Teoria do nicho Ecológico
Curso Especialização em Gestão de Recursos Hídricos
Pinto-Coelho, R.M.
Departamento de Biologia Geral
Instituto de Ciências Biológicas – ICB
UFMG
http://www.icb.ufmg.br/~rmpc
As dimensões e limites do nicho ecológico
Uma das ferramentas mais interessantes para desvendar os processos de interação entre as
espécies dentro de uma comunidade é o nicho ecológico. A estrutura da comunidade
reflete as adaptações de cada espécie na comunidade. Estas adaptações são, em parte,
resultado de processos seletivos coordenados pelas atividades de outras espécies
coexistentes. O conceito de nicho, em sua conotação mais ampla, expressa essas relações
uma vez que o nicho ecológico de uma espécie deve expressar, por definição, o
relacionamento do indivíduo com todos os aspectos de seu habitat. O nicho ecológico
pode ser interpretado através de uma delimitação geométrica (linhas, áreas ou volumes
multidimensionais) dentro do espaço definido por um ou mais fatores ambientais usados
para se caracterizar a atividade biológica de uma dada espécie (Figura 1). Se
considerarmos uma única dimensão o nicho poderia assumir tipicamente uma curva em
forma de 'sino'. Ao se justapor os nichos de duas espécies poderíamos definir três regiões:
(1) ótimo de atividade: é
a região do recurso onde
a espécie exibe as suas
maiores taxas de
atividade;
(2) largura ou
amplitude de nicho:
refere-se à faixa do
recurso onde a espécie
pode ser encontrada, e
onde ela é capaz de
explorá-lo de modo
sustentável;
(3) sobreposição de
nichos: é definida como
sendo a área de
interseção de dois nichos,
ou seja, a parte do
recurso que é explorada
efetivamente pelas duas
espécies em questão.
Hutchinson (1957) afirmou que o conceito de
nicho abriu um novo enfoque em Ecologia das
Comunidades. Assim, pode-se descrever os
limites da atividade de cada espécie de uma
comunidade ao longo de cada uma das
dimensões de seu ambiente. Estas 'dimensões',
incluem fatores físicos, químicos e biológicos.
A reunião de todas essas dimensões formaria
um espaço n-dimensional. O espaço ndimensional representa o somatório de todos os
recursos
disponíveis
dentro
de
uma
comunidade. O número de espécies presentes
numa comunidade depende não só do tamanho
deste espaço n-dimensional mas também do
tamanho médio de cada nicho específico
(Figura 2).
Outra variável muito importante que
deve ser considerada refere-se à
interseção de nichos. Suponha dois
ecossistemas onde o espaço ndimensional seja equivalente e as
espécies presentes em ambos os
ecossistemas tenham nichos com
tamanhos
comparáveis.
Ainda
assim, estes ecossistemas poderiam
abrigar um número diferente de
espécies desde de que elas
admitissem graus variáveis de
interpenetração em seus respectivos
nichos. O grau de interseção de
nichos dependerá basicamente da
distância entre os ótimos de pares
de espécies envolvidas (Figura 3).
Propriedades dos nichos
Os nichos ecológicos não são entidades simétricas. Por conseguinte, a distância entre os ótimos
dependerá basicamente do tipo de nicho de cada espécie (Figura 4).O estudo do nicho
ecológico não é somente baseado no desempenho ecofisiológico das espécies. Ele estende-se
em direção ao estudo quantitativo da disponibilidade de recursos nos diferentes habitats que
compõem o ecossistema. Assim, podemos relacionar as seguintes propriedades aditivas do
nicho ecológico:
a) os recursos podem ter uma distribuição contínua. Exemplos seriam a temperatura e a
umidade;
b) os recursos podem ter uma distribuição descontínua. A pressão de herbivoria (grazing
pressure) seria um exemplo desta categoria de recursos;
c) há variações entre os indivíduos de uma população. Estas variações podem ter uma base
comportamental ou mesmo morfológica (ex: polimorfismo genético, dimorfismo sexual,
idade);
d) há ritmos diários e sazonais na disponibilidade de recursos.
