SEXO DOS ANJOS Ângela Trabbold* Pesquisador da UNESP cria programa especial de orientação sexual para deficientes mentais e revela os preconceitos sofridos por esta minoria Lidar com a sexualidade dos filhos já é um tabu para a maioria dos pais. Imagine então se o centro das preocupações é um deficiente mental. Por medo de expor o adolescente a riscos físicos e emocionais, muitos pais negam a existência do problema e preferem encarar o filho como um "anjo assexuado". Por outro lado, os profissionais das instituições especializadas tendem a rotulá-los como pessoas hipersexualizadas, que não têm autocontrole. Não é, entretanto, o que revela uma pesquisa feita pelo psicólogo Hugues Costa da França Ribeiro, professor do Departamento de Educação Especial da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP (Universidade Estadual Paulista), de Marília. Baseado em 30 entrevistas com deficientes de ambos os sexos, Ribeiro está comprovando o que sua experiência de dez anos na área já havia lhe ensinado: que eles têm desejo sexual, anseiam por uma relação afetiva e que são capazes de aprender a lidar com sua própria sexualidade. "Na maioria das vezes, se o deficiente apresenta comportamentos inadequados, como se masturbar em local público, a causa do problema está na ausência de uma orientação e não na limitação intelectual", ressalta. "Uma pessoa com deficiência mental leve ou moderada pode compreender e adquirir parâmetros para discernir o que é adequado ou não, o que é privado ou público, quem tem permissão de tocar em suas partes íntimas e ainda entender as conseqüências do ato sexual, como a gravidez e o contágio de doenças sexualmente transmissíveis", afirma Ribeiro, lembrando que, a despeito dos pais negarem a sexualidade dos filhos, muitos mantêm uma vida sexualmente ativa escondida. Programa Baseado nessas constatações, o professor Ribeiro desenvolveu um programa de orientação sexual para ser implantado em instituições especializadas. Com este trabalho, os profissionais das instituições aprendem a lidar com as expressões de sexualidade do deficiente mental. Depois de treinado, o profissional também atua como agente multiplicador, ou seja, torna-se responsável por transmitir as informações que aprendeu para os colegas. Paralelamente, a família também é preparada para a implantação do programa, que dura em média um ano. Segundo o professor Ribeiro, o que muda num programa de orientação sexual voltado para o deficiente mental são as estratégias usadas na transmissão das informações. "O modelo de ensino deve ser baseado no pensamento concreto, que é a forma como o deficiente compreende o mundo", explica. Superando obstáculos A importância da implantação deste tipo de programa nas instituições pode ser notada quando se avalia a conduta dos profissionais diante de um comportamento inadequado. "Quando um adolescente se masturba na sala de aula, é comum o professor propor uma atividade para redirecionar o comportamento do indivíduo em vez de orientá-lo", diz Ribeiro. Esta atitude se deve à falta de preparo dos profissionais, uma vez que a disciplina de orientação sexual ainda é uma raridade no currículo das faculdades e dos cursos técnicos. O trabalho do programa também inclui uma reavaliação dos preconceitos, tabus e medos de quem lida com o deficiente mental. "A sexualidade é um fator importante para o desenvolvimento da personalidade de qualquer indivíduo, algo que não pode ser negado ou sublimado. Por isso, procuramos mostrar que essas expressões não devem ser recriminadas e sim tratadas como algo saudável e natural", afirma o professor. Para Ribeiro, a repressão da sexualidade está relacionada ao medo de que o deficiente mental possa causar ou sofrer constrangimentos e até ser vítima de abuso sexual. Muitos pais acham que a orientação sexual desperta um desejo que não existia. "Na verdade, além de atender os anseios negados ao deficiente, a orientação também serve para protegê-lo". Segregação "O isolamento vivido pelo deficiente mental é uma das causas que o impede de lidar com sua sexualidade de maneira saudável", explica Ribeiro. Isolados em suas casas, em instituições especializadas, o deficiente geralmente é afastado do contato com outros grupos sociais. Para família, esta segregação é uma forma de proteção. No entanto, esta redoma também acaba restringindo a evolução do indivíduo. Privado do contato social, o deficiente tem dificuldade de compreender o que é um comportamento adequado fora do seu meio familiar. Para piorar, o portador de deficiência mental raramente tem privacidade, o que dificulta o entendimento do que é privado ou público. Além disso, a maioria das pessoas acredita que o deficiente não tem autopercepção. Tanto a família como os profissionais tendem a impor condutas de comportamento, passando por cima do seus sentimentos. "Mas o fato de o indivíduo ter limitações intelectuais não anula seus sentimentos", ressalta Ribeiro, lembrando que os profissionais e a família precisam aprender a respeitar os anseios de quem, na maioria das vezes, não tem poder de decisão em sua vida. * Sobre a autora: Jornalista da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp Fonte: UNESP LINK NOTÍCIA http://www.unesp.br/noticia/main20.htm