OBRA ANALISADA: Clara do Anjos GÊNERO Romance AUTOR Lima Barreto DADOS BIOGRÁFICOS Afonso Henriques de Lima Barreto, ou apenas Lima Barreto, nasceu em 13 de maio de 1881, no Rio de Janeiro, onde veio a falecer em 1º de novembro de 1922. BIBLIOGRAFIA Romances - Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909) - Triste fim de Policarpo Quaresma (1915) - Numa e a ninfa (1915); - Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919) - Clara dos Anjos (1948) Sátira - Os Bruzundangas (1923); - Coisas do Reino do Jambom (1953). Contos - Histórias e sonhos (1920); - Outras histórias e Contos argelinos (1952). Artigos e crônicas - Bagatelas (1923); - Feiras e mafuás (1953); - Marginália (1953); - Vida urbana (1953). Outros - Diário íntimo (memória, 1953); - O cemitério dos vivos (memória, 1953); - Impressões de leitura (crítica, 1956); - Correspondência ativa e passiva (1956). RESENHA O romance narra a história da família de Joaquim dos Anjos, carteiro, mestiço, de origem humilde. Na casa de Joaquim dos Anjos, conversavam os amigos Marramaque, padrinho de Clara dos Anjos (filha única de Joaquim) e Lafões. Ao avistar a moça, o padrinho, pergunta-lhe quando se casaria. Nesse momento, Lafões pergunta se poderia apresentar-lhes Cassi: “um mestre do violão e da modinha”. Marramaque reage com violência: – Você se dá com semelhante pústula? É um sujeito que não pode entrar em casa de família. Joaquim indagou-lhe o motivo: – Eu direi; daqui a pouco; eu direi por quê** – fez Marramaque transtornado. **conforme original. A conversa dos amigos aguçou a curiosidade da moça: Clara afastou-se com a bandeja e as xícaras, cheia de uma forte, tenaz e malsã1 curiosidade. No segundo capítulo, o leitor é apresentado à figura de Cassi Jones de Azevedo Batista Filho legítimo de Manuel Borges de Azevedo e Salustiana Baeta de Azevedo. (…) Um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco, sardento, insignificante de rosto e de corpo; (…) mas com os aperfeiçoamentos exigidos por um elegante dos subúrbios, que encanta e seduz as damas com seu irresistível violão. Apenas no terceiro capítulo temos uma descrição de Clara. Mulata clara, com cabelos lisos Habituada às musicatas dos pais e dos amigos, crescera cheia de vapores de modinha e enfumaçara sua pequena alma de rapariga pobre e de cor. Finalmente, Lafões conseguiu convencer Joaquim a aceitar Cassi em sua casa, para a ocasião do aniversário de Clara. Na festa, Cassi foi apresentado por Lafões, aos donos da casa e à Clara. Ninguém lhe notou o olhar guloso de grosseiro sibarita2 sexual que deitou para os seios empinados de Clara. Durante a festa, Cassi olhava a todo tempo para Clara. Marramaque. Que não gostava do rapaz, também o encarava. Cassi percebeu e prontamente antipatizou com o velho. A festa correu bem. Ao final, após todos irem embora, dona Engrácia, mãe de Clara, pediu ao marido que Cassi não mais fosse a casa deles. O marido que também não gostara do jeito do rapaz, concordou com a esposa. Clara, ouvindo tudo do quarto, “pôs-se, em silêncio, a chorar”. Cassi retornou à casa de Joaquim, mas não foi tão bem recebido como da primeira vê. Cassi decidira, então, eliminar todos os obstáculos à sua aproximação de Clara. Decidiu ir à casa de Lafões averiguar o porquê da implicância com ele. Confirmou a suspeita de que a implicância partia Marramaque. do padrinho de Clara, Cassi tratou de se justificar, dizendo que a implicância era sem motivo, Lafões, por sua vez, afirmou que o velho implicava, pois era poeta e tinha natural aversão aos modistas. Não era apenas por Marrameque que Cassi era visto como má companhia. Sua família era ciente de seus mal feitos. Tratavam-no com desprezo e indiferença. Sobre ele, diz o pai: —Você queria, Augusto, que eu, chefe de família, que prezo a honra das filhas dos outros como a das minhas, deixasse semelhante miserável sentar-se ao meu lado? Se não o pus de todo para a rua, foi devido à mãe O jovem modinheiro era acusado