Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DE INTERESSES COLETIVOS STRICTO SENSU, DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS Autor: Morgana Souza Militão Orientador: Paulo Henrique Perna Cordeiro Brasília - DF 2013 MORGANA SOUZA MILITÃO A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DE INTERESSES COLETIVOS STRICTO SENSU, DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Paulo Cordeiro - especialista Brasília 2013 Henrique Perna Monografia de autoria de Morgana Souza Militão, intitulada “A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DE INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS STRICTO SENSU E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em (data de aprovação), defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: _____________________________________________ Prof. (especialista). (Paulo Henrique Perna Cordeiro) Orientador (Direito/Graduação) – (UCB) ______________________________________ Prof. (titulação) (Curso/Programa) – (sigla da instituição) ___________________________________ Prof. (titulação) (Curso/Programa) – (sigla da instituição) Brasília 2013 AGRADECIMENTO Venho, muito respeitosamente, agradecer à Universidade Católica de Brasília, pela contribuição na realização desse trabalho, uma vez que me propiciou parte fundamental dos conhecimentos necessários, através de sua força material e humana. Agradeço à Defensoria Pública da União no Distrito Federal de 1ª Categoria, pela oportunidade de crescimento jurídico e pessoal, expresso de forma mínima nesta pesquisa. Agradeço ainda, aos meus pais e amigos, que com as conversas do dia a dia, e o esforço empenhado em prol do meu amadurecimento, contribuíram com esta monografia. RESUMO MILITÃO, Morgana Souza. A legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento da Ação Civil Pública na defesa de interesses coletivos stricto sensu, difusos e individuais homogêneos. 2013. 71 folhas. Processual. Constitucional (Direito) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2013. O presente trabalho analisa a legitimidade da Defensoria Pública para defender direitos coletivos stricto sensu, difusos e individuais homogêneos de quaisquer espécies, sob o enfoque do microssistema de tutela coletiva, atribuindo aos ramos processual e constitucional a função de instrumentalização dos direitos contidos na Constituição Federal, sobretudo o direito ao acesso à justiça. Busca-se a demonstração de que os parâmetros utilizados para negar a legitimidade à Defensoria Pública, não mais se sustentam, em razão da processualística coletiva de caráter eminentemente constitucional. E nesse sentido reconhece-se a necessidade de expansão do conceito de “necessitados”, contido na Constituição Federal e em outras leis, bem como da urgência em se amoldar o processo aos novos direitos de cunho transindividuais. Sendo essa a relação entre o acesso à justiça e a legitimidade da Defensoria Pública poder defender direitos metaindividuais, reconhecendo-se que aquele direito depende dessa legitimação. Por fim, o trabalho conclui ser a Defensoria Pública legitimada à propositura da Ação Civil Pública para proteger quaisquer direitos, individuais ou coletivos. Palavras-chave: Acesso à justiça. Necessitados. Defensoria Pública. ABSTRACT The presente text analizes the legitimacy of Public Defense to defend collective strict sense, diffuse and individuals homogeneous rights of any species, under the microsystem of collective tutelage, attributing in the procedural and constitucional branch the function of the instrument of rights contained in the federal constitution, especially the right of justice acess. Its looked the demonstration the parameters used for that who denying the recount legitimacy to the Public Defense not more selfsupport, in reason of collective processualism of nature eminent constitucional. And in this sense it is recognized the necessity of expanding of the needy concept contained in the constitution and the laws, as well as of urgency in to mold the process in the news rights of stamps transindividual rights, being recognized to that depend of that legitimacy. Finally the reseach conclude, in fact, to be the Public Defense legitimate entity to propose the Public Civil Action of any rights, individual or collectives. Keywords: Justice acess. Needy. Public Defense. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 6 2 DIREITOS E INTERESSES TUTELADOS pela AÇÃO CIVIL PÚBLICA ............................ 9 2.1 GERAÇÕES DE DIREITOS ............................................................................................. 9 2.1.1 DOS DIREITOS SUBJETIVOS PÚBLICOS DE 1ª GERAÇÃO ...................................................... 9 2.1.1.1 Dos direitos subjetivos públicos de 2ª Geração ........................................................ 11 2.1.1.1.1 Dos direitos subjetivos públicos de 3ª Geração ..................................................... 14 2.2 MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA ................................................................... 16 2.2.1 DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS .......................................................................................... 19 2.2.1.1 Direitos difusos ........................................................................................................ 20 2.2.1.1.1 Direitos coletivos stricto sensu .............................................................................. 21 2.2.1.1.1.1 Direitos individuais homogêneos ........................................................................ 21 3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA .................................................................................................... 23 3.1 LEGITIMIDADE, LITISCONSÓRCIO E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS ..................... 24 3.2 COMPETÊNCIA ............................................................................................................. 27 3.3 PROCEDIMENTO .......................................................................................................... 29 3.4 RECURSOS CABÍVEIS E OUTROS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO .................................... 33 3.5 COISA JULGADA........................................................................................................... 35 3.5.1 QUANTO AOS DIREITOS DIFUSOS (ART. 103, I, DO CDC) .................................................. 36 3.5.2 QUANTO AOS DIREITOS COLETIVOS EM SENTIDO ESTRITO (ART. 103, II, DO CDC) ............. 37 3.5.3 QUANTO AOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS (ART. 103, III, DO CDC) ..................... 38 3.6 EXECUÇÃO ................................................................................................................... 39 3.7 SUCUMBÊNCIA E LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ .................................................................... 39 3.8 AÇÃO CIVIL PÚBLICA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ........................... 39 4 DA DEFENSORIA PÚBLICA ........................................................................................... 41 5 A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA................................................................................................................... 48 5.1 A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DE DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU ............................................... 59 5.2 A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DE DIREITOS DIFUSOS ................................................................................. 59 5.3 A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS................................................. 61 6 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 63 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 65 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como tema, a abordagem acerca dos entes legitimados a defender em juízo, direitos transindividuais. Tema aquele que está delimitado ao instrumento de tutela coletiva, denominado Ação Civil Pública (ACP), quando proposta por uma entidade específica, qual seja, a Defensoria Pública, na defesa de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. A pesquisa tem como objetivo geral fundamentar a afirmação de que a Defensoria Pública deve ser tida como uma entidade legitimada à propositura da Ação Civil Pública na proteção de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, mediante a amplificação do conceito de “necessitados”, expressão contida no artigo 134 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), bem como a interpretação que deve ser dada ao art. 5º, inciso LXXIV também da Lei Maior, primordialmente em razão da evolução dos direitos e do contexto social. Para defender o posicionamento acima referido, foi escolhido o método monográfico e delineados objetivos específicos, como a seleção de jurisprudências, a pesquisa em livros, artigos e dissertações. O tema escolhido surgiu em virtude de uma experiência pessoal da estudante, enquanto estagiária da Defensoria Pública da União. Chegou até o Ofício em que aquela atua o processo nº 0017027-44.2008.4.01.3300 (2008.33.00.017031-9), em que a Defensoria Pública ajuizara uma Ação Civil Pública em favor de uma coletividade de mulheres que haviam sido aprovadas em concurso público na primeira fase, mas que quando da segunda etapa, que compreendia o teste físico, foram eliminadas em virtude de situações relacionadas à maternidade. Houve um interesse grande na causa, pois, constatou-se que o processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça sem se discutir o mérito, mas tão somente se a Defensoria Pública era ou não um ente legitimado para a propositura da ação intentada. O tema é de grande importância jurídica, já que visa aumentar as atribuições de uma entidade constitucionalmente prevista, bem como expandir o conceito de hipossuficiência. Além de ser útil à solução de problemas vivenciados pelo Poder Judiciário, como a morosidade. A pesquisa possui impacto social, já que mais uma entidade pública legitimada a fazer a defesa da sociedade em causas que envolvem interesses coletivos e individuais homogêneos, aumentaria o acesso à justiça, logo, a efetivação dos direitos. Ademais, a pesquisa busca demonstrar a imprescindibilidade de resguardar ainda mais os necessitados em sentido amplo, para colocar ao lado dos estritamente pobres de recursos financeiros, os hipervulneráveis. Quanto à metodologia utilizada, primeiramente vamos nos ater ao tipo de pesquisa, que abrange quatro aspectos: a pesquisa do ponto de vista dos objetivos, da sua natureza, da forma de abordagem do problema, e dos procedimentos técnicos. A pesquisa é do ponto de vista de seus objetivos, explicativa, pois visa demonstrar por que a Defensoria Pública é legitimada para ajuizar a ACP.Do ponto de vista da sua natureza, a pesquisa é aplicada, já que almeja aumentar os conhecimentos acerca de processo coletivo e acesso à justiça, tendentes à solução de problema específico. Envolve verdades e interesses locais, isto é, adstritos à legislação brasileira. Sob o prisma da forma de abordagem do problema, a pesquisa é qualitativa, pois busca apreciar o fenômeno analisado, com base em estudos já existentes. O procedimento técnico adotado é o bibliográfico e documental. O método de abordagem é o dialético, pois confronta os argumentos que negam a legitimidade da Defensoria, propondo novas interpretações dos fatos sociais e da lei para se chegar a uma compreensão da realidade, em que caiba a Defensoria como ente legitimado a propositura da Ação Civil Pública. O método de procedimento ou auxiliar utilizado é o histórico e o tipológico, já que para se entender a problemática adotada, faz-se necessário trilhar pela evolução dos direitos fundamentais, chegando-se ao Estado póssocial que aborda novos direitos de cunho coletivo. O método é histórico ainda, por fazer-se necessário alocar o papel das instituições no seu contexto histórico social. O trabalho está dividido em seis capítulos, que estruturam o trabalho e convergem todos para o supracitado desiderato, sendo o de nº I destinado a essa introdução, o II a tratar de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, tanto de forma técnica como histórica, o III abrange o instituto da ação civil pública, o IV discorre acerca da instituição Defensoria Pública, explicando suas raízes conceituais, previsão constitucional regulamentação por lei complementar e parâmetros de atuação, o V cuida precipuamente do tema em tela, servindo os capítulos anteriores de subsídio para orientar o leitor e fundamentar a problemática, e um VI capítulo com as conclusões da estudante. 9 2 DIREITOS E INTERESSES TUTELADOS PELA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Para uma compreensão mais exata do que se almeja expor com esse trabalho, impende examinar os direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, de acordo com sua natureza e origem, bem como o microssistema de tutela coletiva em que estão inseridos. 2.1 GERAÇÕES DE DIREITOS Valério de Oliveira Mazzuoli (2007, p. 676) ensina que: Costuma-se normalmente dividir os direitos humanos fundamentais em três gerações ou categorias, com base no decorrer dos momentos históricos que inspiraram a sua criação. Alguns autores falam em dimensões de direitos humanos, partindo da idéia [sic] de que a expressão gerações poderia dar a falsa idéia [sic] de que uma categoria de direitos substitui outra que lhe é anterior. Apesar disso, utilizaremos o termo geração. 2.1.1 Dos direitos subjetivos públicos de 1ª Geração Os direitos subjetivos públicos, isso é, a possibilidade de se exigir algo, em razão do ordenamento jurídico, estão divididos em gerações. Os direitos subjetivos públicos de 1ª Geração originam-se no chamado Estado Liberal, que se desenvolveu na França e nos Estados Unidos, na segunda metade do século XVIII, com a ascensão da burguesia e do liberalismo, em detrimento das monarquias absolutistas. Houve nesse momento uma separação entre os interesses públicos e privados. A doutrina liberal, pensada pelos filósofos iluministas, sobretudo por Adam Smith, responsável pela Teoria do Liberalismo (ALGO SOBRE 2013) , vê o Estado com um “mal necessário”, no sentido de que ele deve intervir o menos possível nos interesses privados dos seus cidadãos, devendo apenas fazer o seu papel de manter a ordem jurídica interna, e defender o país no plano internacional. Para tanto, fez-se necessária a criação de um sistema de freios e contrapesos, o que se deu por meio da tripartição dos poderes. Ressalte-se, porém, sobre o ponto de vista defendido nesta pesquisa, que o apego cego à tripartição de funções, pode culminar na mecanização do papel do jurista, a quem caberia tão somente aplicar as normas, sem valorá-las de acordo com fundamentos políticos e sociais. 10 O Estado Liberal tem como objetivo, basicamente, a racionalização e o limite do poder. E é por isso que se diz que ele era um “estado negativo”. É que o Estado liberal estava preocupado em limitar o poder estatal, consagrando direitos, liberdades e garantias do cidadão perante o Estado. Pois só assim a ideologia burguesa poderia existir, já que tinha como premissas a autonomia privada, economia de mercado, valores fundamentais do individualismo possessivo etc. As pessoas, isto é, os burgueses não queriam que o Estado interferisse na sua propriedade e negócios. Eles queriam um Estado que assegurasse a eles poder usufruir dos seus bens, sem incômodos. O liberalismo construiu a base política da ciência do direito nos séculos XIX e XX, orientando as construções teóricas produzidas, logo, a prática dos juristas. Dessa forma, a atenção das leis estava voltada, primordialmente, para a propriedade privada e suas garantias. O liberalismo centra suas atenções no indivíduo, tem-se, pois, uma visão individualista da sociedade. Para Norberto Bobbio (2005, p. 45/46), “o liberalismo considera o Estado como um conjunto de indivíduos e como resultado da atividade deles e das relações por eles estabelecidas entre si”. Ainda segundo o mencionado autor, o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções. A noção corrente que serve para representar o primeiro é Estado de direito; a noção corrente para representar o segundo é Estado mínimo. (BOBBIO, 2005, p. 17). Assim, os direitos subjetivos públicos, ou hodiernamente, direitos fundamentais de 1ª geração, que advém desse período, são os civis e os políticos. Os direitos civis são justamente aqueles que visam à proteção da pessoa individual contra os possíveis excessos do Poder Público, e os direitos políticos por sua vez, são consequência da derrubada das monarquias, que aumentou a participação dos cidadãos no governo e no Estado. Esses direitos estão previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 2013), e foram acolhidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, pelo que constam nos artigos. 