Revista eletrônica acadêmica
M. S. Petrelli et al.
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Artigo científico
Perfil celular do colostro de éguas colhido imediatamente após o parto
Cell profile of mare colostrum taken immediately after delivery
Mayara Santos Petrelli
Ana Carolina Rusca Correa Porto
Giovanna Raso Ambrozio
Alma Yasodhara Alexandra Hoge
Cristina de Oliveira Massoco
Claudio Alvagenga de Oliveira
Resumo. São raros os trabalhos na literatura que relatam os tipos de
leucócitos presentes no colostro e no leite de éguas. Estudos realizados
em animais de produção sugerem que leucócitos colostrais podem desempenhar um importante papel na transferência passiva de imunidade
da mãe para o neonato. Recentemente, nosso grupo demonstrou ser o
macrófago o tipo celular predominante no colostro coletado de éguas
saudáveis em até seis horas pós-parto. Neste estudo, utilizamos amostras de colostro coletadas imediatamente após o parto, antes da primeira
mamada, para avaliação da população leucocitária por microscopia óptica. As amostras de colostro utilizadas foram provenientes de 12 éguas,
nove da raça Mangalarga Marchador e três da raça Quarto de Milha. Novamente, o tipo celular predominante foi o macrófago, porém um grande
número de amostras mostrou predominância de linfócitos, sendo essa
população celular observada com maior frequência quando comparada ao
estudo anterior. Esses resultados demonstram que linfócitos estão presentes em quantidade e podem ser transferidos via colostro para o neonato, como já foi demonstrado em outras espécies domésticas. A passagem de linfócitos via colostro para o neonato abre portas para futuros estudos de investigação sobre o papel desses linfócitos colostrais na estimulação do desenvolvimento do sistema imune do potro.
Palavras-chave: Colostro; potros; transferência de imunidade passiva;
leucócitos; linfócitos.
(1)
(2)
(3)
(3)
(4)
(2)
(1)
Acadêmica do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do IFSP campus São Roque;
e-mail: [email protected]
(2)
Departamento de Reprodução Animal, FMVZUSP.
(3)
Pesquisador do Instituto de Fomento Veterinário, Cotia – SP.
(4)
Departamento de Patologia Animal, FMVZUSP.
Recebido em: 25 ago. 2013
Aceito em: 20 out. 2013
Publicado em: 30 abr. 2014
Abstract. Literature reports on leukocyte types in colostrum and mare milk are seldom found. Studies carried out in
breeding animals have suggested that colostrum leukocytes may play an important role in passive immunity transference from mares to newborn animals. Recently, our group has evidenced that macrophages are the predominant cell
type found in colostrums taken from healthy mares, up to six hours after delivery. In the present paper, we used colostrum samples taken immediately after delivery, before the first nursing, for leukocyte population assessment with
optical microscopy. Colostrum samples used in our study came from 12 mares (nine of “Mangalarga Marchador” pedigree, and three of “Quarto de Milha” pedigree). Again, the most abundant cell type was the macrophage, but a great
amount of samples have shown lymphocyte predominance; such cellular population has been observed more often
when compared to the former study. These results have evidenced that lymphocytes are present in quantity and might
be transferred via colostrum to the newborn colt, as it has already been demonstrated with other domestic species.
Lymphocyte conveying via colostrum to the newborn opens room for future studies on the role of these colostrum
lymphocytes to stimulate the colt’s immune system development.
Keywords: Colostrum; colts; passive immunity; leukocytes; lymphocytes.
1 Introdução
A alta morbidade e mortalidade de potros em haras
de criação podem ser atribuídas a doenças infecciosas
que muitas vezes causam grandes perdas econômicas.
A suscetibilidade dos potros a doenças infecciosas pode ser diminuída pela ingestão de colostro de boa qua-
lidade, já que os neonatos equinos nascem agamaglobulinêmicos, sendo totalmente dependentes da ingestão de imunoglobulinas colostrais. Recentemente, temse demonstrado que não só as imunoglobulinas desempenham esse papel de proteção e cada vez mais se
tem atribuído aos leucócitos contidos no colostro o pa-
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pel de estimulador da resposta imune celular sistêmica
do neonato (BARRINGTON; PARRISH, 2001).
