O Fundo de Participação dos Municípios como Fonte de Financiamento dos Gastos
Públicos nos Municípios Mineiros
Autoria: Sheila Arcanjo Cupertino, Walmer Faroni
RESUMO
Com o processo de descentralização, muitos municípios brasileiros passaram a ter como
principal fonte de financiamento de suas atividades o Fundo de Participação dos Municípios.
Assim, esse artigo buscou verificar a relação entre os gastos nos municípios mineiros e o
repasse do FPM, bem como as características desta relação. Foram realizados Análise Fatorial
e teste de qui-quadrado e constatou-se que os municípios que recebem maior repasse do FPM
são também os municípios que mais gastam com saúde, educação, infraestrutura, cultura e
desporto. Porém, também são os municípios que menos gastam com saneamento, segurança,
desenvolvimento econômico e preservação do patrimônio cultural.
Palavras-chave: FPM, Gastos Municipais, Receita Pública, Análise Fatorial e Teste de
Qui-quadrado
1
1. INTRODUÇÃO
Com o processo de descentralização ocorrido no Brasil a partir da década de 70 e
consolidado na Constituição Federal de 1988, os municípios ganharam maior autonomia
política, administrativa e fiscal. Essa autonomia teve como consequência a transferência de
vários serviços públicos para os municípios, antes de competência exclusiva da União,
gerando assim um aumento no gasto público municipal. Como contrapartida desse aumento, a
União ampliou as transferências de receitas federais constitucionais aos estados e aos
municípios. No entanto, de acordo com Nascimento (2003), isso também culminou no
desestímulo a arrecadação tributária municipal, tornando essas transferências a principal fonte
de financiamento dos gastos municipais.
Nesse sentido, Farina (2007) afirma que os principais tributos municipais, o Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN)
só possuem maior potencial de arrecadação em municípios de grande e médio porte. Dessa
forma, os municípios de pequeno porte possuem como principal receita as transferências
feitas pela União e Estados, destacando-se destas o Fundo de Participação dos Municípios
(FPM), causando assim uma relação de dependência. Em seu estudo Bovo (2001) constatou
que mais de 3000 municípios brasileiros possuíam 90% de sua receita advinda dos fundos de
transferências constitucionais.
Dessa forma, considerando que o FPM é a principal fonte de financiamento das
atividades da maioria dos municípios brasileiros, esse estudo objetivou verificar a relação
entre os gastos nos municípios mineiros e o repasse do FPM, bem como as características
desta relação. Para tanto a unidade de análise foi o estado de Minas Gerais, visto que possui
853 municípios díspares entre si, sendo muitos de pequeno porte e caracterizados pela
dependência às transferências intergovernamentais.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Finanças Públicas
De acordo com Silva (2004), o Estado, como instrumento de organização política da
comunidade, deve ser estudado como um sistema de funções que disciplinam e coordenam os
meios para atingir determinados objetivos e como um conjunto de órgãos destinados a exercer
essas funções. Nesse sentido, Kohama (1998), afirma que a Administração Pública é a
atividade funcional concreta do Estado que irá satisfazer as necessidades coletivas de forma
direta, contínua e permanente, e com sujeição ao ordenamento jurídico vigente. Assim, para a
realização dessas necessidades coletivas é indispensável que haja uma atividade financeira do
Estado que assegure a manutenção da administração e dos serviços públicos. Essa atividade é
definida como finanças públicas (MATIAS-PEREIRA, 2008).
Segundo Albuquerque (2006), a teoria das finanças públicas pressupõe que há falhas
no mercado, e que estas falhas precisam ser corrigidas por meio da intervenção do Estado de
forma a garantir que a sociedade alcance o estágio de bem estar social ou welfare economics.