5º e 14, respectivamente, da Constituição Federal. (BRASIL, 1988) 11 Estão entre aqueles, no plano dos direitos civis, o direito à vida; à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, etc, e no plano dos direitos políticos referem-se ao direito de eleger e ser eleito, de votar etc. 2.1.1.1 Dos direitos subjetivos públicos de 2ª Geração Os direitos subjetivos públicos de 2ª Geração, ou simplesmente direitos sociais, têm início no Estado Social também conhecido como Welfare State, Estado do Bem Estar Social, Estado Prestacional, etc. Na segunda metade do século XIX e início do século XX, alguns fatos históricos, alteraram significativamente o contexto social da época, entre eles estão: A Segunda Revolução Industrial e a Revolução Russa, o avanço das ideias socialistas de Marx e Engels, e a Primeira Guerra Mundial. Com o advento da indústria, os sacrifícios e o sofrimento pelos quais passavam as populações nas fábricas poderia levar o mundo desenvolvido a uma segunda Revolução Francesa. Na obra Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels (1848, p. 45/52) descrevem, embora de forma não imparcial, esse momento como a sucessão da sociedade feudal pela burguesa. Sociedade burguesa essa, que não pôs termo às diferenças sociais, mas criou uma nova forma de opressão, dividindo a sociedade em dois polos inimigos, um pertencente à burguesia e outro ao proletariado. Veja-se: A moderna sociedade burguesa, surgida das ruínas da sociedade feudal, não eliminou os antagonismos entre as classes. Apenas estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das antigas. A nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se, entretanto, por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade inteira vai-se dividindo cada vez mais em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes diretamente opostas entre si: burguesia e proletariado [...] a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de revoluções nos modos de produção e de troca [...] o poder político do Estado moderno nada mais é do que um comitê para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa [...] a burguesia rasgou o véu de comovente sentimentalismo que envolvia as relações familiares e as reduziu a meras relações monetárias [...] a contínua revolução da produção, o abalo constante de todas as condições sociais, a incerteza e a agitação eternas distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Todas as relações fixas e cristalizadas, com seu séquito de crenças e opiniões tornadas veneráveis pelo tempo, são dissolvidas, e as novas envelhecem antes mesmo de se consolidarem. Tudo o que é sólido e estável se volatiliza, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com 12 sobriedade e sem ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas [...] a necessidade de mercados cada vez mais extensos para seus produtos impele a burguesia para rodo [sic] o globo terrestre. Ela deve estabelecer-se em toda parte, instalar-se em toda parte, criar vínculos em toda parte [...] em lugar da antiga auto-suficiência e do antigo isolamento local e nacional, desenvolve-se em todas as direções um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isso tanto na produção material quanto na intelectual. Os produtos intelectuais de cada nação tornam-se patrimônio comum [...] a burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou a população, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência necessária disso foi a centralização política. Províncias independentes, ligadas entre si quase que só por lações confederativos, com interesses, leis, governos e tarifas aduaneiras diferentes, foram reunidas em uma só nação, com um só governo, uma só legislação, um só interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária [...] quanto menos habilidade e força exige o trabalho manual, quer dizer, quanto mais a indústria moderna se desenvolve, mais o trabalho dos homens é suplantado pelo das mulheres e crianças. As diferenças de sexo e idade não têm mais valor social para a classe operária. Ficam apenas instrumentos de trabalho, cujo custo varia conforme a idade e o sexo. A própria burguesia advém de um longo processo de desenvolvimento e de revoluções, no que diz respeito aos modos de produção e troca. O poder estatal, nesse momento, servia tão somente para administrar e cuidar dos negócios e patrimônio da classe burguesa. A burguesia foi também responsável por profundas transformações nas relações sociais e familiares, já que o homem tem de se voltar cada vez mais para um mercado extremamente exigente. As relações de mercado alastram-se por todo o mundo, instalando-se em toda parte, tornando as nações cada vez mais interdependentes. E acentua-se, as diferenças entre pobres e abastados, com as riquezas cada vez mais centralizadas nas mãos de poucos. Desse modo, tornou-se insustentável o abuso das classes mais ricas sobre a classe operária. Uns com tanto e outros em estado de miséria e exploração. Nesse momento, a sociedade passa a exigir/implorar do Estado que tome providências capazes de melhorar a vida das pessoas. Quando do estudo dos direitos sociais e de como se deu sua conquista, vemos a pertinência do pensamento de Norberto Bobbio, para quem os direitos do homem são históricos, ainda que eminentemente fundamentais, pois 13 nascem em dados momentos, marcados por lutas e indignações contra poderes estabelecidos, na busca por reconhecimentos. E não nascem de forma rápida, mas lenta, além de que não se esgotam, mas estão sempre em transformação. Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de forma gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (BOBBIO, 1909 p. 25). Surge, então, o chamado Estado Social, no qual o Poder público antes inerte passa a atuar de forma positiva, agindo de maneira a diminuir as tensões sociais e as desigualdades. Nesse contexto, foram promulgadas a Constituição do México de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, pequena cidade alemã, onde os constituintes se reuniram com vistas a minimizar os conflitos vividos em Berlim. (PINHEIRO, 2005). Constrói-se assim, uma nova concepção do Estado, como intermediador das relações sociais. O Estado serviria a todas as classes, conciliando e pacificando os conflitos sociais, tornando possível a convivência entre capital e trabalho. Os direitos fundamentais de 2ª geração são ditos direitos positivos, porque se caracterizam como prestações do Estado, que podem ser exigidas pelas pessoas, essas detém um crédito com o Poder Público. Conforme ensina José Afonso da Silva (1998, P. 289), direitos sociais são, prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Os direitos sociais foram acolhidos pela Constituição brasileira no seu art. 6º, em que se estabelece que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988). 14 2.1.1.1.1 Dos direitos subjetivos públicos de 3ª Geração Os direitos fundamentais de 3ª geração, por sua vez, que são o foco do presente capítulo, são também chamados de direitos de solidariedade ou de fraternidade. Nesse sentido leciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1999, p. 15): [...] a doutrina dos direitos fundamentais revelou uma grande capacidade de incorporar desafios. Sua primeira geração enfrentou o problema do arbítrio governamental, com as liberdades públicas, a segunda os extremos desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais, a terceira, hoje, luta contra a deteriorização da qualidade de vida humana e outras mazelas, com os direitos de solidariedade. (grifo nosso). Esses direitos decorrem dos efeitos da globalização e da internacionalização, em que se admite ser o indivíduo parte de uma coletividade. Os direitos de solidariedade não se restringem à satisfação de um único indivíduo, mas de muitos. Exigem, portanto, que haja uma cooperação internacional para a sua implementação, requer o empenho de toda a comunidade global para efetivá-los. Os direitos de 3ª geração estão ligados a toda uma comunidade ou coletividade, e são chamados de direitos coletivos e difusos, tanto por conta da natureza dos novos direitos, como pela consideração dos indivíduos enquanto seres pertencentes a determinados contextos sociais. Bobbio (1909, p. 21 e 83) descreve os direitos do homem como sendo um “fenômeno social”, que pode ser examinado de forma multidisciplinar. E é, sobretudo, pelo enfoque da sociologia jurídica que o autor explica a passagem histórico-social que trouxe a sociedade até os “novos direitos”. Também os direitos do homem são, indubitavelmente um fenômeno social: e, entre os vários pontos de vista de onde podem ser examinados (filosófico, jurídico, econômico, etc.), há lugar para o sociológico, precisamente o da sociologia jurídica. Essa multiplicação (ia dizendo “proliferação”) ocorreu de três modos: a) porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; b) porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; c) porque o próprio homem não é mais visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneira de ser em sociedade, como criança, velho, doente, etc. Em substância: mais bens, mais sujeitos, mais status do indivíduo. É supérfluo notar que, entre esses três processos, existem relações de interdependência: o reconhecimento de novos direitos de (onde “de” indica sujeito) implica quase sempre o aumento de direitos a (onde “a” indica o objeto). Ainda mais 15 supérfluo é observar, o que importa para nossos fins, que todas as três causas dessa multiplicação cada vez mais acelerada dos direitos do homem revelam, de modo cada vez mais evidente e explícito a necessidade de fazer referência a um contexto social determinado. Com relação ao primeiro processo, ocorreu a passagem dos direitos de liberdade – das chamadas liberdades negativas, de religião, de opinião, de imprensa, etc. – para os direitos políticos e sociais, que requerem uma intervenção direta do Estado. Com relação ao segundo, ocorreu a passagem da consideração do indivíduo humano uti singulus, que foi o primeiro sujeito ao qual se atribuíram direitos naturais (ou morais) – em outras palavras, da “pessoa” - , para sujeitos diferentes do indivíduo, como a família, as minorias étnicas e religiosas, toda a humanidade em seu conjunto (como no atual debate, entre filósofos da moral, sobre o direito dos pósteros à sobrevivência); e, além dos indivíduos humanos considerados singularmente ou nas diversas comunidades reais ou ideais que os representam, até mesmo para sujeitos diferentes dos homens, como os animais. Nos movimentos ecológicos, está emergindo quase que um direito da natureza a ser respeitada ou não explorada, onde as palavras “respeito” e “exploração” são exatamente as mesmas usadas tradicionalmente na definição e justificação dos direitos dos homens. Com relação ao terceiro processo, a passagem ocorreu do homem genérico – do homem enquanto homem – para o homem específico, ou tomado na diversidade de seus diversos status sociais, com base em diferentes critérios de diferenciação (o sexo, a idade, as condições físicas), cada um dos quais revela diferenças específicas, que não permitem igual tratamento e igual proteção. A mulher é diferente do homem; a criança, do adulto; o adulto do velho; o sadio, do doente; o doente temporário, do doente crônico; o doente metal, dos outros doentes; os fisicamente normais, dos deficientes, etc. Basta examinar as cartas de direitos que se sucederam no âmbito internacional, nestes últimos quarenta anos, para perceber esse fenômeno: 1952, a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher; em 1959, a Declaração da Criança; em 1971, a Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos; em 1982, a primeira Assembléia Mundial, em Viena, sobre os direitos dos anciãos, que propôs um plano de ação aprovado por uma resolução da Assembléia da ONU, em 3 de dezembro. O jusfilósofo explica que a multiplicação de direitos ocorreu de três modos, primeiro porque aumentaram os bens dignos de proteção, segundo porque essa proteção de alguns direitos típicos passou a abranger sujeitos outros que não o homem, e terceiro, porque o homem passou a ser considerado em suas diversas formas de ser em sociedade. Bobbio (1909) explica, que os três processos acima mencionados são interdependentes, pois o aumento de bens aumenta os sujeitos detentores de direitos, e consequentemente os status do indivíduo. O autor expõe ainda, que as três causas que embasaram a proliferação de direitos, estão ligadas a um “contexto social determinado”. 16 Assim, no que diz respeito ao terceiro processo, BOBBIO diz que ocorreu uma passagem do “homem genérico”, para o “homem específico”, isto é, considerado nos diversos status sociais que ocupa, ou seja, do homem tido com base no que o diferencia dos demais, com o objetivo de dar igual tratamento e proteção aos sujeitos, a fim de que igualados, tenham as mesmas condições. Em nossa atual Constituição (CF/88), o postulado da igualdade recebeu status de garantia fundamental, na forma do caput do art. 5º da Constituição Federal, que assim preceitua: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”. (BRASIL, 1988). 2.2 MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA O ordenamento jurídico brasileiro foi sensível às mudanças de paradigmas históricos sociais e passou a tutelar os direitos transindividuais, de forma significativa, com a Lei da Ação Civil Pública, para depois agregar ao seu conjunto normativo, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), nascendo dessa forma um dos temas mais estudados e debatidos pelos grandes estudiosos do direito: o processo civil coletivo. Veja-se: O problema do acesso à justiça alcançou um ponto crucial com o surgimento dos conflitos de massa, resultantes dos próprios avanços sociais e do estágio alcançado pela economia no mundo globalizado. Percebeu-se a inviabilidade da resolução de conflitos meramente individuais, especialmente quando há interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos envolvidos. No Brasil, houve significativo avanço legislativo nos últimos 45 anos, a partir da edição da Lei de Ação Popular (1965), da Lei Ação Civil Pública (1985), bem como do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (1990). (CAMBI; DAMASCENO, 2011, p. 29). Os processos coletivos se diferenciam do processo tradicional, por trazerem eu seu contexto aspectos eminentemente democráticos. Sabe-se que o direito processual é uno, uma vez que é regido por uma teoria geral. No entanto, os conflitos que advieram dos avanços sociais ultrapassam a esfera do indivíduo, e assim “deram ensejo à construção de um novo ramo dentro da ciência processual” (CAMBI; DAMASCENO, 2011, p. 37). O processo coletivo possui escopo constitucional, isto é, o processo coletivo pertence à processualística constitucional, podendo ser chamado de 17 um “direito processual constitucional” (ALMEIDA, 2003, p. 17 apud CAMBI; DAMASCENO, 2011, p. 37) em razão de sua conotação social. Isso porque o processo coletivo visa solucionar pretensões que envolvem direitos dispersos no meio social, sob a titularidade de grupos de indivíduos não identificáveis ou identificáveis, com uma natureza comum ou uma relação jurídica básica comum, bem como veicular pretensões de cunho individual, mas oportunamente tuteladas de forma comum. [...] o processo coletivo traz, por sua própria natureza, resultados sociais impactantes no seio da sociedade, não se podendo restringir os mecanismos processuais que permitam a participação democrática dos cidadãos na efetivação dos direitos socialmente relevantes [...] O processo coletivo é, por sua vez, expressão democrática e pluralista, porque configura importante instrumento de tutela jurisdicional de interesses transindividuais e individuais homogêneos. (CAMBI; DAMASCENO, 2011, p. 37 e 32 – grifo nosso). Como já dito, o processo coletivo não foge a principiologia da teoria geral do processo, no entanto, possui outros princípios que lhe são próprios. O professor Tiago Feinsterseifer, Defensor Público no estado de São Paulo, em sua aula sobre Teoria Geral da Ação Civil Pública, para o Programa Saber Direito, discorreu acerca daqueles princípios, são eles: (FEINSTERSEIFER, 2013). 1) Princípio do Acesso à Justiça, que abrange três aspectos, de acordo com as três ondas renovatórias de Mauro Cappelletti, a) o acesso à justiça das pessoas necessitadas; b) caracterização dos direitos coletivos e difusos – o processo civil tem que criar mecanismos para trabalhar esses direitos; c) a própria questão da efetividade do processo. 