UMA (NEM TÃO) NOVA ÓTICA DO DIREITO DO TRABALHO:
A FLEXIBILIZAÇÃO
Cláudio Victor de Castro Freitas
I – Análise preliminar: modificações no mundo laboral
Questão que tem sido ríspida e repetidamente debatida no segmento
doutrinário e jurisprudencial e, como via de consequência, geradora de enormes
discussões acerca, refere-se ao que muitos têm denominado de “crise” do Direito do
Trabalho.
O presente debate surge em meio a um novo momento, no qual novas
modalidades de exercício do labor emergem e vêm substituindo as clássicas
relações de emprego que foram – e são – a base do Direito do Trabalho, o seu
cerne de estudo, desde a Revolução Industrial do século XIX. Segundo o ilustre
doutor Eduardo Adamovich:
“Relações de trabalho antes corriqueiras, vão rareando; categorias antes dotadas de
forte poder de pressão e negociação, hoje muito pouco podem ao ver escassear a
cada dia os empregos em sua seara e, por outro lado, novas formas de trabalho vão
sendo concebidas, combinando elementos de relações já antes conhecidas entre si
ou com outros novos, ou ainda a partir de concepções inteiramente novas.”1
Como reflexo da globalização, o surgimento das novas tecnologias, que
substituíram o trabalho humano em detrimento da robótica, “reduziu” o tamanho das
fábricas, que têm buscado, cada vez menos, se valer da mão-de-obra humana
empregada de modo direto na linha de produção. Utiliza-se cada vez mais formas
indiretas de contratação, com destaque à terceirização dos serviços. Com reflexo
desses novos tempos, e buscando trazer à baila uma nova solução para as
1
alterações sofridas na sociedade e que têm refletido no ramo juslaboral, emerge o
tema da flexibilização do Direito do Trabalho.
A presente temática tem levado a discussões no mundo doutrinário,
jurisprudencial e legislativo2 pátrio de tal forma que angaria ferrenhos defensores de
teses diametralmente antagônicas, a saber, a corrente flexibilista e a antiflexibilista.
Enquanto os primeiros explicitam que flexibilização seria a “modificação atual
e potencial das normas laborais, traduzindo na atenuação dos níveis de proteção
dos trabalhadores e que, frequentemente, vai acompanhada de uma aplicação da
faculdade patronal de direção”,3 podendo as partes do contrato de trabalho
estabelecer as condições de trabalho, estando ou não assistidas por suas
respectivas entidades sindicais4 – o que lhes seria favorável em virtude da
possibilidade de os trabalhadores salvaguardarem seus contratos de trabalho diante
de alguma situação desfavorável, como a de desemprego iminente –, os
antiflexibilistas afirmam que essa idéia estaria em desacordo com o próprio Direito
do Trabalho e seu fim protecionista à parte hipossuficiente da relação laboral (o
trabalhador). Se fosse permitida a adoção daquela tese, segundo os defensores
dessa última corrente, estar-se-ia atentando contra séculos de lutas travadas pela
classe operária em busca de seus direitos, dando-se permissão à negociação de
condições tidas como indisponíveis. Ressaltam, ainda, que a flexibilização existe,
sim, no Direito brasileiro, mas que somente seria permitida de maneira mitigada e de
acordo com o que estatui a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
em seu artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV.
Cumpre destacar que o Colendo Tribunal Superior do Trabalho tem admitido,
por vezes, posicionamentos em sentidos opostos, situando-se ora de acordo com a
corrente flexibilista,5 ora outras situações, com a corrente antiflexibilista.6 Destaquese, no entanto, que a Corte máxima trabalhista pátria, quando da adoção da
flexibilização, a faz de modo mitigado, quando da permissão de negociação de
direitos de indisponibilidade relativa,7 respeitando-se o patamar mínimo civilizatório
a que faz jus o trabalhador.
Sempre
que
vêm
à
tona
situações
econômicas
desfavoráveis
ao
empresariado os debates acerca da necessidade ou não de flexibilização das
normas trabalhistas retornam à ordem do dia.
