DO DIREITO INTERTEMPORAL E DO DIREITO PROCESSUAL
PENAL EM FACE DA NOVA LEI DE
FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
José da Silva Pacheco
SUMÁRIO: 1. Da vacatio legis e da entrada em vigor da nova Lei de
falências. 2. Da revogação do Decreto-Lei nº 7.661/45 e dos artigos 503 a
512 do Código de Processo Penal. 3. Das ressalvas do artigo 192 da nova
Lei. 4. Da revogação dos artigos 503 a 512 do Código de Processo Penal.
1. Da vacatio legis e da entrada em vigor da nova Lei de falências
Encerrando a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, o seu artigo 201
estabelece que esta lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após a sua
publicação.
Cumpriu o legislador o determinado pelo artigo 8° d a Lei Complementar
95, de 1998, segundo o qual "a vigência da lei será indicada de forma expressa
e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo
conhecimento, reservada a cláusula 'entra em vigor na data de sua publicação'
para as leis de pequena repercussão". De acordo com o § 1° desse artigo,
introduzido pela Lei Complementar 107, de 2001, "a contagem do prazo para
entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância, far-se-á com
inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no
dia subseqüente à sua consumação integral". O § 2° desse artigo 8°, também
acrescido pela Lei Complementar 107, de 2001, determina que "as leis que
estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula 'esta lei entra em
vigor (o número de) dias de sua publicação oficial'".
Logo, a Lei. 11.101, publicada no Diário Oficial de 9 de fevereiro de
2005, tem o seu prazo de vacância de cento e vinte dias contado com a
inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, isto é, no dia 8 de
junho, só entrando em vigor no dia subseqüente, ou seja, no dia 9 de junho de
2005.
O projeto, quando chegou ao Senado, previa um prazo de vacância de
cento e oitenta dias. O Senador Ramez Tebet, porém, em seu relatório
defendeu a mudança desse prazo para 120 (cento e vinte) dias, que veio a
prevalecer. Os argumentos do Senador resumiram-se no seguinte: "em relação
ao início da vigência da nova Lei, reconhecemos e reiteramos que, em razão
da complexidade das normas, seria recomendável que os operadores do direito
contassem com maior prazo para adaptar-se às modificações, em cumprimento
ao disposto no caput do artigo 8° da Lei Complement ar nº 95, de 26 de
fevereiro de 1998. No entanto, temos convicção de que a nova Lei trará
benefícios à economia do País e, por isso, seria conveniente que entrasse em
vigor o mais rápido possível. Desse modo, defendemos a alteração do artigo
200 do substitutivo, para reduzir a vacatio legis dos 180 dias previstos no texto
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da Câmara, para 120 dias, prazo que entendemos suficiente para que a
sociedade tenha amplo conhecimento dos novos dispositivos".
Prevaleceu, a final, o prazo de vacância, de 120 dias, findo o qual
começa a vigorar a nova Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
2. Da revogação do Decreto-Lei nº 7.661/45 e dos artigos 503 a 512 do
Código de Processo Penal
No seu artigo 200, a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, dispõe
que "ressalvado o disposto no artigo 192 desta Lei, ficam revogados o DecretoLei nº 7.661, de 21 de junho de l945, e os artigos 503 a 512 do Decreto-Lei nº
3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal".
Desse modo, até o dia 8 de junho de 2005, inclusive, está em vigor o
Decreto-Lei nº 7.661/45. No dia subseqüente ao final do prazo de vacância,
começa a vigência da nova Lei de falência, recuperação judicial e recuperação
extrajudicial.
No artigo 200, todavia, é ressalvado o disposto no artigo 192, incluído
entre as disposições transitórias. No artigo 192 e seus parágrafos há
disposições transitórias, consideradas de direito intertemporal, que foram
introduzidas pelo legislador no próprio texto legal, para conciliar a nova Lei com
as situações advindas da Lei anterior, a fim de prevenir ou evitar conflitos.
