1. INTRODUÇÃO Historicamente, o valor das mais variadas expressões artísticas nas civilizações humanas é bem conhecido, pois permite ao homem expressar-se e ao mesmo tempo perceber os significados atribuídos à vida, em sua eterna busca de equilíbrio com o meio em que ele está inserido. Desta maneira, a arte, com sua função simbólica, é necessária para o homem conhecer e transformar o mundo, situar-se, envolvendo-o em seu inerente fator de magia (ANDRADE, 2000, p. 13-14). Com a arte, vem a possibilidade de criar, que é basicamente, formar, é poder dar uma forma a algo novo. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender, e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar e significar (OSTROWER, 1989, p. 9). A Arteterapia é uma profissão assistencial ao ser humano. Ela oferece oportunidades de exploração de problemas e de potencialidades pessoais por meio da expressão verbal e nãoverbal e do desenvolvimento de recursos físicos, cognitivos e emocionais. Portanto, a utilização da arte como terapia implica que o processo criativo pode ser um meio tanto de reconciliar conflitos emocionais, como também facilitar a autopercepção e o desenvolvimento pessoal (CARVALHO apud CHIESA, 2004, p. 38). Desta maneira, o trabalho do arteterapeuta exige muita atenção e o estar presente em cada momento com o seu paciente para que o mesmo possa ajudá-lo a superar as dificuldades e sofrimentos, como também reconhecer o potencial criativo no contato com as diversas ferramentas artísticas. Assim como é a afetividade do terapeuta e sua atitude frente às emoções e à dos clientes procurando a função positiva para auxiliá-los na possibilidade de mudança, de encontrar outra forma, um novo significado, ou seja, a possibilidade de transformação. (CHIESA, 2004, p. 40). O objetivo deste trabalho é poder compartilhar o meu percurso como Arteterapeuta e da minha construção enquanto profissional, ou seja, da minha visão de arteterapeuta (a jardineira), das ferramentas que ela utiliza (materiais 10 expressivos), do elemento que ela auxilia a “despertar” (a criatividade) e da relação com os seus pacientes (uma relação de amor). 1.1. A DESCOBERTA DO MEU JARDIM Desde criança sempre ouvi meus familiares contando histórias de suas vidas, eram encontros de manhã, tarde e noite e até mesmo de dias nos quais nos encontrávamos e um deles contava situações e como havia chegado até aquele momento. Como sou uma apreciadora de estórias e acredito que aquilo que somos “hoje” vem de nossas escolhas passadas e presentes, ouvir esses contos era como estar naquela época e ao mesmo tempo estar fora compartilhando aquilo que cada um tem para ensinar. Essas estórias não estavam em livros renomados, ou eram famosas, eram estórias de pessoas reais que apenas gostam de compartilhar de forma sábia aquilo que os outros, talvez, quisessem aprender. O vasto universo pessoal de cada um, muitas vezes mescla com um universo coletivo da humanidade, situações, pessoas e acontecimentos nos levam para fatos muitos parecidos com estórias de outros indivíduos e até mesmo alguns encontros que facilitam a nossa percepção a respeito de nosso destino como a frase de Clarissa Estés, em seu livro Mulheres que correm com os lobos, que diz: As sementes são contadores que, segundo o que o mestre espera, irão preservar a tradição como a aprenderam. Como as “sementes” são escolhidas é um processo misterioso que oferece um desafio a uma definição exata, pois ele não se baseia num conjunto de normas, mas sim, num relacionamento. As pessoas escolhem-se mutuamente, às vezes elas vêm ao nosso encontro, mas com maior freqüência tropeçamos umas nas outras e nos reconhecemos como se nos conhecêssemos há séculos. (1994, p.567-568) São momentos mágicos nos quais jamais me esquecerei... 11 Sempre considerei a minha avó uma artista, a maneira a qual ela lida com as pessoas, no modo de desenhar suas roupas e depois costurá-las e em seguida o “brilho no olhar” quando a obra estava completa, foi a minha inspiração. Além de gostar de cantar e dançar, talvez a arte fosse o meu caminho, mas naquele momento ela ainda atuava de maneira “fecunda” esperando o momento certo para que pudesse agir. Cresci e era chegada a hora de escolher uma profissão. Era um momento de decisão daquilo que me identificava e daquilo que gostaria de me responsabilizar. Foi então que optei pela Psicologia, estudar o comportamento humano e seus contextos. No decorrer da minha aprendizagem, o contato com a arte foi começando a tomar forma, eram em Congressos, Eventos Musicais (nos quais eu participava), trabalhos apresentados, contatos com profissionais da área e teorias que comecei a aprender como Gestalt terapia, Psicologia Analítica (Jung) e a Psicanálise (Winnicott), os quais eu admirava. Porém, na faculdade ainda sentia “um espaço a preencher”. Que nem nas teorias e nos atendimentos davam essa possibilidade. E essa questão ficou comigo até o quinto ano da faculdade, o qual iria acompanhar uma paciente por um ano e começar a minha aprendizagem do ser “terapeuta”. Gosto muito das palavras citadas por Basso & Pustilnik em seu livro Corporificando a Consciência que define: Ser terapeuta é ser aquele que cuida de si mesmo, dos seus clientes, de seus colegas e da própria escola, se consideramos a dimensão vertical, ao cuidado com o meio ambiente, com o ambiente no qual atuamos e, na outra ponta, com a espiritualidade, com nossa parte não condicionada, com a Consciência. Somos não apenas profissionais da cura, mas acima de tudo, discípulos da Vontade Divina. (2000, p. 134) Comecei assim, o atendimento com a paciente e construímos, no decorrer do tempo, o vínculo que considero essencial para que haja um espaço de confiança, cuidado e respeito. Entretanto, um dos atendimentos me chamou 12 a atenção, quando propus a minha paciente (transição pré-adolescente para adolescente) a utilização da caixa lúdica e nesta ela optou pela utilização do grafismo. Após esse dia o desenvolvimento das sessões tomou outro rumo e a mesma apresentou melhoras em seu quadro