2) Princípio da Universalização da Jurisdição; 3) Princípio da Participação Popular ou Social no Processo Coletivo; 4) Princípio do Impulso Oficial, que possui relação com o ativismo judicial, isto é, superação do juiz exegeta, que não detinha grande responsabilidade social. O juiz, de acordo com esse princípio, deve estar vinculado à Constituição Federal, isto é, aos direitos fundamentais, buscando a resolução dos conflitos. 5) Princípio da Economia Processual, este princípio está associado à segurança jurídica, pois visa evitar a multiplicação de entendimento diversos acerca do mesmo assunto, traz maior previsibilidade das decisões judiciais. 18 6) Princípio da Instrumentalidade das Formas, o processo tem que estar à serviço do direito material, possibilitando a efetivação desses direitos. 7) Princípio da Não-taxatividade dos objetos e dos meios – art. 1º da ação civil pública, “entre outros”, art. 5º, § 2º da Constituição Federal (abertura do catálogo de direitos fundamentais), art. 129, III da CF (atuação do Ministério Público na tutela coletiva). 8) Princípio da Adequada Representação. 9) Princípio do Critério Dinâmico da Distribuição da Prova (art. 6º, VIII do CDC – inversão do ônus da prova). É importante, dessa forma, que se compreenda que existe, embora de maneira não codificada, um microssistema de tutela coletiva, sendo que uma lei faz referência à outra, expressamente, havendo assim, uma complementação de conceitos. (LIMA, 2011). Assim, a LACP não é o único diploma normativo disciplinador das demandas coletivas. Temos de um lado a Lei nº 7.347/85, e do outro o Código de Defesa do Consumidor (CDC), essas duas leis têm aplicabilidade em toda e qualquer demanda coletiva, formando um verdadeiro “ordenamento processual geral” (GIDI, 1995. p. 77), de processo coletivo, tendo em vista as normas remissivas que contém. Assim, veja-se o quanto determina a Lei da Ação Civil Pública, no seu artigo 21: “aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”. (BRASIL, 1985). E o Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 90, dispõe que: aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições. (BRASIL, 1990). Temos, pois, que uma norma se aplica de forma complementar à outra: as disposições do CDC a respeito do processo coletivo aplicam-se à ação civil pública e também às diversas ações coletivas propostas em defesa de direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, constituindo, assim, um microssistema processual coletivo.(CERQUEIRA, 2007, p. 58 apud DONIZETTI, 2010, p. 209). Dessa forma, há um conjunto de leis que tratam das ações coletivas e que fazem referências recíprocas entre si. 19 Uma das principais finalidades do processo coletivo é a racionalização das demandas multitudinárias, evitando-se a proliferação de processos autônomos, e permitindo-se que em um único processo sejam decididas, a um só tempo, questão idêntica que interessam a muitas pessoas. Tornando os trabalhos do Poder Judiciário mais eficiente, além de evitar decisões contraditórias proferidas por diversos juízos. Esse é o entendimento de José Antônio Savaris (2008, p. 122): Não parece nem um pouco racional condicionar a restauração do ordenamento jurídico em tese violado pela Administração Previdenciária ao ajuizamento de demandas individuais, quando uma única ação coletiva seria suficiente. Imagine-se o insondável volume de inútil trabalho a que tem sido o Judiciário chamado a realizar [...] quantas vigílias, quantos mutirões, quanta falsa expectativa gerada, quanta distração na verdade. Assim, existe de fato, um microssistema de tutela coletiva que se comunica, e autoriza que todo e qualquer direito coletivo stricto sensu, difuso ou individual homogêneo seja pleiteado por meio da Ação Civil Pública. 2.2.1 Direitos transindividuais Verifica-se que o CDC, no seu art. 81, parágrafo único, definiu as seguintes espécies de direitos coletivos: I – interesses ou direitos difusos, entendidos como transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos em sentido estrito, assim entendidos os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, que, apesar de essencialmente individuais, são tratados coletivamente, em virtude da sua origem comum. (BRASIL, 1990). Soma-se a essa definição, três critérios básicos que considera essenciais para definir um direito transindividual como sendo difuso, coletivo em sentido estrito ou individual homogêneo, são eles: a titularidade, divisibilidade e origem. (DONIZETTI, 2010). A titularidade é o critério utilizado para determinar a quem o direito se estende, isto é, quem são os seus titulares. Se o direito pertence a uma comunidade (direitos difusos), coletividade (direitos coletivos em sentido estrito) ou um grupo de indivíduos tidos de forma homogênea (direitos individuais homogêneos). 20 A divisibilidade, por sua vez, busca aferir se o direito em questão pode ser dividido por entre seus titulares (direitos individuais homogêneos) ou não (direitos difusos e coletivos em sentido estrito). O critério da origem busca a raiz pela qual os titulares de um direito estão ligados, se for por uma mesma situação de fato, estar-se-á diante de direitos difusos e individuais homogêneos, se por uma relação jurídica base, se está a tratar de direitos coletivos em sentido estrito. Pois bem, entendidas essas considerações preliminares, iremos adentrar no tema desse capítulo. 2.2.1.1 Direitos difusos Os direitos difusos, considerados subjetivamente, se caracterizam pela indeterminação absoluta dos titulares, assim, não possuem titular individual, e a ligação entre os demais titulares do direito considerado, se dá por mera circunstância de fato. Já sobre o prisma objetivo são indivisíveis, ou seja, o direito em questão, uma vez satisfeito ou lesado atinge a todos os titulares, exemplo é o direito ao meio ambiente presente na Constituição Federal em seu art. 225, caput: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988). Em razão de sua natureza, os direitos difusos não podem integrar o patrimônio individual de alguém, são insuscetíveis de transmissão, renúncia ou transação. Sendo esses direitos, por essência, extrapatrimoniais. Assim sendo, a característica marcante e identificadora da transindividualidade presente tanto nos direitos difusos como coletivos stricto sensu, é a multiplicidade indeterminada de sujeitos que aspiram uma mesma pretensão individual. Quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 163231-3/SP, o Ministro Maurício Corrêa, então relator, salientou no seu voto a antiguidade do termo difuso, que tem sua origem na doutrina romanística. Como se sabe o termo difuso, já do domínio público nos dias de hoje, não foi criado modernamente, visto que tem a sua origem na doutrina romanística. Vittorio Scialoja já se referia ao conceito de difuso, no século passado, ao mencionar que ‘direitos difusos, que não se concentram no povo considerado 21 como entidade, mas que tem por próprio titular realmente cada um dos participantes da comunidade’ (Procedura Civile Romana, Anonima Romana Edtoriale, Roma 1932, parágrafo 69, pág. 345). Àquela ocasião, todavia, não se havia estabelecido a diferença entre direitos difusos e coletivos, não obstante alguns desses direitos sendo coletivos fossem rotulados implicitamente como difusos. Por isso mesmo Massimo Villone já houvesse concebido que interesse difuso é ‘uma personagem absolutamente misteriosa’. (La Colocazzione Instituzionale dell’interesse difuso in La Tutela Degli Interessi Difusi nel Dirito Comparato, Giufré, Milão, 1976, pág. 73). 2.2.1.1.1 Direitos coletivos stricto sensu Diferentemente do que ocorre nos direitos difusos em que a ligação dos indivíduos se dá por uma circunstância de fato, os direitos coletivos stricto sensu, apesar de também serem indivisíveis, agregam os seus titulares por meio de uma relação jurídica base, permitindo a identificação dos grupos, mas não a individualização dos sujeitos pertencentes a eles. Elton Venturi (2007, p. 57) lembra de forma simples que “não podem as pretensões genuinamente coletivas ser identificáveis em relação a apenas alguns dos membros da classe, pois são comuns a toda uma categoria, grupo ou classe social”. Assim, se uma coletividade de advogados está a pleitear um determinado direito, identificamos um grupo que se apresenta como tal, e não como advogados individualmente considerados. Ensina Rodolfo de Camargo Mancuso (2000, p. 147) que: Não há propriamente uma diferença de essência ou de natureza entre esses dois tipos de interesses: ambos integram o gênero ‘meta-individual’: a particularidade está em que um interesse difuso pode torna-se ‘coletivo’ se e quando estiver revestido do grau de definição, coesão e organização desses últimos. Note-se, a propósito, que a relação jurídica base, disposto no inciso II do já mencionado art. 81 do CDC, é o liame existente entre os titulares dos direitos coletivos, dessa forma, deve preexistir à lesão. 2.2.1.1.1.1 Direitos individuais homogêneos Os direitos individuais homogêneos por sua vez, não possuem o caráter de transindividualidade que caracterizam os difusos e coletivos stricto sensu, tampouco a indivisibilidade do objeto material, aqui os direitos individuais existem antes da sua postulação conjunta, são, portanto, quaisquer direitos e não decorrem de uma circunstância de fato, ou de uma relação jurídica base, mas são direitos que advém de uma origem comum. 22 Assim, conforme explica Teori Albino Zavascki (2009, p. 34/35) Há, é certo nessa compreensão uma pluralidade de titulares, como ocorre nos direitos transindividuais; porém, diferentemente desses (que são indivisíveis e seus titulares são indeterminados), a pluralidade, nos direitos individuais homogêneos não é somente dos sujeitos (que são indivíduos determinados), mas também do objeto material, que é divisível e pode ser decomposto em unidades autônomas com titularidade própria. [...] quando se fala, pois, em “defesa coletiva” ou em “tutela coletiva” de direitos homogêneos, o que se está qualificando como coletivo não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua defesa. Então, no que diz respeito aos direitos individuais homogêneos, o que se têm é uma verdadeira tutela coletiva de direitos, os direitos individuais aqui considerados, têm maior chance de efetivação, se pleiteados de forma homogênea, além de tornar a prestação jurisdicional mais célere e racional. É que alguns direitos, muito embora essenciais, encontram entraves sociais, econômicos e políticos, quando se busca a sua apreciação pelo Poder Judiciário, sendo diretamente atingidos pela morosidade. Como bem diz Elton Venturi (2007, p. 69), [...] quando da análise do novo modelo de proteção dos direitos individuais homogêneos [...] excepcionalmente concebida pelo sistema processual para incentivar a justiçabilidade de tais pretensões, que não fosse a via coletiva, jamais ou dificilmente seriam sequer levadas à apreciação jurisdicional. (p. 69). Basta que se imagine um consumidor lesado, que depois de várias tentativas de resolver o seu problema, busca uma resposta do Judiciário; ora a sua pretensão é de caráter ínfimo, se considerarmos a magnitude de processos e lides que abarrotam o Judiciário. Se, no entanto, estivermos diante de uma ação movida de forma homogênea por centenas ou milhares de consumidores lesados, certamente ao Código de Defesa do Consumidor será dada maior efetividade. 23 3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA A Ação Civil Pública é espécie do gênero Ações Coletivas. E como lembra Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser (2004), difícil é a conceituação dessa modalidade de ação, já que quando se trata delas, se está diante de um tema peculiar, uma vez que estão inseridas em um microssistema próprio, cujo fim é propiciar acesso à Justiça. Teresa Arruda Alvim (1994, p. 273 apud LEYSER, 2004, p. 19) preleciona que ações coletivas “são aquelas por meio das quais se defendem direitos coletivos lato sensu, ou seja, direitos difusos, coletivos em sentido estrito, e individuais homogêneos”. LEYSER (2004) esclarece que houve uma evolução das ações coletivas no Brasil, sendo a primeira delas a Ação Popular, regulada pela Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, que permitiu aos cidadãos buscar o Judiciário para fazer cessar atos lesivos ou potencialmente lesivos da Administração Pública. Conforme ensina Alcides A. Munhoz da Cunha (1995, p. 227 apud LEYSER, 2004, p. 227) no trabalho intitulado “Evolução das Ações Coletivas no Brasil”: A ação popular, todavia, “a despeito de representar a vanguarda da proteção dos interesses metaindividuais, hoje qualificados como difusos e coletivos, em sentido estrito, não era suficiente para assegurar uma efetiva tutela dos interesses metaindividuais, diante da complexidade e multiplicidade cada vez mais crescente das relações sociais. Objetivamente, a insuficiência da ação popular se manifestava, porque tradicionalmente, através dela, somente os interesses metaindividuais pertinentes à preservação do patrimônio público seriam passíveis de tutela, pelo menos até o advento da Constituição de 1988. Não ficavam abrangidos pela ação popular os interesses metaindividuais de membros de grupos ou coletividades pertinentes à proteção da infância e juventude, consumidores, classe de trabalhadores etc, havendo surgido dúvidas se era possível incluir no conceito de patrimônio público a defesa de interesses pertinentes à saúde pública, segurança pública, meio ambiente etc.”. Assim, antes da edição da Lei da Ação Civil Pública, não se tinha instrumentos suficientes para a demanda de interesses difusos e coletivos. A Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, “disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, e paisagístico (...)”. (BRASIL, 1985). Porém, como explica Elpídio Donizetti (2010, p. 208): 24 esse rol de direitos passíveis de tutela pela via da ação civil pública foi ampliado por outras leis a fim de abranger qualquer interesse difuso ou coletivo (incisos I a VI do art. 1º da Lei nº 7.347/85), de maneira que, hoje, pode-se dizer que a ação civil pública é a demanda coletiva de maior importância no ordenamento jurídico brasileiro. A LACP no seu artigo 5º (BRASIL, 1985), com o fito de ampliar não somente os direitos que podem ser tutelados pela via da referida ação, mas também o objeto da mesma, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 11.448, de 15 de janeiro de 2007, expandiu ainda, o rol dos entes legitimados a propositura da ACP. Assim, são legitimados à propositura da ação principal e da ação cautelar, visando à proteção de interesses coletivos e difusos, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, e a associação que atender aos requisitos da lei. 3.1 LEGITIMIDADE, LITISCONSÓRCIO E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS A legitimidade para o ajuizamento da ação civil pública é, conforme explicitado no item anterior, atribuída, por força do art. 5º da LACP: I – ao Ministério Público; II – à Defensoria Pública; III – à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; e, por último, V – à associação que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos um ano nos termos da lei civil e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Dessa forma, as associações devem demonstrar o requisito da pertinência temática. (BRASIL, 1985). O § 4º do referido dispositivo de lei, diz que o magistrado pode afastar o requisito da pré-constituição, em favor do “manifesto interesse social” ou pela “relevância do bem jurídico a ser protegido”. In verbis: O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social, evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. (BRASIL, 1985). Pode ser acrescentada a esse rol, a Ordem dos Advogados do Brasil, especificamente no que diz respeito aos interesses coletivos dos advogados, com fundamento no art. 54, II, da Lei nº 8.906/94, bem como as entidades e os 25 órgãos da administração pública, direta e indireta, ainda que despersonificadas, na defesa exclusiva dos interesses e direitos previstos no CDC (art. 82, III, do CDC). (DONIZETTI, 2010). Muito se discute na doutrina qual a natureza jurídica da legitimidade para as ações coletivas, prevalecendo a posição que aduz tratar-se de legitimação extraordinária, isso é, propor em nome próprio direito alheio. Dispõe o art. 6º do Código de Processo Civil que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. (BRASIL, 1973, grifo nosso). Elpídio Donizetti (2010, p. 212) esclarece que: Entendem alguns, todavia, que pode haver legitimação