HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA: As perspectivas do saber histórico e sua culminância para o desenvolvimento de um projeto de homem Luiz Carlos Bento (Org.) Estevão Chaves de Rezende Martins José Antunes Marques Libertad B. Bittencourt Hélio Barbosa F. Alves Wilson de Sousa Gomes ©2010 Luiz Carlos Bento (Org.) Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. Capa e Projeto Gráfico Laís Foratto Preparação Elisa Santoro Revisão Nicole Guim 1ª Edição: Março de 2010 B4781 Bento, Luiz Carlos (Org.) História e Ensino de História: as perspectivas do saber histórico e sua culminância para o desenvolvimento de um projeto de homem / Luiz Carlos Bento (Org.) -- Jundiaí, Paco Editorial: 2010. 136 p. c/ Bibliografia. ISBN: 978-85-63381-04-0 1. Ensino de História. 2. Educação. 3. Livros Didáticos. 4. Metodologia de Ensino. I. Bento, Luiz Carlos. II. Título. CDD: 900 Rua 23 de Maio, 550 Vianelo - Jundiaí-SP - 13207-070 Prefácio História e Ensino de História: as perspectivas do saber histórico e sua culminância para o desenvolvimento de um projeto de homem, eis um título feliz para expor a coletânea de textos que o leitor tem em mãos. Feliz porque expressa a centralidade desta obra, que busca trazer algumas reflexões que servirão para nós professantes da História. Professantes? Sim, quem dera pudéssemos resgatar o sentido primeiro de nossa condição de professores de História. Eis aí uma assertiva que pode fazer alguns pensarem que o presente livro consiste em apenas relatar algumas experiências de sala de aula. Infeliz daquele que não ousar seguir na leitura, afinal esta obra contém reflexões de alguns professantes da História que buscam trazer à tona questões que incomodarão aos acomodados do mundo contemporâneo pautado pelo marasmo intelectual. Uma primeira reflexão é a do professor Estevão Rezende, A exemplaridade da História: prática e vivência do ensino, na qual encontraremos uma abordagem que pretende abalar a prática docente daqueles que ainda veem a disciplina de História limitada a sua forma tradicional e não se preocupam em pensá-la e agir de modo abrangente, ou potenciadora. A proposta consiste em abordar o conceito de ensino exemplar, proposta esta que exige do professor de História uma gama de habilidades que o levará a refletir seu posicionamento com relação ao alunado e com a própria formatação de sua prática. Para além de conteúdos formais prontos, preestabelecidos, sem conexão com a realidade dos que o ouvem, sejam alunos, seja qualquer outro membro da comunidade que o cerca, o que se busca com o ensino exemplar é a capacidade de articulação, por parte do professor, entre as experiências destes indivíduos correlacionadas a uma didática, metodologia (técnicas e métodos de pesquisa) e teoria bem fundamentadas, o que proporcionará não só uma abordagem críticas dos conteúdos, mas também a execução daquilo que o professor Estevão Rezende chama de missão destacada do ensino de História: a correlação substantiva entre a vida cotidiana do presente e o passado historicizado. Assim, o ensino de História é visto não só em seu papel políticoinstitucional, ou seja, não se limita apenas a mais uma disciplina do currículo escolar, deve ser visto de modo mais abrangente como articulador do lugar sócio-temporal em que o indivíduo se encontra, a fim de que estes se posicionem, saibam se orientar, se identificar, levando os vivos a se familiarizar com os mortos, tomar consciência da consciência histórica. Mas o ensino de História, ou na sua missão de tornar passado e presente mais compreensível, não pode ser tomado como bandeira particular, caso isto ocorra, veremos repetido na História o uso do passado de forma preconceituosa, tendenciosa, dominadora. Daí a preocupação do professor Luiz Carlos Bento em entrar no debate sobre a questão do sentido histórico, tendo em vista a questão da consciência histórica, tão importante na prática docente. Nós, professantes da História, temos a obrigação de termos bem definida a importância de pensarmos o mundo não