Para o referido autor, pode-se considerar como imperfeições do mercado:
a) necessidade de que existam bens públicos, isto é, de uso coletivo e disponíveis
a todos cidadãos;
b) falhas de competição, que são decorrentes de monopólios que se formam
naturalmente, devido a peculiaridades de determinados serviços que dificultam
a competição. Nessa situação se faz necessária a intervenção do governo para
que o cidadão não seja explorado;
c) existência de externalidades, que são efeitos gerados por ações de um
determinado agente que afeta direta ou indiretamente os outros agentes do
2
sistema econômico. Essas externalidades podem ser positivas, quando
aumentam o bem-estar dos demais agentes ou negativas, quando prejudicam
esse bem-estar;
d) insuficiência de renda, desabastecimento, desemprego, desigualdade, gerados
pela incapacidade do mercado de solucionar problemas estruturais ou
conjunturais que geram desajustes econômicos. Assim, o papel do Estado nesse
contexto é o de inibidor dos fatores que prejudiquem o desenvolvimento
econômico e aumente a desigualdade social.
Musgrave e Musgrave (1980) afirmam que o governo atua na economia a partir de três
funções básicas:
a) Função Alocativa, na qual o Estado tem como atividade a alocação de recursos
quando o mercado for ineficiente, ou não tiver interesse, em oferecer
determinado bem ou serviço público.
b) Função Distributiva, na qual o Estado tem como atividade a distribuição de
renda de forma igualitária, de acordo com o que a sociedade considera justo.
Está diretamente ligada ao “Ideal de Pareto”, princípio pelo qual há eficiência
na economia quando um agente econômico melhora sua situação sem
prejudicar outro agente.
c) Função Estabilizadora, na qual o Estado tem como atividade promover um
crescimento econômico equilibrado por meio da aplicação de diversas políticas
econômicas, como políticas de cunho fiscal ou monetário.
Contudo, para que o Estado desempenhe essas funções, é necessário que haja recursos
que financie essas atividades. Esses recursos são adquiridos, dentre outras formas, por meio
da tributação.
2.2. Receita Pública e Transferências Tributárias Constitucionais
Nascimento (2010, p.116) conceitua receita pública como
um conjunto de ingressos financeiros com fontes e fatores geradores
próprios e permanentes, oriundos de ação e de atributos inerentes à
instituição (União, Estados e Municípios), [...] destinando-se a atender a
manutenção e conservação dos serviços públicos.
Uma das formas do Estado gerar receita e financiar suas atividades é por meio da
fixação de tributos. De acordo com o artigo 3º da lei federal nº. 5172/66 (Código Tributário
Nacional), os tributos caracterizam-se por ser uma “prestação pecuniária compulsória, em
moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída
em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Ainda, conforme
Matias-Pereira (2008), os tributos constituem uma das principais fontes de recursos para
financiar os programas governamentais.
Nesse sentido, em consonância com o federalismo brasileiro, garantido pela
Constituição Federal de 1988, tanto a União, quanto os Estados e Municípios são dotados de
autonomia política, administrativa e financeira, podendo instituir os seguintes tributos:
Impostos, Taxa e Contribuição de Melhoria (NASCIMENTO, 2010).
Porém, como afirma Farina (2007), os municípios brasileiros por sua diversidade
possuem capacidade de arrecadação diferente, sendo que os municípios de pequeno porte são
geralmente os que possuem menor capacidade de arrecadação. Dessa forma, com o intuito de
amenizar as desigualdades regionais e promover o equilíbrio sócio-econômico, foram
instituídas as transferências tributárias constitucionais, que segundo Albuquerque (2006), são
3
parcelas das receitas federais provenientes de impostos que são destinadas aos Estados,
Distrito Federal e Municípios.
Assim, a partir da Constituição de 1988, observa-se um aumento dessas transferências
advindo da consolidação do federalismo fiscal e, consequentemente, da descentralização
fiscal, visto que esses processos permitiram tanto aos Estados quanto aos Municípios uma
maior participação na arrecadação tributária (NASCIMENTO, 2003).