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Este é um tema que merece análises profundas e demonstra que, ao lado da
reestruturação das relações laborais anteriormente mencionadas, o Direito do
Trabalho passa por um momento de redefinição para a sua adequação à nova
realidade social. Segundo Arion Sayão Romita:
“A tendência expansionista do direito do trabalho, assinalada pelos estudiosos
durante os anos de sedimentação doutrinária da matéria, findou com o término dos
chamados 30 anos gloriosos (os 30 anos subsequentes ao fim da Segunda Guerra
Mundial), o que coincide com meados dos anos 1970. Ao invés de expandir-se, o
direito do trabalho passou a retrair-se [...].”8
É com base nisso que muitos denominam essa conjuntura de “crise”, apesar
de ser, em verdade, uma necessária redefinição de seu papel e institutos diante de
uma nova era, onde o emprego não mais se mostra como a única forma de trabalho
humano.
II – Flexibilização: uma solução?
Atualmente vivenciamos um momento delicado nos setores político,
econômico e social, diante da nova crise da economia capitalista mundial, agravada
sobremaneira pela queda do valor do petróleo. Como consequência, recessão dos
mercados, colapso de inúmeros sistemas de capital antes tidos como sólidos e a
demissão em massa dos trabalhadores.
Sempre
que
vêm
à
tona
situações
econômicas
desfavoráveis
ao
empresariado – como esta acima narrada –, os debates acerca da necessidade ou
não de flexibilização das normas trabalhistas retornam à ordem do dia.
Defendem ferrenhamente as sociedades empresárias, principalmente as de
maior porte, que verdadeiramente vêm sentindo os efeitos da atual crise econômica,
a necessidade de se permitir que nas negociações coletivas sejam estipulados os
direitos trabalhistas e a forma de seu exercício, com permissão de flexibilização de
garantias legais para viabilizar a sobrevivência empresarial e, consequentemente,
dos empregos. Argumentam sobretudo que se a Carta Republicana permitiu a
3
redução do maior dos direitos do trabalhador, qual seja, o salário, por meio de
negociação coletiva,9 consentido deveria ser, igualmente, a negociação ampla de
qualquer outro direito trabalhista, com base na máxima do “quem pode o mais, pode
o menos”.
Extremamente perigosa se mostra a afirmação de que todos os direitos
trabalhistas são passíveis de flexibilização, assim como alarmante é a afirmação de
que flexibilizar simplesmente significaria uma desregulamentação das normas
laborais.
Isso porque quando desejou o constituinte originário flexibilizar as normas
trabalhistas, o fez expressamente, como nos casos dos incisos VI, XIII e XIV da
CRFB/88, não cabendo qualquer interpretação extensiva ou analógica, o que é
vedado diante de normas restritivas, ainda mais constitucionais e que versam sobre
direitos fundamentais dos trabalhadores.
Por outro lado, não podemos confundir desregulamentação com flexibilização:
a desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a
autonomia privada – individual ou coletiva – regule as condições de trabalho. A
flexibilização, por sua vez, pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com
normas gerais, abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com
dignidade.10
Situados os problemas, devemos entendê-los primeiramente relembrando o
grande fundamento, a célula mater do Direito do Trabalho, seu princípio
fundamental: o princípio da proteção. Nenhuma conclusão sobre flexibilizar ou não
as normas trabalhistas pode deixar de apreciar a referida principiologia, em torno da
qual todos os outros princípios e normas laborais são construídas.
Na atual sistemática constitucional pós-positivista, verificamos um novo valor
dado aos princípios. Isso porque os mesmos não funcionam simplesmente como
fundamentos morais do ordenamento jurídico, como se concebia até algum tempo,
no máximo permitindo sua atuação como orientação ao legislador ou integração na
lacuna da lei pelo operador do direito. Mais do que isso, tem-se considerado a
função normativa dos princípios, desempenhando, inclusive, o papel de vedação do
retrocesso social,11 tanto para fontes heterônomas quanto autônomas.