como dado puro, mas sim como passível de interpretação a partir das paixões e ações nele presentes. Afinal não somos frutos de nossa contextualidade e contigencialidade, em uma palavra: de nossa historicidade? Entra em cena outro debate fundamental na formatação da presente obra: a questão do historicismo, tendo como foco dois nomes: Herder e Droysen. Variedade e individualidade, dois termos fundamentais em Herder e que também são imprescindíveis no ofício do historiador. Uma vez expressa a posição de haver uma historicidade imanente em todas as realidades culturais, perceber a sociedade como fruto de sua contingencialidade passa a ser tarefa indispensável no ofício da profissão. Tendo em mente tal pressuposto teórico, a prática docente, e mesmo a vivência social nossa, tende a ser mais bem elaborada e relativizada. Tendo que os homens parecem mais com seu tempo do que com seus pais, devemos buscar compreender a escola, a universidade ou a sociedade, de modo geral, como conectada ao seu momento histórico, para não sermos como o náufrago. Ver os indivíduos como a flor da erva que logo passa, nos leva a refletir sobre nossa condição mesma de homens, de cidadãos, de indivíduos que trazem consigo anseios, temores, amores, convicções, e também (pré)conceitos. Pensar a fugacidade da vida deveria gerar em nós um sentimento de valorização do outro, uma posição humanizada e humanizadora, sobretudo em nós homens e mulheres que lidam diretamente com seres Humanos (o “H” maiúsculo é proposital). Enfim, nosso mundo é belo justamente porque é efêmero. Nesta busca de reconhecimento do homem enquanto homem, o pensar historicamente se encaixa justamente em compreender os valores que orientam o desenvolvimento de uma cultura. Logo a História, como observa o professor Luiz Carlos Bento, seguindo as ideias de Droysen, busca compreender os fenômenos simbólicos e a produção de sentido que eles encerram ou orientam. Daí a importância de estar o professante da História preparado teoricamente para fundamentar sua ação enquanto docente. A escola, ou mesmo a universidade, não são lugares onde tais valores culturais da sociedade estão explicitamente expostos? Se a resposta é afirmativa, nós, professores de História, precisamos ter em mente esse conceito de história. Quanto maior a erudição deste profissional maior será sua capacidade em lidar com a realidade. Mas uma erudição contextualizada, que saiba dialogar com seu tempo. A compreensão dos sentidos e a identificação dos valores que dirigem as ações humanas é, na perspectiva de Droysen, a tarefa dos historiadores de ofício. Daí o porquê de usar o termo professante, porque dele se desdobra tanto a noção de professor quanto profissional, abrangendo, assim, tanto o historiador de ofício quanto o professor de História. Além disso, busca-se um professor que seja um profissional atuante, pois o historiador não pode ser visto como um agente neutro na produção do conhecimento. Neste ponto é fundamental a reflexão proposta pelo professor José Antunes Marques, que trata justamente da condição de intelectual do professor de História. Intelectual este engajado com sua época, participante. Não é fácil aceitar, como salienta o professor José Antunes Marques, que a universidade perde uma de suas características importantes: a busca do conhecimento em si; para “servir” a um fim prático, seja ele de caráter econômico, social e principalmente político. O ser professor é afetado por esta questão, uma vez que é na universidade que o profissional é formado. Por mais que a universidade tente promover uma formação laica, holística, mais do que intelectuais que detenham competência didática, buscam-se indivíduos com competência técnico-burocrática, seres que saibam dar aulas, que “esgotam o conteúdo” – sobretudo do livro didático – e que preencham a papelada diária de forma exemplar. Os alunos ficam “felizes”, a direção e a coordenação da escola os veem como funcionários ideais e os pais ficam contentes em ver que seus filhos não têm nenhuma página do livro didático, da