No entanto, como afirma Nascimento (2003, p.73), o aumento dessas transferências da
União “trouxe como conseqüência a renúncia a parte das receitas próprias em alguns governos
subnacionais”, causando uma dependência financeira. De acordo com Bovo (2001), para mais
de 3000 municípios, cerca de 90% de seus recursos advém das transferências constitucionais,
especialmente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
2.2.1. Fundo de Participação dos Municípios – FPM
A Constituição Federal de 1988 fixa que
Art. 159. A União entregará:
I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de
qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento
na seguinte forma
a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação
dos Estados e do Distrito Federal;
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação
dos Municípios;
c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor
produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas
instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos
regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste
a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;
d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue
no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano.
Dessa forma, o FPM é formado por 23,5% do Imposto de renda (IR) e do Imposto
sobre produtos industrializados (IPI), sendo que o valor que cada município recebe é definido
de acordo com os coeficientes determinados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que
levam em consideração os dados oficiais de população e de renda per capita disponibilizados
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (ALBUQUERQUE, 2006).
Nesse contexto, quatro fatores influenciam diretamente no valor a ser distribuído aos
municípios por meio do FPM: variação na arrecadação do IR, variação na arrecadação do IPI,
variação quantitativa da população e variação na renda per capita. Dessa forma, dos 23,5% do
IPI e IR destinados ao FPM, 10,0% são distribuídos entre as Capitais, 86,4%, entre os demais
municípios, e o restante, 3,6%, são distribuídos entre os municípios do interior com mais de
156.216 habitantes, de acordo com o Decreto-Lei nº 1.881, de 27 de agosto de 1981, como
demonstrado na Figura 1. Além disso, a Lei Complementar nº 91/97 definiu que os
municípios de coeficiente 3,8 também participarão do Fundo de Reserva, nos termos do citado
Decreto-Lei.
4
Figura 1. Distribuição do FPM entre os municípios
Fonte: BRASIL, Ministério da Fazenda, 2011.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1. Tipo de Pesquisa e Unidade de Análise
Beuren (2003), classifica as pesquisas científicas em três aspectos básicos: quanto aos
objetivos gerais, os procedimentos de coleta de dados e a abordagem do problema. Deste
modo, esse estudo se caracteriza como descritivo, documental e com abordagem quantitativa.
Como unidade de análise tem-se todos os municípios do Estado de Minas Gerais,
representando um total de 853 municípios. Escolheu-se os municípios mineiros pela
facilidade de acesso aos dados, assim como por ser um dos maiores estados brasileiros,
apresentando municípios de diversos portes e com diversas peculiaridades.
3.2. Coleta de dados
Esse estudo tem como fontes secundárias dos dados as informações referentes ao
repasse do FPM e os gastos dos municípios mineiros, no período de 2009. O FPM e o valor da
população dos municípios foram retirados do Finbra – Finanças do Brasil, que é
disponibilizado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Porém, pelo fato de alguns valores se
encontrarem ausentes dessa base de dados, esses valores foram coletados no sitio do Banco do
Brasil e no Tribunal de Contas da União. Já os gastos foram retirados do software Índice
Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS®) versão 2011, desenvolvido pela Fundação João
Pinheiro.
Nesse sentido, as variáveis utilizadas para esse estudo são:
A. FPMcorrigido (FPM per capita) – refere-se a cota do FPM repassado aos
municípios mineiros no ano de 2009, porém com o valor corrigido para dezembro
de 2010, dividido pelo número de habitantes. O número de habitantes se refere ao
ano de 2008, visto que o valor do repasse do FPM de 2009 foi calculado com base
na população dos municípios em 2008, conforme relatório do Tribunal de Contas
da União (TCU). Os valores do FPM foram corrigidos devido ao fato das demais
variáveis apresentarem seus valores em R$ de 2010. Para a transformação do valor
do FPM (que se encontrava em valores correntes de 2009) em valores de dezembro
de 2010 foi utilizado o fator de 1,10861, fornecido pelo IMRS como critério para
correção de seus dados. Esse fator foi calculado por meio IGP-DI.