4
Diante dessa nova ótica, e face ao ainda poder potestativo do empregador
pela demissão sem justa causa,12 a outra conclusão não se pode chegar que não a
permissão moderada da flexibilização dos direitos laborais. Isto porque não há como
cerrarmos todos os direitos dos trabalhadores a normas fechadas e impassíveis de
modificação em situações excepcionais, tendo em vista a necessidade de
salvaguardar os postos de trabalho e o próprio funcionamento empresarial, como
uma das faces do princípio da função social da empresa.13 Devem ser
resguardados sempre os direitos mínimos a que todo trabalhador deve ter acesso,
com destaque a normas de higiene, segurança e saúde, além das estabilidades
legais, os repousos intra e interjornadas, as normas discriminatórias positivas e os
direitos decorrentes das permissões legais a serem negociadas coletivamente, a
exemplo do artigo 476-A, da CLT.
De outro lado, não se deve entender pela ampla possibilidade de flexibilização
dos direitos dos trabalhadores, ou estaríamos retrocedendo em direitos conquistados
por via de tantas lutas sangrentas da classe operária.
Respeitamos, obviamente, qualquer opinião em contrário, mas não podemos
deixar de consignar o presente pensamento, por entendermos o mais viável face à
realidade social e legal brasileira.
BIBLIOGRAFIA
ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. A Nova Competência da Justiça
do Trabalho: Ampliação do Alcance dos Juízos de Equidade ou Nova Concepção
Bicéfala da Justiça Civil de Raízes Burguesas? Revista LTr. São Paulo, vol. 70, nº 5,
Mai.2006.
BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais – O
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro. Editora Renovar. 2002.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo:
Saraiva, 1977. v. 3.
5
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar,
1999.
MALHADAS, Júlio Assunção. A flexibilização das condições de trabalho em face da
nova Constituição. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTr.
1991.
MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das Condições de Trabalho. 3ª ed. São
Paulo: Atlas, 2004.
ROMITA, Arion Sayão. A crise da subordinação jurídica – Necessidade de proteção
a trabalhadores autônomos e parassubordinados. Revista de Direito do Trabalho.
São Paulo, Ano XXXI, nº 117, Jan./Mar. 2005.
NOTAS
1.ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. A Nova Competência da Justiça
do Trabalho: Ampliação do Alcance dos Juízos de Equidade ou Nova Concepção
Bicéfala da Justiça Civil de Raízes Burguesas? Revista LTr. São Paulo, vol. 70, nº 5,
p. 555, Mai.2006.
2.Destaque para a existência do Projeto de Lei nº 5.483/2001, que visava modificar o
artigo 618, da CLT e que, felizmente, não foi aprovado. Assim constava na
modificação proposta: “Art. 618 – As condições de trabalho ajustadas mediante
convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não
contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho”.
3.COSMOPOLIS, Mario Pasco. La flexibilización en America Latina. Direito e
Processo do Trabalho. Estudos em homenagem a Octavio Bueno Magano. São
Paulo: LTr, 1996, p. 118, apud MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das Condições
de Trabalho. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
4.MALHADAS, Júlio Assunção. A flexibilização das condições de trabalho em face
da nova Constituição. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTr.
1991, p. 143.
6
5.RR 649/2005-072-03-00.0; ROAA 242/2002-000-08-00.0; RR 70777/20002-90004-00.3; RR 70.702/2002; RR 1320/2000-006-17-00.0, dentre outros.
6.RR 369/2001-019-12-00.0; RR 990/2002-731-04-00.0; RR 903/2001-017-04-00.0;
ROAA 17/2005-000-24-00-9; RR 563227/99.8, dentre outros.
7.DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002,
p. 212.
8.ROMITA, Arion Sayão. A crise da subordinação jurídica – Necessidade de
proteção a trabalhadores autônomos e parassubordinados. Revista de Direito do
Trabalho. São Paulo, Ano XXXI, n. 117, p. 46, Jan./Mar. 2005.
9.Art. 7º, CRFB/88. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais ...:
.............................................................................................
VI – irredutibilidade do salário, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo.
10. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro:
Renovar, 1999, p. 48.
11. BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais – O
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro. Editora Renovar. 2002.
P.P.261/262
12. Tendo em vista que até o presente momento não fora sancionada Lei
Complementar que trate da garantia do emprego contra a despedida arbitrária ou
sem justa causa, na forma do artigo 7º, I, da CRFB/88.
13. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São
Paulo: Saraiva, 1977. v. 3., p. 237.
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