útil e
até necessário para propiciar a aprendizagem. No entanto, ela não pode ser feita
indiscriminadamente. É preciso que tenha objetivos definidos e claros, para que não
se torne mecânica e acabe se dissociando dos conteúdos propostos para a turma.
Apesar dos exemplos acima, Susi fez pouco uso de recursos como a
repetição de palavras, pelo menos no que diz respeito à oralidade, durante as aulas
observadas. A justificativa era a indisciplina dos alunos, que dificultava o
acompanhamento do áudio do CD, e a acústica da sala. A dificuldade em atividades
de listening pôde ser observada na aula do dia 03/06/2011, cujo trecho é transcrito
abaixo.
EXCERTO 31 (Vinheta de observação/Transcrição de aula)
Trata-se de uma aula em que Susi optou por focar a habilidade de listening
usando a faixa 9 do CD que acompanhava o livro Keep in Mind. Após várias
repetições do áudio, e com poucos alunos entendendo trechos do diálogo,
Susi tenta continuar a atividade.
Susi: Kely! Olha, então vocês entenderam? Vocês têm aqui um pedido...
uma lista de pedidos, não tem? Sanduíche. Aí tem hambúrguer,
hambúrguer with cheese...
(os alunos conversam)
Susi: Jairo! Então tá, tô passando agora! (Para mim): Eles não conseguem
entender que, pra essa atividade, têm que fazer silêncio absoluto.
Senão, não conseguem ouvir nem entender nada, que dirá entender
inglês, né? Assim, de tá escutando, né? (para João Carlos): guarda isso aí
e você joga depois.
João Carlos: Então tá bom.
Susi: Gente, olha só: pra fazer essa atividade, vocês têm que entender
que precisa de silêncio ABSOLUTO! (ênfase) Porque eu vou colocar o CD
e o diálogo é em inglês, pra marcar os números das pessoas, vocês têm
que escutar. Como é que vocês vão ouvir se alguém estiver arrastando
a carteira, ou se tiver conversando? Não tem como.
(Transcrição de trecho da aula do dia 03/06/2011)
A atitude de Susi coaduna-se ao proposto no PPP 2010, que recomenda o
uso da abordagem comunicativa, com foco em comunicações básicas e adequadas
ao cotidiano do estudante. Entretanto, cabe destacar que a oralidade foi pouco
desenvolvida durante as situações observadas.
E o foco do nosso ensino é a abordagem comunicativa que enfatiza uma
comunicação básica, porém, significativa, no cotidiano do aluno. (...) (PPP
2010, p. 66)
90
Um recurso ao qual Susi constantemente recorria durante as aulas era o uso
de elementos não verbais como gestos e desenhos. Para não “dar” a tradução de
um vocábulo ao aluno, Susi usava gestos, como levar a mão à boca para indicar o
ato de comer, ou desenhos, como um carrinho de compras no quadro para associar
com “supermarket”.
EXCERTO 32 (Vinheta de observação)
A aula do dia 08/07/2011 é a primeira após a greve. Susi tenta rememorar o
vocabulário sobre food já estudado. Para isso, pergunta aos alunos,
oralmente e em inglês, o que costumam comer no café da manhã (What do
you usually eat for breakfast?). Diante do silêncio inicial deles, Susi explica:
“ que que é eat?” (faz mímica, levando a mão à boca) “Comer!”. Após o
entendimento da pergunta e diante da resposta deles, em português, Susi
vai listando as palavras no quadro, em inglês. Depois de pronta a lista, pede
aos alunos que a copiem e, ao lado de cada palavra, escrevam sua
tradução. Ronaldo pergunta à professora o que significa uma palavra em
inglês (não consegui saber qual). Ele afirma: “Eu já procurei, mas não tem
no livro. Mas não tá em português (no livro)”.
Susi responde: “Mas tem o desenho!”
(Anotações de campo, 08/07/2011)
EXCERTO 33 (Vinheta de observação)
Durante a aula do dia 15/07/2011, Susi solicitou aos alunos que lessem e
traduzissem o diálogo contido na página 50 do livro, para lhe entregar ao fim
da aula. O texto relacionava-se a uma conversa entre atendente e clientes
em um fast food. Após vistar o caderno daqueles que haviam concluído a
atividade, Susi passou a conferir a tradução com a turma inteira. Antes de
dar-lhes a tradução de determinada frase, Susi tentava, por meio de
mímica, explicar o que significava. Dessa forma, veio até Ronaldo e disse
uma frase do diálogo: “Here you are”. Ninguém arriscou a tradução. A
professora então fingiu entregar o livro a Ronaldo e perguntou “ que é?” A
turma entendeu o recado, arriscou significados como “Seu pedido”, “Toma”,
e a professora confirmou: “Aqui está”.
(Anotações de campo, 15/07/2011)
Não por acaso, durante uma das aulas observadas no 7.º Ano A, Júlio César
referiu-se à aula de Susi como aula de mímica. O comentário, que inicialmente
aparenta ser depreciativo, na realidade fez referência justamente ao uso de recursos
não verbais – no caso, a mímica –, por parte da professora. Esse aspecto passaria
despercebido nesta pesquisa se não fosse o comentário de Profa. Eladyr Maria
Norberto da Silva, minha orientadora de estágio de docência, na ocasião em que eu
apresentava à turma do 4.º Ano de Letras Português/Inglês uma pré-análise dos
dados. Profa. Eladyr comentou que a fala de Júlio César poderia se referir ao uso de
gestos para auxiliar a turma a compreender determinada palavra.
91
EXCERTO 34 (Vinheta de observação)
A aula de inglês da terça-feira 19/10/2011 era a primeira do dia. Porém,
iniciou-se cerca de 10 minutos atrasada. Durante o atraso, os alunos
ficaram no pátio, conversando ou, no caso de Júlio César, provocando os
colegas para, depois, correr deles. Chegou à sala agitado e provocou a
professora perguntando-lhe que aula era aquela.
A professora ironizou: Aula de que que tem hoje?
Júlio César: Aula de mímica.
(Anotações de campo, 19/10/2010)
De fato, ao retomar minhas observações, acompanhando as ações de Susi,
confirmei que a professora, enquanto explicava o conteúdo, se apoiava muito em
gestos para explicar o significado de alguns vocábulos sem precisar “dar” a tradução
para o aluno. Situação semelhante ocorreu no dia 29/04/2011. Entre os objetivos da
aula estava o vocabulário relacionado a locais. Para explicar aos alunos o que
significava cada palavra, Susi recorreu ao desenho de ícones representativos no
quadro. Por exemplo, ao se referir a supermarket, desenhou a imagem de um
carrinho de supermercado; ao se referir a post office, desenhou uma carta; para
indicar church, desenhou uma igreja; para explicar o que era ice cream shop,
desenhou um sorvete. Tais palavras constavam da unidade que os alunos
estudavam, mas, para muitos deles, o significado era, até então, desconhecido.