B. Saúde – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações de contas
anuais (PCA) realizados nas subfunções Atenção Básica, Assistência Hospitalar e
Ambulatorial, Suporte Profilático e Terapêutico, Vigilância Sanitária, Vigilância
5
C.
D.
E.
F.
G.
H.
I.
J.
K.
L.
Epidemiológica e Alimentação e Nutrição, dividido pela população total do
município, em reais de dezembro de 2010.
Educação – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações de contas
anuais (PCA) realizados nas subfunções Ensino Fundamental, Ensino Médio,
Ensino Profissional, Ensino Superior, Ensino Infantil, Educação de Jovens e
Adultos e Educação Especial, dividido pela população total do município, em reais
de dezembro de 2010.
Infraestrutura – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações de
contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Infraestrutura Urbana, Serviços
Urbanos,
Transportes
Coletivos
Urbanos,
Comunicações
Postais,
Telecomunicações, Transporte Aéreo, Transporte Rodoviário, Transporte
Ferroviário, Transporte Hidroviário e Transportes Especiais, dividido pela
população total do município, em reais de dezembro de 2010.
Agropecuária – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações de
contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Promoção da Produção Vegetal,
Promoção da Produção Animal, Defesa Sanitária Vegetal, Defesa Sanitária
Animal, Abastecimento, Extensão Rural e Irrigação, dividido pela população total
do município, em reais de dezembro de 2010.
Reforma Agrária e Colonização – Valor dos gastos orçamentários apresentados
nas prestações de contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Reforma Agrária
e Colonização, dividido pela população total do município, em reais de dezembro
de 2010.
Desenvolvimento Econômico – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas
prestações de contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Desenvolvimento
Científico, Desenvolvimento Tecnológico e Engenharia, Difusão do Conhecimento
Científico e Tecnológico, Promoção Industrial, Produção Industrial, Mineração,
Propriedade Industrial, Normalização e Qualidade, Promoção Comercial,
Comercialização, Comércio Exterior, Serviços Financeiros, Turismo, Conservação
de Energia, Energia Elétrica, Petróleo e Álcool, dividido pela população total do
município, em reais de dezembro de 2010.
Apoio ao Trabalho – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações
de contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Proteção e Benefícios ao
Trabalhador, Relações de Trabalho, Empregabilidade e Fomento ao Trabalho,
dividido pela população total do município, em reais de dezembro de 2010.
Segurança – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações de
contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Policiamento e Defesa Civil,
dividido pela população total do município, em reais de dezembro de 2010.
Habitação – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações de
contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Habitação Rural e Habitação
Urbana, dividido pela população total do município, em reais de dezembro de
2010.
Saneamento – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações de
contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Saneamento Básico Rural e
Saneamento Básico Urbano, dividido pela população total do município, em reais
de dezembro de 2010.
Meio Ambiente – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações de
contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Preservação e Conservação
Ambiental, Controle Ambiental, Recuperação de Áreas Degradadas, Recursos
6
Hídricos e Meteorologia, dividido pela população total do município, em reais de
dezembro de 2010.
M. Patrimônio Cultural – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas
prestações de contas anuais (PCA) realizados na subfunção Patrimônio Histórico,
Artístico e Arqueológico, dividido pela população total do município, em reais de
dezembro de 2010.
N. Difusão Cultural – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações
de contas anuais (PCA) realizados na subfunção Difusão Cultural, dividido pela
população total do município, em reais de dezembro de 2010.
O. Esporte e Lazer – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações de
contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Desporto de Rendimento, Desporto
Comunitário e Lazer, dividido pela população total do município, em reais de
dezembro de 2010.
P. Assistência Social – Valor dos gastos orçamentários apresentados nas prestações
de contas anuais (PCA) realizados nas subfunções Assistência ao idoso,
Assistência ao Portador de Deficiência, Assistência à Criança e ao Adolescente,
Assistência Comunitária, Custódia e Reintegração Social, Direitos Individuais,
Coletivos e Difusos e Assistência aos Povos Indígenas, dividido pela população
total do município, em reais de dezembro de 2010.