de desvirtuar jovens donzelas e depois abandoná-las a sua própria sorte. Em um dos casos, a mãe de uma das jovens se matara após saber da desgraça com sua filha. Cassi vivia com medo do pai e evitava ficar em casa. Mal amanhecia e ia para rua. Não trabalhava e apenas sustentava-se vendendo galos para rinhas. Todos os esforços e atenções de Cassi voltavam-se para encontrar meios de seduzir sua vítimas. Jovens suburbanas pouco instruídas as quais era muito fácil enganar. Clara era a mais nova pretensão do rapaz que procurava uma forma de se aproximar da jovem, apesar do obstáculo criado pela antipatia do padrinho por ele. Clara, ingênua, e de pouco convívio social, via em Cassi alguém capaz de amá-la e no padrinho, sempre disposto a contar um mal-feito do rapaz, um inimigo. Cassi arrumou um jeito de entrar em contato com Clara: por meio de um dentista, alcoólatra e muito endividado, que tratava de Clara. Apesar de contrariado (pois também sabia da fama de Cassi), o pobre dentista não teve como recusar e acabou entregando a carta do jovem à Clara. A jovem acabou confessando à dona Margarida: —Mas este sujeito é um tipo indigno. —Não, para mim. Estou crente que... —Dizem tão mal dele... —É porque ele se deixou apanhar, enquanto outros há por aí que... Ele confessa que está arrependido do que fez, e agora quer se empregar e casar-se comigo. Quando a mãe e o pai souberam, trataram de pedir conselho a Marramaque. O velho mais uma vez se posicionou contra Cassi. Clara revoltou-se contra o padrinho e relatou ao namorado tudo o que se passara. Tempo depois, o velho foi assassinado, espancado na rua. misteriosamente Ao saber da morte do padrinho, Clara desesperouse. Logo passou a desconfiar de Cassi: Clara, logo que soube do assassínio do padrinho, ficou fora de si. Lembrou-se das ameaças veladas que Cassi fazia ao padrinho, nas cartas que lhe escrevia (…). Por aí e por outras pequenas circunstâncias, atribuía a Cassi o assassinato do padrinho e como que se julgava também sua cúmplice. Veio-lhe um medo daquele cantador meloso, dengoso (…). Certo dia, Cassi resolve vender todos os seus galos de briga e depositar o dinheiro na caixa econômica. Quando estava no centro da cidade, na Rua do Ouvidor, Cassi sentiu-se diminuído diante de jovens tão mais bem vestidos, instruídos e inteligentes que eles. Na "cidade", como se diz, ele percebia toda a sua inferioridade de inteligência, de educação; a sua rusticidade, diante daqueles rapazes a conversar sobre coisas de que ele não entendia e a trocar pilhérias; em face da sofreguidão com que liam os placards dos jornais, tratando de assuntos cuja importância ele não avaliava, Cassi vexava-se de não suportar a leitura; comparando o desembaraço com que os fregueses pediam bebidas variadas e esquisitas, lembrava-se que nem mesmo o nome delas sabia pronunciar; olhando aquelas senhoras e moças que lhe pareciam rainhas e princesas (…) No centro, Cassi deparou-se com uma negra desgrenhada e suja que o acusava, que saíra de uma taverna: —Então, você não me conhece mais, "seu canaia"? Então você não "si" lembra da Inês, aquela crioulinha que sua mãe criou e você... Lembrou-se, então, Cassi, de quem se tratava. Era a sua primeira vítima, que sua mãe, sem nenhuma consideração, tinha expulsado de casa em adiantado estado de gravidez. O filho que a negra tivera estava preso, com menos de dez anos e a jovem vivia largada. Cassi se viu acuado e amedrontado. O dono da taverna, entretanto, acabou com a confusão e dissipou a multidão. Cassi sentiu-se aliviado por poder finalmente partir: Logo que se viu livre do perigo, Cassi respirou, compôs a fisionomia, apalpou o dinheiro na algibeira e fez de si para si: —Acontece cada uma! Para que havia de dar esta negra... Felizmente, foi em lugar que ninguém me conhece; se fosse em outro qualquer — que escândalo! Os jornais noticiariam e... Não passo mais por ali e ela que fosse para o diabo! ... Fico com o dinheiro em casa. Nenhum pensamento