Embora se reconheça o efeito imediato e não retroativo da nova Lei,
ressalvam-se hipóteses em que se reconhece a sobrevivência da lei revogada
para reger os efeitos de situações já consolidadas na sua vigência, e a
existência de um regime intermediário em que há necessidade de regras de
vigência temporária, a fim de obter a melhor solução para fatos que se
desenvolvem entre normas temporalmente diversas.
3. Das ressalvas do artigo 192 da nova Lei
O artigo 200 ressalva o disposto no artigo 192 e seus §§ 1° a 4°. Desse
modo, a partir do dia subseqüente ao término da vacatio legis, entra em vigor a
nova Lei, revogando a lei anterior.
Contudo, transitoriamente, ocorre o seguinte:
I - A Lei nova, embora em vigor, não se aplica aos processos de falência ou de
concordata ajuizados em data anterior ao início de sua vigência;
II - Estes processos, distribuídos anteriormente, prosseguem com observância
do Decreto-Lei nº 7.661/45;
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III - Fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de
falência em curso, extinguindo esse Instituto que, há muito tempo, já não vem
sendo usado, com freqüência;
IV - Nos processos de falência que tramitam pelo fórum, pode ser promovida a
alienação dos bens da massa-falida, desde que concluída a arrecadação, sem
ter que aguardar a publicação do quadro-geral de credores e a conclusão do
inquérito judicial;
V - Se tiver havido pedido de concordata anteriormente à entrada em vigor da
nova Lei, pode o concordatário que não houver descumprido obrigações que
lhe cabiam, no âmbito desse processo, pleitear a recuperação judicial;
VI - Não poderá o concordatário, porém, apresentar plano de recuperação
judicial para microempresário ou empresa de pequeno porte, a que se refere a
Seção V do Capítulo III da nova Lei;
VII - Se, na hipótese prevista no item V acima, for deferido o processamento da
recuperação judicial, será extinto o processo de concordata, e os créditos que a
ela estavam submetidos serão inscritos por seu valor originário, na
recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário;
VIII - A nova Lei se aplica às falências decretadas em sua vigência, resultantes
de convolação de concordatas ou de pedido de falência anteriores,
observando-se: a) até a decretação da falência, o Decreto-Lei nº 7.661/45; b)
na decisão que decretar a falência, o disposto no artigo 99 da nova Lei.
Vê-se, pois, que nas falências decretadas após a entrada em vigor da
nova Lei, ainda que o pedido seja anterior, aplica-se, até a decretação, o
disposto no Decreto-Lei nº 7.661/45, mas na decisão que a decretar aplica-se o
disposto no artigo 99 da nova Lei.
No processo de concordata que esteja tramitando, ao entrar em vigor a
nova Lei, permite-se que o concordatário pleiteie a recuperação judicial
mediante plano que não seja específico de microempresário. Aliás, o Senador
Ramez Tebet, em seu relatório no Senado, sobre o projeto, embora salientasse
que a concordata e a recuperação judicial não se equivalem e nem mesmo
guardam semelhança entre si, sendo inexeqüível qualquer disposição que
preveja a conversão de uma na outra, manifestou-se favorável ao pleito de
recuperação judicial pelo concordatário. São suas estas razões: "No entanto,
por se reconhecer que a concordata é ineficiente para a recuperação de
empresas e por se entender que os devedores em concordata ainda têm
alguma perspectiva de soerguimento, não se veda a possibilidade de que a
recuperação judicial seja pleiteada pelo concordatário, desde que este haja
cumprido regularmente as obrigações assumidas. Com isso, não há
superposição de normas, mas tão-somente a previsão de mais um requisito
para a concessão da recuperação: o cumprimento das obrigações pelo
concordatário".
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A concordata, no sistema do Decreto-Lei nº 7.661/45, podia ser
preventiva, se pedida antes da falência, ou suspensiva, se pedida
posteriormente à decretação da quebra. Na primeira hipótese, evitava a
falência, na segunda, a suspendia. O processo, tanto na primeira hipótese
como na segunda: a) obrigava todos os credores; b) retirava o poder de dispor
dos bens; c) determinava o vencimento antecipado de todos os créditos; d) não
obstante tivesse o concordatário a administração dos bens, ela se dava sob a
fiscalização do comissário, caracterizando-se como administração controlada.