clínico. Comecei então a me questionar a respeito do “poder” de transformação em que a arte tem sobre as pessoas, de elas descobrirem suas potencialidades e novas habilidades que até então estavam lá, mas não sabiam que havia outras possibilidades de atender pacientes, além da Psicologia convencional. Observei que à medida que elas percebiam sua capacidade de criar, iam “florescendo” para uma nova consciência, e entram em um mundo de novas possibilidades de escolha. Por conta disso, quando acabei a minha graduação em Psicologia, eu já sabia que queria fazer especialização em Arteterapia e através de muitas coincidências cheguei ao Alquimy Art, onde, através da vivência, pude conhecer e escolher a Arteterapia para minha vida. Desta maneira como objetivo de vida e para minha vida, escolhi experimentar, aprender e vivenciar a Arteterapia. E hoje me encontro, com outros questionamentos que sei que é um processo interminável, que na verdade são ciclos de vida (ciclos de aprendizagem), pois no término de um, outro está prestes a começar. E, como havia colocado inicialmente, aquilo que somos, parte de nossas vivências e escolhas, não posso dizer com certeza que nossas escolhas são certas e/ou erradas, mas são aquelas que podemos tomar como melhor em dado momento de nossas vidas. Portanto são eternas aprendizagens e continua para aqueles que mantêm o “coração aberto” e percebem que são protagonistas de sua própria estória. Como diz a frase de Carlos Castañeda apud Buscaglia em The teachings of Don Juan: Qualquer caminho é apenas um caminho e não constitui insulto algum – para si mesmo ou para os outros – abandoná-lo quando assim ordenar o seu coração. (...) Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas vezes julgar necessário... 13 Então, faça a si mesmo e apenas a si mesmo uma pergunta: Possui esse caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui importância. (1995, p. 71) Acredito estar construindo a minha estória pessoal e profissional que não tem fim e que, na verdade, está apenas começando. É como uma “flor” que começou a desabrochar, outras “sementes” que foram plantadas no decorrer desta aprendizagem ainda estão “fecundando”, esperando o momento certo para nascer. Por isso, acredito que esta jornada é o início de uma nova etapa em minha vida, na qual estou disposta e feliz em desbravar e assim fazer a minha estória na Arteterapia, pois a vida nada mais é que a arte de viver. 14 2. A JARDINEIRA OS CEGOS DO CASTELO Eu não quero mais mentir Usar espinhos que só causam dor Eu não enxergo mais o inferno que me atraiu Dos cegos do castelo me despeço e vou A pé até encontrar Um caminho, o lugar Pro que eu sou Eu não quero mais dormir De olhos abertos me esquenta o sol Eu não espero que um revólver venha explodir Na minha testa se anunciou A pé a fé devagar Foge o destino do azar Que restou E se você puder me olhar E se você quiser me achar E se você trouxer o seu lar Eu vou cuidar, eu cuidarei dele Eu vou cuidar Do seu jardim Eu vou cuidar, eu cuidarei muito bem dele Eu vou cuidar Eu cuidarei do seu jantar Do céu e do mar, e de você e de mim Eu não quero mais mentir Usar espinhos que só causam dor Eu não enxergo mais o inferno que me atraiu Dos cegos do castelo me despeço e vou A pé até encontrar Um caminho, o lugar Pro que eu sou Eu não quero mais dormir De olhos abertos me esquenta o sol Eu não espero que um revólver venha explodir Na minha testa se anunciou A pé a fé devagar Foge o destino do azar Que restou E se você puder me olhar E se você quiser me achar E se você trouxer o seu lar Eu vou cuidar, eu cuidarei dele Eu vou cuidar Do seu jardim Eu vou cuidar, eu cuidarei muito bem dele Eu vou cuidar Eu cuidarei do seu jantar Do céu e do mar, e de você e de mim (NANDO REIS,1997) 15 A primeira vez que ouvi essa música da banda Titãs, comentei que acreditava que esse seria o papel desempenhado pelo arteterapeuta: a Jardineira. Em uma das oficinas vivenciais da construção do meu personagem como Arteterapeuta, após muitas escolhas de materiais e contato com esse profissional dentro de mim, veio a figura de uma jardineira. O termo terapeuta vem do grego therapeuin = servir, cuidar, servidores de Deus. Desta maneira, o foco principal da nossa profissão é servir ao próximo. Ou seja, confiar e descobrir as novas possibilidades de seus pacientes. Segundo Jean-Yves Leloup apud Basso, o termo terapeuta é utilizado para designar aquele que serve, que cuida, que trata, que sabe orar pela saúde dos que sofrem. Além disso, o terapeuta cuida também de sua ética, vigia os seus desejos a fim de ajustar ao fim que fixou para si, com isso poderá ter como resultado a felicidade sendo um sábio. (2000, p. 134). Da maneira que nos fala Borges apud Valladares a respeito do trabalho do Arteterapeuta: Não é um intérprete, nem um resolvedor de conflitos. É por excelência um jardineiro, um cuidado que se importa, que cultiva e vê desabrochar. É um observador, tarefa simples mas das mais difíceis, atento aos períodos de fertilidade e aos de necessária sedimentação de conteúdos apreendidos. É um provedor de materiais, de idéias, de propostas, responsável pela nutrição do ser em desenvolvimento. É um facilitador, que busca a adequação dos procedimentos e técnicas a cada indivíduo ou grupo, possibilitando a canalização de sua energia para a ação criadora. É um ouvinte interessado, um continente, um vaso aberto, essencial para a cumplicidade, que espera com paciência pelo vir-a-ser, pelos frutos que quando amadurecidos poderão ser compartilhados. (2001, p. 23) O terapeuta o qual chamo de “jardineira”, no convite de ajudar aquele que sofre a encontrar o seu “jardim” que o leva de volta a si mesmo (seu lar), possui o compromisso com o autodesenvolvimento que envolve cultivar qualidades descritas por Basso (2000, p. 136) como: 16 Integridade; Responsabilidade; Coerência; Ordem e Ritmo; Beleza; Harmonia; Tolerância; Discrição; Alegria; Propósito claro de vida; Amor a si mesmo; Adolf Guggenbuhl-Craig apud Basso diz que “somente o analista apaixonadamente