Os gastos com outras atividades foram desconsiderados, visto que agrupa diversos
gastos heterogêneos entre si, não sendo possível distingui-los.
3.3. Operacionalização e Tratamento das Variáveis
Para a operacionalização das variáveis, foi utilizada a Análise Fatorial (AF) e o teste
de qui-quadrado.
A Análise Fatorial caracteriza-se como uma “técnica multivariada de interdependência
que busca sintetizar as relações observadas entre um conjunto de variáveis inter-relacionadas,
buscando identificar fatores comuns”. Sendo assim, o seu maior objetivo é “permitir a
simplificação ou redução de um grande número de variáveis por meio da determinação de
dimensões latentes comuns (fatores). (FAVERO et. al., 2009, p.235-236).
Para Hair et. al. (2005, p.90), o fator é “uma combinação linear (variável estatística)
das variáveis originais”, ou ainda os fatores podem representar “as dimensões latentes
(constructos) que resumem ou explicam o conjunto original de variáveis observadas”.
Nesse sentido, Hair et. al. (2005) definem três suposições básicas na análise fatorial: a
normalidade, que se refere à forma com que os dados estão distribuídos; a linearidade, que se
refere a associação linear entre as variáveis; e a homoscedasticidade, que se refere às relações
de dependência entre as variáveis. Porém, os autores afirmam que estatisticamente os desvios
dessas suposições afetam apenas a correlações das variáveis. Fávero et. al. (2009) também
apontam que o pesquisador deve garantir que a matriz de correlação possua valores
significativos. Ainda, conforme os mesmos autores, há dois tipos de AF: a Análise Fatorial
Exploratória e a Análise Fatorial Confirmatória. Esse estudo utilizou a Análise Fatorial
Exploratória com o intuito de criar fatores, para permitir uma melhor interpretação dos dados.
Em um segundo momento, foi realizado o teste de qui-quadrado, com o intuito de
verificar se há uma associação dos fatores obtidos com o FPM. Segundo Maroco (2007,
p.103), o Teste de Qui-Quadrado “serve para testar se duas ou mais populações independentes
diferem relativamente a uma determinada característica”. Pestana e Gageiro (2005, p. 127),
afirmam que tanto os testes de independência de Qui-Quadrado como os resíduos ajustados
estandardizados permitem analisar a relação de independência entre as variáveis. No entanto,
continuam os autores, “os primeiros [...] apenas informam se há ou não relação entre as
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variáveis, já os resíduos [...] indicam as células com comportamentos diferentes do habitual,
do esperado”.
Dessa forma, nos testes de Qui-Quadrado os valores observados, os reais, são
comparados com os valores esperados, sendo que essas diferenças devem ser significativas
para que sejam consideradas independentes, caso contrário rejeita-se H0. Sendo assim, temos
que nesse teste a hipóteses são as seguintes, conforme a Tabela 1:
Tabela 1
Hipóteses dos testes de independência Qui-Quadrado
Hipótese Nula (H0)
As variáveis são independentes
Hipótese alternativa (Ha)
As variáveis não são independentes
Nota. Fonte: Pestana e Gageiro (2005). Elaborado pela autora.
Já nos resíduos ajustados estandardizados (ou padronizados), quando os seus valores
estão entre -1,96 e 1,96, para um p = 0,05, a célula possui um comportamento próximo à
média. Quando esses valores estão abaixo de -1,96, o comportamento dessa célula é inferior,
de forma significativa, ao esperado. E, quando esses valores estão acima de 1,96, o
comportamento dessa célula é superior ao esperado, de forma significativa. Deve-se ressaltar
que todos esses valores são considerando p=0,05. (PESTANA e GAGEIRO, 2005)
Para que a aplicação desses métodos fosse viável, foi utilizado o software estatístico
para ciências sociais SPSS® (Statistical Package for the Social Sciences) versão 15.0.