Todas essas propriedades dos nichos fazem com que a sua mensuração
quantitativa seja muito difícil. Estudos conduzidos nesta direção têm demonstrado que a coleta
de informações fragmentárias sobre os nichos ecológicos pode ser mais interessante do que
medir todas as características de um único nicho.
Assim, estudos com
informações sobre a
largura do nicho ou
o grau de interseção
entre eles podem
ajudar de maneira
significativa a
proposição de novas
hipóteses em
Ecologia.
A interposição de nichos pode ajudar a esclarecer as relações entre as espécies. Esta variável
pode, entre outras coisas, refletir o grau de competição existente entre elas. A interseção
entre dois nichos pode ser medida tomando por base os seguintes parâmetros: itens comuns
na dieta, períodos de atividade, áreas de forrageamento, métodos utilizados para coletar um
determinado item da dieta.
Pianka (1973) estudou os nichos de répteis em diversos ecossistemas em diferentes
continentes. Ele considerou as seguintes variáveis: tempo de atividade, preferência por
microhabitats (áreas ensolaradas, sombreadas, solo descoberto, parcialmente coberto por
ervas, arbustos e arvores), tipo de presa (térmitas, besouros, grilos, formigas) para
caracterizar as dimensões dos nichos em largartos. Ele definiu a largura de nicho pela
fórmula:
onde:
B: largura de nicho;
pi: proporção de registros para cada dimensão;
i: recurso considerado
A tabela 1 ilustra um
exemplo de composição
relativa dos principais itens
da dieta para uma das
espécies de largados
estudadas por Pianka.
Logo a largura do seu nicho
trófico será:
A interpenetração de nichos entre duas espécies pode ser calculada pela
fórmula:
onde :
- Ijk: interpenetração entre os nichos das
espécies j e k;
- i: item ou recurso;
- pik: proporção do recurso i-ésimo
utilizado por k;
- pij: proporção do recurso i-ésimo utilizado
por j.
As comunidades de lagartos estudadas por Pianka apresentam diferentes graus de
riqueza de espécies dependendo do continente considerado. Na Austrália, por
exemplo, ocorreu a maior riqueza com a ocorrência de 18 a 40 espécies por habitat
(Tabela 2).
A largura dos nichos nestas
comunidades por recurso foi
determinada por Pianka (Tabela
3). A conclusão que se pode
tirar desta análise é a de que a
largura do nicho (L) não varia
em função do número de
espécies. Duas hipóteses podem
explicar o fenômeno:
a) pode ter havido uma variação
do nicho n-dimensional entre as
comunidades;
b) pode ter havido uma grande
interpenetrância entre os nichos.
Pianka sugeriu que esta hipótese
a deveria ser válida para o caso
australiano.
Vários outros estudos foram realizados
tentando quantificar os nichos de
espécies correlatas em vários tipos de
comunidades ou guildas funcionais
(Tabela 4). Todos estes estudos
falharam em demonstrar um padrão
genérico da largura do nicho na
estruturação da comunidade. Estas
guildas podem estar sujeitas a
diferentes 'leis'. Como resultado é
muito difícil comparar variáveis tais
como largura do nicho e
interpenetração de nichos em
comunidades muito diferentes entre si
tais como répteis e coleópteros. Os
critérios utilizados nestas estimativas
tais como a dieta, a utilização do
habitat ou estratégias de
forrageamento são muito diferentes
entre esses organismos. Sendo assim, a
pressuposição inicial de Ricklefs de
que o estudo dos nichos seria uma
chave para o entendimento dos
processos de interação entre as
espécies ainda não pode ser
comprovado.