ordinária, caso a entidade atue na defesa de seus interesses institucionais, como a proteção ao meio ambiente, aos consumidores, entre outros. Para essa corrente, portanto, deve-se verificar a finalidade da atuação da entidade em concreto: caso se dirija aos seus interesses ou funções institucionais, a hipótese será de legitimação ordinária; diversamente, se a entidade agir no interesse de alguns de seus filiados, que não esteja compreendido entre os interesses da instituição, aí haverá legitimação extraordinária. Existe ainda, uma terceira corrente, que traz uma espécie autônoma de legitimidade para as ações coletivas em geral. Veja-se esse posicionamento: Natureza da legitimação ativa [para a ação civil pública]. Para as ações coletivas na tutela de direitos difusos e coletivos, trata-se de legitimação autônoma para a condução do processo, ordinária. Quando a ação coletiva for para a tutela de direitos individuais homogêneos, haverá substituição processual, isto é, legitimação extraordinária. A norma comentada [art. 5º da LACP] encerra legitimação concorrente e disjuntiva, e o litisconsórcio ativo que pode ser formado entre os colegitimados é facultativo. (DONIZETTI, 2010, p. 212) A Ação Civil Pública pode ser ajuizada por uma ou mais entidades, que podem atuar conjunta ou isoladamente na defesa de um determinado interesse coletivo. Por essa razão, entende-se que a legitimidade para a ACP é concorrente e disjuntiva. Isto é, vários são os entes que podem propor a ação, e essa pode ser em conjunto ou não. No caso de desistência infundada ou abandono da ação, o Ministério Público ou outro ente legitimado deverá assumir a titularidade ativa. E, de toda sorte o Ministério Público atuará na ação, se não como parte, obrigatoriamente como fiscal da lei. Essa determinação está expressa no art. 5º LACP (BRASIL, 1985), veja-se: 26 Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: [...] § 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei. [...] Em caso de desistência infundada ou abandono a ação por associação ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. No que diz respeito ao polo passivo, qualquer pessoa, física ou jurídica pode atuar como ré na ação civil pública. O litisconsórcio na Ação Civil Pública, por força do § 2º do art. 5º da LACP, é possível tanto no polo ativo, quanto no passivo. Tal dispositivo da lei determina que fica facultado ao Poder Público e as outras associações legitimadas, habilitarem-se como litisconsortes de qualquer das partes. O Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 103, § 2º, inciso III (BRASIL, 1990), diz que em caso de improcedência do pedido, os interessados que não fizeram parte no processo como litisconsortes poderão ajuizar ação de indenização a título individual. Donizetti (2010) salienta ainda, a admissibilidade do litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na tutela de interesses e direitos coletivos, com fulcro no art. 5º, § 5º, da LACP. Embora ressalte que parte da doutrina aponte esse dispositivo como inconstitucional, em face do pacto federativo, que fixa a competência do Ministério Público da União ao âmbito da Justiça Federal e a do Ministério Público estadual no da Justiça Estadual, traz julgado do STJ, que decidiu no sentido da possibilidade. Veja-se: PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LIITISCONSÓRCIO FACULTATIVO ENTRE MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL – POSSIBILIDADE - § 5º DO ART. 5º DA LEI 7.347/85 – INOCORRÊNCIA DE VETO – PLENO VIGOR. O veto presidencial aos arts. 82, § 3º, e 92, parágrafo único, do CDC, não atingiu o § 5º do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública. Não há veto implícito. Ainda que o dispositivo não estivesse em vigor, o litisconsórcio facultativo seria possível sempre que as circunstâncias do caso recomendassem (CPC, art. 46). O litisconsórcio é instrumento de Economia Processual. O Ministério Público é órgão uno e indivisível; antes de ser evitada, a atuação conjunta deve ser estimulada. As divisões existentes na Instituição não obstam trabalhos coligados. É possível o litisconsórcio facultativo entre órgãos do Ministério Público federal e estadual/distrital. Recurso provido (STJ, 1ª Turma, REsp 382659/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 2/12/2003, DJ 19/12/2003, p. 322). 27 3.2 COMPETÊNCIA A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) traz de forma expressa quais são as matérias que estão afetas à competência da Justiça especializada, e não estando a ação civil pública nesse rol, conclui-se que a competência para apreciar a ACP, é da Justiça comum. O art. 2º da LACP estabelece que as ações civis públicas “serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”. As causas de competência da Justiça comum podem ser propostas tanto na seara Federal quanto na estadual. Vê-se assim, que o legislador optou pelo critério territorial de repartição de competências, lhe atribuindo, no entanto, natureza absoluta, isto é, “funcional”, preferindo o lugar em detrimento da natureza da matéria em debate e a qualidade das partes. Isso se dá por razões práticas, uma vez que o juízo da ocorrência do fato danoso terá maior mobilidade e acesso às provas necessárias a instrução do processo. Donizetti (2010) explica que, embora a competência da ação civil pública seja funcional, ou territorial absoluta, deve-se atentar para o quanto dispõe a Constituição da República no seu art. 109, inciso I, que determina caber aos juízes federais processar e julgar: as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condições de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. (BRASIL, 1988). O referido autor esclarece que esse dispositivo constitucional determina a competência em razão da pessoa, que também é absoluta. Assim, parte da doutrina recomenda a leitura conjunta do art. 2º da LACP e do art. 109 da Constituição, aplicando-se o disposto nos §§ 2º e 3º desse último artigo. Tais parágrafos determinam, respectivamente, que: As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, 28 e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual. (BRASIL, 1988) Dessa forma, num primeiro momento, as ações civis públicas devem ser ajuizadas na seção judiciária que detenha a competência territorial do local do dano; em não havendo vara federal na localidade do fato, será competente o juiz de direito para processar e julgar a causa, cabendo, no entanto, recurso de seus atos para o Tribunal Regional Federal. Elpídio Donizetti ( 2010) explica, que do art. 2º, caput, da Lei nº 7.347/1985, in verbis: “as ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa” (BRASIL, 1985), não pode se inferir que tal dispositivo tenha trazido hipótese de atribuição de competência da Justiça federal para juízo estadual, já que para tanto, deveria haver expressa disposição legal. Dessa forma, nesse ponto, que diz respeito a competência no âmbito da ACP, deve-se utilizar o art. 93 do CDC, o que como já visto, é autorizado pelo art. 21 da LACP. Tal dispositivo do Código de Defesa do Consumidor determina que: Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a Justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente. (BRASIL, 1990). Assim, em resumo, a regra que se aplica a competência para a ação civil pública, é a da leitura conjunta do art. 2º da LACP e do art. 93 do CDC, devendo a ação ser proposta no lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, ressalvada a competência da Justiça federal. E, acrescente-se que se os danos forem de âmbito nacional ou regional, a competência territorial – absoluta, será a do foro da capital do Estado ou no do Distrito Federal. O autor lembra, que tal como na ação popular (art. 5º, § 3º, da LAP), o legislador quis que o juízo inicialmente competente para apreciar a ação civil pública, servisse também para todos os casos de conexão. O parágrafo único do art. 2º, da LACP estabelece que: “a propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto”. 29 Se duas causas forem propostas em face dos mesmos réus, com idênticos pedidos e causa de pedir, haverá litispendência, mesmo que as entidades autoras de uma e de outra ação sejam distintas. O autor explica que isso se dá porque a legitimação para esse tipo de ação é extraordinária, havendo substituição processual. Assim, para que se incorra em litispendência, é dispensável que as partes no polo ativo sejam diversas. (DONIZETTI, 2010) Donizetti (2010, p. 216) chega a seguinte conclusão, ao analisar os institutos supra mencionados: Ora, se na ação civil pública a entidade atua como substituta processual, não há dificuldade alguma em se perceber que o mesmo ocorre quanto ao cidadão na ação popular, motivo pelo qual, como ambas as demandas podem eventualmente ter os mesmos fundamentos e objeto (ex.: proteção do meio ambiente em razão de atividade poluente), é possível cogitar de litispendência entre ação civil pública e ação popular. O autor, atenta ainda para o fato de que será difícil haver entre tais demandas identidade de partes no polo passivo, pois que na ação popular, por exemplo, o litisconsórcio passivo é necessário, o que via de regra não ocorre na ação civil pública. Mesmo assim, ele traz a conclusão de Ada Pellegrini Grinover sobre o tema, Basta a parcial coincidência de partes no polo passivo para se inferir a litispendência entre ação popular e ação civil pública com identidade de causa de pedir e pedido, ante a possiblidade de coisas julgadas inconciliáveis e incompatíveis. (GRINOVER apud DONIZETTI). 3.3 PROCEDIMENTO O procedimento da ação civil pública é o comum ordinário previsto no Código de Processo Civil, com algumas especificidades previstas na legislação própria. Dá-se início aos atos processuais da ação civil pública por provocação de qualquer dos entes legitimados, por meio de petição inicial, cujos requisitos constam no art. 282 do CPC. (BRASIL, 1973). Tendo em vista a qualidade do direito que a Lei nº 7347/85 visa resguardar, direitos indisponíveis, essa lei traz vários mecanismos que auxiliam o proponente da ação civil pública a instruir de forma mais fidedigna o processo. Assim, “o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo 30 de 15 (quinze) dias” (art. 8º, caput, da LACP). E, o art. 10 da LACP, criminaliza a conduta de recusa, retardamento ou omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público. Mesmo quando a lei impuser sigilo, e for legítima a recusa de certidão ou informação, “a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los” (art. 8º, § 2º, da LACP). O § 6º do artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública estabelece a seguinte faculdade: “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. (BRASIL, 1985) Tal “ajustamento de conduta”, segundo a doutrina, equivale a uma modalidade de transação, o que ante a já mencionada indisponibilidade do direito tutelado pela via da ação civil pública, seria, no entendimento de alguns, vedada a transação no curso da demanda. Nesse sentido, José Roberto Marques entende que: A transação teria o sentido de ajustamento da conduta do réu as exigências legais, ou seja, atendimento, por ele, das normas vigentes. O autor da ação não pode dispor dos direitos que não lhe pertencem, mas seria admissível essa adequação de comportamento, o que seria obtido caso julgada procedente a ação, mas em menor tempo (o compromisso de ajustamento de conduta pode ser firmado antes da propositura da ação civil, ressalvadas as hipóteses em que a lei, expressamente, vede). Dispondo-se o réu a atender a todos os pedidos constantes da inicial, é viável esse compromisso tomado sob a forma de transação, que constitui título executivo judicial (deve ser fixada multa diária para o caso de descumprimento). O compromisso de ajustamento de conduta obtido fora do processo é título executivo extrajudicial. (MARQUES apud DONIZETTI) Hugo Nigro Mazzilli assim leciona: Por último não é preciso insistir em que o compromisso de ajustamento a que alude, no § 6º do art. 5º da LACP, tomado extrajudicialmente, não impede que qualquer dos colegitimados ativos possa discutir em juízo o próprio mérito do acordo celebrado. Esse compromisso tem o valor de garantia mínima em prol do grupo, classe ou categoria de pessoas atingidas; não pode ser garantia máxima de responsabilidade do causador do dano, sob pena de admitirmos que lesões fiquem sem acesso jurisdicional. Entender-se ao contrário seria dar ao compromisso extrajudicial que versa interesses difusos da coletividade a mesma concepção privatista que tem a transação no direito civil, campo em que a disponibilidade é a característica principal. Graves prejuízos decorreriam para a defesa social, a admitir esse entendimento. Não sendo os órgãos públicos referidos no dispositivo os verdadeiros titulares do interesse material lesado, o compromisso de ajustamento que tomam passa a ter o valor de determinação de 31 responsabilidade mínima; não constitui limite máximo para a reparação de uma lesão ao meio ambiente ou a qualquer outro interesse de que cuida a Lei n. 7.347. (MAZZILLI, 1993, p. 215 apud PEREZ; TRUJILLO, 2011, p. 86). A Lei da Ação Civil Pública, diz que o juiz ao receber a inicial poderá “conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo” (art. 12, caput da LACP). O § 2º desse dispositivo legal, diz que é cabível o arbitramento de multa em decisão liminar, que embora devida desde o dia em que se der o descumprimento, só é exigível após o trânsito em julgado da decisão, que deve ser favorável ao autor. Donizetti (2010) lembra que a concessão de medidas acautelatórias contra atos do Poder Público é disciplinada pela Lei nº 8.437/92, cujas disposições valem também para a tutela antecipada (art. 273 e 461 do CPC), contra a Fazenda Pública, em consonância com o art. 1º da Lei nº 9. 494/97. Depreende-se da leitura desses diplomas normativos que: a) não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou parte, o objeto da ação (art. 1º, § 3º, da Lei nº 8.437/92); b) também não será cabível medida liminar que defira compensação de créditos tributários (art. 1º, § 5º, da Lei nº 8.437/92), reclassificação ou equiparação de servidores públicos, concessão de aumento ou extensão de vantagens (art. 1º da Lei nº 9.494/97 c/c art. 5º, caput, da Lei nº 4.348/64); c) por força do art. 4º, caput e § 1º, da Lei nº 8. 437/92, bem como do art. 12, § 1º, da LACP, é possível a suspensão das liminares e das sentenças nas ações civis públicas movidas contra o Poder Público e seus agentes. No que diz respeito à resposta do réu e à fase instrutória, aplicam-se as disposições do procedimento comum ordinário, ante a ausência de regras específicas na LACP. Terminada a fase instrutória, o juiz prolatará sentença, com resolução de mérito ou não. E, com relação ao objeto da causa, a LACP determina que: “a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer”. (art. 3º da LACP). O art. 11 da LACP diz que na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará que se satisfaça a obrigação ou a cesse a atividade danosa, sob pena de “execução específica”, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, a despeito de requerimento do autor. 32 E, no caso de condenação em dinheiro, dispõe o art. 13 e §§ da LACP que: a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. § 1º Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária. § 2º Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1º desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente. (BRASIL, 1985). No que tange aos efeitos da decisão proferida em sede de ação civil pública, o art. 16 da LACP, com a redação conferida pela Lei nº 9.494/97, se estende a todos, mas nos limites da competência territorial do órgão prolator. A exceção do efeito erga omnes da sentença, está em o pedido ser julgado por insuficiência de provas, caso em quaisquer dos demais legitimados poderá propor nova ação, com idêntico fundamento, mediante a apresentação de novas provas. Donizetti (2010) faz uma crítica à limitação territorial dos efeitos da sentença, ressaltando que a finalidade da ação civil pública é evitar a proliferação de ações em todo o território nacional, não podendo ser aceita a restrição do art. 16 da LACP, sobretudo, quando o CDC no seu art. 103 traz previsão em sentido oposto. Veja-se o quando determina esse último dispositivo legal: E, em não tendo o legislador alterado a redação do CDC, inútil foi a modificação do art. 16 da LACP. Continuando sem limites territoriais o regime do CDC acerca da coisa julgada erga omnes e ultra partes, a inovação é inócua, tendo em vista a remissão ao CDC contida da própria LACP, no seu art. 21. Assim, a modificação da redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85, em a mudança do art. 103 do CDC, restou ineficaz. Dessa forma, o autor aponta que a competência territorial não deve determinar os limites do julgado, mas em contrapartida, é o objeto da tutela que deve fixar a competência do órgão jurisdicional, em consonância com o art. 93 da Lei consumerista. 