Assim, além das quatro habilidades comumente desenvolvidas numa aula de
línguas (speaking, reading, listening e writing), Susi comumente trabalhava outra, à
qual me refiro como gesturing – o uso de gestos e da comunicação não-verbal, ou,
no dizer dos alunos, de “mímica”, para ensinar a língua aos alunos sem ter que
recorrer à língua materna ou à tradução. O uso do não verbal pode ser também
considerado uma habilidade de comunicação – nela, o significado, mais do que a
tradução, ganha prevalência.
A crença de que é preciso repetir para aprender melhor, mencionada e
praticada pelos estudantes do 8.º Ano A, pareceu estabelecer relações com
experiências anteriores de aprendizagem de línguas. Os alunos mencionaram a
repetição com algo necessário à aprendizagem, não enxergando nesse recurso algo
negativo.
Susi, por outro lado, fez pouco uso dessa prática, principalmente em relação à
oralidade, justificando-se pela indisciplina da turma, que atrapalhava atividades que
fugissem à escrita. Um recurso observado na prática da professora, mas não
mencionado pelos alunos, foi o uso de gestos para auxiliar no entendimento de
palavras e expressões na língua-alvo. Tal recurso coaduna-se à crença da
92
professora em atividades comunicativas para proporcionar a aprendizagem, uma vez
que o gesto encaminhava o aluno a um entendimento da palavra/expressão, mas
não necessariamente à tradução mecânica da mesma.
4.2.3 “A professora não consegue tomar conta da sala sozinha” (Maria Luísa,
entrevista, 29/07/2011)
Professora e estudantes mostraram concordância quanto ao aspecto que
mais atrapalhava as aulas de inglês. Para ambos, a indisciplina prejudicava a
atenção aos conteúdos ministrados, era desfavorável à prática de outras habilidades
na língua (principalmente listening e speaking) e chegava a causar mal-estar físico
em alguns alunos.
EXCERTO 35 (Entrevista)
(...) o povo bagunça e não dá nem pra fazer. (...) Porque a professora não
consegue tomar conta da sala sozinha. (Maria Luísa, entrevista,
29/07/2011)
EXCERTO 36 (Entrevista)
(...) a gente nem consegue estudar. Eu fico até com dor de cabeça de
tanta bagunça que vai na sala. Eu acho que ela tá fazendo certo. Eu acho
que ela tinha que ter mais (ênfase) um pouquinho de autoridade na sala.
(Roberta, entrevista, 22/07/2011)
Devido à conversa e à indisciplina, a prática de exercícios seguia um ritmo
vagaroso no 8.º Ano A. Por dificuldade de entendimento das questões (todas em
inglês) ou por indisciplina, os estudantes chegaram a ocupar duas aulas para a
conclusão de apenas uma atividade. Susi foi se desgastando porque o conteúdo
estava atrasado, acompanhando o desenvolvimento dos alunos.
EXCERTO 37 (Vinheta de observação)
O conteúdo da aula do dia 06/05/2011 era o uso there is/there are. Susi
explicou o que significavam e como eram usados nas formas interrogativa e
negativa. Após a explicação, solicitou aos alunos que fizessem algumas
atividades do livro. Andando pelos grupos de alunos, percebeu a dificuldade
deles em relação à diferença singular/plural e quanto à composição do
plural de palavras em inglês. Percebendo as muitas dificuldades dos
estudantes, comentou comigo: “Eu tinha que terminar o livro, mas eu acho
que não vai dar. Era para eu dar três unidades por bimestre. Mas até agora
(início do segundo) eu só terminei um. É claro, teve feriado, tudo, quase não
teve aula, mas eu não posso ficar no there is/there are para sempre”.
(Susi, anotações de campo, 06/05/2011).
93
Os aprendizes, inclusive, admitiam que havia problemas de comportamento
na turma, como pode ser interpretado o excerto 51, com trecho de entrevista com o
aluno Ronaldo.
EXCERTO 38 (Entrevista)
Verônica: Ahã. E o comportamento?
Ronaldo: Beeeem (ênfase) difícil! (Risos) Comportamento é ruim! (risos).
Todo mundo faz bagunça. É bagunça mesmo! A professora fica meio...
(balança a cabeça, como se estivesse perturbado).
V: E você, faz bagunça?
R: Eu também faço bagunça. É parceria! Bagunça todo mundo! (Risos)
V: É? Por quê?
R: É... é porque a aula você não entende, a... a aula cê não consegue
fazer, cê... aí vai conversando daqui, conversando dali, de repente...
vira bagunça!
V: Uhum. Você acha que ajuda, atrapalha, influencia de alguma forma?
R: Atrapalha! Atrapalha. Não ajuda, não. Olha, é uma forma de você... de
você num ficar parado. Você não tá entendendo a coisa, você vai
conversar aqui, aí você conversa, conversa ali, aí... virou bagunça já!
(Ronaldo, entrevista, 02/09/2011)
Atribuindo suas atitudes às dificuldades de acompanhamento da disciplina, a
fala de Ronaldo (transcrita a seguir) permite interpretar que o professor seria o único
responsável pela aprendizagem do aluno. Dessa maneira, aquele que não aprende
simplesmente é vítima de um profissional que não consegue fazê-lo se interessar
pelas aulas.
Discordo de tal posicionamento, uma vez que entendo o processo de
aprendizagem por meio da interação de uma série de fatores, a saber: professor,
alunos, abordagem/método e contexto de atuação. O professor não possui dons ou
habilidades para fazer com que o aluno aprenda o conteúdo sem interagir com ele.
Ademais, segundo Susi, a indisciplina não se restringia às suas aulas. A
turma do 8.º Ano A era objeto de constantes queixas de professores durante o
Conselho de Classe, reunião que acontecia ao fim de cada bimestre.
EXCERTO 39 (Vinheta de observação)
No dia 29/04/2011, enquanto se dedicava a uma avaliação complementar
de recuperação de notas, a turma estava mais silenciosa. Percebendo e
creditando tal atitude dos alunos às atividades escritas que compunham tal
avaliação, Susi considerou um milagre o silêncio alcançado. Comentou que
tentaria aplicar o mesmo tipo de atividade (escrita) com outras turmas,
especificamente o 9.º Ano, que era composto por 45 alunos. Comentou que
quase havia desistido dessa turma devido à indisciplina. Mas, depois,
resignou-se ao perceber que não era problema específico de suas aulas –
tratava-se de um problema geral: “A gente pensa que é só com a gente,
94
mas quando a gente troca figurinha com outros professores, vê que é tudo a
mesma coisa: Indisciplina”. (Susi, anotações de campo, 29/04/2011)
Para a professora, o comportamento dos alunos só seria mudado se
houvesse uma conversa entre os professores e os pais dos alunos, uma vez que
dialogar com a turma não havia surtido o resultado esperado.
EXCERTO 40 (Entrevista)
Verônica: Alguém já reclamou com a senhora a respeito disso? (silêncio)
É... da bagunça, da conversa... algum aluno...
Susi: Ah, sim! Tem aluno que fala “professora, tô com dor de cabeça”,
“professora, eu não entendo porque tem muita conversa”... Já ouvi isso,
sim! E... nós já conversamos, né? Eu já conversei com a turma, outros
professores também já conversaram, mas não tem surtido muito efeito.