Segundo Nechvatalova et al., (2011) além das imunoglobulinas, o colostro contém outros componentes
que ajudam na proteção dos leitões neonatos. Esses
componentes incluem lactoferrina, lisozima (ELLIOT et
al., 1974; HILL; PORTER, 1974) e citocinas imunomodulatorias (NGUYEN et al., 2007). O colostro também
contém uma variedade de células, como neutrófilos,
macrófagos e linfócitos (EVANS et al., 1982). Segundo
Nechvatalova et al., (2011) os neonatos recebem esses
linfócitos pela ingestão do colostro e essas células penetram no intestino, por um mecanismo ainda desconhecido, e colonizam o sangue periférico e os tecidos
linfáticos e não linfáticos, incluindo linfonodos mesentéricos, fígado, baço e pulmões (WILLIAMS, 1993; LE
JAN, 1996). A transferência de leucócitos do colostro
pela mucosa já foi demonstrada em bezerros
(LIEBHERTENORIO et al., 2002) e de acordo com estudos realizados por Goubier et al. (2007), é possível encontrar linfócitos antígenos-específicos no colostro de
porcas vacinadas com uma vacina inativada contra o
circovírus suíno do tipo2. Esses linfócitos são capazes
de produzir INF-γ e TNF- α após a estimulação in vitro
com antígenos circovirais.
Segundo Nonnecke et al., (2012) o colostro é uma
importante fonte de leucócitos viáveis, fatores de crescimento e nutrientes essenciais para o bezerro neonato. Assim como em bovinos e suínos, o papel das células contidas no colostro humano já foi estabelecido
quando diversos estudos demonstraram a importância
das células fagocíticas (HO; LAWTON, 1978;
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ROBINSON; HARVEY; SOOTHILL, 1978), e a capacidade
dos linfócitos contidos nessas secreções de proliferarem in vitro frente a diversos mitógenos e antígenos
(PARMELEY; BEER; BILLINGHSM, 1976; OGRA; OGRA,
1978). Trabalhos mais recentes demonstraram que o
colostro humano contém numerosos componentes imunológicos, como células imunes e citocinas que
promovem papel determinante da proteção precoce do
neonato (LABETA et al., 2000; FIELD, 2005, TOMICIC
et al., 2010).
Sabe-se que os componentes imunes do colostro e
do leite são importantes para os jovens mamíferos
(WHEELER et al., 2007; STELWAGEN et al., 2009), porém poucos trabalhos vêm sendo desenvolvidos com a
espécie equina. Recente investigação demonstrou que
assim como em outras espécies, o colostro equino contém componentes imunes além das imunoglobulinas
(DAVIS, 2012). Secor, Matychak e Fellippe (2012) determinaram os níveis do fator de necrose tumoral alfa
(TNF-α) no colostro equino e investigaram a correlação desse fator no colostro e no soro dos potros. Os autores obtiveram evidências de que o TNF-α transferido
pelo colostro pode desempenhar um importante papel
na manutenção da saúde dos potros (SECOR;
MATYCHAK; FELIPPE, 2012).
Diante disso, e conhecendo a importância do desenvolvimento de uma resposta imune do tipo celular
para a proteção do potro contra microrganismos intracelulares, o objetivo desse estudo foi avaliar a presença
de células no colostro de éguas clinicamente sadias
imediatamente após o parto.
2 Materiais e métodos
2.1 Animais
Para o desenvolvimento desse estudo foram utilizadas nove éguas prenhes da raça Mangalarga Marchador e três éguas prenhes da raça Quarto de Milha,
com idade entre sete e doze anos de idade, mantidas
em piquetes de capim coast cross durante todo o período gestacional. Além do capim, os animais receberam
ração comercial duas vezes ao dia e água ad libitum.
Foram realizadas vacinações contra rinopneumonite equina (Herpes Horse, Laboratórios Vencofarma do
Brasil, Londrina, PR, BR) nos quinto e sétimo mês de
gestação e contra rinopneumonite, tétano, encefalomielite e influenza equina (Lexington, Laboratórios Vencofarma do Brasil, Londrina, PR, BR) no nono mês de
gestação. Nenhum dos animais apresentava manifestações clínicas de mastite.
2.2 Colheita de Colostro e preparação das amostras
Foi colhida uma amostra de 100 mL de colostro,
imediatamente após o parto. As amostras foram diluí-
das com o mesmo volume de phosphate buffered saline (PBS) e centrifugadas a 1000 x g por 15 minutos a
4°C, conforme descrito por Koess e Hamann (2008).