lhe atravessou a cabeça, considerando que um seu filho, o primeiro, já conhecia a detenção... É no capítulo X que Clara descobre que fora abandonada por Cassi. Após vários dias sem visitála, a jovem começa a desconfiar que o namorado a deixara após desgraçá-la. A confirmação veio, no capítulo XI, quando Praxedes trouxe a notícia da morte de Menezes: —Vossas Excelências hão de me perdoar. Não podia deixar de vir até aqui. Sabia de dois amigos íntimos do doutor Meneses; um era o Senhor Cassi, mas este está fora... Clara espantou-se: —Está fora! —Ué, Clara! — fez Dona Engrácia, — Que espanto! —Não, porque ainda há dias "Seu" Meneses disse a papai que estivera com ele — fez Clara disfarçando. —Deve ser há algum tempo, minha senhora — aventou Praxedes, com toda a delicadeza de voz; — porque há bem quinze dias que embarcou para São Paulo, em Cascadura. Eu até me despedi dele... Clara, logo que pode, correu para o quarto para chorar: perguntava-se como faria para esconder a gravidez agora que Cassi a abandonara. Decidiu por fim pedir um abortivo a dona Margarida. A alemã pressionou a jovem que acabou confessando o que se passara. Comunicaram à mãe, dona Engracia e as três decidiram que Dona Margarida e Clara iriam à casa de Cassi. Ao conversarem com Salustiana, mãe de Cassi, foram humilhadas quando disseram que Cassi deveria casar-se com clara: —Ora, vejam vocês, só! É possível? É possível admitir-se meu filho casado com esta... Pouco depois, o pai de Cassi entrou em casa. Clara correu a ele pedindo-lhe ajuda: —Minha filha, eu não te posso fazer nada. Não tenho nenhuma espécie de autoridade sobre "ele"... Já o amaldiçoei... Demais, "ele" fugiu e eu já esperava que essa fuga fosse para esconder mais alguma das suas ignóbeis perversidades... (…) Não te posso fazer nada... Perdoa-me, minha filha! Cria teu filho e me procura se... Não acabou a frase. A voz sumiu-se; ele descaiu o corpo sobre a cadeira e os olhos se foram tornando inchados. Voltando para casa, Clara sentia-se humilhada, sentia-se diminuída. Chegaram em casa; Joaquim ainda não tinha vindo. Dona Margarida relatou a entrevista, por entre o choro e os soluços da filha e da mãe. Num dado momento, Clara ergueu-se da cadeira em que se sentara e abraçou muito fortemente sua mãe, dizendo, com um grande acento de desespero: —Mamãe! Mamãe! —Que é minha filha? —Nós não somos nada nesta vida. ESTILO DE ÉPOCA 1 – malsã – nocivo, insalubre. 2 – sibarita – pessoa sensual Pré-Modernismo Lima Barreto é considerado um dos mais importantes autores pré-modernistas. Descrever as mazelas sociais sem floreios, num tom preciso e objetivo. Apesar de, em sua época, na ter sido reconhecido, hoje, sua obra é estudada e valorizada. Os autores dessa época ainda eram muito influenciados pelas estéticas anteriores, mas duas inovações devem ser mencionadas: 1-a busca por uma representação da realidade brasileira; 2-a busca por uma linguagem mais próxima do coloquial. Lima Barreto se vale de ambas as características: Clara dos Anjos traz o subúrbio carioca à tona, sua gente e seus costumes. INTERTEXTUALIDADE Em 1993, a rede globo filmou a novela Fera Ferida, baseada em Clara dos Anjos e outras obras. VISÃO CRÍTICA Não faltam influencias realistas e naturalistas na obra, porém, a sutileza com a qual Lima Barreto pinta seus cenários dá a obra muito mais objetividade, e um tom bem menos ficcional – característica das obras pré-modernistas que fundiam fatos políticos ao enredo ficcional. A linguagem informal dá dinamismo às cenas, possibilitando que a inúmeras descrições não se tornem cansativas ou enfadonhas. A narrativa é leve, dinâmica e de fácil compreensão, algo que assegurou o sucesso desse autor até os dias de hoje. Lima Barreto procura retratar o preconceito racial e social. Cassi era de uma família remediada e isso o deixava impune. A fala final de Clara (que encerra a obra) demonstra bem isso. O romance denuncia a impunidade, o preconceito, e a perda de valores morais.