Eu acho que devia ser feito uma reunião com os pais dos alunos desta
(ênfase) turma. É só... só dessa turma.
V: É... nas outras turmas...
S: (interrompe) Não, nas outras turmas é normal. Conversa, assim, mas
é normal, nada como essa daqui.
(Susi, entrevista, 05/08/2011)
Devido à indisciplina, na aula do dia 03/06/2011, alunos e professora
vivenciaram aquilo que Assis-Peterson (2003) denominou de “nós” de tensão:
conflitos que remetem a relações de poder em torno da nova língua, por envolver
questões socioculturais, linguísticas, econômicas, morais e políticas. Uma atividade
de listening malsucedida fez com que Susi fosse mais rigorosa com os alunos e
discutisse com eles a necessidade de mudança de atitude da turma. Na opinião da
professora, o mau comportamento dos alunos prejudicava o aprendizado do idioma,
principalmente de quem estava interessado, e não permitia que ela realizasse seu
trabalho da forma como pretendia.
EXCERTO 41 (Entrevista)
Verônica: Sobre a turma. O que a senhora tem achado? (incompreensível)
Susi: É... Conversando com outros professores (silêncio)... Essa é uma das
turmas mais... é... problemáticas, né? Por causa da conversa,
comportamento. Então... eu vi... com outros professores, que eles têm
as mesmas dificuldades que eu tenho pra dar aulas nessa turma.
V: E seriam...
S: Seriam, é... é... Problemas do comportamento deles e da... da conversa,
então, a gente tenta dar aula, fica falando, falando, mas a conversa
atrapalha, e aí... essa que é a dificuldade. Na verda... É, é só isso.
V: A senhora acha que essa dificuldade da conversa atrapalha só do seu
lado ou atrapalha o lado deles também?
S: Não, atrapalha dos dois lados, né? Atrapalha o meu lado também,
porque a gente quer fazer o trabalho e não consegue realizar o
trabalho. Você prepara uma aula e você não consegue, né? Tem dias
95
que consegue, mas depende. Você viu como que, às vezes, deu certo, né?
Aí depende, mas... é um problema da turma, mesmo.
A indisciplina do 8.º Ano A, além de influenciar a prática de Susi, entrava em
contradição com o conceito de aprendizagem que ela dizia acreditar. Afetou de tal
forma a relação entre professora e alunos que criou um nó de tensão entre eles.
Estabelecido o conflito, Susi tentou negociar com os alunos atitudes mais
condizentes com o que esperava em sala de aula: menos indisciplina, mais atenção,
mais participação, menos conversas.
De forma geral, as crenças abordadas nesta seção referiram-se às relações
estabelecidas entre professora e alunos no processo de ensino-aprendizagem de
inglês dentro de sala de aula. Prevalece a prática de que o professor é o centro do
processo. Foi possível perceber a instauração de um conflito entre crenças de
professora e de alunos (envolvendo a indisciplina) e entre as crenças da própria
professora (relativas às suas práticas), propiciando o surgimento de um dilema entre
o dizer e o fazer de Susi.
Nos temas 1 e 2 foram exploradas diversas crenças identificadas no 8.º Ano
A, algumas compartilhadas, outras, não. Entre as compartilhadas, destaco a crença
de que há línguas mais fáceis de aprender do que outras e a de que aprender um
idioma envolve repetição/cópia de modelos. Entre as mais específicas, aponto a
crença da professora de que o treino da escrita favorece o aprendizado e a crença
dos alunos em relação à falta de domínio de Susi sobre a turma. Todas elas se interrelacionavam e, dessa inter-relação, inclusive com os contextos extraescolares,
resultaram conflitos e dilemas referentes ao processo de ensino-aprendizagem que
se realizava no na turma – tema sobre o qual inicio a seção a seguir.
4.3 Da relação com os contextos micro e macroculturais
O objetivo desta seção é retomar as crenças descritas neste capítulo,
interpretando-as sob a luz dos contextos micro e macroculturais em que estão
inseridas, considerando os aspectos sociopolíticos e culturais envolvidos.
96
Discorro, a seguir, sobre diferentes temas a permear a relação 8.º Ano
A/Escola Central/Políticas Educacionais, principalmente no que se refere a aspectos
como o dilema da professora na relação com os alunos, as questões referentes ao
uso e à escolha do livro didático, a opção de língua estrangeira moderna a fazer
parte do currículo e as habilidades almejadas/oferecidas pela Escola Central no que
se refere ao inglês. Não por acaso, Miccoli (2010, p. 217) caracteriza a sala de aula
como espaço desafiador a professores e alunos, dada a rede de influências intra e
extrainstitucional nela exercida.
4.3.1 “Com um cupinzeiro na cabeça”: a indisciplina configurando um nó de tensão
entre os participantes20
EXCERTO 42 (Entrevista)
Verônica: É... e eu tava comentando, assim, que a professora tem
reclamado da bagunça, né? Ela conversou com vocês, ela segurou um
pouco mais a turma, né... O que você achou disso?
Roberta: Ah, eu acho muito ótimo, porque a gente nem consegue
estudar. Eu fico até com dor de cabeça de tanta bagunça que vai na
sala. Eu acho que ela tá fazendo certo. Eu acho que ela tinha que ter
mais (ênfase) um pouquinho de autoridade na sala.
V: É?
R: Uhum.
V: Por que você... é... você percebe essa bagunça mais na aula de inglês,
ou...
R: Todas! Todas, todas! (ênfase). Todas, todas, todas as salas.
V: Você acha que, se diminuísse a bagunça, ia fazer alguma diferença?
R: Ave, muita! (ênfase) Você ia estudar com mais calma, não com um
cupinzeiro na sua cabeça! Você ia entender mais, né?
(Roberta, entrevista, 22/07/2011)
Segundo Moita Lopes (2001), as práticas interacionais nas escolas permitem
conhecer a cultura destas. Tais práticas costumam ser consideradas como se
estivessem sob controle dos professores, os quais delimitam o turno e o espaço dos
alunos, impondo-lhes determinados papeis. No entanto, os alunos podem, por
diferentes motivos, opor-se aos limites impostos pela cultura escolar, quebrando
normas ou estabelecendo padrões interacionais paralelos, os quais são realizados
apenas entre colegas e se tornam desafiadores à troca principal, conduzida pelo
professor.
20
Roberta, em entrevista no dia 22/07/2011.
97
Segundo o autor, quando o aluno propõe uma quebra nos padrões
interacionais na cultura da sala de aula, demonstra que está reagindo à imposição
do sistema escolar em que está inserido. Por outro lado, tal reação, em
consequência, o conduz a um fraco desempenho escolar.
Essas atitudes
desafiadoras ao papel dos professores são interpretadas por estes como
indisciplina, configurando atitudes que os professores julgam incompatíveis com o
processo de ensino-aprendizagem sob seu poder.
De forma semelhante, no contexto do 8.º Ano A, a designação indisciplina
aborda a atitude dos alunos apenas sob a interpretação da professora. Para Susi, a
indisciplina envolve o movimento dos alunos pela sala, as conversas durante a aula,
a formação não autorizada de grupos e tudo aquilo que caracteriza, de alguma
maneira, insubordinação à sua autoridade de professora.
Para o aluno, diferentemente, certas atitudes não caracterizam indisciplina,
mas, sim, bagunça. Bagunça não significava exatamente o que Susi entendia por
indisciplina, como demonstra o comentário de Danilo acerca dos grupos que se
formavam em sala:
EXCERTO 43 (Vinheta de observação)
No dia 08/07/2011 aconteceram as primeiras aulas de inglês após o término
da greve. Susi continua abordando o tema food. Após explicar a pirâmide de
alimentos para os alunos, pede que os mesmos classifiquem os alimentos
que eles ajudaram a listar no quadro no começo da aula.
Susi anda pela sala acompanhando a atividade dos alunos.
Danilo se levanta para sentar com colegas ao fundo da sala. A professora
não gosta e pergunta à turma: que atitude eu devo tomar com vocês se só
conversar não resolve?
Danilo: Não pode sentar junto que é bagunça. Então vou só bagunçar.
Vou só bagunçar.
(Anotações de campo, 08/07/2011)
Para o 8.º Ano A, bagunça significava, sobretudo, conversas durante a aula.
Sentar-se em grupos, portanto, não significava bagunçar. Em outras palavras,
professora e alunos apresentavam crenças diferentes acerca da mesma situação
(indisciplina x bagunça). Esse conflito entre crenças foi assumindo proporções
maiores, pois os alunos se envolviam em atitudes não condizentes com o esperado
pela professora em uma sala de aula, incomodando-a e tolhendo, restringindo o
ensino de Susi e o aprendizado dos colegas, além do próprio.
98
Esse desafio à autoridade da professora em sala tornou-se relevante porque
se configurou em ação (Erickson, 1990), ou seja, deixou de ser apenas um ato físico
para ser significado pelos envolvidos – foi interpretado pela professora e por esta
pesquisadora como forma de reação dos alunos à autoridade de Susi e,
principalmente, às dificuldades de aprendizagem do idioma relatadas sob a forma de
crenças (seções 4.1.2 e 4.1.3).
O conflito transformou-se, enfim, em um “nó de tensão” (ASSIS-PETERSON,
2003) na aula do dia 03/06/201121, momento a partir do qual as crenças dos atores
envolvidos precisaram ser negociadas, para que os objetivos do processo de ensinoaprendizagem pudessem ser alcançados.
EXCERTO 44 (Vinheta de observação/Transcrição de aula)
Susi: Ó, crianças, de novo! Eu vou pedir para vocês fazerem silêncio
porque... Olha, quem não tem livro senta com o colega.
Ronaldo: Bota no volume máximo.
Susi: Né? Senão a gente não vai conseguir.
Ronaldo (sobre o botão do rádio): Aperta tudo, vai!
(passa o diálogo).
Susi: Agora, sim. Vocês têm que fazer silênciooo! Laura! Eu preciso da sua
boa vontade. Deixa eu só dar uma desligada aqui nesse... ah, esse
ventilador faz muito barulho! (desliga o ventilador) Então, primeiro abram o
livro na página...
João Carlos: trinta e nove
Susi: trinta e nove.
(...)
(Muitas conversas continuam).
(...)
(Nesse intervalo, a professora passa o áudio duas vezes. Os alunos pouco
entendem. Susi tenta outra atividade, baseada no mesmo áudio. Agora, os
alunos precisam organizar as falas, que estão fora da ordem do diálogo).
Susi: Vamos lá, é pra colocar na ordem. Vocês vão ler o diálogo, e colocar
ele na ordem certa, primeiro. Depois, eu... Quieto! (João Carlos chama Jairo
e a professora o repreende). Eu vou passar pra vocês ouvirem se
acertaram. (As conversas continuam) (Susi, gritando) Ah, gente, tem que
ter colaboração. Assim não dá!
(Transcrição de aula, 03/06/2011)
Na situação acima, depois de repassar o áudio outras quatro vezes, Susi
deixou os alunos fazendo a atividade. Apesar da dificuldade na tarefa, os alunos
continuaram a conversar, sendo advertidos pela professora de que permaneceriam
em sala após o horário de aula, como forma de compensação do tempo gasto com
conversas durante a aula. Ao agir de acordo com o indicado, Susi foi duramente
21
Os excertos numerados de 58 a 60 referem-se à aula do dia 03/06/2012.
99
criticada pelos alunos. Excertos como o abaixo revelam uma tentativa de negociação
entre eles e a professora.
EXCERTO 45 (Vinheta de observação/Transcrição de aula)
Susi: Aí eu quero que vocês parem e pensem. Pensem porque vocês
estavam tendo esse comportamento que, inclusive, está atrapalhando
quem quer participar. Eu sei que não é todo mundo que gosta de inglês, tá
- infelizmente é uma disciplina que vocês têm que fazer. Mas nem todo
mundo gosta. (breve pausa) Mas tem gente que não gosta de matemática,
mas tem que estudar matemática. Tem gente que não gosta de português,
mas tem que estudar português.
Ronaldo: Também não gosto.
Susi: Então, eu gostaria que vocês pensassem, refletissem por que vocês
têm esse comportamento na sala. O que que está acontecendo? Porque o
que eu quero... O que eu mais quero não é ficar dando sermão toda aula. É
chato, gente! Mas, também, o que que eu quero? Eu quero que vocês se
conscientizem. Eu quero resolver o problema pra gente poder trabalhar
junto. Eu quero que vocês aprendam um pouquinho, alguma coisa...
mesmo não gostando, aprende alguma coisa de inglês... eu quero que
vocês participem das aulas. Se não... se não participarem das aulas,
fica difícil, né? Eu tenho... E o pior é fazer bagunça e não deixar o outro
que quer participar. Esse é o maior problema.
Ronaldo (em tom de galhofa): isso acontece comigo, tá?
Saulo (fingindo acreditar em Ronaldo): Ah, tá!
Rose: professora, deixa eu ir embora, tô quieta!
Jairo: Tô quieto!
Susi: Não era esse tipo de resposta que eu gostaria de ouvir agora. Porque
eu to aqui... Eu to aqui falando pra vocês...
Em tom sério, Rose interrompe: Eu vou mudar, professora!
Maria Luísa: Também vou mudar.
Jairo: Eu vou mudar.
Ronaldo: Também vou mudar.
Rose: Vou mudar, vou fazer minhas tarefas...
(Transcrição de aula, 03/06/2011)
Na continuação da aula relatada, Susi propõe que ela e os alunos tentem se
entender. Seus motivos não são pessoais. Referem-se exclusivamente à atitude dos
alunos em sala de aula.
EXCERTO 46 (Vinheta de observação/Transcrição de aula)
João Carlos (gritando): Bateu o sino! (Levanta-se para ir embora)
Susi: Eu sei! Mas chegou o final da aula, você não fez. Senta aí.
Susi (para Rose): Então, se você está com problemas, se você está
estressada, você não precisa participar da aula. Vocês têm o direito, mas
fica quietinho no canto, pra não atrapalhar os outros. O que eu quero é
isso. O Jairo é superinteligente, eu adoro todos vocês aqui. Não é que eu
não gosto, tá? Eu não gosto é do comportamento, do que está acontecendo
na sala. É isso que eu não estou gostando. Não tem nada a ver com você,
que é uma tagarela (aponta para Maria Luísa, falando carinhosamente), tá?
Eu morro por causa desse Jairo chato, que fica na minha cabeça o tempo
todo! Eu amo você também, seu chato (fala com Danilo). Falei com você na
aula passada, no ano passado você era um doce, agora você tá... (silêncio.
100
A professora parece emocionada). Entenderam? Vamos tentar resolver?
Vamos?
Alunos (em coro): Vamos!
Susi, depois de aproximadamente 15 minutos de retenção dos alunos,
liberou-os aos poucos.
(Transcrição de aula, 03/06/2011)
Como aponta Vasconcellos (2009, p. 55), a indisciplina afeta o professor
porque mexe com sua autoestima: “a indisciplina é associada, com frequência, ao
fracasso profissional”. Tanto que Susi, afetada por essa situação, procurou
conversar com seus colegas de trabalho na Escola Central para saber se o
problema que enfrentava acontecia apenas em suas aulas. Na troca de experiência
com esses outros professores, Susi percebeu que as atitudes do 8.º Ano A eram
constantemente alvo de queixas:
EXCERTO 47 (Entrevista)
É... Conversando com outros professores (silêncio)... Essa é uma das
turmas mais... é... problemáticas, né? Por causa da conversa,
comportamento. Então... eu vi... com outros professores, que eles têm as
mesmas dificuldades que eu tenho pra dar aulas nessa turma. (Susi,
entrevista, 05/08/2011)
Além disso, a indisciplina não afetava exclusivamente a professora. Os
estudantes se sentiam afetados, pois nem sempre conseguiam prestar atenção aos
conteúdos. É o que relata Wender, líder da turma, no excerto a seguir.
EXCERTO 48 (Entrevista)
Verônica: E sobre a bagunça? Reparei que, hoje, você tomou até um
aviãozinho lá, né, dos... dos meninos.
Wender: É, por causa que eu sou... é... tipo, como o líder da sala. Tipo,
manter a sala bem organizada e dá conselho pras pessoas. Mas, se as
pessoas não se... se... não se ajudem, aí eu, como líder, tenho que ficar
falando, conversando que isso é isso, não pode, isso pode... é isso que o
líder faz.
V: Ahã. Ainda a respeito disso. Você acha que, assim... a bagunça...
(incompreensível) tem afetado de alguma forma?
W: Sim. Bastante! Por causa que, quando a gente tá prestando bastante
atenção na aula, aí os pessoal começa a conversar, fazer bagunça, a
gente não tem como prestar atenção naquilo por causa da bagunça. Aí
a gente sempre tem que estar falando, chamando atenção, falando
“Olha, não pode, porque tem gente prestando atenção, e não consegue
entender por causa da bagunça”. Aí eu sempre to motivando, falando isso
pra eles...
V: Você acha que isso acontece só com você, ou você acha que...
W: (interrompe) Bastante gente. Várias gente aqui da sala.
V: Alguém já reclamou com você disso?
W: Já chegaram aluno em mim, falaram “Wender, Meu Deus, eu não
aguento! Faz alguma coisa. Dentro da sala de aula não dá!”. Eu mesmo
101
já tentei tomar algumas atitude, mas... eu... a gente não pode... já tentei
tomar atitude grosso com as pessoas, mas, só que as pessoas não
respeitam a professora e nem os alunos.
(Wender, entrevista, 15/07/2011)
Na realização desta pesquisa, também me senti afetada pelas atitudes da
turma. Em meu projeto inicial, propus registrar em áudio as aulas acompanhadas.
Porém, durante minhas observações, em várias ocasiões desisti de assim proceder,
pois não estava sendo possível distinguir as falas. Na aula do dia 15 de julho de
2011, por exemplo, tentei recomeçar o registro. Surpreso, Wender me questionou:
“Como é que você consegue entender alguma coisa com tanta bagunça?” Respondi:
“não consigo”, pois percebi que a gravação já estava, mais uma vez, comprometida.
Wender pareceu conformado: “Não consegue? Hã...”
Quanto ao nó de tensão, pode-se afirmar que gerou mudanças na atitude dos
participantes. Os alunos se engajaram em cobranças mútuas com o intuito de
diminuir a indisciplina em sala de aula. Susi, por outro lado, tentou mudar sua
postura, procurando exercer com mais propriedade seu papel de autoridade na sala
de aula. Isso fez com que vivenciasse um dilema, pois entrava em conflito com as
práticas que vinha desenvolvendo até então.
4.3.2 Dilemas da professora na interação com os alunos
Segundo Lampert (1985, p. 182 apud BARCELOS, 2001b, p. 71), dilema pode
ser definido como “uma discussão entre tendências opostas dentro de si mesmo
sem que nenhum dos lados saia vencedor”22. Segundo Barcelos (op. cit.) e de
acordo com Brookfield (1995 apud BARCELOS, 2001b, p. 69), “aprender a
compreender nossas crenças e dilemas é parte do processo de se transformar em
um professor criticamente reflexivo”23 – postura profissional com o qual Susi parecia
estar se identificando.
Mesmo acreditando em atividades mais comunicativas, Susi investiu em
atividades escritas porque estas lhes proporcionavam uma turma mais silenciosa e,
22
No original: ““an argument between opposing tendencies within oneself in which neither side can
come out the winner” (p. 182)” (LAMPERT, 1985, p. 182 apud BARCELOS, 2001b, p. 71)
23
No original: “learning to understand our beliefs and dilemmas is part of the process of becoming a
critically reflective teacher (Brookfield, 1995)”. (BROOKFIELD, 1995 apud BARCELOS, 2001b, p. 69)
102
consequentemente, mais disciplinada, proporcionando a ela mais satisfação e, aos
alunos interessados, mais chances de aprender alguma coisa. Susi ficou dividida
entre ser controladora para que a turma se mantivesse atenta e obediente em suas
aulas,
sendo
conduzida
pela
professora
ao
aprendizado,
ou
ser
facilitadora/“boazinha”, para motivar os alunos a aprender (LORTIE, 1975 apud
BARCELOS, 2001b).
Esse dilema vivenciado pela professora marcou sua prática, que ora
contemplava atividades motivadoras aos alunos, para que se engajassem nas aulas,
como disputas e atividades que se assemelhavam a brincadeiras (colocar textos em
ordem, encenar diálogos), ora baseavam-se em práticas de cunho estruturalista,
como a cópia de atividades do livro, exercícios com foco gramatical e a elaboração
de listas de vocábulos para memorização. Esse contraste entre as práticas de Susi
dividiu também a turma. Alguns estudantes, como Júlio César e Danilo,
caracterizaram Susi como uma boa professora considerando unicamente sua
dedicação em ajudar os alunos (professora facilitadora) ou o fato de ser “legal”,
como pode ser interpretado a partir do excerto a seguir.
EXCERTO 49 (Entrevista)
Danilo: Ela é bem legal, estudei com ela ano passado. Ela é bem legal. Ela
é melhor que as outras.
Verônica: Você já teve outras?
D: Já. Tive professor.
V: professor?
D: Ele não era muito legal, não.
V: Não? Tinha muito (incompreensível).
D: Você começava a fazer lá, pedia ajuda e ele não ajudava. Agora, ela
ajuda, ela é diferente.
(Danilo, entrevista, 29/07/2011)
Os alunos entrevistados foram unânimes em dizer que gostavam de Susi.
Gostar, porém, não significava que as aulas estavam atingindo o objetivo esperado,
ou seja, a aprendizagem de inglês. Por outro lado, alunas como Helô destacaram o
aspecto pedagógico das aulas de Susi ao considerá-la uma boa profissional, com a
qual estavam realmente aprendendo inglês.
EXCERTO 50 (Entrevista)
Verônica: Com certeza. É... da professora, você tem alguma coisa a
comentar?
Helô: Ela é muito boa. Ela é uma professora, assim, que não é que ela,
tipo... é, passa (ênfase) o inglês. Ela ensina (ênfase) o inglês. Ela, tipo,
me faz compreender, não só lá na hora, decorar o que é. Eu entendo,
103
eu consigo ter uma percepção maior de tudo aquilo. Eu gosto bastante
da professora de inglês.
(Helô, entrevista, 29/07/2011)
Roberta, por sua vez, gostava de Susi, mas cobrava mais autoridade da
professora sobre a turma como forma de lidar com os comportamentos inadequados
durante as aulas – as conversas excessivas, a falta de participação, entre outros.
EXCERTO 51 (Entrevista)
Verônica: É... e eu tava comentando, assim, que a professora tem
reclamado da bagunça, né? Ela conversou com vocês, ela segurou um
pouco mais a turma, né... O que você achou disso?
Roberta: Ah, eu acho muito ótimo, porque a gente nem consegue
estudar. Eu fico até com dor de cabeça de tanta bagunça que vai na
sala. Eu acho que ela tá fazendo certo. Eu acho que ela tinha que ter
mais (ênfase) um pouquinho de autoridade na sala.
(Roberta, entrevista, 22/07/2011)
Observando a prática de Susi, foi possível perceber que a professora parecia
haver se cansado da imagem de “legal”, “boazinha”, porque percebeu que sua
autoridade em sala de aula não possuía muita força. Os alunos movimentavam-se
muito, conversavam excessivamente e as aulas não atingiam os objetivos
esperados. O conteúdo, segundo a proposta do livro didático, estava atrasado.
Sobretudo, Susi acreditava ser responsável pelo aprendizado dos alunos, e estes
compartilhavam tal postura deixando seu aprendizado apenas a cargo da
professora. Tal visão se adequa à concepção de que o professor seja um
transmissor de saberes e posiciona o aluno como um ser passivo nesse processo de
ensinar e aprender.
Em pesquisa realizada com alunos, pais, professores, coordenadores e
diretores de escola pública (duas) e privada (uma) acerca do ensino de inglês no
Fundamental
I,
Rocha
(2010)
demonstrou
ser
comum
a
atribuição
da
responsabilidade de um processo bem-sucedido de ensino-aprendizagem ao “outro”,
favorecendo, assim, a manutenção do status quo pela justificativa de que não se
pode mudar o processo sem a ajuda das outras partes envolvidas. Se o aluno
acredita que ao professor cabe lhe transmitir conhecimento, por outro lado, o
professor crê que nada pode fazer sem que o aluno esteja motivado em aprender.
Volpi (2001), porém, ressalta que o processo de ensino-aprendizagem é um
compartilhar de responsabilidades. O professor deve, assim, não mais atuar como
mero instrutor, mas como um negociador, organizador e avaliador de atividades que
104
atendam às necessidades comunicativas e de aprendizagem do aluno. A este cabe
aprender, utilizando-se dos recursos e conteúdos que lhe foram disponibilizados.
Conforme Susi relatou em conversa informal não gravada, sua experiência
como aluna se deu em aulas predominantemente gramaticais, centradas no
professor (método audiolingual), o que pode ser uma das explicações para esse
dilema que vivenciava. Historicamente, o processo de ensinar e aprender inglês na
escola pública passava por esse método baseado na repetição e na gramática. Susi
se posicionava a favor de um ensino mais comunicativo, acompanhando a proposta
do livro didático, mas se deparava com a atitude reativa dos alunos – tanto no que
diz respeito ao conteúdo do livro quanto à sua abordagem –, com a qual não estava
preparada para lidar. Aprender com um método e ensinar com outro, cujos focos são
distintos, criou, assim, uma dificuldade adicional para Susi com a turma do 8.º Ano
A, pela falta de parâmetros com os quais se identificar. O livro oferecido pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) recorria à abordagem comunicativa,
sob a qual Susi não foi exposta enquanto aprendiz e cujo foco recai sobre o aluno
em situações autênticas (ou o mais próximas disso) de comunicação no idioma, para
os quais o 8.º Ano A também não se mostrava preparado.
4.3.3 Desencontros entre a crença e a prática na sala de aula
Além de estabelecer um conflito e um dilema entre professora e alunos, a
indisciplina alterou as práticas de ensino de Susi, fazendo com que esta
apresentasse contradições entre suas crenças e suas ações dentro de sala de aula,
à semelhança do ocorrido com Liana, a professora investigada por Silva & AssisPeterson (2010). Tanto Liana quanto Susi manifestavam-se a favor de um ensino
mais comunicativo, baseado em interações próximas da realidade, mas, durante as
aulas, devido às experiências prévias como professora no contexto em que
atuavam, dedicaram-se a atividades de cunho gramatical, voltadas à repetição e
memorização, como forma de manter domínio sobre a turma, fazendo com que os
alunos conseguissem aprender pelo menos “um pouquinho” (Susi, durante aula do
dia 03/06/2011, cujo trecho transcrevo no excerto 52).
Rocha (2010), em pesquisa sobre o ensino de inglês no Fundamental I,
deparou-se com situação análoga. A autora relacionou a crença de que é preciso
105
escrever para aprender a fatores afetivos, que não eram considerados tão influentes
pelos professores envolvidos na pesquisa. De maneira semelhante, a opção das
professoras Liana e Susi pelo ensino estruturalista, no decorrer de suas práticas,
pode, também, ser relacionado aos fatores afetivos, principalmente com a
autoestima de quem se viu envolvido com práticas de aprendizagens dolorosas
(WOJECKI, 2007, p. 170-171 apud ASSIS-PETERSON, SILVA, 2010, p. 165), como
no caso de Liana, ou de quem se sentia fragilizada por não conseguir conduzir a
turma aos objetivos pretendidos, como aconteceu com Susi.
A crença de que era necessário escrever para aprender, por outro lado,
tornava-se bastante oportuna para que Susi continuasse a utilizar-se das atividades
propostas no livro didático. Teria, assim, atividades centradas no professor, que lhe
exigiriam menos tempo de planejamento e, por outro lado, ocupariam boa parte do
tempo e da atenção dos alunos durante as aulas. Atividades comunicativas,
diferentemente, exigiam preparação prévia, podiam ou não necessitar de habilidades
e novos recursos não disponíveis na Escola Central e estariam mais sujeitas a
imprevistos. Demandariam mais tempo de explicação da professora, centrar-se-iam
no aluno, dependendo de sua motivação em participar, e exigiriam firmeza do
professor para que não fugissem ao controle.
Por outro lado, a crença nas atividades escritas para aprender uma língua
favorecia o uso constante do livro didático, recurso pela primeira vez disponível
gratuitamente em escolas públicas, e também se tornava adequada à realidade da
Escola Central, que não dispunha de recursos audiovisuais para dar suporte às
aulas com enfoque comunicativo e/ou uso de outras mídias.
106
CAPÍTULO CINCO – PALAVRAS FINAIS
Neste capítulo, faço as considerações finais acerca da pesquisa que
apresentei. Inicio com um breve resumo sobre a situação encontrada e as
interpretações feitas diante dos dados obtidos. Não trago, porém, soluções mágicas
que possam servir às escolas públicas de uma maneira geral. Possivelmente, elenco
mais sugestões e questionamentos do que respostas. O que apresento possui um
caráter bastante específico, vinculado ao contexto que pesquisei.
Os apontamentos e sugestões que ora faço se baseiam no meu ponto de
vista sobre aquela realidade – em outras palavras, um mesmo contexto pode ser
interpretado de acordo com diferentes visões, nenhuma delas perfeita ou mais certa
que as demais, pois a realidade é contextual, mutável e dinâmica como as crenças
nela encontradas. Esta é apenas uma das interpretações possíveis.
Neste estudo, identifiquei crenças relacionadas ao processo de ensinoaprendizagem de inglês dentro do contexto de uma sala de aula do 8.º Ano do
Ensino Fundamental. Para melhor explanação, dividi as crenças inferidas em dois
grandes temas, a saber: TEMA 1 – Inglês: oportunidades dentro e fora da escola; e
TEMA 2 – Relações de ensino e aprendizagem no 8.º Ano A.
As crenças do Tema 1 reforçam o discurso de que a escola pública não
funciona. Apontam que a língua inglesa é sempre a mesma coisa, que não há
suporte para inserir aprendizes de outros idiomas nas turmas e que o livro didático
oferecido está inadequado ao nível dos alunos. Apenas a crença de que o inglês
proporcionará oportunidades futuras parece não macular o ensino oferecido nesses
contextos.
No Tema 2, as crenças de que os alunos aprendem melhor escrevendo, que
a professora repete para que os alunos aprendam melhor e que esta não consegue
lidar sozinha com a turma trazem imbuídas a mensagem de que, a despeito das
diferentes mudanças implementadas por propostas governamentais (língua
estrangeira moderna escolhida pela comunidade escolar, adesão à abordagem
comunicativa e inclusão da disciplina no PNLD), continuam reduto da pedagogia
tradicional e de base estruturalista, ainda que, no caso da Escola Central, o PPP se
posicione de maneira diversa.
107
Outro aspecto que destaco para justificar as pesquisas de crenças sob as
orientações da abordagem contextual é a inclusão de outras visões acerca do
processo de ensino-aprendizagem, deixando de olhar somente a teoria para verificar
como a prática se estabelece. Observar professores e, principalmente, alunos,
permite interpretar como os dois lados se relacionam dentro dos contextos reais de
interação, permitindo e, principalmente, favorecendo a aprendizagem.
Sobre o contexto investigado, aponto que, diante dos dados nele gerados, a
Escola Central, de fato, não possui estrutura para o desenvolvimento de outras
habilidades comunicativas de forma significativa. Apesar de possuir professores
fluentes no idioma em seu quadro, a carga horária é insuficiente, como já apontaram
outras pesquisas sobre o ensino de inglês nas escolas públicas, e não há
equipamento audiovisual disponível para atender à demanda, mesmo com o recurso
do CD de áudio oferecido em conjunto com o livro didático.
Outro aspecto problemático detectado nesta pesquisa refere-se às diferentes
línguas estrangeiras nas escolas públicas. A liberdade de escolha do idioma a
compor o currículo escolar é uma iniciativa louvável, considerando a diversidade que
compõe a sociedade brasileira.
problema se constitui a partir do “esquecimento”
de que os estudantes nem sempre concluem seus estudos na mesma escola em
que os iniciaram. Dessa forma, evidenciou-se a falta de ações de suporte para
superação desse desencontro na disciplina de língua estrangeira.
A respeito da escolha da língua estrangeira, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1998) repassa à comunidade escolar a
autonomia pela decisão de qual língua estrangeira oferecer no currículo da unidade.
Nessa decisão, reafirmada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), deve-se
considerar fatores históricos, fatores relativos às comunidades locais e fatores
relativos à tradição. Em nenhum momento consideram a mudança no idioma a ser
aprendido.
A teoria do documento, portanto, choca-se com a prática de alunos e seus
pais, em constantes movimentos entre escolas, e traz prejuízos ao desenvolvimento
do aluno na língua estrangeira, pelas diferentes escolhas das unidades escolares
sem oferecimento de ações de suporte.
Outra dificuldade decorrente das diferentes opções de língua escolhidas pelas
escolas diz respeito à distribuição do livro didático. A exemplo do que ocorreu com a
Escola Central, outras unidades escolares e seus alunos podem ter sido
108
prejudicados pela divisão de livros entre inglês e espanhol, as duas línguas que o
MEC considerou no Programa Nacional do Livro Didático – PNLD. Os professores,
com livros insuficientemente distribuídos, foram frustrados na possibilidade de
melhor aproveitamento do tempo de suas aulas por meio do material didático,
solicitando ao aluno a cópia das atividades para o caderno porque a edição, em
teoria, consumível, na prática não o era.
Sobre o livro, outro ponto a ser repensado são as opções disponibilizadas
para escolha das unidades escolares. Na Escola Central, o livro selecionado
mostrou-se inadequado ao nível dos alunos, que não conseguiam interpretar o
enunciado das atividades. A outra coleção oferecida, segundo a professora Susi,
seria ainda mais complexa para a turma.
Em suma, os problemas estão lá, são conhecidos e lamentados, mas as
soluções não são simples. O que os documentos fazem é repassar a
responsabilidade ao professor e à unidade escolar para que, dentro do que lhe é
possível, ofereçam um ensino significativo ao aluno. Atribui-se ao outro a
responsabilidade pelo sucesso ou a culpa pelo fracasso.
Uma proposta para minimizar as dificuldades apontadas seria a formação de
turmas de acordo com o nível de proficiência desenvolvido, independentemente do
ciclo de formação humana. Essa nova organização deveria também incluir aqueles
que não têm nenhuma espécie de conhecimento formal nos idiomas oferecidos.
Acredito que, à maneira dos cursos livres, a formação de turmas mais
homogêneas minimizaria as dificuldades dos estudantes no acompanhamento das
aulas.
nivelamento do conteúdo não ocorreria “por baixo”, desestimulando
aprendizes mais avançados. Contribuiria, consequentemente, para a redução da
indisciplina, permitindo que estudantes se engajassem em práticas adequadas a seu
nível, e não o contrário, como vinha acontecendo com diversos estudantes do 8.º
Ano A. As classes de língua estrangeira poderiam, inclusive, ser ofertadas em
horário complementar ao das demais disciplinas e, dentro das possibilidades, com
carga horária maior do que a praticada atualmente.
Essa mudança de prática confrontaria a crença de que o inglês oferecido
pelas escolas públicas é sempre a mesma coisa, e não funciona. Mostraria ao aluno
que o aprendizado também depende de seu engajamento nas aulas, chocando-se
com a crença de que o professor é o responsável por esse processo.
109
É cômodo apontar um culpado quando a aprendizagem não ocorre conforme
esperado. No entanto, o problema nem sempre é situado em apenas uma das
partes. O que ocorre dentro dos limites da escola resulta de uma série de elementos
em interação constante. As atitudes de cada elemento afetam o todo, articulado, por
sua vez, com várias outras esferas sociais. O problema, geralmente, não é com um
dos atores do processo, mas na relação entre eles.
A promoção de atividades interdisciplinares e multimidiáticas poderiam, quiçá,
ser estimulantes aos alunos. Práticas realizadas no laboratório de informática,
recorrendo à Internet, organização de peças teatrais, produção de jornais murais e
criação/manutenção de blogs para o uso da língua poderiam favorecer o gosto pelo
idioma e o aprendizado autônomo.
A Escola Central também poderia estabelecer parcerias com a Universidade
Federal de Mato Grosso, recorrendo à experiência da instituição com cursos de
extensão em línguas e com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência (PIBID) para propor uma nova forma de ensinar inglês em escolas
públicas do Estado.
Sugestões para pesquisas futuras
Uma vez que este estudo identificou o estabelecimento de conflitos entre
crenças e práticas de professora e alunos, observo que seria apropriado investigar
como tais conflitos podem ser negociados dentro da sala de aula, atentando-se para
as expectativas dos sujeitos participantes.
Outra possibilidade diz respeito a estudos sobre dilemas enfrentados por
professores em suas práticas de sala de aula, principalmente nas questões relativas
à metodologia aplicada, de forma a contribuir para a desconstrução da crença de
que o professor não muda sua prática porque não sabe fazer diferente.
Também sugiro investigar pesquisas acerca da influência da indisciplina na
mudança de práticas dos participantes – conforme constatado nesta dissertação,
professora e alunos da Escola Central precisaram mudar práticas para que o
aprendizado fosse mais significativo. Nesse sentido, cabe ainda investigar o
desenvolvimento do processo de reflexão de professores e alunos de língua
110
estrangeira – a reflexão contribui para a mudança de prática e de crenças que,
porventura, estejam atuando negativamente dentro de um contexto.
Estudos sobre crenças específicas de alunos acerca do papel do professor
em seu aprendizado constituem outro nicho a ser mais explorado, pois, como
relatado nesta dissertação, os alunos da Escola Central julgavam que Susi, a
professora, seria a responsável pelo “sucesso” ou “fracasso” deles no idioma, como
na pesquisa efetuada por Dias (2006), em que pais de alunos atribuem a não
aprendizagem de seus filhos ao fato de os professores não acreditarem que estes
sejam capazes de aprender um novo idioma.
Sinto que os cursos de licenciatura devem tentar preparar os novos
professores para os percalços que podem vir a encontrar no momento da prática em
sala de aula. O despreparo diante de situações como a indisciplina dos alunos pode
levar à desistência da prática docente, por não saber lidar com esse tipo de
comportamento. As licenciaturas, quando muito, preparam o futuro professor para
planejar uma aula que funcione, mas não sobre como proceder quando sua aula não
funciona. Indisciplina, apatia, violência, abandono também podem fazer parte do
cotidiano escolar público ou privado, em maior ou menor grau.
O que aprendi com o estudo
Com esta pesquisa aprendi que, ao investigar uma cultura, imprevistos
provavelmente irão acontecer, pois não há como prever todas as reações, emoções
e situações que as pessoas e as circunstâncias nos reservam. As pessoas mudam,
se contradizem, as relações de poder se alteram, as práticas ganham outras
interpretações. Isso não quer dizer, entretanto, que as situações imprevistas sejam
sempre negativas. Diferentemente, elas apenas nos mostram que não conseguimos
colocar tudo sobre controle quando pesquisamos situações reais, com pessoas,
emoções e relacionamentos reais, dentro de um contexto real.
Entre as contribuições que este trabalho trouxe à área de crenças de
aprendizagem de línguas estrangeiras, uma delas foi confirmar, por meio das ações,
que as crenças de professora e alunos, quando em conflito, podem gerar práticas e
situações prejudiciais ao processo de ensino-aprendizagem. Isso não significa que
111
os conflitos devam ser apagados, pois eles servem como forma de conhecer o outro,
explicitando diferenças culturais, políticas e sociais em determinado contexto e
favorecendo a dinâmica do conhecimento. Todavia, as situações conflitivas precisam
ser negociadas para que não se tornem apenas danosas ao processo.
Além desses questionamentos, pequenas intervenções no contexto escolar
poderiam propiciar novas tentativas significativas de ensino e aprendizagem. A
proposta da Sala Ambiente, iniciativa da qual a Escola Central participa, seria
bastante motivadora para a prática de aulas mais comunicativas se as salas
realmente pudessem ser equipadas com equipamentos de áudio e vídeo.
Assim, não bastava que a professora ou os alunos, individualmente,
estivessem dispostos a colaborar. O 8.º Ano A precisava de uma resposta conjunta e
simultânea para que uma aprendizagem significativa pudesse ser estabelecida entre
os envolvidos. Como bem aponta Moita Lopes (2001), a aprendizagem, assim como
o discurso, é construída interacionalmente – e interação envolve trocas, relações,
contexto.
Tal situação demonstra a necessidade da reflexão do professor sobre sua
própria prática pedagógica, para que possa atingir o nível de reflexão crítico (van
MANNEN, 1977 apud GREGGIO, GIL, 2010), ou seja, que inclua as reflexões
técnica e prática, contextualmente situadas. Mais importante ainda é que, se o
professor se torna crítico-reflexivo, ele auxilia o desenvolvimento dessa capacidade
em seus alunos, para que estes possam agir no mundo ao seu redor (GREGGIO,
GIL, 2010), quem sabe como protagonistas de mudanças positivas.
Depois desta pesquisa, tenho mais perguntas do que respostas. O que
interpretei causou mudanças, mas estas ocorreram em mim também, a partir das
experiências que vivenciei naquele contexto da Escola Central. Por isso, concordo
com Barcelos (2007, p. 110), para quem “educar é provocar mudanças ou criar
condições para que elas aconteçam, sempre partindo de um lugar que, no caso, são
nossas crenças a respeito do mundo que nos cerca”.
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120
APÊNDICE I
Nome:
Idade:
Bairro/Comunidade onde mora:
Já fez ou faz curso de idioma (inglês, espanhol ou outra língua)? Se sim, onde
e por quanto tempo?
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