Após a centrifugação, o sobrenadante foi desprezado pela inversão única do frasco. O botão celular, conservado na superfície inferior do frasco, foi removido
por meio de aspersão gentil com 30 mL de PBS. Uma
nova centrifugação foi realizada a 400 x g por 10 minutos a 4oC.
Após desprezar o sobrenadante, as células foram
ressuspendidas em 1 mL de meio de cultivo celular
(RPMI 1640, Cultilab, Campinas, SP, BR) enriquecido
com soro fetal bovino 10% (SFB, Cultilab, Campinas,
SP, BR; KOESS; HAMANN, 2008).
2.3 Avaliação do perfil celular do colostro
Para avaliação das porcentagens celulares, amostras de 100 L de suspensões celulares foram centrifugadas a 28 x g durante seis minutos, em citocentrífuga.
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As lâminas foram fixadas com álcool metílico e coradas com corante Panotico (Panotico Rápido, LaborClin, Pinhais, PR, BR). A leitura das lâminas foi realiza-
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da por microscopia óptica de imersão em aumento de
1000x. Para a contagem diferencial foram analisadas
100 células.
3 Resultados e discussão
Através da contagem diferencial dos leucócitos do
colostro em lâminas obtidas por citocentrifugação, foi
possível comprovar a presença de células e estabelecer a proporção dos diferentes tipos de leucócitos. Pode-se observar grande variação no perfil celular das
amostras de colostro estudadas. A célula predominante na maioria das amostras foi o macrófago (5/12), seguido pelo linfócito (4/12) e neutrófilo (2/12) (Tab.
1). Um animal apresentou porcentagens iguais de macrófagos e linfócitos (animal 9). Não foram observados
eosinófilos.
linfócitos através de citocinas produzidas por eles
(GOMES et al., 2011).
Em comparação com os macrófagos encontrados
em amostras de colostro de éguas coletadas em até
seis horas após o parto (SIMON et al., 2012) e em amostras de colostro de porcas (LEE; MCCAULEY;
HARTMAN, 1983) observou-se uma menor predominância de macrófagos vacuolizados (Fig. 1).
Tabela 1 - Contagem diferencial de células do colostro coletado imediatamente após o parto de éguas clinicamente sadias.
Figura 1 - Fotomicrografia de macrófago do colostro equino,
contendo gotas de lipídios, identificado morfologicamente
por microscopia óptica de imersão (1000x).
Neste estudo, observou-se uma menor concentração de neutrófilos quando comparado com o estudo
realizado com o colostro coletado em até seis horas
(SIMON et al., 2012).
Devido ao pequeno número de células epiteliais
encontradas no presente estudo, optou-se por não
classificar separadamente as células epiteliais e os macrófagos, já que a diferenciação morfológica pode ser
complicada. Em adição a esse fato, a literatura ainda é
controversa sobre o assunto, já que alguns autores
consideram que os macrófagos podem sofrer variações morfológicas de acordo com seus diferentes
graus de ativação, podendo ser classificados como células epiteliais (SCHALM et al., 1971; LEE et al., 1980),
incluindo o fato de que células anteriormente consideradas como epiteliais e com capacidade de fagocitar
(SCHALM et al., 1971) eram, na realidade, células da
série monócito/macrófago (JENSEN; EBERHART,
1981).
No colostro de vacas pode-se observar células epiteliais, macrófagos, neutrófilos, eosinófilos, linfócitos e
monócitos (SCHALM et al., 1971), sendo as mais abundantes células nucleadas no colostro de vacas hígidas
os macrófagos (SMITH; GOLDMAN, 1968) que atuam
na fagocitose de bactérias e fungos e interagem com
Figura 2 - Fotomicrografia de agregados celulares do colostro equino, identificado morfologicamente por microscopia
óptica de imersão (1000x).
Foi observado, também, um número menor de amostras com presença de bactérias; isso pode ser decorrente da não contaminação ascendente após as
mamadas, já que no estudo anterior em seis das sete
amostras que apresentaram uma maior concentração
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de neutrófilos, foi possível observar a presença de bactérias e alto grau de degeneração dos neutrófilos.
Figura 3 - Fotomicrografia de leucofagocitose no colostro
equino, identificado morfologicamente por microscopia óptica de imersão (1000x).