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
Primeiramente, foi realizada uma análise exploratória dos dados de todas as variáveis
em questão, sendo que observou-se que o FPM apresenta uma média de R$ 817,00 por
pessoa, porém o seu desvio-padrão é de 535, ou seja, os valores não giram em torno da média.
Isso indica que os valores estão dispersos e que pode haver a presença de outiliers, como
demonstrado nos Figuras 2 e 3.
Figura 2. Histograma com a distribuição dos valores do FPM.
Fonte: Finbra, Banco do Brasil, SPSS®. Elaborado pelos autores.
8
Figura 3. Gráfico de Box Plot mostrando outiliers na distribuição dos valores do FPM
Fonte: Finbra, Banco do Brasil, SPSS®. Elaborado pelos autores.
Ainda, observa-se pelo Figura 2 que a curva de distribuição é assimétrica para a direita
e leptocúrtica, demonstrando que a maior parte dos valores são mais baixos em relação à
média.
Isso, provavelmente, pode ser explicado pelo fato de haver municípios de diversos
portes, e sendo um dos fatores para o cálculo do FPM a população, a disparidade dos
municípios reflete no valor recebido de FPM. A relação entre o valor do FPM e o porte dos
municípios é apresentada na Tabela 2.
Tabela 2
Relação FPM e Faixa da População
Faixa_FPM
1
2
Faixa
maior
281
94.6
94.9
94.6
284.0
47
235
3
285
Contagem Esperada
94.9
95.2
94.9
285.0
Contagem Real
236
48
0
284
Contagem Esperada
94.6
94.9
94.6
284.0
Contagem Real
284
285
284
853
284.0
285.0
284.0
853.0
Faixa menor Faixa média
Pequeno
Faixa
População
Médio
Grande
Total
Contagem Real
Contagem Esperada
Contagem Real
Contagem Esperada
Total
284
Nota. Fonte: Finbra, Banco do Brasil, TCU, IMRS®, SPSS®. Elaborado pelos autores.
9
Nota-se que a maior parte dos municípios menores se encontram na faixa maior,
enquanto que os grandes municípios recebem menos FPM. Porém, verifica-se que há uma
distinção entre os municípios de maior porte, visto que alguns recebem valores per capita
maiores. As faixas foram divididas utilizando a análise de freqüência pelo SPSS®, na qual o
software dividiu em três faixas homogêneas. Ressalta-se que as relações mostradas na Tabela
3 são significantes, visto que foi realizado o Teste Qui-Quadrado e este apresentou sig = 0,00.
Quanto às outras variáveis, observa-se que apresentam comportamentos parecidos,
sendo todas assimétricas à direita e leptocúrticas em maior ou menor grau, exceto a variável
Reforma Agrária, que apresenta desvio-padrão menor do que 1. Contudo, destaca-se que
apenas dois municípios apresentaram gastos com esse setor, sendo esse valores baixos (o
máximo foi 1,29 reais per capita), e por isso não há muita dispersão entre os valores.
Após realizada a AED, a qual permite com que se verifique o comportamento da
distribuição das variáveis, realizou-se uma Análise Fatorial (AF) com o intuito de agrupar as
variáveis em fatores. Como o objetivo do estudo é verificar a relação da variável FPM com as
demais, a primeira foi retirada da amostra no cálculo dos fatores.
Antes de realizar a AF, fez-se um teste de normalidade para verificar se as variáveis
em questão se comportam como uma distribuição normal. O teste realizado foi o teste de
Kolmogorov-Smirnorv (K-S) (com correção de Lilliefors), que segundo Maroco (2007) é o
teste mais indicado no caso do número de observações ser maior do que 30. Ainda, segundo
Fávero et.al. (2009), para a distribuição ser considerada normal, deve-se ter um p-value
(sig)>0,05, para um nível de significância de 5% ou p-value (sig)>0,01, para um nível de
significância de 1%, isto é, p-value>α.