envolvido na sua própria vida, poderá auxiliar seus pacientes a encontrarem seu caminho” e, ainda, complementando sua citação com Jung “que o analista só pode dar a seus pacientes aquilo que possui.” (2000, p. 136). Delmanto alerta para uma qualidade importante no profissional, para ela a presença da coragem para entrar nas relações com inteireza e confiança quando o mesmo sentir em suas profundezas que a situação é propícia. Ela afirma: A presença do medo de errar ou de fracassar e o receio de pecar podem bloquear o acontecer desses preciosos encontros especiais. A colheita dos frutos de uma vivência só vai poder ser reconhecida após ter acontecido. Existe sempre a presença de riscos assim como a possibilidade de erros nos caminhos da vida. (2008, p. 53) Como também Oaklander apud Allessandrini relata da importância de “estar presente” do arteterapeuta no atendimento, pois “às vezes estes momentos passam tão depressa que, a menos que o terapeuta fique sintonizado para captá-los, o momento fértil lhe escapará” (1996, p. 96). Outra atitude do terapeuta em relação ao seu cliente, ressaltada por Lusebrink (1990), também pode ser não-diretiva ou estruturada, ou seja, a 17 criatividade é reforçada em alguns casos se há a aceitação incondicional como indivíduos assim como suas criações. Como também há casos nos quais o encorajamento do terapeuta no sentido de que eles coloquem para fora suas frustrações e trabalhem de forma estruturada auxilia no processo criativo. Neste sentido, a arteterapeuta (a jardineira), não estimula suas sementes a crescerem rápido. Também não negligencia ferramentas e cuidados sendo distante e frio, a “terapeuta jardineira” está junto, presente em cada momento, observando, apreciando e aguardando. Ela interage e discute ciclos antigos com o seu paciente, avalia as sementes que já nasceram, aquelas que iniciaram e estão em processo, estimula a seguir novos ciclos e para quando ele precisar descansar, muitas vezes oferecer o seu próprio jardim como repouso. 18 3. FERAMENTAS, SEMENTES E CICLOS Não colha agora o botão Que, somente amanhã, promete desabrochar. Dá seiva à roseira Que por si só, a rosa se abrirá num sorriso a te oferecer suas pétalas... seu perfume... Dócil e integralmente. (CLAUDIA BOTELHO apud CARDELLA, 1997/1998, p. 3) Uma boa jardineira que preza pelo seu jardim, suas flores e cores, fica atenta a cada detalhe do solo, das sementes e dos outros seres que se fazem presentes no mesmo. Além do ciclo individual de cada flor, como também os cuidados que exige cada estação de sua vida. Para isso, a jardineira conta com as escolhas certas de suas ferramentas para que possa preparar a terra e assim permitir que novas sementes nasçam e outras se desenvolvam. Ser “jardineira” implica em perceber, intuir cada momento e a sentir a necessidade de suas sementes e cuidados com cada flor. Desta maneira, os materiais que neste caso são as ferramentas, são essenciais para “tocar” na seiva criativa e auxiliar no “floreSer” de cada uma de maneira saudável e natural. Para ser “jardineira” é necessário atenção, cuidado, amor, paciência e intuição para perceber qual elemento se faz necessário ou que pode agregar naquele ciclo. Fazendo uma analogia dos materiais com o processo que acontece com o desenvolvimento das flores, poderíamos pensar da seguinte forma: Os materiais secos e a colagem seriam o primeiro contato, o momento de preparar a terra, conhecer e experimentar, onde ainda não se possui conhecimento suficiente acerca de cada semente e/ou flor; 19 Os materiais fluidos seriam como regar o jardim presente, como se a água se adaptasse da totalidade daquele Ser e ele começasse a lidar com aquilo que carrega dentro de sua seiva (Self). Os materiais tridimensionais, após começar a lidar com os sentimentos e emoções, a forma começa a surgir, suas pétalas são moldadas e suas cores se revelam. Desta maneira, possuir um conhecimento prévio de cada ferramenta é essencial para que haja um desenvolvimento do processo criativo e uma boa colheita. Portanto, descreveremos cada instrumento e sua funcionalidade de acordo com Urrutigaray (2003): 3.1. O MATERIAL SECO Este tipo de material constitui-se em elementos de fácil manuseio e controle, tanto por iniciantes quanto por portadores de deficiência. Além de ser um elemento de fácil controle, pois coloca à disposição do manuseio de quem utiliza, entrega-se a este, demovendo a possibilidade de ansiedade frente à tarefa a ser realizada, ou a coloca em posição não ameaçadora à integridade pessoal. Esse material transmite segurança reforçando a sensação de equilíbrio e de bem-estar facilitando o encontro com o material a ser projetado. 3.1.1. O LÁPIS Os lápis grafites já são dotados de estados de diferenciação quanto ao grau de dureza específico. Sendo assim, a escolha de grafite é um bom indicativo projetivo já que podem propiciar indicativos de necessidades adaptativas de afirmação, de tendências firmes e fortes ou tênues, ou de ausência de marcações de assertividade. 20 A forma como o lápis é segurado também dará um resultado formal. Ou seja, quando seguro como para escrever produz traços finos. Os lápis permitem efeitos de gradação de cor produzindo o contato com elemento de luz e de sombra, de claro ou de escuro. A gradação permite um encontro, um destaque, um realce. Com isso, as misturas de cores novas, surgem novas possibilidades, e emergem novas visões, confrontos, ou seja, transformações. O carvão ou o bastão de grafite proporciona grandes efeitos, favorecendo a projeção de intensidade e de afirmação de afeto. A sujeira surgida nas produções constitui-se em provocações excelentes à manifestação de sentimentos pessoais de ajuste a situações complexas de adaptação ao instrumento e consequentemente, ao meio cultural. 