Tal resultado está de acordo com encontrado em
trabalho realizado com vacas por Gomes et al. (2011),
onde ficou demonstrado que mesmo em mamas hígidas, ocorre uma concentração maior de células mononucleares na primeira ordenha e, após isso, ocorre
uma mobilização mais intensa de neutrófilos para o
colostro. Segundo os autores, essas variações imediatas ao parto podem estar relacionadas à importância
do colostro de primeira ordenha aos bezerros neonatos, ou podem representar modificações fisiológicas e
de defesa da glândula mamária, durante o período de
colostrogênese à lactogênese. Resultado diferente foi
encontrado em estudos realizados por Lee (1980); Evans et al. (1982) e Lee e Outteridge (1981) com amostras de bovinos, suínos e ovinos, onde o neutrófilo
foi o tipo celular predominante no colostro, mesmo
quando não foi detectada infecção.
Foi possível observar, também, um grande número
de agregados celulares (Fig. 2) e leucofagocitose (Fig.
3) que não foram observados em amostras coletadas
em até seis horas após o parto (SIMON et al., 2012).
Em único estudo de avaliação de células do colostro realizado com a espécie equina, Turner et al.
(2003) observaram por meio de citometria de fluxo,
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porcentagens médias de neutrófilos, macrófagos, linfócitos e células epiteliais de 13,2%; 22,4%; 63.2% e
1.3%, respectivamente, após a utilização de imunoestimulantes. Tal resultado difere do encontrado por Simon et al. (2012), porém a alta porcentagem de linfócitos encontrada pode ser comparada à observada no
presente estudo. Apesar de terem sido empregadas
técnicas diferentes e no presente trabalho não ter sido
realizado nenhum tipo de estimulação imunológica, fica mais uma vez comprovada a existência de linfócitos
na secreção láctea de éguas sadias.
Estudos realizados com bovinos, suínos e ovinos
demonstraram a existência de um número significativo de leucócitos no colostro, comprovando que esses
leucócitos são funcionais e podem aumentar a expressão de marcadores de superfície, indicando ativação
(TURNER et al., 2003). Além disso, a transferência de
imunidade celular via colostro já foi demonstrada em
suínos utilizando um modelo de Mycoplasma hyopneumoniae (BANDRICK et al., 2008). Tal resultado estimula o nosso grupo a continuar investindo esforços
nessa linha de pesquisa, visto que é de conhecimento a
necessidade do desenvolvimento de uma resposta imune celular pelo potro para a defesa contra microrganismos intracelulares, como o Rhodococcus equi.
Não existe no mercado uma vacina que seja comprovadamente segura e eficaz contra a rodococose e o
único método de prevenção consiste em alterações no
manejo da propriedade e a administração de plasma
hiperimune, que além de não ser confirmadamente efetivo, representa alto custo para a propriedade
(GIGUERE et al., 2002; CASTON et al., 2006). Diversas
estratégias vacinais já foram testadas, usando R. equi
avirulento ou bactérias mortas (LOPEZ et al., 2003;
CAUCHARD et al., 2004; TAOUJI et al., 2004;
HAGHIGHI; PRESCOTT, 2005), porém todas falharam
na indução de proteção. Se for comprovada a passagem de linfócitos antígenos-específicos do colostro para o potro, espera-se que uma vacina que tenha a capacidade de induzir o desenvolvimento de imunidade
celular seja eficaz no controle da doença.
4 Considerações finais
A célula predominante na maioria das amostras estudadas foi o macrófago, seguido por linfócitos e neutrófilos. A não contaminação ascendente após a ma-
mada pode determinar uma menor concentração de
neutrófilos nas amostras de colostro coletadas imediatamente após o parto.
5 Agradecimentos
Agradecimentos à FAPESP.
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Como citar este artigo científico
PETRELLI, M. S.; PORTO, A. C. R. C.; AMBROZIO, G. R.; HOGE, A. Y. A.; MASSOCO, C. de O; OLIVEIRA, C. A. de.
Perfil celular do colostro de éguas colhido imediatamente após o parto. Scientia Vitae, vol. 1, n. 4, ano 2, abr.
2014, p. 66-72. Disponível em: <www.revistaifspsr.com/>; acesso em: ___/___/____.
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Volume 1 – Número 4 – Ano 2 – abril de 2014 – ISSN 2317-9066
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