33 O jurista assevera, no entanto, que o entendimento predominante no STJ não é esse. Veja-se: I – A orientação fixada pela jurisprudência sobranceira desta Corte é no sentido de que a decisão proferida no julgamento de Ação Civil Pública faz coisa julgada nos limites da competência territorial do órgão que a prolatou (AgRg no REsp 755. 429/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3º Turma, julgado em 17/12/2009, DJe 18/12/2009). De acordo com a jurisprudência firmada na corte Especial do STJ, a sentença na ação civil pública faz coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, segundo dicção do art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97 (AgRg no REsp 573.868/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, julgado em 15/10/2009, DJe 26/10/2009). 3.4 RECURSOS CABÍVEIS E OUTROS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO Por força do art. 19 da LACP, as decisões, sentenças e acórdãos proferidos na ação civil pública, podem ser impugnados com os mesmos recursos previstos na Lei Processual Civil, dispõe esse dispositivo de lei que: “aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições”. Ocorre que, no sistema processual tradicional, a regra é a suspensividade, enquanto que a LACP traz tal efeito de forma excepcional, o art. 14 da referida lei diz que: “o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte”. Assim, o CPC impede que a decisão produza os seus efeitos de forma imediata, enquanto que em se tratando de jurisdição civil coletiva, como lembra Marcelo Abelha: a regra é a de que todos os recursos (recorribilidade) não são dotados de efeito suspensivo [...]. Essa interpretação deriva da correta leitura do texto da norma citada, que é bem claro ao dizer que o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, demonstrando a posição (muito elogiável nesse particular) de se deixar, por via de regra, todos os recursos desprovidos de tal efeito. (ABELHA apud DONIZETTI). Donizetti (2010) lembra que par da peculiaridade trazida pela LACP, está a possibilidade de a liminar concedida em ação civil pública ser alvo de agravo de instrumento, bem como por um incidente processual apresentado pela Fazenda Pública, denominado “pedido de suspensão de segurança” – ou ainda, suspensão de liminar e antecipação de tutela. É que se depreende do exame conjugado do caput e do § 1º do art. 4º da Lei nº 8.437/92: 34 Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. § 1º Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo da ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado. [...]. (BRASIL, 1992) O § 1º do art. 12 da LACP estabelece, no mesmo sentido da norma supracitada que: A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de cinco dias a partir da publicação do ato. (BRASIL, 1985). Dessa forma, a suspensão da segurança tem lugar na ação civil pública. Sua interposição, diferente dos recursos, não enseja o reexame da decisão, mas apenas a recíproca suspensão, em razão dos reflexos que podem advir da decisão, como a possibilidade de grave lesão a valores políticos relevantes. Assim, a existência de vício na decisão, error in judicando ou in procedendo, não é requisito para a suspensão da segurança; basta a demonstração de manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade, bem como a possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas. Não há prazo para a suspensão da segurança, assim a delonga na sua apresentação, pode evidenciar ausência de risco de grave lesão. Cumpre observar, que a interposição de agravo de instrumento e a suspensão da segurança, manejados contra uma mesma liminar, são se prejudicam reciprocamente, nos termos do art. 4º, § 6º, da Lei nº 8.437/92. A ressaltar, que diante da remissão ao CPC, a Fazenda Pública e o Ministério Público dispõem da prerrogativa de prazo em dobro para recorrer, bem como os litisconsortes com diferentes procuradores (arts. 188 e 191 do CPC, respectivamente). Pelo mesmo motivo, a sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e 35 fundações de direito público, via de regra, fica sujeita ao reexame necessário, nos termos do art. 475, I do CPC. O Código de Processo Civil não dispõe acerca da Defensoria Pública, no entanto, essa instituição por força da sua lei de regência, a Lei Complementar nº 80/1994, com redação dada pela LC nº 132/2009, também é detentora de tal prerrogativa. Veja-se o quanto determina o art. 44, I do referido diploma normativo: São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União: [...] receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se lhes em dobro todos os prazos. (BRASIL, 2009). 3.5 COISA JULGADA A regra geral é de que a coisa julgada tem efeito interpartes, isto é, o julgado é dirigido às partes litigantes, independentemente do resultado da demanda. No processo coletivo, porém, por conta da natureza dos direitos levados a juízo, houve uma releitura da dinâmica da coisa julgada, de modo que os efeitos do julgado estendem-se àqueles que não foram partes na causa e, ainda, de acordo como resultado da lide. O Código de Defesa do Consumidor regula pormenorizadamente a matéria relativa aos efeitos da sentença nas ações coletivas, razão pela qual, mais uma vez, se deve interpretar a regra constante do art. 16 da LACP em conformidade com as normas do CDC. Pois bem, no que tange a coisa julgada nas ações coletivas, dispõem os arts. 103 e 104 do CDC que: Art. 103. Nas ações coletivas de que trata esse Código, a sentença fará coisa julgada: I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar de hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. 36 § 1º Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe. § 2º Na hipótese do inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual. § 3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei 7.437, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. § 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória. Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. (BRASIL, 1990) Assim, a sistemática da coisa julgada na ação civil pública está esquematizada da seguinte forma: 3.5.1 Quanto aos direitos difusos (art. 103, I, do CDC) Na hipótese do inciso I, do art. 103 do CDC, a coisa julgada em ação civil pública se estende a toda a comunidade titular do direito lesado, isto é, erga omnes. Essa amplitude subjetiva da coisa julgada permite que, no caso do pedido ser julgado procedente, as vítimas ou seus sucessores, integrantes da comunidade procedam à liquidação e execução da sentença, nos termos do § 3º do art. 103 do CDC. Por outro lado, se o pedido for improvido, “a extensão e a própria formação da autoridade da coisa julgada far-se-ão de acordo com o fundamento probatório da decisão transitada em julgado (coisa julgada secundum eventum probationis)”. (CERQUEIRA apud DONIZETTI). Isso ocorre, porque conforme já dito, quando o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, outro legitimado, até mesmo o que ajuizou a ação, poderá propor nova demanda coletiva, com idêntico fundamento, com apresentação de nova prova; por outro lado, se o pedido for julgado improcedente mesmo diante de ampla dilação probatória, a coisa julgada se forma naturalmente, cuja imutabilidade se estende erga omnes. 37 Deve-se ter em mente por outro lado, que em qualquer hipótese de improcedência do pleito inicial, seja na ação civil pública ou outra ação de cunho coletivo, a extensão da coisa julgada não prejudica interesses e direitos individuais daqueles que integram a comunidade lesada (art. 103, § 1º, do CDC). Com efeito: se o pedido formulado na ação coletiva for julgado improcedente, impede-se, em razão dos efeitos negativos da coisa julgada, o ajuizamento de nova ação coletiva. Não há preclusão, porém, acerca da possibilidade de se propor ação individual com o mesmo fundamento, haja vista que o objeto desta ação é diverso do daquela. (CERQUEIRA apud DONIZETTI). 3.5.2 Quanto aos direitos coletivos em sentido estrito (art. 103, II, do CDC) No que diz respeito aos efeitos da coisa julgada, nos direitos coletivos em sentido estrito, Elpídio Donizetti (2010, p. 223) esclarece que apesar de o legislador ter se valido da expressão ultra partes para determinar o alcance do julgado, não haveria, em verdade, diferenças entre a sistemática da coisa julgada nas ações coletivas que tratem dos direitos difusos e naquelas que versem sobre direitos coletivos em sentido estrito. Dessa forma, a regra da extensão da coisa julgada secundum eventum probationis vale tanto para os direitos difusos como para os direitos coletivos em sentido estrito. O doutrinador explica, que o correto seria a utilização da expressão ultra partes em ambos os casos, já que a expressão erga omnes dá vasão a interpretações equivocadas, como observa Antônio Gidi: A imutabilidade do comando (coisa julgada) nas ações coletivas não atinge a todos os seres humanos existentes no planeta, mas tão só e exclusivamente a comunidade lesada (inc. I), o grupo, a categoria ou classe lesados (inc. II) e as vítimas lesadas e seus sucessores (inc. III). Enfim, em uma palavra, da imutabilidade do comando da sentença coletiva favorável só se beneficiam os titulares do direito lesado (ação repressiva) ou possivelmente lesado (ação preventiva). Ninguém mais. Afinal, a estes pertence a titularidade do direito material invocado na ação coletiva, como prevê o art. 81 do CDC). (GIDI, 1995, p. 111 apud DONIZETTI, 2010, p. 223). Vale lembrar, que a improcedência do pedido em sede de ação que verse sobre direitos coletivos sem sentido estrito, assim como nos direitos difusos, não prejudica os demais indivíduos que fazem parte da coletividade, esses podem intentar ação individual. 38 3.5.3 Quanto aos direitos individuais homogêneos (art. 103, III, do CDC) Para os direitos individuais homogêneos não se adotou a regra da extensão secundum eventum probationis da coisa julgada. Como se percebe da leitura do art. 103, III do CDC, os efeitos subjetivos da coisa julgada estende-se erga omnes, isto é, para todos os indivíduos homogeneamente tidos, apenas em caso de procedência do pedido. A hipótese é, portanto, de extensão da coisa julgada conforme o resultado da lide secundum eventum litis, isto é: se julgado procedente o pedido formulado na ação coletiva, todos os indivíduos (ou seus sucessores) lesados por determinado fato serão beneficiados pela extensão da coisa julgada formada em tal ação, podendo partir diretamente para a fase de liquidação da sentença e execução dos correlatos direitos individuais. Por outro lado, se improcedente o pedido, apenas a via coletiva de defesa dos direitos individuais fica trancada (coisa julgada inter partes), podendo cada indivíduo ajuizar ação (individual) em defesa de seus direitos. (CERQUEIRA apud DONIZETTI, 2010, p. 224). Nesse caso, na hipótese de improcedência do pedido formulado na ação coletiva pela entidade legitimada (art. 103, § 2º do CDC), somente os indivíduos que não tiverem intervindo como litisconsortes poderão ajuizar ação a título individual para requerer indenização. Isso se dá pela natureza dos direitos considerados, que diferentemente dos difusos e coletivos em sentido estrito, “são direitos essencialmente individuais, porém coletivamente considerados”, razão pela qual os indivíduos que intervierem como assistentes litisconsorciais não afetados pela coisa julgada (inter partes) formada na ação coletiva. 3.6 EXECUÇÃO Em tendo a sentença na ação civil pública caráter condenatório, o ente legitimado deve prosseguir com sua execução ou, no caso dos direitos individuais homogêneos (art. 97 e 98 do CDC), a própria vítima ou seus sucessores devem dar continuidade. O art. 15 da LACP diz que: “decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados”. O art. 13, da LACP determina por sua vez que: 39 Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. § 1º Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária. § 2º Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos no disposto no art. 1º desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente. (BRASIL, 1985, grifo nosso). Embora o dispositivo transcrito não excepcione, por consequência lógica, no que diz respeito aos direitos individuais homogêneos, a indenização devida, não irá para um fundo, via de regra, uma vez que, nesse caso, os destinatários da tutela jurisdicional são determinados, havendo possibilidade de divisão da quantia indenizatória entre eles. E, conforme dito alhures, o termo de ajustamento de conduta tomado por órgãos públicos legitimados tem eficácia de título executivo extrajudicial, como dispõe o art. 5º, § 6º, da LACP (BRASIL, 1985). Assim, a execução coletiva poderá ser instruída com esse documento. 3.7 SUCUMBÊNCIA E LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ O art. 18 da LACP determina que nas ações regidas por esse diploma normativo, “não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais”. (BRASIL, 1985). Donizetti (2010) ressalta que não haveria mesmo sentido em condenar a associação autora a pagamento dos ônus sucumbenciais, já que essa age como substituta processual. E, art. 17 da LACP determina que essa condenação é solidária entre a associação e os diretores responsáveis pela propositura da ação, e as custas serão computadas ao décuplo, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos a que ficam sujeitos. (BRASIL, 1985). 3.8 AÇÃO CIVIL PÚBLICA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Donizetti (2010) esclarece que, embora grande parte da doutrina entenda não ser cabível a declaração incidental de inconstitucionalidade na 40 ação civil pública, em razão dos efeitos erga omnes advindos dessa espécie de ação, o que equivaleria a uma ação direta de inconstitucionalidade ou ação declaratória de constitucionalidade, o que significa controle abstrato, cuja competência, sobretudo no que tange às normas federais, é exclusiva do Supremo Tribunal Federal. A despeito de tal corrente, ambos o STF e STJ têm reconhecido a possibilidade da declaração incidental de inconstitucionalidade na ação civil pública. Para tanto, a controvérsia constitucional deve vir como causa de pedir, fundamento ou como questão prejudicial indispensável à solução da lide, e não como pedido. Veja-se julgado do STJ nesse sentido: O Supremo Tribunal Federal admite a propositura de ação civil pública com base na inconstitucionalidade de lei, ao fundamento de que, nesse caso, não se trata de controle concentrado, mas sim controle difuso de constitucionalidade, passível de correção pela Suprema Corte pela interposição de recurso extraordinário. Na verdade, o que se repele é a tentativa de burlar o sistema de controle constitucional para pleitear, em ação civil pública, mera pretensão de declaração de inconstitucionalidade, como se de controle concentrado se tratasse. In casu, o pedido formulado pelo Parquet diz respeito ao direito individual homogêneo do contribuinte de não recolher tributo, que, segundo seu entendimento, é legítimo. A inconstitucionalidade da lei criadora do “complemento de taxa de serviços públicos”, instituído pela Municipalidade de Campos do Jordão, nada mais é do que o fundamento dessa ilegitimidade e sequer faz coisa julgada, nos termos do artigo 469 do Código de Processo Civil. Admitida a declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade de lei municipal em ação civil pública, devem os autos retornar à Corte a quo para que examine as demais preliminares arguidas, incluído o exame da legitimidade do Parquet para a defesa dos contribuintes, e, se for o caso, prossiga no exame do mérito da demanda (STJ, 2ª Turma, REsp 175222/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, j. em 19/03/2002, DJ 24/06/2002, p. 230). Assim, o mencionado autor conclui pela possibilidade da declaração incidental de inconstitucionalidade na ação civil pública. 