Comparações alométricas e a caracterização do nicho
Uma nova forma de aplicar a teoria do nicho ecológico refere-se á noção do nicho morfométrico. O princípio
básico deste enfoque é o de que a anatomia de um organismo seja o reflexo de seu nicho. As relações entre os nichos
devem ser refletidas pelas relações entre as adaptações morfológicas. Assim, as medidas alométricas em diferentes
organismos permitem a comparação entre diferentes habitats. Além disto, este tipo de enfoque livra o ecólogo da
flexibilidade comportamental que pode, por vezes, mascarar as características do nicho ecológico. Outra vantagem deste
método está na fácil obtenção dos dados. Assim, podemos sumariar as vantagem de medir as estruturas morfológicas em
diferentes espécies do seguinte modo:
a) possibilidade de comparar habitats diferentes;
b) menor subjetividade que as variáveis etológicas;
c) consistência científica;
d) facilidade em sua obtenção.
No entanto, este enfoque está baseado nas seguintes premissas:
a) relação consistente entre morfologia e similaridade ecológica;
b) flexibilidade comportamental não deve ser importante;
c) o método mede apenas a distância ecológica, não podemos medir a especialização;
d) existem alguns problemas tais como dimorfismo sexual ou variabilidade genética que causam diferenças de tamanho e
que devem ser levadas em consideração.Estudos com pássaros e morcegos indicam que existe um limite para a
similaridade além do qual a competição interespecífica agiria no sentido da exclusão.
Duas comunidades de morcegos foram estudadas: uma
comunidade em Ontário (Canadá) e outra na África tropical
(Camarões).
Resultados: A comunidade de morcegos canadenses é caracterizada por poucas espécies que são
geralmente pequenas e frugívoras. Na África, a comunidade estudada era muito rica em espécies
com diferentes estratégias de vôo e captura de alimentos, com espécies frugívoras, insetívoras,
nectívoras, piscívoras e predadoras. Fenton (1972) demonstrou que essas variáveis podem explicar
satisfatoriamente as diferenças nos nichos ecológicos das espécies nas duas comunidades e que a
comunidade de morcegos africana apresentou uma complexidade muito maior nos seus nichos
morfométricos o que sugere que seus componentes explorem uma variedade de recursos ambientais
muito maior.
Fenton (1972) estudou duas variáveis
morfológicas em morcegos definidas da seguinte
maneira:
onde as variáveis morfométricas
v1 tem relação com a estratégia de captura de alimento e
v2 relaciona-se com a estratégia de vôo.
Ricklefs e Trevis (1980) utilizaram medidas morfológicas para medir as relações de nicho em
várias comunidades de pássaros. Duas variáveis foram utilizadas:
v1: logaritmo do comprimento do tarso;
v2: comprimento da asa.
O comprimento das asas representa um gradiente que vai de pássaros pequenos a grandes e o log
do comprimento do tarso pode ilustrar um possível gradiente em relação ao uso do espaço. Os
pássaros arborícolas, por exemplo, apresentam asas grandes e pernas curtas enquanto os pássaros
de solo têm asas pequenas e pernas longas. A seguir, eles calcularam a densidade do
'empacotamento' de espécies através da distância ao vizinho mais próximo (d) em duas
comunidades de pássaros norte americanos e chilenos. A densidade do empacotamento, medida
por 'd', não variou significativamente com o aumento do número de espécies. Os autores
concluíram que quando novas espécies chegam a estas comunidades, elas expandem o seu nicho
ao invés de restringi-lo.
A uniformidade no empacotamento de espécies encontrada por Ricklefs e colaboradores sugere
haver um nível de similaridade mantido pela competição que limita a habilidade das espécies em
coexistir.
Se a competição impõe um limite a similaridade morfológica, permitindo a coexistência, as
distâncias ao vizinho mais próximo seriam similares na maioria dos habitats análogos em diferentes
regiões geográficas. A Tabela anterior ilustra que esta tendência pode ser verdadeira, pelo menos ao
se considerar a avifauna. A distância média ao vizinho mais próximo também permanece quase
inalterada em comunidades muito diferentes de mariposas (Tabela 6).
Nessas comunidades de mariposas, a adição de novas espécies causa provavelmente uma expansão de nicho ao
invés de restrição. No entanto, em alguns outros grupos de organismos, as espécies em comunidades mais ricas
tornam-se mais especializadas.
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