3.1.2. CANETAS HIDROGRÁFICAS Sua utilização envolve princípios semelhantes ao da aquarela. São muito fáceis de utilizar. É um material que expande e libera afetos e impulsos, também mantém sobre controle pessoal a sua utilização, os seus resultados, dando uma orientação à manifestação dos afetos. As canetas de pontas finas servem tanto para a realização de contornos quanto para o preenchimento de superfícies pequenas. Já as de ponta redonda (grossa ou normal) são indicadas para obtenção de traços estreitos, largos e pinturas de superfícies pouco extensas. Já as de ponta chanfradas, em todas as suas especificações (estreitas, normal ou larga), são indicadas para colorir áreas grandes e produzir efeitos diferentes em termos de espessura. A análise dos contornos ajuda o arteterapeuta a verificar as sensações relacionadas às disposições de vitalidade, de iniciativa, de decisão, por um lado, e, por outro, de emotividade, de insegurança, de falta de confiança em si mesmo, e de ansiedade. Desta maneira, é um material o qual possibilita que as projeções possam ser liberadas sem restrições, por ser um material que flui, sem deixar que escorra pelos dedos os conteúdos surgidos. 21 3.1.3. LÁPIS DE CERA Material relativamente fácil de manusear, de controlar. Por ter capacidade de amolecer com o calor das mãos de quem utiliza este material transforma-se num meio de fusão de forças. Apesar de sua aparência ser dura e firme, ele se ajusta à intenção e a pressão de seu condutor, dotando-o simbolicamente de sensações de domínio e firmeza. Sua rigidez entendida pela sua dureza funde-se à rigidez e a maleabilidade, frente à dureza de sentimentos mais intensos. Como também, por parecer firme ao seu manuseio, permite que personalidades mais distanciadas de seus afetos também consigam manifestálos. 3.1.4. PASTEL OLEOSO E PASTEL SECO Os materias oleosos apresentam o elemento resistência ao trabalho, possuem cores fortes, são fáceis de controlar, mas requerem mais esforços para sua utilização. A utilização de aguarrás pode facilitar a sensação de fluidez, o que favorece o trabalho. Uma vez que materiais mais resistentes provocam o abandono da tarefa por parte de clientes ansiosos, impacientes ou com baixa autoestima. Quanto ao material seco é mais fácil que o oleoso, pois desliza melhor no suporte utilizado para imprimir o grafismo. Porém, por ser constituída de elementos secos, a produção final pode facilmente ficar borrado, porque estas partículas presentes no material tendem a elevar-se. Portanto, a possível promoção de levantar-se do suporte pode provocar frustrações pela impressão de desfazer-se. Ou pode promover a sensações de exatidão, tornando-se num provável “aliado” para manifestações de sentimento: idealizados, pueris, sutis ou mais elevados. 22 3.2 AS TINTAS Trata-se de um material essencialmente fluido, o que proporciona um excelente meio para a manifestação das emoções. Porém, por ser um elemento líquido traz em sua característica a dificuldade para ser controlado. Desencadeando assim, situações ondulatórias entre a tensão, como um estado de alerta para conduzí-lo, e a gratificação pelos efeitos produzidos e pelo emergir de uma energia sensual provocada pelo material. Portanto, o principal objetivo da pintura é poder experimentar seus afetos e poder conhecê-los melhor, ampliando o conhecimento de si mesmo. 3.2.1. AQUARELA É um material difícil de manipulação e impossível de serem consertados os erros surgidos por seu uso. Ela precisa ser dissolvida em água para ser utilizada. Portanto é a quantidade de água presente no pincel que determinará a variações dos tons, dos mais fortes aos mais fracos. Em âmbitos psíquicos, poder retirar o excesso de conteúdos investidos na projeção (imagem criada), proporciona uma regressão de libido necessária ao movimento de introspecção e de reintegração da emoção exteriorizada. Além do fato de ser impossível corrigir os erros, apenas amenizá-los, é um estímulo à aceitação de dificuldades pessoais, aprendendo a conviver com elas. 3.2.2. TINTA EM PÓ É um material barato de custeio, porém costuma fazer muita sujeira para conseguir a consistência desejada, se não for bem misturado, pode conseguir efeitos indesejados. Algumas granulações resistentes à solução podem ser instrumentos para interessantes amplificações interpretadas pelo sujeito, pois mobilizam suas projeções. 23 3.2.3. TINTA PARA PINTURA A DEDO Por possuir uma textura grossa, é um material de ótima performance tátil, pois possibilita o ajuste ou a coordenação motora necessária para o resultado. Favorece o retorno a estados regressivos, sendo indicado para criança e, em adultos, para despertar a criança interior. 3.3 MATERIAIS TRIDIMENSIONAIS O entalhe que se realiza no material provoca psiquicamente um emergir de algo que surge do interior, como se a experiência interior percebesse seu eco no material, sendo este o elemento facilitador de sua descoberta e da consequente experiência de sentido quando moldado, formado, materializado. (URRUTIGARAY, 2003, p. 62). 3.3.1. PLASTILINA E MASSA DE MODELAR INDUSTRIALIZADA São materiais de fácil manuseio e são indicadas preferencialmente para crianças. Sendo assim, viabiliza o desenvolvimento da coordenação motora, a expressão da imaginação e produz sensações, principalmente nas crianças, de algo mágico. Ou seja, a possibilidade de trocar de forma com uma intensa rapidez traz em si a vivência do poder ser em diferentes maneiras, contudo sem perder a noção de si mesmo. 3.3.2. ARGILA Deus fez o homem a sua imagem e semelhança. Esta ideia traz em si a semente como gérmen, obtida pela ideia de ser o barro a matéria-prima em que repousa o segredo básico do homem e na qual Deus se espelharia. (GOUVÊA apud URRUTIGARAY, 2003, p. 64) O material mais próximo de um sentido visceral, devido a seu aspecto, traz em si uma modalidade com foco no trabalho das mãos. 24 Para URRUTIGARAY, a manipulação deste material provoca no sujeito diversas posturas, desde a mais profunda rejeição, dada as questões regredidas que o material aporta, ligadas aos aspectos referentes às sujeiras internalizadas, adquiridas tanto pela dimensão cultural como aquelas resultantes de experiência pessoais tidas como inaceitáveis, não adequadas, desprezíveis, insuportáveis e odiosas (2003, p.63). Já para Chiesa, o contato com o barro (argila) desperta a sensibilidade, alivia as tensões e satisfaz os mais profundos e primitivos instintos humanos da natureza criativa. À medida que vamos modelando o barro, temos a oportunidade de resgatar uma antiga atividade humana. (2004, p. 50 e 51). Sendo assim, a argila provoca o emergir de emoções, sendo recipiente de projeções para as experiências do indivíduo, favorece as descargas emocionais, muitas vezes com efeito calmante. Por permitir que o trabalho seja feito e refeito, a argila também promove o desenvolvimento da autoconfiança de quem a manipula. 