41 4 DA DEFENSORIA PÚBLICA Conforme já dito no capítulo destinado aos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, o direito constitucional, no decorrer de sua evolução, adotou diferentes paradigmas. (GOGOY, 2012, p. 142). No paradigma do Estado Liberal não era possível a concepção de uma assistência jurídica gratuita, uma vez que o Estado era mínimo, assim, o trabalho jurídico prestado aos pobres era voluntário, não era um direito do cidadão. No Estado Social, ou Estado do Bem Estar Social, o Poder Público passa a ser o responsável por prestar à população, direitos como saúde, educação, segurança entre outros. Ocorre, nesse contexto, que os direitos precisavam de garantias, que os assegurassem, não só formalmente, mas também materialmente. Assim, começou a se pensar a questão da assistência judiciária aos necessitados, foi o que Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 31) denominaram de “Primeira Onda do Acesso à Justiça”. Dessa forma, surgem os primeiros modelos de Assistência Judiciária Gratuita. Ora se fala em assistência judiciária, no sentido de que caberia ao Estado custear o processo daqueles que comprovarem insuficiência de recursos; ora em convênios com advogados particulares, para que esses mediante pagamento patrocinem a causa dos pobres. Assim, o acesso à justiça aos hipossuficientes é garantido, nos sistemas judiciários ocidentais, adotando-se diversos modelos de assistência, de acordo com a conveniência do poder constituído. Costuma-se agrupar os diferentes modelos em três grupos: o sistema judicare, o staff model e o misto. O sistema judicare, é bastante comum, sendo adotado, sobretudo por países europeus, tais como França, Inglaterra, Holanda e Áustria. Nesse modelo, o Estado contrata uma prestação de serviço, já que o patrocínio dos necessitados é feito por advogado particular, remunerado pelo Poder Público, mas sem vínculo empregatício. O sistema staff model, é a assistência prestada por advogados que prestam um serviço público, na forma de convênio com o Estado. Há países, por outro lado, que adotam tanto o sistema judicare, quanto o staff model, de forma combinada, isto é, de forma mista, sendo esse último 42 modelo, a implantação de Defensorias Públicas como entidade pública, e a utilização de advogados particulares pelo Poder Público. Felipe Dezorzi Borges (2012, p. 170/171), explica cada um daqueles sistemas. -sistema judicare: a assistência é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se encaixem nos requisitos legais, e é prestada por advogado pago pelo Estado. Nesse sistema, cabe ao cidadão reconhecer um direito e procurar auxílio. -representação por advogado particular indicado pelo Estado: a assistência é outorgada a advogados particulares pagos pelo Estado, que prestam um serviço público, em favor dos hipossuficientes. -representação por Defensor Público: a assistência judiciária é estabelecida como um direito do cidadão, custeado pelo Estado. É prestado por servidores especialistas do próprio Estado. O indivíduo é tido como o objeto da prestação jurisdicional. Esse sistema não trata apenas de causas individuais, mas possui autonomia pra identificar problemas dentro da comunidade, inclusive apontando soluções metaindividuais. Quanto a esse último modelo, veja-se o quanto propôs Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p.54), quando aduzem ser a instituição do advogado público superior aos demais sistemas: Há um desequilíbrio na advocacia, que em muitos casos só pode ser corrigido por advogados pagos pelo próprio governo, para defender os interesses não representados dos consumidores, do meio ambiente, dos idosos e de outros interesses não organizados. É preciso que um advogado público fale por esses interesses se pretendermos que eles sejam ouvidos. O conceito de Assistência Judiciária Gratuita, no entanto, passou por uma nova mudança de paradigma constitucional, com o advento do “Estado Democrático Social”, no qual passou a se conceber o Estado dentro de uma realidade de solidariedade social, em que se concebem grupos de vulnerabilidade, e que se busca dar máxima efetividade ao princípio da igualdade, considerando-se uma sociedade que se apresenta sob muitos aspectos. Felipe Dezorzi Borges (2012, p. 144) explica que: É corolário deste novo paradigma que se identifique que o atual fundamento constitucional da Assistência Judiciária Gratuita 43 esteja radicado no art. 3º da Constituição Federal de 1988, o qual assim prevê: ‘Art. 3º.: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Assim, é de se observar, no paradigma do Estado Democrático de Direito, que o próprio conceito de pobreza e necessidade evoluiu, em relação aos adotados anteriormente. O conceito de pobreza não é mais restrito àqueles que carecem de recursos financeiros, mas se estende cada vez mais, a todas as formas de exclusão. (BORGES, 2012, p. 143). ROCHA (2009) atinge o cerne da questão, ao definir que a pobreza transcende a falta de recursos econômicos, sendo também pobre aquele que tem seus direitos fundamentais desrespeitados, como o acesso à saúde, educação e moradia. É necessitado e merece especial proteção do Estado, portanto, aquele que não tem como reivindicar os seus direitos básicos. Conclui-se, até aqui, que a finalidade precípua da assistência jurídica gratuita, seja qual for o modelo adotado, é garantir acesso à justiça. Por fim, alguns países decidiram por criar suas próprias instituições, cujo fim, é garantir aqueles direitos ditos sociais, aos economicamente hipossuficientes. O que na América Latina foram denominadas Defensorias Públicas. No Brasil, a assistência judiciária aos pobres é garantida desde a Constituição de 1934, que previa no seu artigo 113, 32) que, “a União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”. (BRASIL, 1934). Porém, somente na Constituição de 1988, é que foi criada a Defensoria Pública como instituição atuante tanto no âmbito estadual como federal, cujo objetivo é garantir assistência jurídica integral e gratuita a todos os necessitados. A Defensoria Pública está na Constituição Federal de 1988, no capítulo IV, das Funções Essenciais à Justiça. Assim como o Ministério Público (Seção I), a Advocacia Pública (Seção II) e a Advocacia (Seção III), a Defensoria Pública é instituição que contribui para o regular funcionamento da Justiça. (BRASIL, 1988) 44 Felipe Dezorzi Borges (2012), ressalta que a Constituição, ao organizar o Poder Estatal, diferentemente das constituições anteriores, não se limitou às descentralizações tradicionais entre os complexos orgânicos denominados Três Poderes, mas instituiu um quarto complexo orgânico que, conforme o autor, não se constitui um quarto Poder, mas recebeu a seu cargo a função essencial de provedoria da Justiça diante dos demais poderes constituídos. Conforme o dizer de Ana Rita V. Albuquerque (2000, p. 19): Frise-se que a instituição da Defensoria Pública ao receber a atribuição constitucional de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, não desempenha função “auxiliar” no sentido orgânico, mas sim que sua função é essencial no sentido de ser tão imprescindível à existência do Estado Democrático de Direito quanto qualquer das demais do título IV, e por isso a expressão constitucional se refere a “todos os Poderes do Estado, enquanto diga respeito à realização do valor da Justiça por qualquer deles”. Nesse sentido, asseverou Ada Pellegrini Grinover (2008, p. 307): O art. 134 da CF não coloca limites às atribuições da Defensoria Pública. O legislador constitucional não usou o termo exclusivamente, como fez, por exemplo, quando atribuiu ao Ministério Público a função institucional de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (art. 129, I). Desse modo as atribuições da Defensoria Pública podem ser ampliadas por lei, como, aliás, já ocorreu com o exercício da curadoria especial, mesmo em relação a pessoas não economicamente necessitadas, e não sua tarefa exclusiva. Assim sendo, a Defensoria Pública no Brasil está fundamentada e edificada normativamente na Constituição da República pelos artigos 1º, II, III e IV, 3º, I, II, III e IV, 5º, LXXVI, disciplinadas nos artigos 134 e seguintes (BRASIL, 1988), bem como regulamentada pela Lei Complementar nº 80 de 1994 (BRASIL, 1994), a chamada Lei Orgânica da Defensoria Pública. Conforme a lei de regência, A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. (BRASIL, 1994). A instituição obedece três princípios institucionais, quais sejam, a unidade, a indivisibilidade, já que aquela abrange a Defensoria Pública da 45 União, do Distrito Federal e dos Territórios, bem como a dos Estados, e a independência funcional. Cleber Francisco Alves e Marília Gonçalves Pimenta (2004) ensinam que a unidade consiste em ver a Defensoria Pública como um todo formado pela Defensoria Pública da União, dos Estados e a do Distrito Federal e dos Territórios. A indivisibilidade, por sua vez, significa que a Defensoria Pública como um todo que é não está sujeita a rupturas ou fracionamentos. (MORAES, 1999, p. 171) A independência funcional garante a autonomia da Defensoria Pública, perante os demais órgãos, na medida que suas funções institucionais podem ser exercidas até mesmo contra as pessoas jurídicas de direito público das quais fazem parte como entes despersonalizados pelo fenômeno de direito administrativo da desconcentração (MELLO, 2002, p. 273), e impede que seus membros sejam subordinados à hierarquia funcional, ficando os membros subordinados apenas à hierarquia administrativa. Veja-se o quanto determina o art. 4º, § 2º da LC nº 80/94: “São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras [...] as funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público”. (BRASIL, 1994) Tal princípio institucional “elimina qualquer possibilidade de hierarquia diante dos demais agentes políticos do Estado, incluindo os magistrados, promotores de justiça, parlamentares, secretários de estado e delegados de polícia”. (GALLIEZ, 2001, p. 27). Para atuar de forma a dar cumprimento ao art. 1º da LC 80/94, e em consonância com as normas abstratas acima descritas, a Defensoria Pública tem suas atribuições organizadas em três pontos principais que se comunicam: a) a prestação do serviço de assistência judicial integral e gratuita perante os Juízos Federais, do Trabalho, Juntas e Juízos Eleitorais, Juízos Militares, as Auditorias Militares, Tribunal Marítimo e a instâncias administrativas, nos Tribunais Superiores e no Supremo Tribunal Federal, nas mais diversas áreas de atuação, tais como direitos humanos, previdenciário, criminal entre outras; 46 b) a atuação extrajudicial para a resolução dos conflitos às pessoas físicas e jurídicas e as mais diversas instâncias da Administração Pública Federal, uma vez que cabe ao Defensor Público realizar acordos entre as partes em conflito, o que contribui sobremaneira para a redução das demandas que chegam ao Poder Judiciário; e c) a prestação de assistência jurídica preventiva e consultiva, que funciona para a minimização dos conflitos de interesse no seio da sociedade, o que contribui para a formação da cidadania plena. (DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, 2012, p. 11). A Defensoria Pública está organizada em duas instituições: a Defensoria Pública da União (DPU) e as Defensorias Públicas dos Estados, Territórios e Distrito Federal (DPEs). A primeira tem atribuição para atuar nas Justiças Federal, Eleitoral, Militar e do Trabalho; a competência das DPEs é residual. O art. 3ºA da Lei de regência da Defensoria Pública, incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009, dispõe acerca dos objetivos da referida instituição, que estão em pleno acordo com os objetivos da República Federativa do Brasil, são eles: I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; II – a afirmação do Estado Democrático de Direito; III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. (BRASIL, 2009 - grifo nosso). O ingresso na carreira de Defensor Público, a teor da Constituição (art. 37, inciso II c/c art. 134, parágrafo único, da CRFB/88), se dá por meio de aprovação em concurso público. E, as garantias dos membros da Instituição estão positivadas no art. 43 da LC nº 80/94. Assim, há uma diferença substancial entre o advogado e o defensor público, pois a função desse, é defender o cidadão necessitado. A legitimação constitucional outorgada pelo Estado brasileiro à Defensoria Pública constitui a essência do mandato processual, e se difere essencialmente do mandato concedido por um particular a um advogado privado, pois nesse último caso, é necessária a participação individual do outorgante. Assim, a atuação da Defensoria não se confunde com aquela desempenhada pela Advocacia. 47 Dispõe o art. 44, inciso XI, seção III da Lei Complementar n. 80/1994, que: “São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União: [...] representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais”. (BRASIL, 1994) Vê-se, pois, que a legislação complementar reforça o múnus público para a orientação jurídica e defesa dos interesses, tanto individuais como coletivos, dos cidadãos que necessitados e vulneráveis, independentemente de mandato. É, dessa forma, razoável que tenha o constituinte autorizado à Defensoria Pública, a “orientação” dos necessitados quanto à análise de pretensões e a prevenção de litígios, por meio de medidas conciliatórias, contribuindo com a administração da justiça. Em suma, a Defensoria Pública objetiva garantir aos necessitados, “acesso à ordem jurídica justa”. (SOARES, 2002, p. 69 e 107). 48 5 A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Preliminarmente é necessário avaliar que, num primeiro momento, a ação civil pública era precipuamente uma das funções institucionais do Ministério Público, que exercia, quase que exclusivamente, “a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III, da CF). E, a Defensoria Pública foi estatuída para realizar a defesa dos “necessitados”, ou hipossuficientes. A Constituição Federal de 1988 determina no seu art. 134 ser essa a função essencial da referida instituição. Como evidenciado no capítulo anterior, a Defensoria Pública foi o modelo adotado pelo nosso ordenamento jurídico, para propiciar acesso à justiça àqueles que não poderiam tê-lo, sem a intervenção estatal. Pois bem, vemos que é no plano constitucional que estão definidas as finalidades das instituições políticas e sociais. Por consequência lógica, é na Constituição Federal, e na sua interpretação sistemática, que encontraremos respostas para as controvérsias e indagações originariamente debatidas e colocadas. Constantemente a legitimidade da Defensoria Pública tem sido impugnada, no que diz respeito à defesa dos direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos. Tramita, a propósito, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 3943, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), que contesta o dispositivo de lei contido na LACP, que legitimou a Defensoria Pública a propor ação civil pública. (BRASIL, 2013). Aquela associação alega, em síntese e entre outras coisas, que aqueles que são atendidos pela Defensoria Pública devem ser, pelo menos, individualizáveis, identificáveis, para que se saiba, realmente, que a pessoa atendida pela Instituição não possui recursos suficientes para o ingresso em Juízo [...] não há possibilidade alguma de a Defensoria Pública atuar na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos como possuidora de legitimação extraordinária [...] conclui-se, pois, que a legitimidade ampla conferida à Defensoria Pública não pode prevalecer, em face dos artigos 5º, LXXIV, e 134 da Constituição Federal. (BRASIL, 2013) 49 Essa não é a única entidade que nega a legitimidade da Defensoria Pública, a FEBRABAM – Federação Brasileira de Bancos requereu o seu ingresso como amicus curiae na ADI 3934, corroborando com os argumentos da Conamp e acrescentando pormenores. (BRASIL, 2013) Assim, a discussão situa-se em âmbito constitucional ainda, pois embora a Lei nº 11.448/07 tenha elencado a Defensoria Pública como ente legitimado a propor a Ação Civil Pública, sem especificar se abrangia ou não apenas os economicamente hipossuficientes, tal omissão não afastaria a delimitação, a que estaria submetida a Defensoria, de defender os interesses apenas dos necessitados. Esse entendimento baseia-se na interpretação literal dos artigos 134 e 5º, inciso LXXIV da Constituição da República Federativa, que assim dispõe respectivamente: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV”, e “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. (BRASIL, 1988). Tal interpretação, no entanto, deve ser afastada, e assim tem feito a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça. Isso porque, tem-se interpretado a expressão “necessitados”, no campo da ação civil pública, em sentido amplo, de modo a inserir ao lado dos precisamente carentes de recursos financeiros, os hipervulneráveis, isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, tais como os consumidores, as crianças, os idosos, as gerações futuras, as minorias étnicas e, ainda hoje, as mulheres. Veja-se: Por espelhar e traduzir exemplarmente as marcas identificadoras do Welfare State, que está baseado nos princípios da solidariedade, da dignidade da pessoa humana e da efetiva igualdade