O artigo 192 da nova Lei veda, a partir da sua entrada em vigor, a
concessão de concordata suspensiva em qualquer processo de falência em
curso, em qualquer juízo, no Brasil.
Cabe ao juiz, na direção do processo de falência, em curso na data em
que entrou em vigor a nova Lei, determinar a venda dos bens arrecadados da
massa-falida, sem ter de aguardar a publicação do quadro-geral de credores ou
o término do inquérito judicial, como exigia a lei anterior.
Resumidamente infere-se do artigo 192 e respectivos parágrafos: a)
como regra geral os processos ajuizados antes da entrada em vigor da nova
Lei, seguem o disposto na lei anterior; b) embora sigam o procedimento do
Decreto-Lei nº 7.661/45, os bens da massa falida podem ser alienados após a
arrecadação; c) em nenhuma hipótese será concedida a concordata
suspensiva; d) na concordata, cujo processo já tenha sido deferido na forma da
lei anterior, assim como naquela, cujo processamento ainda não foi deferido,
pode a concordatário pleitear a recuperação judicial; e) impede-se, porem,
pedido com base no plano especial de microempresa; f) no caso de sentença
de falência decretada depois da entrada em vigor da nova Lei, quer resultante
de convolação de concordata ou de pedido de falência, observa-se o disposto
no artigo 99 da nova Lei; g) o processo, nesse caso, embora seja aplicável o
Decreto-Lei nº 7.661/45 até a sentença, nesta e posteriormente aplica-se a lei
nova.
4. Da revogação dos artigos 503 a 512 do Código de Processo Penal
O artigo 200 da Lei 11.101, de 2005, revogou, expressamente, também
os artigos 503 a 512, que integravam o capítulo relativo ao processo e ao
julgamento dos crimes de falência, do Código de Processo Penal.
No regime do Decreto-Lei nº 7.661/45, o inquérito judicial, em lugar do
inquérito policial, era feito no juízo a falência, até o recebimento da denúncia.
Se o juiz da falência recebesse a denúncia ou a queixa, deveria em despacho
fundamentado, determinar a remessa imediata dos autos ao juízo criminal
competente para o prosseguimento da ação penal, nos termos da lei
processual penal.
Para o processo e o julgamento dos crimes de falência, no juízo criminal,
o Código de Processo Penal estabelecia as regras dos artigos 503 a 512.
Segundo o artigo 503, nos crimes de falência fraudulenta ou culposa, a ação
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penal poderia ser intentada por denúncia do Ministério Público ou por queixa de
qualquer credor habilitado. A ação penal era intentada no juízo criminal com a
participação do Ministério Público, através da curadoria de Massas Falidas
(artigo 504). A ação penal não podia iniciar-se antes de declarada a falência
(artigo 507).
Esse capítulo do Código de Processo Penal já não vinha sendo
observado.
A nova Lei, no artigo 200, revogou os referidos artigos do Código de
Processo Penal.
Nos artigos 183 a 188 da nova Lei sobre o Procedimento Penal,
estabeleceu: a) que compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido
decretada a falência, conhecer da ação penal pelos crimes previstos em seus
artigos 168 a 178; b) que esses crimes são de ação penal pública
incondicionada; c) recebida a denúncia ou queixa, observar-se-á o rito previsto
nos artigos 531 a 540 do Código de Processo Penal, ou seja o processo
sumário, que se resume no seguinte: recebida a denúncia, procede-se ao
interrogatório do réu, a quem o juiz concede o direito de oferecer alegações
escritas e arrolar testemunhas. Se o réu não comparecer ao interrogatório, o
prazo será concedido ao seu defensor. Decorrido o prazo, serão ouvidas as
testemunhas arroladas pelo ministério Público. Segue-se a conclusão dos
autos ao juiz, que sanará as nulidades se houver, determinará as diligências
necessárias e marcará audiência de julgamento, cientificando os interessados.
INFORMATIVO ADV 24/05
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