3.4. COLAGEM O trabalho com a colagem, que é feito através da seleção de imagens em revistas, jornais ou em outros, acrescidos da tarefa de ordenação das mesmas, pode facilitar o ambiente terapêutico, ou seja, um bom clima para estabelecimento de vínculos mais firme para futuras tarefas realizadas com outros materiais. Além de favorecer a organização de estruturas pela junção e pela articulação de formas já prontas. Como também, é uma técnica que atua sobre o padrão: ordem constituída no cultural e coletivo (figura selecionada); recorte do que interessa para aquele indivíduo, a particularização ou subjetivação (atenção; destruição do antigo e coletivo, mas sendo a construção inerente a uma necessidade e interesse de um sujeito para uma nova forma como interpretação pessoal dos aspectos culturais. Sendo assim, refazendo o esquema de ordem, desordem e nova ordem. 25 Para fazer um bom uso do material, é importante que o arteterapeuta tenha experimentado suas ferramentas, a fim de que saiba vivencialmente, o que aquele material pode oferecer para determinado caso, podendo assim sugerir o material mais adequando para “floreSer” o ato criativo do indivíduo, assim como auxiliar em possíveis dúvidas técnicas. Neste sentido, a Arteterapia é um facilitador por ser lúdico, pois permite que o indivíduo expresse de forma espontânea com os recursos que ali estão. Pois ao dar forma a sentimentos, percepções, sensações e por meio do objeto, o paciente pode revelar seus segredos, olhar seus medos, partilhar e elaborar suas percepções e sentimentos. Como diz Norgren, “é dada ao cliente, a possibilidade de integrar e estruturar sua própria experiência, criar seu próprio eu, participar de sua ‘cura’” (1995, p.34). Sendo assim, ainda utilizando as palavras ditas por Norgren “os processos de execução estão intimamente ligados às características físicas dos materiais, mas não são restritos à ela. O arteterapeuta deve ser capaz de usar sua criatividade e poder compor novas formas de uso (...). O terapeuta deve criar um ambiente físico e psicológico onde a liberdade se torne verdadeiramente possível, encorajando a experimentação (...), a fim de que a experiência seja a mais enriquecedora possível” (1995, p. 35), mostra a importância do jardineiro “estar presente” com suas flores, observando cada passo de seu desenvolvimento e crescimento, preparando aquilo que ainda está por vir, o processo criativo. 26 4. FLORESER – O PROCESSO CRIATIVO Criar não é um processo mágico. É florescer de imagens (...) desinibidas, subjetivas, fluidas. O processo criativo é o processo de mudança, desenvolvimento e evolução na vida interior, mas a jornada do Ser “si mesmo” não é simples: descobrir o Ser Criativo dentro de você significa trilhar um caminho. E, muitas vezes, a beleza dessa construção interna vem carregada de coragem, emoção, sentimento e lágrima que emergem diante de nossos próprios bloqueios e resistências. É importante desenvolver uma atitude de força criadora diante do que nos provoca dor ao aflorar à consciência. (ALLESSANDRINI, 1997/1998, p. 33). Desde os primórdios, o homem possui a necessidade de criar. De acordo com Ostrower (1989, p. 9), o ser humano possui um dom singular: mais do que homo faber ser fazedor, o homem é um ser formador, pois se relaciona com os eventos que o cerca interna e externamente. Portanto, configura esses eventos em sua experiência do viver e lhe dá um significado. Assim como nos fala Urrutigaray: Quando observamos a cultura humana, verificamos que o fazer do homem, ao longo dos séculos, sempre revelou uma necessidade de expressão típica e comum presente em todas as sociedades. Como uma tendência à manifestação de algo diferente da realidade empírica experimentada, mas que revela outra coisa pertencente a uma outra dimensão mais envolvente, misteriosa, poderosa, sagrada. Essa necessidade pode estar vinculada à intenção de reintegração de suas ações executadas no ambiente com a de afirmação de seu ser; sentida como um retorno a um “estado paradisíaco” o estado de Criação (2003, p. 35). Sendo assim, a criatividade é inerente ao homem, mas a criação é a escolha de cada um. Para isso, Ostrower aponta as diferenças entre elas: a criatividade poderia ser caracterizada como um potencial de sensibilidade (e, na sensibilidade, eu incluiria todas as vivências do sensível, num amplo leque abrindo-se do sensorial ao intelectual, vivências estas que levem à compreensão de ordenação dinâmicas, explícitas ou implícitas, e a visões de 27 coerência e beleza). É um potencial que aprofunda nosso raciocínio consciente, ligado-o ao intuitivo (ou até mesmo ao inconsciente), e que permite vivenciarmos nosso ser e agirmos criativamente (1995, p. 218). Já do momento em que se trata de criação, nada mais se apresenta em termos gerais. A criação se dá em atos concretos e específicos (1995, p. 219). E ainda, “a realização das potencialidades criativas de uma pessoa envolve, portanto, um caminho de vida, cujas etapas não podem ser queimadas; elas têm que ser vividas. Envolve a realização da própria pessoa. Só a vida mostrará até que ponto alguém terá esta capacidade de crescer” (p. 218). Para Ostrower, não existem “atalhos” para a vida assim como para a criação, sendo assim, somente com os encontros da vida, nas experiências concretas e nas conquistas de maturidade, que podemos saber que é a pessoa e quais os seus reais contornos criativos. Ela diz: Crescer, saber de si, descobrir seu potencial e