de oportunidades, inclusive de acesso à Justiça, a Defensoria Pública – instituição altruísta por excelência – é essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 134, caput, da Constituição Federal. A rigor, mormente em países de grande desigualdade social, em que a largas parcelas da população – aos pobres sobretudo – se nega acesso genuíno ao Judiciário, como ocorre infelizmente no Brasil, seria impróprio falar em verdadeiro Estado de Direito sem a existência de uma Defensoria Pública nacionalmente organizada, conhecida de todos e por todos respeitada, capaz de atender aos necessitados da maneira mais profissional e eficaz possível. A expressão “necessitados” (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação 50 Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, “necessitem” da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão do minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana. Ao se analisar a legitimação ad causam da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública referente a interesses e direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos, não se há de contar nos dedos o número de sujeitos necessitados concretamente beneficiados. Basta um juízo abstrato, em tese, acerca da extensão subjetiva da prestação jurisdicional, isto é, da sua capacidade de favorecer, mesmo que não exclusivamente, os mais carentes, os hipossuficientes, os desamparados, os hipervulneráveis. A ser diferente, bastaria ao universo dos sujeitos beneficiados incluir, direta ou indiretamente, um só abonado ou ricaço para a tutela solidarista ser negada a centenas ou milhares de necessitados, deixando-os à míngua diante de graves lesões de natureza supraindividual [...] em verdade, cabe à Defensoria Pública a tutela de qualquer interesse individual homogêneo, coletivo stricto sensu ou difuso, sobretudo aqueles associados aos direitos fundamentais, pois sua legitimidade ad causam não se guia, no essencial, pelas características ou perfil do objeto da tutela (= critério objetivo), mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos, concreta ou abstratamente defendidos, os necessitados (= critério subjetivo), perspectiva essa que fez com que precedente do STJ ampliasse essa legitimidade [...] a jurisprudência desta Corte vem se consolidando no sentido de que a inclusão da entidade como legitimada ativa para a propositura da Ação Civil Pública faz parte de mudanças no arcabouço jurídico-processual com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF. (BRASIL, 2011) A Constituição Federal de 1988 assevera no seu art. 5º caput e incisos XXXV, LIII, LIV, LV, LXXIV, LXXVIII dentre outros, acerca do acesso à justiça (BRASIL, 1988). Temos, pois, da leitura desses dispositivos constitucionais, que o acesso à justiça será pleno apenas consoante a paridade de condições entre os contendores, sendo certo, que a busca pela satisfação de um direito, perpassa pelo equilíbrio da relação jurídico-processual e por uma representação adequada das partes litigantes. Consoante adverte Araken de Assis (2001, p. 75): É natural que, evitando tornar a garantia judiciária inútil à maioria da população, e ao menos para os desprovidos de 51 fortuna e recurso, a ordem jurídica estabeleça mecanismos de apoio e socorro aos menos favorecidos. Antes de colocar os necessitados em situação material de igualdade, no processo, urge fornecer-lhes meios mínimos para ingressar na Justiça, sem embargo da ulterior necessidade de recurso e armas técnicas, promovendo o equilíbrio concreto. É nesse sentido que deve ser lido o quanto consta do art. 5º, inciso LXXIV da Constituição da República, quando assegura “assistência jurídica integral” aos cidadãos, in verbis: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (BRASIL, 1988). Felipe Dezorzi Borges (2012) explica que nessa norma constitucional está implícito o objetivo de reverter a visão estritamente econômica do processo, uma vez que tal inciso resume a evolução dos institutos da assistência judiciária e da gratuidade de justiça, que estariam adstritos aos mecanismos de orientação e defesa do cidadão necessitado pobre, para trazer uma Assistência Jurídica Integral que abrange uma gama maior de garantias a serem prestadas pelo Estado. Dessa forma, o Estado propiciou ao cidadão vulnerável instrumentos para acessar o Judiciário e o extrajudicial, transpondo as barreiras da vulnerabilidade apenas econômica. Tem-se, pois, que o conceito de “necessitado” sofreu modificações ao longo das décadas. As Constituições de 1934 e 1946 já traziam em seu bojo a prestação de “assistência integral” em favor dos “necessitados”. Ocorre, porém, que somente com o art. 68 do Código de Processo Civil de 1939 tratou-se de forma objetiva de quem seria o destinatário do benefício da assistência jurídica, qual seja “a parte que não estiver em condições de pagar as custas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”. Posteriormente foi editada a Lei nº 1.060/1950 que “estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados”, e que determina no seu artigo 2º caput e parágrafo único que: Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no País, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho [...] Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. (BRASIL, 1950). 52 Portanto, a redação dada pelo inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal de 1988 inova ao se comprometer com uma assistência jurídica integral que abrange os necessitados nos termos da Lei 1.060/50 e também os hipossuficientes. É no contexto de uma constituição social, que o Estado se obriga, através do seu órgão de atuação, Defensoria Pública, a prestar uma assistência jurídica integral em prol do cidadão. Tem-se, dessa feita, um dever de assistência jurídica integral e gratuita reservada à Defensoria Pública, com o objetivo de garantir acesso à Justiça, custeada e fornecida pelo Estado, à luz do art. 5º, inciso LXXIV, e art. 134 da CF/88. Dessa forma, a despeito da visão tradicional do conceito de necessitado, deve-se considerar a visão macro da proteção que o Estado visa assegurar quando da sua aplicação à tutela de direitos ou interesses difusos e coletivos, de modo a incrementar aquele conceito, por meio de uma releitura aberta e flexível, que propicie a adequada proteção dos interesses transindividuais. É que os textos constitucionais anteriores e suas respectivas leis, sobretudo estatutos processuais, possuíam uma visão individualizada dos conflitos, que é marca do Estado Liberal, visão essa, apartada da dimensão transindividual aferível a partir da litigiosidade de massa e dos direitos metaindividuais e individuais homogêneos. Nesse passo, é natural o rumo inicialmente trilhado pela legislação nacional, que dirige a assistência judiciária à defesa de direitos e pretensões exclusivamente individuais. Ainda em vigor, a Lei 1060/50 guarda silogismo diverso daquele aferido pelo inciso LXXIV do art. 5º da CF/88, o qual, muito embora possibilite menção direta àquela legislação, no sentido de complementar sua garantia, conferiu amplitude à assistência, haja vista não delimitar em seu texto o titular da garantia da assistência jurídica integral. Nesse sentido, a rubrica necessitado – dada pela Lei 1060/50 -, e a prescrição aos que comprovarem insuficiência de recursos – informada pelo inciso LXXIV do art. 5º da Constituição, compreendem um microssistema de proteção integral, cujo alcance não se limita à garantia de direitos individuais, 53 mas também abarca a proteção de direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, em favor de todos aqueles socialmente vulneráveis. Essas circunstâncias têm por objetivo realizar o Acesso à Justiça, o que se revela hodiernamente, através da assistência jurídica integral, de modo que a leitura do termo necessitado abrange, no ponto, não apenas a pessoa física economicamente fragilizada, mas também, aqueles necessitados no plano coletivo, então considerada a vulnerabilidade de defesa de direitos transindividuais e a fragilidade organizacional na salvaguarda as pretensões coletivas. Sob esse aspecto, a assistência jurídica integral consubstancia os necessitados do ponto de vista organizacional e/ou presumidamente hipossuficientes, cuja orientação jurídica de massa e defesa coletivizada, em todos os graus, incumbe à Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da Constituição Federal. Outro dos argumentos utilizados por aqueles que negam legitimidade à Defensoria Pública para a propositura da ação civil pública, é que mais essa função demandaria grande esforço, e acabaria por desvirtuar a instituição de sua finalidade precípua, qual seja a defesa dos interesses daqueles que comprovarem o estado de pobreza. Dessa forma, haveria um afastamento contínuo do objetivo concebido pelo legislador constituinte, uma vez que a Lei Maior adota como princípio básico a proibição do retrocesso. Sustenta-se que a Defensoria Pública teria ainda, muitos problemas estruturais, como o número insuficiente de unidades e de defensores para fazer frente a uma demanda que ficaria ainda maior com mais atribuições, diminuindo a eficiência dos atendimentos. Sobre o assunto entende Renato Franco de Almeida (2009, p. 42): De efeito, à luz da realidade institucional da Defensoria Pública em todo o país, é notório que a ampliação de suas atribuições operada pela lei sob comento tem o condão de, obliquamente, mitigar a concretização de direito fundamental estampado no art. 5º, LXXIV, da Constituição da República, em flagrante violação ao princípio da proibição do retrocesso [...] destarte, impõe-se reconhecer que a atuação legislativa conformadora deve restringir-se à maior concretização dos direitos sociais lato sensu, e, não operar um retrocesso social em relação à legislação infraconstitucional em vigor. Nessa linha de raciocínio, podemos afirmar que a Lei nº 11. 448/2007 se traduz em claro retrocesso social. 54 Contudo, a atuação mais ampla da Defensoria Pública, leia-se, a sua legitimidade para a propositura da ação civil pública, ao contrário do que afirmam os que negam essa possibilidade, contribui, e muito, para a concretização dos direitos sociais, uma vez que a hipossuficiência que desiguala os litigantes e diminui o acesso à justiça, é exponencialmente maior do que a carência de recursos financeiros e não se restringe a essa. Não podendo, pois, falar-se em retrocesso social em relação à Lei nº 11.448/07. Doravante, as demandas coletivas, substituem centenas de lides individuais, e colaboram com o progresso da cidadania, da igualdade, além de reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos. Estando, pois, de acordo com os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil. De forma alguma os direitos sociais conquistados estariam ameaçados por falta de serem praticados através da assistência judiciária, mas estariam ainda mais garantidos. A Lei nº 11.448/07, não pode ser tida como inconstitucional, pois não anula, revoga ou aniquila qualquer pretensão de direito e tampouco afeta o núcleo essencial daqueles. É compreensível que haja uma preocupação, até saudável, em não se querer ver os direitos sociais conquistados, desprotegidos, uma vez que tomar medidas, sem a respectiva criação de mecanismos alternativos ou compensatórios pode resultar em um vazio, no que diz respeito à atividade prestacional do Estado. Assim, é de se impor a esse, a adoção de medidas neutralizadoras de tudo aquilo que possa resultar em diminuição dos direitos dos cidadãos, para se evitar efeitos negativos na esfera jurídica desses indivíduos (CANOTILHO, 1941, p. 339/340): O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (“lei de segurança social”, “lei do subsídio de desemprego”, “lei do serviço de saúde”) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse núcleo essencial. Não se trata, pois, de proibir um retrocesso social captado em termos ideológicos ou formulado em termos gerais ou de garantir em abstracto um status quo social, mas de proteger direitos 55 fundamentais sociais sobretudo no seu núcleo essencial [...] impondo-se ao Estado o dever da adopção de medidas neutralizadoras da diminuição dos direitos sociais do <<cidadão-utente. É bem verdade, que a Defensoria enfrenta problemas como a carência de pessoal de apoio, já que não tem quadro próprio suficiente, e a excessiva centralização orçamentária e financeira. No entanto, é inquestionável o fato de que a Defensoria Pública, apesar de todas as dificuldades, passa por um momento de transformação e ascensão. A despeito dos obstáculos, a Defensoria dispõe de vários fatores que favorecem sua atuação, como: contato direto com a população, atribuições estratégicas: inclusão social, atuação extrajudicial, abrangência nacional, carreira com previsão constitucional, paixão dos Defensores pela causa, apelo político dos membros e gestores, Defensor Público–Geral da União eleito dentre os membros da carreira. Dessa forma, a Defensoria Pública está buscando se aperfeiçoar, por meio de medidas que a tornam cada vez mais eficiente e eficaz, como o aprimoramento de seus quadros internos e a elaboração e implementação de planos e estratégias de ação. Cumpre observar ainda, que a Lei nº 11.448/07 não trouxe de forma inédita a legitimidade da Defensoria Pública para o manejo da ação civil pública. Nesse sentido, note-se a jurisprudência do STJ: É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais. (BRASIL, 2011) Assim, todos aqueles, de forma individual ou não, que por conta de suas debilidades reais e não meramente formais, bem como dos abusos dos detentores do poder econômico ou político, ou ainda aqueles afetados por um mau uso da discricionariedade conferida à Administração Pública, necessitem da proteção do Estado, que por este mesmo é prestada através dos entes competentes, são necessitados em termos de acesso à justiça. 56 Para explicar tal expansão do conceito de “necessitados”, a jurisprudência vem alegando que em países de grande desigualdade social, como o Brasil, não se pode garantir um acesso genuíno ao Poder Judiciário, e assim se falar em verdadeiro Estado de Direito, sem a presença de uma Defensoria Pública nacionalmente organizada, conhecida dos cidadãos, capaz de atender aos hipossuficientes da forma mais abrangente possível, profissional de eficaz (BRASIL, 2012). E, verdadeiramente não se pode compreender os direitos, sobretudo os que estão emergindo, sem a consideração e a compreensão da sociedade em que eles estão inseridos, e tampouco falar-se em democracia, sem a proteção daqueles direitos. Assim, é imperioso reconhecer, que a promulgação da CF/88 permitiu a amplificação da tutela coletiva, uma vez que os seus princípios, direitos e garantias fundamentais, ensejam uma maior exigência da instrumentalidade do processo, da promoção da justiça social, da efetivação dos direitos coletivos e da diminuição do espaço existente entre a teoria e a prática processual. Nesse sentido, veja-se o brilhante pensamento do filósofo do direito Norberto Bobbio (1909, p. 21 e 83): Nesse sentido, veja-se o brilhante pensamento do filósofo do direito Norberto Bobbio: Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há democracia; sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos [...] Num discurso geral sobre os direitos do homem deve-se ter a preocupação inicial de manter a distinção entre teoria e prática, ou melhor, deve-se ter em mente, antes de mais nada, que teoria e prática percorrem duas estradas diversas e a velocidades muito desiguais. Quero dizer que, nestes últimos anos, falou-se e continua a falar de direitos do homem, entre eruditos, filósofos, juristas, sociólogos e políticos, muito mais do que se conseguiu fazer até agora para que eles sejam reconhecidos e protegidos efetivamente, ou seja, para transformar aspirações (nobres, mas vagas), exigências (justas, mas débeis), em direitos propriamente ditos (isto é, no sentido em que os juristas falam de “direito”). Tendo sempre presente essa distinção, a fim de não confundir dois planos que devem se manter bem distintos, pode-se afirmar, em geral, que o desenvolvimento da teoria e da prática (mais da teoria do que da prática) dos direitos do homem ocorreu, a partir do final da guerra, essencialmente em duas direções: na direção de sua universalização e naquela de sua multiplicação. Não irei me deter aqui no processo de universalização, antes de mais nada porque me parece menos relevante para a sociologia do direito, e depois porque o tema foi amplamente tratado na doutrina do direito internacional, que vê corretamente, nesse processo, o ponto de partida de uma 57 profunda transformação do direito das “gentes”, como foi chamado durante séculos, em direito também