A partir desse teste, foi constatado que a distribuição dos valores per capita dos gastos
não seguem uma distribuição normal, visto que p-value<0,05 (p-value=0,00). Deste modo,
optou-se por método de extração dos fatores a Análise de Componentes Principais (ACP) que,
segundo Fávero et. al. (2009, p.243), “procura uma combinação linear das variáveis
observadas”, transformando um conjunto de variáveis correlacionadas em variáveis não
correlacionadas. Escolheu-se esse método em detrimento do máxima verossimilhança, por
este último presumir uma distribuição normal.
Quanto ao número de fatores a serem extraídos, foi considerado o critério de Kaiser
com o valor de eigenvalue=1. Em relação a rotação dos valores, foi escolhido o método
Varimax, que é um método de rotação ortogonal, ou seja, que “produz fatores que não se
correlacionam entre si”, conforme Maroco (2005). Fávero et.al (2009, p.244) corrobora,
afirmando que o método ortogonal Varimax “busca minimizar o número de variáveis que tem
altas cargas em um fator, simplificando a interpretação dos fatores”. E por fim, o método de
cálculo dos escores foi o Bartllet ou método dos mínimos quadrados ponderados e o método
de Kayser-Meyer-Olkin (KMO), visto que não se trata de uma distribuição normal. Segundo
Pestana e Gageiro (2005, p.490) ambos são procedimentos que “permitem aferir a qualidade
das correlações entre variáveis”, sendo que a qualidade da análise fatorial é considerada
conforme o valor do KMO, demonstrado na Tabela 3.
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Tabela 3
KMO e a Qualidade dos Fatores
KMO
1 – 0,9
0,8 – 0,9
0,7 – 0,8
0,6 – 0,7
0,5 – 0,6
<0,5
Nota. Fonte: Pestana e Gageiro (2005, p.491)
ANÁLISE FATORIAL
Muito Boa
Boa
Média
Razoável
Má
Inaceitável
Deste modo, obteve-se como resultado para esse estudo um KMO=0,827 e Teste de
Bartllet significante. Os fatores extraídos são apresentados na Tabela 4. Foram suprimidos os
as variáveis que explicassem menos de 0,5 os fatores.
Tabela 4
Matriz da Rotação dos Componentes
Componentes
Saúde
1
.782
Educação
.777
Infraestrutura
.812
Agropecuária
.569
2
3
Desenvolvimento
Econômico
.770
Apoio Trabalho
.755
Segurança
4
5
.673
Habitação
.698
Saneamento
.596
Meio Ambiente
.728
Difusão Cultural
.594
Esporte Lazer
.588
Assistência Social
.604
Reforma Agrária
Patrimônio Cultural
.765
Nota. Método de Extração: Análise de Componentes Principais. Método de Rotação: Varimax com Normalização Kaiser.
Rotação convergida em 5 interações. Fonte: SPSS®.
Com base na Tabela 4, observa-se que a variável reforma agrária não está associada a
nenhum fator, e que foram extraídos 5 fatores, nomeados da seguinte forma pela a autora:
• Fator 1 – Gastos Primordiais: Esse fator recebeu este nome por congregar os
gastos com atividades básicas como saúde, educação, infraestrutura, Cultura,
Desporto e Assistência Social. Apesar dos gastos com agropecuária possuir o
menor poder de explicação do fator, destaca-se que o estado de Minas Gerais é
um estado montanhoso e propício ao cultivo e ao gado, tendo a agropecuária
forte presença nos municípios mineiros;
• Fator 2 – Qualidade de Vida: optou-se por esse nome por as variáveis meio
ambiente e habitação estarem geralmente associadas à qualidade de vida nos
municípios;
11
•
Fator 3 – Desenvolvimento: tanto a variável desenvolvimento econômico
quanto a variável apoio ao trabalho estão relacionadas ao desenvolvimento
local;
• Fator 4 – Bem estar: acredita-se que a segurança e o saneamento estão
diretamente relacionados ao bem estar social.
• Fator 5 – Patrimônio Cultural – optou-se por esse nome devido ao fato de haver
apenas uma variável que explica o fator. Esse fator não foi desconsiderado pelo
fato de sua variável explicá-lo de forma significativa.