realizá-lo: é uma necessidade interna. É algo tão profundo, tão nas entranhas do ser, que a pessoa nem saberia explicar o que é, mas sente que existe nela e está buscando-o o tempo todo e das mais variadas maneiras, a fim de poder identificar-se na identificação de suas potencialidades. No entanto, é só ao longo do viver que estas potencialidades se dão a conhecer. (1995, p.6) Para ser criativo se faz necessário que o indivíduo preserve suas próprias sensações elevando o nível das percepções sensoriais, portanto, cultivar os sentidos. De acordo com Lowelfeld & Brittain apud Chiesa, os sentidos seriam a base para a aprendizagem e o homem aprende através dos sentidos interagindo com o seu meio. E estes devem ser desenvolvidos, proporcionalmente, o pensamento, o sentimento e a percepção, para que a capacidade do potencial criador possa desabrochar (2004, p. 42). Conforme aponta Allessandrini, “Pensar criativamente é trabalhar a partir do que há de mais nobre em uma pessoa. É a “fecundação”. A cada minuto, 28 algo nasce e se transforma. O pensamento emerge e precisa se refeito, reelaborado.” (1996, p. 16). O potencial criativo seria, como descreve Chiesa: É um senso maravilhoso de eterna surpresa, de coisas que se renovam no cotidiano, um diálogo conosco. Uma necessidade existencial de descobrir nossas próprias potencialidades. O criativo na pessoa só pode aflorar e manifestar-se espontaneamente. (2004, p. 44) Desta forma, para definir o processo criativo, gostaria de utilizar as palavras do belo poema de Amit Goswami: Você pode mostrar o produto De sua criatividade exterior Como um botão iluminado pelo sol na roseira. O seu perfume você compartilha com os outros. Mas você é o botão Que se abre a partir da criatividade interior Você meditou, Aceitou o convite interno? Siga a trilha da transformação. Somente depois, ó criativo, você compartilhou o seu ser. (2008, p. 76) 29 5. O ELEMENTO PRINCIPAL – UMA RELAÇÃO DE AMOR Um dos grandes poderes do amor é o equilíbrio. Ele nos ajuda a avançar para a transfiguração. Quando duas pessoas se reúnem, um círculo antigo fecha-se entre elas. Elas também se aproximam não com as mãos vazias, mas com as mãos repletas de dons uma para a outra. Freqüentemente, esses são dons feridos, que despertam a dimensão da cura do amor. Quando realmente se ama alguém, faz-se brilhar a luz da alma sobre a pessoa amada. Sabemos, pela natureza, que a luz do Sol faz com que tudo cresça. Se olharmos as flores no início de uma manhã de primavera, elas estão completamente fechadas. Quando a luz do Sol as atinge, elas confiantemente se abrem e se entregam a ela. (O’DONOHUE, J., 1956, p. 46) A citação acima descreve bem o que seria um encontro de amor, um espaço de troca, de respeito, ou seja, aquilo que Cardella (1997/1998) descreve como “amor terapêutico”. Para essa autora apud Cardella (p. 9 e 8), o amor na relação terapêutica é diferente do amor materno, do erótico, do romântico, do fraterno, mas certamente é uma forma de amar. Caracteriza-se por um estado de ser terapeuta, de integração e diferenciação de sua personalidade, que o permite perceber, aceitar e encontrar o outro como diferente e semelhante em sua humanidade. Compreender que o amor é uma presença necessária para que uma relação entre duas pessoas possa ser fértil. Amor que ele leva com ele quando se for. Que não é seu, que não é dele. Que fica com você quando ele se for. Este amor circula por ANARAPA e os hindus contam que ele está em toda parte. (BARROS, 1994, p.27). O amor na relação arteterapêutica atribui um sentido ao trabalho, pois favorece o resgate da amorosidade do paciente, que muitas vezes quando chega ao arteterapeuta está apartado de si mesmo e/ou do mundo que o cerca. Sendo assim, a relação entre arteterapeuta e paciente é transformadora na medida em que se torna uma oportunidade para que este resgate algo em si 30 mesmo, através de um encontro o qual possibilite vir à tona suas possibilidades e recursos, que muitas vezes em seu cotidiano, não é possível. Como podemos observar na citação de Norgren: Desvendar a obra de alguém implica estar aberto a conhecer quem se coloca à nossa frente, tendo consciência de que ele é um ser único. As informações que a linguagem da arte, as teorias de desenvolvimento e de funcionamento psicológico possam trazer a respeito de nosso cliente, só poderão ser validadas através da relação com ele. (1995, p. 35) E também, como descreve Buber apud Angerami (2002), um ISSO que se transforma em TU para logo em seguida tornar-se a ser ISSO, porém desse momento ambos saem enriquecidos por terem contatado com o divino em cada um deles, só possível a partir da relação. De acordo, Harry Guntrip apud Hycner (1995, p. 105 e 106) a psicoterapia visa a cura através do relacionamento verdadeiro entre dois seres humanos como pessoa. Seria na mudança através da transferência do paciente com o terapeuta, que esse se torna capaz de estendê-la ao resto de sua vida. E ainda, no estar o mais completamente disponível para a outra pessoa num dado momento. Quanto à Hycner (1995, p. 114), ele aponta a importância de estar completamente disponível para a outra pessoa num dado momento, sem interferência de considerações ou reservas. É a consciência que se dirige completamente ao “processo de existir” da outra pessoa. Porém, isso requer que o arteterapeuta esteja atento à experiência do paciente, e, simultaneamente, atento a sua própria existência. Sendo assim, a tal presença “exige” que o arteterapeuta fique no “momento fértil” e permita que o encontro aconteça através disso. Para que haja um bom desenvolvimento na relação arteterapêutica, o profissional precisa estar disposto a conhecer o seu próprio mundo interno, ter navegado pelos seus sofrimentos e dificuldades pessoais, para poder compreender e aproximar-se do outro. Jamais sair “ileso” nas jornadas 31 empreendidas pelo universo alheio, pois está constantemente sendo “tocado” e transformado nas relações com seus pacientes. Contudo, o amor na relação arteterapêutica só é possível como descreve Cardella: O amor terapêutico é a base da arte de relacionar-se em uma relação de ajuda dessa natureza. O profissional amoroso faz de si mesmo instrumento de transformação, pois ao acolher e aceitar o outro como ele realmente é, cria condições para que o cliente comece a se perceber como alguém digno de ser amado e respeitado. (1997/1998, p.8) E por fim, finalizou com a frase de Carl Gustav Jung, mestre da Psicologia Analítica, que nos faz lembrar aquilo que parece simples, porém essencial: "Conheças todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." 32 6. A JARDINEIRA E SEU JARDIM – UM RELATO DE CASO Objetivos e pontos finais importam menos. Aprender é mais urgente do que acumular informações. Desejar é melhor do que conservar. Os meios são os fins. A viagem é o destino. (FERGUSON, 1995, p. 96). O projeto Adolescência: Construção da Identidade através da Arteterapia foi realizado no Projeto de uma ONG sem fins lucrativos localizada na Zona Sul de São Paulo, o qual teve como iniciativa a necessidade de ocupar o tempo de jovens carentes com diversas atividades e, consequentemente, tirá-los das ruas. O público-alvo do projeto era inicialmente um grupo de 3 a 5 adolescentes, porém, com o tempo, o grupo se configurou em uma dupla. O objetivo inicial foi de avaliar as atividades de Arteterapia dos adolescentes levando em consideração a realidade em que estão inseridos. Além disso, desenvolver desenvolvimento individual, neles que criatividade, poderão motivação levar a pessoal construção e do autoconhecimento e autoconfiança; buscar a compreensão dos aspectos biopsico-social desses jovens em um espaço de compartilhamento de experiências e entendimento da dinâmica desses adolescentes; e construção de sua identidade. Os encontros ocorreram em um espaço silencioso, bem iluminado, arejado e confortável para as discussões, este espaço era o local onde ocorriam os ensaios de balé e capoeira da ONG. Ao lado desse espaço havia dois banheiros com pia, o que auxiliou na limpeza dos materiais. Para o desenvolvimento dos encontros foram utilizados materiais como: tintas; utensílios para manipular tintas; pincéis; materiais secos (lápis de cera, canetas hidrográficas, carvão e outros); papéis (papel de cores e tamanhos diferentes, jornal, papel absorvente e outros); papelão (fino e grosso); argila, massinhas de modelar; materiais para colagem (revistas, materiais com diversas texturas, tecidos, etc.); tesoura; colas; fitas adesivas e material 33 reciclável (jornal, plásticos, embalagens, etc.). Ou seja, a seleção dos materiais variavam de acordo com as questões e a proposta da atividade do dia. Os atendimentos tiveram início no mês de novembro de 2008, inicialmente com um grupo de 5 adolescentes e pré-adolescentes. Após o segundo encontro, se configurou em uma dupla de irmãs, com diferença de um ano de idade e que perderam sua mãe ainda pequenas. Eram criadas pelo seu pai, que trabalhava no período da noite como segurança de rua. Neste jardim, podemos observar algumas questões presentes dessas irmãs, tais como: a relação simbiótica e a falta da figura feminina entre elas. No individual, notava-se que a irmã mais velha Lis1 (14 anos) sentia-se muito sobrecarregada e a irmã mais nova Íris2 (13 anos) realizava tudo que a irmã mais velha pedia, mesmo não concordando. Nos primeiros encontros e atividades, grande parte das produções de ambas eram muito semelhantes, o que demonstrava a relação simbiótica e ficavam somente no superficial, ou seja, casinhas, flores e desenhos bonitos, como também a utilização somente de materiais secos. Como podemos observar: Lis (Ilustração 1A, 2008) 1 2 Íris (Ilustração 2A, 2008) Nome fictício para preservar o anonimato. Nome fictício para preservar o anonimato. 34 Lis (Ilustração 1B, 2009) Íris (Ilustração 2B, 2009) Como podemos notar, em quase todas as atividades, Íris comparava suas produções com as de Lis e ao observar, alterava suas criações. Se prestarmos à dor a atenção devida, ela poderá responder nossas perguntas mais cruciais, mesmo aquelas que conscientemente não formulamos. A única forma de escapar a nossos sofrimentos é enfrentá-los (...). Uma vez que as enfrentemos, o processo de transformação tem início. (FERGUSON, 1995, p. 73). No ateliê arteterapêutico, o “jogo de rabisco” é muito utilizado pela sua riqueza e soltura, segundo Winnicott apud Allessandrini (1999, p. 40) é um jogo sem regras, que privilegia a interação, a flexibilidade e a troca entre os participantes. Uma das participantes recebeu uma folha de papel em branco e nesse espaço, elas poderiam interferir de maneira aleatória e solta. Sendo assim, uma começa com um simples traçado, para, observa o resultado e cede o papel para a próxima participante. Foi aí que ocorreu uma mudança. Sem poder olhar o que a outra estava fazendo, cada uma tinha que desenhar dando continuidade na criação da outra emergindo uma grande briga. Neste dia, para realizar a atividade de pintura sobre o desenho que haviam produzido, elas escolheram como ferramentas: aquarela, guache, cola colorida e lápis de cor. O que resultou no trabalho abaixo (Ilustração 3): 35 (Ilustração 3, 2009) Dessa forma, ficou claro através da produção a diferença entre elas e que cada uma tinha gostos e jeitos distintos. A ferramenta aquarela foi um elemento fundamental nessa atividade. Uma vez que, anteriormente, todas as produções eram realizadas com materiais secos (lápis, giz de cera e canetinha). Assim como a própria atividade, que ludicamente proporcionou a “emergir” os conteúdos que até então estavam escondidos e contidos através dos materiais concretos. Sendo assim, a escolha de ambas participantes a respeito do material aquarela, permitiu que o conflito viesse à tona para ser resolvido, como uma possibilidade de conscientização. Após a conscientização das diferenças, demos continuidade com as atividades de desenvolvimento de identidade. E as expressões artísticas foram se transformando. Lis relatava “Aqui eu desenhei uma mão, primeiro eu pensei em uma árvore (...) depois as folhas, então eu desenhei dessa maneira, vários ramos (...)” e “É como se fossem galhos secos”. (Ilustração 4) (Ilustração 4, 2009) 36 Apesar da pouca idade, sentia-se cansada e velha, muitas vezes sem energia. Com as atividades corporais (aquecimento), que proporcionavam a autopercepção, a participante retomou uma de suas produções e a transformou (Ilustração 5) como observamos em sua fala: “Sim, pronto! Parece uma macieira, agora está com vida, prefiro assim, mais bonita, alegre, com vida!” (Ilustração 5, 2009) Assim como Lis, Íris começou a apresentar mais liberdade para realizar suas atividades de acordo com sua personalidade, quando decidiu que iria pintar suas unhas com cor mais escura, mesmo sem a aprovação da irmã (Ilustração 6). (Ilustração 6, 2009) Desta maneira, com as diferenças de personalidade, que agora estavam mais aparentes, demos início a construção de seus próprios corpos (identidade) através da montagem das produções anteriores (Ilustrações 7 e 8). 37 Com isso, a pesquisadora pretendeu que a identidade das participantes fosse fortificada, buscando o reconhecimento do “Self” e sua compreensão. Como podemos notar a seguir: Lis (Ilustração 7, 2009) Íris (Ilustração 8, 2009) No decorrer dos encontros, criou-se um vínculo de respeito, confiança e amor. Uma relação dialética, onde cada “flor” exigia uma atenção e diferenciação de seu ciclo. Para que pudessem lembrar-se das transformações que havia ocorrido em seus jardins, Lis e Íris construíram seus álbuns, com o objetivo de reflexão e percurso de seus ciclos. Íris: “Eu me senti voltando ao passado, relembrando os bons momentos que passamos juntos. Lembrei-me das coisas que fizemos e que passamos.” (Ilustração 9) 38 (Ilustração 9, 2009) Lis: “Eu achei muito divertido, relaxamos. Lembramos do passado, trouxemos ele para o presente, vimos como ele foi bom, brincamos, dançamos, desenhamos e foi muito bom! Lembranças boas nunca esquecemos e essas são uma delas que nunca irei esquecer, pois coisas boas nunca podem ser esquecidas, devem ser lembradas para todo o sempre no coração.” (Ilustração 10) (Ilustração 10, 2009) A flor Lis conseguiu retomar sua força interna e aprendeu a viver de acordo com uma flor de sua idade, apesar de suas responsabilidades, era nítido o “brilho em seu olhar”. Já a flor Íris pode perceber que tinha pétalas, cores e cheiro diferentes de sua irmã, podendo viver com mais autonomia. O contato com o criativo dentro de cada uma e a descoberta que podiam “criar” resultou em uma descoberta fantástica ao desconhecido, ou seja, “o 39 FloreSer”, entrar em contato com aquilo que estava lá dentro, mas ainda não estava consciente. A criação de cada encontro possibilitava ir aonde elas ainda não imaginavam e resgatar aquilo que é importante dentro de cada ser humano: suas potencialidades. Em contrapartida, desabrochava em mim minha própria essência e aquilo que eu acreditava enquanto profissional, que como imagem, vem a de “jardineira”. Ao longo do percurso dos atendimentos, pude verificar como alguns elementos são fundamentais para o desenvolvimento do ateliê arteterapêutico como: as escolhas dos materiais, a conduta do terapeuta frente a cada paciente. O estar atento e aberto é essencial para que se possa sentir as transformações. Porém, para que isso ocorra é necessário o elemento essencial: “o amor” que por ressonância é sentida de jardineiro para flor, onde o cuidado, a intenção e atenção fazem com que cada uma delas possa criar recursos e floreSer outros e assim viver de acordo com sua essência e verdade. Sendo assim, pudemos notar o percurso de cada uma em busca de sua identidade e a minha própria jornada como pessoa e profissional: Arteterapeuta. “Há somente uma história que importa, a história daquilo em que você uma vez acreditou e a história do que passou a acreditar” (KAY BOYLE) 40 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A possibilidade de vivenciar a Arteterapia em minha vida através das aulas, dos estágios e das mudanças que fui vivenciando ao longo desses dois anos fez e faz com que eu queira compartilhar cada vez mais os benefícios e as alegrias que a Arteterapia representa. A própria escrita deste trabalho, parte de minha escrita criativa, que fui aprendendo ao desenvolver com o curso, ou seja, do contato com o meu Self, do encontro que tive com o potencial criativo existente dentro de mim, que existe dentro de cada um de nós, ou seja, o meu próprio “FloreSer”. O estágio possibilitou cuidar do jardim de minhas pacientes, cujo principal objetivo era a construção de suas identidades. Percebo que foi através desse relacionamento que construí, assim como elas, a minha identidade como profissional (como arteterapeuta). Acredito também que, este trabalho não está por aqui terminado, e sim que é o início de uma longa jornada, pois ainda há muitas sementes esperando o tempo certo para florescer, outras crescendo e outras que ainda serão semeadas. Desta maneira, constato os alcances da Arteterapia. E busco através dela, semear, plantar e fazer florir esta semente que irá cada vez mais crescer com a força e o amor daqueles que acreditam e vivenciam em sua vida, a mais pura Arteterapia! Enfim, termino com uma poesia de própria autoria, que me remete ao início, ao desenvolvimento e término de um ciclo de dois anos para o começo de uma longa jornada: 41 Em movimentos, em ciclos, Em cores e contornos, Indo de encontro com o desconhecido, Indo além do conhecido, Aguardando, esperando, Imaginando, criando, Refletindo, realizando, Semeando, regando, Observando, plantando Colhendo, crescendo De repente... florescendo! (Dayana Mori Pereira – 06/09/2009) 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLESSANDRINI, C. D. Oficina Criativa e Psicopedagogia. 4ª ed. São Paulo. Casa do psicólogo, 1996. _______________. Criatividade na educação para a paz. Revista ArteTerapia: Reflexões. São Paulo. Ano III, n. 2, p.31- 41, 1997/1998. _______________. (org.). Tramas criadoras na construção do “ser si mesmo. 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