dos “indivíduos”, dos indivíduos singulares, os quais, adquirindo pelo menos potencialmente o direito de questionarem o seu próprio Estado, vão se transformando, de cidadãos de um Estado particular, em cidadãos do mundo. Irei me deter em particular no segundo processo, o da multiplicação, pois ele se presta melhor a algumas considerações sobre as relações entre direito do homem e sociedade, sobre a origem social dos direitos do homem, sobre a estreita conexão existente entre mudança social e nascimento de novos direitos, sobre temas que, em minha opinião, podem ser mais interessantes para uma reunião de sociólogos do direito, de estudiosos cuja tarefa específica é refletir sobre o direito como fenômeno social. Também os direitos do homem são, indubitavelmente um fenômeno social: e, entre os vários pontos de vista de onde podem ser examinados (filosófico, jurídico, econômico, etc.), há lugar para o sociológico, precisamente o da sociologia jurídica. Essa multiplicação (ia dizendo “proliferação”) ocorreu de três modos: a) porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; b) porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; c) porque o próprio homem não é mais visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneira de ser em sociedade, como criança, velho, doente, etc. Em substância: mais bens, mais sujeitos, mais status do indivíduo. É supérfluo notar que, entre esses três processos, existem relações de interdependência: o reconhecimento de novos direitos de (onde “de” indica sujeito) implica quase sempre o aumento de direitos a (onde “a” indica o objeto). Ainda mais supérfluo é observar, o que importa para nossos fins, que todas as três causas dessa multiplicação cada vez mais acelerada dos direitos do homem revelam, de modo cada vez mais evidente e explícito a necessidade de fazer referência a um contexto social determinado. Vê-se que a atuação estatal hodierna, revela uma tendência pósmoderna, de superação do individualismo liberal, e se volta mais à realização do que à declaração dos direitos de cunho coletivos. Dessa forma, os instrumentos de proteção e efetivação dos direitos, bem como o conceito de necessitados devem acompanhar a sociedade, que está cada vez mais organizada sob a forma de grupos de vulnerabilidade que vão muito além da carência de recursos. Deve-se ter em mente, que a natureza dos direitos coletivos e difusos não permite outro meio de defesa, senão a tutela coletiva. Veja-se esse julgado da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região do relator Rogério Favreto: A defesa dos necessitados não se resume àquelas pessoas desprovidas de recursos financeiros para contratar advogado a fim de representa-los processualmente. O necessitado pode ser definido como aquela pessoa que se encontra em estado de vulnerabilidade social, podendo ser incluído não somente o 58 indivíduo na condição de consumidor, mas também aquele que busca tutela em razão de sua condição de segurado pelo regime geral da previdência social. E, a Defensoria Pública instituição solidária por natureza, e essencial à função jurisdicional do Estado, deve ser legitimada a atender as necessidades dessas coletividades que nem sempre vêm expressas na forma de pobreza, mas em grande parte das vezes, de abusos do próprio Estado, bem como do avanço da própria sociedade. Não se pode conceber uma democracia amarrada à literalidade das palavras e distanciada de sua realidade social, sob pena de se cometer grandes injustiças. Ademais, a ação civil pública obedece aos ditames dos princípios do sistema processual coletivo, cuja premissa maior é o acesso à justiça, entre outros princípios como o da Participação Social no Processo Coletivo, o que não se concretiza com o monopólio da ação civil pública nas mãos do Ministério Público. É bem verdade, que o modelo ideal seria que a própria sociedade civil organizada se apropriasse dos instrumentos de tutela coletiva e, assim, desse vasão à proteção dos seus direitos de forma mais independente e autônoma, e não depender, quase que exclusivamente, das entidades públicas para fazer sua defesa. Mas o processo democrático caminha ao seu próprio tempo, e enquanto a sociedade civil não conhece de forma apropriada os mecanismos de defesa que estão à sua disposição, a legitimidade da Defensoria Pública quebra um pouco dessa quase exclusividade do órgão ministerial, dando efetividade aos princípios do processo coletivo ao mesmo tempo em que cumpre com sua função constitucional e missão institucional, de essencialidade à jurisdição e defesa dos mais necessitados. Vê-se assim, que o processo não pode servir de obstáculo, é preferível a matéria em detrimento da forma. O processo deve ser o veículo a impulsionar a efetivação dos direitos, sobretudo os coletivos e difusos, que demandam ainda maior responsabilidade social, e não uma utopia. 59 5.1 A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DE DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU Dispõe o art. 4º, inciso VIII, X e XI da Lei Complementar nº 80/1994, com redação dada pela LC nº 132, de 2009, que: São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: [...] exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal; [...] promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; [...] exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado. (BRASIL, 1994, grifo nosso). E, tendo-se demonstrado que a vulnerabilidade presente em nossa sociedade não é só a econômica, mas fala-se ainda em “fragilidade organizacional”, no que diz respeito ao acesso à justiça, não estaria cumprindo a Defensoria Pública com suas funções institucionais, se não amparasse todo e qualquer grupo social que faça jus à especial proteção do Estado. O Defensor Público Federal Felipe Dezorzi Borges (2012, p. 190/191), esclarece o seguinte: E certo que existem necessitados no plano econômico, mas também existem necessitados do ponto de vista organizacional. Consoante adverte Ada Pellegrini Grinover: ou seja, todos aqueles que são socialmente vulneráveis: os consumidores, os usuários de serviços públicos, os usuários de planos de saúde, os que queiram implementar ou contestar políticas públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio ambiente etc. Assim, a Defensoria possui legitimidade para defender direitos coletivos em juízo, haja vista ser essa uma das suas funções institucionais. 5.2 A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DE DIREITOS DIFUSOS Para que se possa compreender a Defensoria Pública como entidade legitimada a defender em juízo direitos difusos, é preciso atentar para a natureza desses direitos, que não permite o reconhecimento dos sujeitos individualmente considerados, que são detentores de determinado direito, e que estão sendo lesados, ou em risco de sê-lo. 60 Existe, em verdade, uma ordem lógica no ordenamento jurídico brasileiro, irrefreável, a propósito, que legitima a Defensoria Pública a defender os direitos difusos, ela não é aleatória, mas decorre primeiramente da Constituição, depois das leis, sobretudo daquelas que compõem o microssistema de tutela coletiva, e da interpretação que os tribunais superiores têm conferido a Carta Magna e a essas. Acerca desse tema, discorreu o ministro Celso de Mello quando do seu voto nos autos do recurso extraordinário nº 163.231-3/SP, da seguinte forma: O sistema normativo brasileiro, tendo presentes a natureza e a alta significação de determinados valores sociais suscetíveis de proteção estatal – e observando, ainda, uma tendência que então se verificava no plano do direito comparado, no sentido da crescente coletivização dos instrumentos de índole processual – veio a instituir mecanismo ágil destinado a viabilizar, de modo eficaz, imediata tutela jurisdicional dos interesses metaindividuais, cuja noção conceitual resultou de um demorado processo de elaboração teórica. A construção doutrinária em torno desse tema, que é recente no Brasil (1976), tem a sua origem histórica vinculada ao gênio jurídico de Roma. Os estudiosos do tema, ao analisarem o perfil histórico do processo civil romano, costumam mencionar as actiones populares como o instrumento original de proteção aos interesses coletivos e difusos. Os interesses metaindividuais, ou de caráter transindividual, constituem valores cuja titularidade transcende a esfera meramente subjetiva, vale dizer, a dimensão puramente individual das pessoas e das instituições. São direitos que pertencem a todos, considerados em perspectiva global. Deles, ninguém, isoladamente, é o titular exclusivo. Não se concentram num titular único, simplesmente porque concernem a todos, e a cada um de nós, enquanto membros integrantes da coletividade. Na real verdade, a complexidade desses múltiplos interesses não permite sejam discriminados e identificados na lei. Os interesses difusos e coletivos não comportam rol exaustivo. A cada momento, e em função de novas exigências impostas pela sociedade moderna e pós-industrial, evidenciamse novos valores, pertencentes a todo o grupo social, cuja tutela se revela necessária e inafastável. Os interesses transindividuais, por isso mesmo, são inominados, embora haja alguns, mais evidentes, como os relacionados aos direitos do consumidor ou concernentes ao patrimônio ambiental, histórico, artístico, estético e cultural. Em todas as formações sociais, com maior ou menor intensidade, a presença desses interesses, notadamente daqueles que ostentam caráter difuso, tem sido marcante: o direito à saúde, o direito à habitação, o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, o direito a uma qualidade superior de vida, o direito ao aproveitamento racional dos recursos naturais, o direito à conservação da natureza, o direito à publicidade comercial honesta, o direito à utilização adequada do solo urbano e rural, o direito à intangibilidade do patrimônio cultural da Nação [...]. 61 Assim, a legitimidade da Defensoria Pública para a defesa de direitos difusos, por meio da ação civil pública, decorre da própria natureza desses direitos, que fazem parte da sociedade moderna e complexa em que estamos inseridos, sendo responsabilidade do operador do direito contribuir com a realização do “projeto constitucional-democrático”. 5.3 A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS Donizetti (2010) nos lembra de que, no que tange aos direitos difusos e coletivos em sentido estrito, a própria Lei da Ação Civil Pública, expressamente autoriza a defesa desses interesses pela via da ACP, ao passo que, no que diz respeito aos direitos individuais homogêneos, ambas a Constituição Federal e a LACP são omissas quanto ao seu ajuizamento por intermédio da ação coletiva em comento. Assim, além da discussão acerca da legitimidade da Defensoria Pública poder ajuizar a ação civil pública na defesa de direitos coletivos e difusos, ante a indefinição de sujeitos beneficiados com a medida, com relação aos direitos individuais homogêneos, alega-se haver a possiblidade de se individualizar os indivíduos, exigindo-se, ainda mais, que eles sejam hipossuficientes para que a referida entidade possa substituir esses sujeitos em juízo. Nesse diapasão, faz-se necessária a sutileza do intérprete da lei, em sempre fazer uma leitura coordenada dos diplomas legais que compõem o microssistema de tutela coletiva. O que levará a conclusão de que é cabível a defesa dos direitos individuais homogêneos, pela via da ACP. Conforme já restou demonstrado, temos em nosso ordenamento jurídico, um microssistema de tutela coletiva, no qual, a LACP é complementada pelo CDC, e vice versa. Assim, sabendo que não estamos incorrendo em nenhuma impropriedade ao fazer essa correspondência, veja-se o quanto dispõe o parágrafo único do art. 81, III do CDC: “a defesa coletiva será exercida quando se tratar de: [...] interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os de origem comum”. (BRASIL, 1990). Aplicando-se o dispositivo mencionado à LACP, temos a possibilidade de a Defensoria Pública tutelar, por intermédio da ação civil pública, qualquer 62 direito individual homogêneo, uma vez que, por força do art. 21 da LACP, essas leis (LACP e CDC), integram um mesmo diploma normativo. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, mantém suas decisões. Veja-se: A Lei 8.078/90, ao alterar o art. 21 da Lei 7.347/85, ampliou o alcance da ação civil pública e das ações coletivas para abranger a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, desde que presente o interesse social relevante na demanda. In casu, os interesses são homogêneos, tendo em vista o debate de uma ampla classe de segurados da Previdência Social, onde se tem um universo indeterminado de titulares desses direitos [...]. Recurso desprovido. Com vistas a fundamentar ainda mais o que se afirma, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 163.231 – SP, entendeu que os interesses individuais homogêneos são espécies de interesses coletivos. Veja-se: CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO. [...] Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1 Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. Tendo como base o julgado acima transcrito, e o art. 1º, inciso V da Lei nº 7.347/1985, que disciplina ser cabível a ação civil pública para tutela de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, conclui-se que cabe ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos. Isso porque, temos uma premissa maior, cabe ação civil pública para proteção de qualquer interesse coletivo (art. 1º, V, LACP), uma premissa menor, os interesses individuais homogêneos são espécies de interesses coletivos (entendimento do STF); logo, cabe ação civil pública para defesa de qualquer interesse individual homogêneo. 63 6 CONCLUSÃO Conclui-se, pois que a Defensoria Pública possui legitimidade para o ajuizamento da Ação Civil Pública, a uma porque a Lei da Ação Civil Pública elencou essa instituição no rol dos legitimados; e a duas porque, em razão da referência recíproca entre a LACP e o CDC, essa legitimidade abrange todo e qualquer interesse coletivo stricto sensu, difuso e individual homogêneo. Ademais, a Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, com redação dada pela LC nº 132 de 2009, regula a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, dispõe no seu art. 4º, inciso XI, que é função institucional da Defensoria Pública, a defesa de grupos sociais vulneráveis. E, no que tange especificamente a legitimidade da referida instituição na Constituição da República Federativa do Brasil, dentre os modelos de assistência judiciária que poderiam ter sido adotados, consta na nossa Carta Magna a Defensoria Pública, sistema de representação por Defensor Público, que não prioriza apenas lides individuais, mas identifica as necessidades da comunidade e problemas sociais, sendo aquele, detentor de autonomia, inclusive para apontar soluções metaindividuais. Assim, a nossa Constituição traz em seu bojo um modelo de assistência judiciária viva, cuja finalidade é dar maior efetividade aos direitos, o que se dá por meio do acesso à justiça. Dessa forma, considerando-se os novos direitos de cunho transindividuais e os grupos de vulnerabilidade existentes na atualidade, não se pode falar em Estado Democrático de Direito, sem uma Defensoria Pública atuante. Vê-se, pois, que o conceito de "necessitados" não pode ser estático e restritivo, mas deve ser visto como parte integrante de uma sistemática constitucional, que privilegia o progresso. A legitimidade da Defensoria Pública para defender direitos coletivos stricto sensu, difusos e individuais homogêneos está radicada ainda, no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, que traz os atuais fundamentos da República Federativa do Brasil, sobretudo no inciso III desse dispositivo de lei, que propõe a erradicação não somente da pobreza, mas da marginalização, e a redução das desigualdades sociais e regionais. 64 Dessa forma, o constituinte deferiu à Defensoria Pública uma legitimidade ampla e irrestrita para defender o seu objeto institucional, amparada em premissas democrático-constitucionais, sustentadas no art. 134 e sua remissão ao inciso LXXIV do art. 5º, da CF/88, atualmente confirmadas pelos incisos VII, VII, VIII, IX, X e XII, IX, X e XI do art. 4º da Lei Complementar n. 80 de 1994 (com alteração dada pela LC 132 de 2009), a autorizar a defesa e orientação dos interesses e direitos de todas as categorias de hipossuficientes, o que inclui o cidadão economicamente pobre, o grupo vulnerável, a coletividade de pessoas cuja falta de organização social ou cultural não consiga, per si, alcançar a plenitude do acesso à justiça. 65 REFERÊNCIAS ADAM, Smith. 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