Após a extração dos fatores realizou-se um teste de Qui-Quadrado para determinar a
associação entre os fatores e os valores de FPM. Para tanto, tanto os fatores quanto os valores
do FPM foram distribuídos em faixa, de acordo com a distribuição de freqüência calculada
pelo SPSS®.
Nesse sentido, para todos os fatores o teste de qui-quadrado deu significante, exceto
para o Fator Qualidade de vida. Visto que, a hipótese nula era que as variáveis são
independentes e que p-value>0,05, não se rejeita a hipótese. Logo, não há associação entre o
Fator Qualidade de Vida (Meio Ambiente e Habitação) e os valores repassados de FPM.
Já o Fator Gastos primordiais possui relação com os gastos com FPM, sendo que há
uma relação entre os municípios que recebem menos FPM e gastam menos com atividades
básicas, e os que recebem mais gastam, gastam mais com essas atividades, totalizando cerca
de 23% do total de municípios. No entanto, no Fator Desenvolvimento Econômico nota-se o
contrário: 116 municípios que recebem menos FPM, são os mesmos que gastam mais com
desenvolvimento econômico e apoio ao trabalho. O Fator Bem Estar demonstra o mesmo
comportamento que o anterior, visto que cerca de 40% dos municípios que estão nas menores
faixas de FPM, são os que se encontram na faixa de maiores gastos com segurança e
saneamento. Já o Fator Patrimônio Cultural demonstra que os municípios que se encontram na
maior faixa de FPM são os que se encontram na menor faixa de gastos com a preservação do
Patrimônio Cultural.
Destarte, ao realizar uma comparação com a faixa de população, leva-se a crer que os
municípios de maior porte são os que também mais gastam com desenvolvimento, segurança
e saneamento e preservação do patrimônio cultural. No entanto, os municípios de menor porte
são os que mais gastam com atividades básicas, como educação, saúde, cultura e desporto.
Ressalta-se que os teste e métodos desenvolvidos neste trabalho não permitem verificar se há
uma relação de causalidade e sim apenas de associação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das análises realizadas, constatou-se que há uma relação entre o FPM e os
gastos nos diversos setores, demonstrando que, de forma geral, os municípios que mais
gastam com saúde, educação, cultura e desporto são também os que mais recebem repasse do
FPM, os quais, em sua maioria, são municípios de menor porte. Porém, o mesmo não se
observa em relação aos outros gastos, já que a maior parte dos municípios que se encontram
na faixa de maior porte são os que mais gastam com atividades como saneamento, segurança,
apoio ao trabalho, preservação do patrimônio cultural e desenvolvimento econômico.
Destaca-se que a primeira observação pode ser em partes explicada pelo fato de que
20% do FPM deve ser destinado ao FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Além disso, há metas
específicas que os municípios devem atingir com relação aos gastos com saúde e programas
específicos de incentivo ao desporto e a cultura. Já com relação ao comportamento dos outros
gastos, acredita-se que o fato de municípios de maior porte possuírem um maior
desenvolvimento, principalmente econômico, necessita-se de mais gastos com as demais
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áreas, como segurança e apoio ao trabalho. Ainda, nota-se que apenas os gastos com
Habitação e Meio Ambiente não possuem relação com o repasse com o FPM, provavelmente
por possuírem fontes de financiamento próprias.
Assim, esse estudo possibilitou observar que, apesar das transferências constitucionais
serem uma forma de amenizar as desigualdades e propiciar um equilíbrio sócio-econômico, há
ainda grandes disparidades em relação a quantidade de recursos recebidos pelos municípios e
a forma de aplicação desses recursos, havendo a necessidade de uma distribuição mais
uniforme e que respeite melhor as peculiaridades de cada região. Salienta-se que o objetivo do
trabalho não foi determinar uma relação de casualidade, sendo necessário o desenvolvimento
de novos trabalhos mais aprofundados na temática para que essa relação possa ser
determinada.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 O Fundo de Participação dos Municípios como Fonte de