apostila, ou do caderno em branco – no caso do ensino particular isto é ainda mais bem visto, pois o dinheiro foi bem empregado. Ai do professor que deixar uma folha da apostila em branco. Mas, além disso, não podemos nos desmaiar frente às vicissitudes dos tempos modernos regidos pelo capital. Temos sim, que estar cônscios de nossa tarefa como professores de História para, quiçá, alcançarmos a posição de intelectuais. Afinal, lançando mão das palavras do professor José Antunes Marques, somos os responsáveis pela recuperação histórica das relações sociais pelos tempos, bem como compete a nós recuperar a historicidade dessa recuperação da presença humana no mundo. Mais que redundância, o que se coloca é o nosso papel na escola ou - para nos sentirmos mais importantes - na sociedade. Uma vez que propomos repensar o passado, trazê-lo à tona, fazemos isso como um discurso para e no presente. Mais uma vez voltamos à Droysen, para relembrarmos da importância da historicidade, e como esta – seja fardo ou troféu – consiste no cerne de nosso metier. O trabalho do professor Hélio Barbosa Feliciano Alves ganha a cena, pois trata da importância do conhecer sozinho e do aprender junto, ou seja, discute a importância do compromisso social que assumimos frente a esta mesma sociedade. Por certo, uma das coisas que mais fascina na educação seja seu caráter dialético entre o “eu” e os “eus”. Afinal, o ato de ensinar e aprender depende da síntese das partes, “eu” – professor – creio que os “eus” – alunos – compreendem-me e estes também atuam sobre mim, daí porque pensar em ensino-aprendizagem. Posso não ter sido claro, porém o fato é que mais do que ficar discutindo de quem é a bola, creio que a relação professor-aluno seja o cerne do processo (não do sistema) educacional. Lastimável é pensar que o sistema educacional nos impõe uma situação em que tal processo pode não se dar, uma vez que, mais do que discípulos formamos trabalhadores, mais do que compartilhar conhecimento transmitimos informações. Como bem lembra o professor Wilson Gomes de Sousa, a educação deve ser vista como libertadora, emancipadora e não reprodutora, no já bem conhecido “copia e cola”. Pensar emamcipatoriamente não é tarefa fácil, uma vez que só quem alcançou tal posição pode ter o privilégio de tirar a trave do olho do seu próximo e, além disso lutarmos para garantir que se sobreponha uma educação que vise a valorização dos “eus”, mais do que a valorização do “nós”. O “nós” pode servir bem a interesses que busquem a dominação, afinal no “nós” não há a valorização da identidade, da personalidade, o corpo se sobrepõem ao membro, a nação se tor- na mais importante do que o indivíduo. Buscar uma educação emancipatória é pensar nos “eus”, no outro enquanto Outro, portador de identidade, de autonomia, de capacidade, de criatividade, de produzir sua própria História e refletir sobre ela. Educação emancipadora tem como resultado – entre outros, é claro – a atitude potenciadora do ensino de História. Atuar como professor de História deve ter um sentido maior de termos a complexa responsabilidade de proporcionar ao nosso alunado a consciência (histórica) de que somos seres cultural, política, econômica, afinal, historicamente constituídos. Mais do que uma relativização exacerbada da realidade, o que se pretende é vêla como fruto dos homens no tempo, como resultado de decisões de agir ou ficar inerte, como resultado de um conjunto de complexos fatores que são “isolados” apenas para efeito didático, ou mesmo porque não temos a capacidade de abarcar a totalidade, afinal não somos Deus. Finada está – ou deveria – a história universal. Daí porque a crítica veemente proferida pelo professor Luiz Carlos Bento aos livros didáticos que ainda insistem em manter uma visão tradicional da história. De fato é imprescindível sabermos manejar bem as ferramentas de nossa profissão. É evidente que, na prática docente do ensino fundamental e médio a escolha do livro didático é uma ação importante para o andamento de nosso trabalho. