O COORDENADOR PEDAGÓGICO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO
RECIFE NO PAPEL DE FORMADOR: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS.
Maria das Graças Dimas Cabral
Coordenadora Pedagógica
Escola Municipal Chico Mendes
“A educação, qualquer que seja ela, é sempre
uma teoria conhecimento posta em prática”
(Paulo Freire)
Introdução
Diante da política educacional adotada pela Prefeitura da Cidade do Recife, a
partir de 2001, em um novo modelo de organização curricular, em que a qualidade na
educação é a principal meta, organizar o ensino e a aprendizagem de forma competente e
eficaz vem sendo um dos objetivos dessa política educacional.
A formação continuada se insere como desafio na superação da dicotomia entre
saber e experiência, conhecimento e prática, tendo como objetivo instrumentalizar o
professor na perspectiva de que ele assuma sua prática mediante a reflexão da experiência
vivida (SAUL, 1993 apud FREITAS, 2005).
Nesse processo de mudanças e reflexões, inicia-se uma política de formação continuada onde os coordenadores pedagógicos aparecem como importantes atores desempenhando um dos seus principais papéis, o de formador. Assim, participam de encontros
semanais com seus tutores, também coordenadores pedagógicos, e organizam momentos
semanalmente e/ou quinzenalmente na escola em que trabalham junto aos professores,
ou seja, são multiplicadores de conhecimentos, onde a articulação entre teoria e prática
passa a ser o eixo central da formação de professores como profissionais reflexivos.
Organizar momentos de formação em serviço, no horário de trabalho pedagógico
coletivo, com troca de experiências e reflexões sobre a prática, passou a ser contínuo em
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nossa escola, pois percebemos e acreditamos que a formação de grupos de trabalho preocupados em melhorar as ações em sala de aula é viável e necessária.
Com a idéia de que, ao se colocar no papel de formador do corpo docente, o
coordenador pedagógico estará assumindo a responsabilidade junto aos professores pela
qualidade do ensino na escola (SCARPA, 2007), analisamos o processo de formação
continuada ocorrido na Escola Municipal Chico Mendes, por meio de relatos das professoras.
A partir de 2005, a Secretaria de Educação, Esporte e Lazer vem promovendo os
encontros para estudo no cotidiano das escolas para professores do 1º e 2º Ciclos de
Aprendizagem, num processo de organização e acompanhamento contínuo. Foi nesse
contexto que participamos do curso de alfabetização e apropriação do sistema de escrita
alfabética, da formação em arte durante o ano letivo 2006 e do curso do Pró-Letramento
em Matemática e Língua Portuguesa, em 2007. Este último curso, serviu de referência
para os relatos constantes neste trabalho.
Nosso objetivo é compartilhar com todos que fazem a Rede Municipal de Ensino
do Recife o quanto nos é importante a Formação Continuada como espaço de reflexão,
construção e desconstrução de caminhos que nos possibilita organizar a nossa prática
pedagógica em função do desenvolvimento permanente de nossos alunos e do alcance
das competências ainda não atingidas.
1. Relato de experiências do curso de formação em Matemática e Língua Portuguesa
Os encontros com os professores do turno da tarde iniciaram em maio de 2007,
uma vez por semana, às segundas-feiras, dia em que as estagiárias de apoio estavam presentes na escola. Essas estagiárias são do curso de Pedagogia e fazem parte do Movimento de Aprendizagens Interativas, projeto criado para substituição dos professores do 1º e
2º Ciclos de Aprendizagem no momento em que participam da formação continuada.
Participaram das discussões cinco professoras do 1º e 2º Ciclos e a coordenadora pedagógica, os encontros tinham duração de 4 horas e foram realizadas na sala da coordenação.
No início, fomos orientadas a fazer quinze encontros de Matemática e quinze de
Língua Portuguesa, sendo cada encontro de duas horas; depois, houve um acréscimo de
cinco encontros para cada componente curricular. No mês de dezembro de 2007 con94
seguimos concluir os encontros previstos.
Para um melhor desenvolvimento do estudo, procuramos adotar diversas estratégias, entre elas, a de iniciar sempre com uma leitura deleite e/ou dinâmica, algo que
pudesse ser fonte de prazer coletivo. Realizamos estudos de textos da seguinte forma: ao
recebermos o material, 7 fascículos de Língua Portuguesa, nós, um grupo de coordenadores, nos reuníamos e procurávamos fazer sínteses de cada fascículo para serem lidas e
discutidas com os professores.
A cada encontro, pedíamos que o professor fizesse uma leitura prévia dos fascículos para poder enriquecer as discussões. Em Matemática, fizemos a leitura dos nove
fascículos na íntegra. Foram leituras compartilhadas e, após a realização das mesmas,
era proposta a socialização dos conhecimentos para o grande grupo, através de diálogo,
discussão, debate, seminário. Sempre procurávamos garantir a troca de saberes entre os
professores de maneira a respeitar os diferentes pontos de vista.
professores, em nossas discussões, se colocavam como sujeitos de uma experiência, mostrando a importância de fazer uso consciente do saber, saber-fazer e do saber ser.
Nosso desejo era o de poder articular a teoria e a prática, ação complexa, considerando
que esse diálogo passa muitas vezes por uma escolha intencional de nós mesmos, assumindo uma atitude investigativa de nossa prática pedagógica no dia-a-dia.
intenção articuladora se volta para uma ação pedagógica que, além de identificar
os conhecimentos prévios dos alunos, reconhece suas possibilidades e estabelece situações que os façam ultrapassar seus limites, passando dos conceitos espontâneos para os
conceitos científicos veiculados pela escola, numa perspectiva mais integradora, social e
transformadora. Consequentemente, adotar uma ação pedagógica com esses princípios
exige que o professor compreenda a necessidade de ter o suporte teórico como orientador
de sua prática, saiba elaborar, de forma consistente, a transposição didática de seu objeto
de trabalho e estabeleça uma constante articulação entre teoria e prática, conhecimento e
aprendizagem (Prefeitura do Recife, 2003).
2. A reflexão em foco
Para todos nós, profissionais da docência, é um desafio desenvolver a prática
do refletir, do pensar, para não simplesmente dar aulas, mas, acima de tudo, construir
conhecimentos. Em nossos estudos reflexivos sobre nossa prática, procuramos levar em
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consideração as necessidades cotidianas de cada professor participante, proporcionando
momentos de estudos compartilhados e trocas de experiências.
Nosso grupo é bastante diversificado, temos professores novos na educação e
também professores mais antigos, ou seja, com mais experiência na docência. Portanto,
nossas discussões puderam ser bastante ricas, as práticas cotidianas são singulares, logo,
cabe a cada professor e a cada realidade escolar o cuidado de discernir entre as práticas,
as inovadoras ou não, adotando aquelas que possam caminhar para bons resultados com
seus alunos.
Tivemos como base a reflexão dos sujeitos sobre sua prática docente, examinando
nossas teorias implícitas, esquemas, funcionamentos. Realizamos também um processo
constante de auto-avaliação que pudesse orientar o nosso trabalho, provocando os participantes à reflexão. Nesses momentos os professores levantavam problemas do seu
cotidiano e correlacionavam o que estávamos trazendo de teoria, ou seja, era realizado
um confronto entre a teoria e a prática, possibilitando, assim, a construção de novos
conhecimentos. Esses encontros semanais tinham este contexto como fundamento, uma
formação continuada por meio de reflexão coletiva, mas também da própria auto-reflexão
em que o curso se desenvolvia. O material selecionado (os fascículos) buscava tratar de
assuntos recorrentes ao cotidiano da sala de aula e levava a muitas discussões.
Após cada encontro, era solicitado às professoras que produzissem um pequeno
relatório, não só sobre o que ocorreu naquele dia, mas também que pudessem deixar em
poucas linhas o que tinham aprendido e qual a importância do que foi trabalhado. Vejamos alguns relatos dos professores, bastante significativos, onde falam da importância da
formação continuada:
“Para mim o curso de Pró-Letramento foi muito rico e de grande aproveitamento. Muito contribuiu para o processo ensino aprendizado, uma vez que
ajuda o educador a entender e fazer virem à tona os conhecimentos adquiridos
no dia-a-dia do educando. Cria oportunidades para que o educador tenha uma
observação mais atenta sobre as atitudes do aluno durante as aquisições destes
conhecimentos. Permite aos professores uma compreensão e uma análise crítica
da prática pedagógica realizada hoje nas salas de aula. O curso nos ajuda nas
buscas, questionamentos, atitudes e soluções em respostas aos desafios do diaa-dia escolar, relembrando que esta é a tarefa do educador, ‘ajudar a criança a
progredir’ (Edilza Sotero. Professora do ciclo I, ano II)”
Esta mesma professora faz ainda algumas considerações importantes sobre o fascículo que mais gostou, estabelecendo o diálogo com o objeto de estudo da formação:
“O fascículo 4 de Língua Portuguesa, Possíveis contribuições ao desenvolvimento lingüístico, afetivo e social do aluno, foi o que mais gostei e o que
trouxe maior contribuição ao meu desempenho em sala de aula, pois
conhecendo o pensamento do meu aluno sobre a escrita me facilita escolher
os textos que mais o envolvem no processo ensino aprendizagem”
(Edilza Sotero. Professora do ciclo I, ano II)
As professoras analisam a formação continuada no cotidiano da escola e sua contribuição para a prática pedagógica :
“O processo de formação continuada dos professores proporcionada pela Secretaria possibilita aos educadores ampliar e atualizar seus conhecimentos. Na Rede
Municipal do Recife temos observado grande empenho da Secretaria de Educação em diversificar os temas abordados durante o período destas formações. A
atual proposta contempla e direciona o trabalho para a modalidade de ensino
na qual o docente se encontra. Desta forma, contribui nas ações pedagógicas,
proporcionando momentos de reflexões, constatação de informações, ou seja,
contribui para uma avaliação e possível reorganização da prática.
O curso do Pró-Letramento foi pautado em momentos de leitura, onde cada fascículo abordava temas que permitiam reflexões, troca de experiências, produção
e aplicação de atividades. Acreditamos que dentro de um processo de formação
continuada o curso nos trouxe contribuições significativas. Aguardamos a continuidade desses encontros e sugerimos a elaboração de um material tão rico
quanto o que nos foi entregue” (Fátima Paixão. Professora do ciclo II, ano I e
Patrícia Torres. Professora do ciclo II, ano II.).
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Formação e conhecimento didático são dois elementos importantes, fundamentais
na construção de uma escola competente. Um professor atualizado deixa de ser mero
executor de planos de aulas elaborados por outros e passa a planejar um ensino coerente
com as necessidades dos alunos. Para isso ser possível, tem que haver uma relação entre
o ensino e a aprendizagem, reflexão, metas e, acima de tudo, avaliação de resultados,
compreendendo que “à medida que acompanha a construção de seus alunos, o professor
tem a oportunidade de refletir sobre sua prática, repensando-a, numa dinâmica ação/reflexão/ação” (Prefeitura do Recife, 2003) .
No cotidiano da sala de aula, aprendemos a importância de compreender sua
situação real, observando a dinâmica da relação entre os alunos, a nossa postura, o confronto da criança com os conteúdos trabalhados, a importância da informação oferecida
pelo professor. A partir daí criamos hipóteses, situações de intervenções, confrontamos a
teoria com a prática.
O professor que precisamos na atualidade é aquele que reflita enquanto age, que
tome decisões e mude rapidamente o caminho de suas ações, um professor sujeito de
suas ações.
3. O papel do educador no processo da formação continuada
A valorização dos profissionais do ensino, planos de cargos e carreira, piso salarial, gestão democrática do ensino público e formação para o trabalho, são tratados como
matéria de Lei (LDB 9394/96) e a formação continuada de profissionais da área da educação vem ocupando grande espaço nas políticas de governo.
Na LDB 9394/96 consta, em seu Artigo 61, que diz respeito à formação de profissionais da Educação, a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço.Independente das modalidades que caracterizem a formação continuada,
esta deve ser entendida como um modo de reconstrução coletiva do saber. Ela não é só
uma necessidade formal do ponto de vista da carreira profissional, mas uma oportunidade de se recriar a prática, daí ser tão importante essa formação em exercício. Nesse
sentido, concordamos com a definição de Weisz, quanto ao papel do professor ao afirmar
que:
“A visão que se tem do professor hoje é a de alguém que desenvolve uma prática
complexa, para a qual contribuem muitos conhecimentos de diferentes naturezas. Ele é mais do que uma correia de transmissão, alguém que simplesmente
serviria de ligação entre o saber constituído e os alunos. Seu papel agora tende
a ser mais exigente: precisa se tornar capaz de criar ou adaptar boas situações
de aprendizagem, adequar a seus alunos reais, cujo precursor de aprendizagem
ele precisa saber reconhecer”. (Weisz 2000: 118).
Nesse contexto, é importante analisarmos como os sujeitos vão constituindo-se
profissionais da educação ao longo de sua vida e, como compreendem o seu real papel de
educadores no processo contínuo de redefinição da prática pedagógica.
Identificamos na fala das professoras o reconhecimento do espaço da formação
continuada na escola como momento de socialização das práticas:
“Os encontros do Pró-Letramento foram de grande importância para nós,
professores da Rede Municipal de Ensino, pois sempre nos oferecem oportunidades de rever nossa prática pedagógica no cotidiano escolar. Nos encontros
realizamos leituras compartilhadas, como também atividades e relatos e, no
final de cada fascículo, o relatório coletivo do grupo. O que também nos deu a
oportunidade de socializarmos nossas experiências vivenciadas em sala de aula.
Parabenizamos a Secretaria de Educação, Esporte e Lazer por oferecer formações continuada de alto nível que nos fornecem subsídios para a nossa prática
no processo de ensino-aprendizagem.
(Zélia Carneiro Leão. Professora do ciclo I ano III).
4. Considerações finais
Acreditamos que as ações desenvolvidas no referido curso de pró-letramento contribuirão para qualificar as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores e que os
conhecimentos estudados passarão a ser matéria-prima de todos os educadores junto aos
estudantes, re-significando o ensino-aprendizagem em Matemática, Língua Portuguesa e
demais áreas do conhecimento.
É importante que nossos encontros possam contribuir, renovando as práticas
pedagógicas, as atitudes cotidianas da organização escolar em seu acompanhamento e
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avaliação do trabalho pedagógico, numa permanente vinculação da formação dos professores com a melhoria das aprendizagens dos estudantes. Cabe-nos, pois, afirmar que o
principal objetivo da formação necessita ser o de construir e consolidar caminhos que
permitam a conquista, pelo professor, de sua autonomia nas dimensões intelectual e
pedagógica em direção à promoção da escola pública de qualidade.
O nosso maior desejo, e o que acreditamos ser mais urgente e necessário, é que
professores e equipe técnica se tornem cada vez mais responsáveis, coletivamente, pelo
resultado do trabalho de toda a escola.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei Federal nº 9394/96. Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996.
FREITAS, A. S. A questão da experiência na formação profissional dos professores. In:
FERREIRA, Andrea Tereza Brito; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de; LEAL,
Telma Ferraz (Org.). Formação continuada de professores: questões para reflexão. Belo
Horizonte: Autêntica, 2005.
RECIFE, Prefeitura do. Secretaria de Educação. Tempos de Aprendizagem, identidade cidadã e organização da educação escolar em ciclos. Recife: Editora Universitária da UFPE,
2003.
SCARPA, Regina. A formação em primeiro lugar. Revista Nova Escola. São Paulo. Ano
XXII, nº 199, janeiro/fevereiro 2007, págs. 44-45.
WEISZ, Telma e SANCHEZ, Ana. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. 2ª ed.
São Paulo: Ática, 2000.
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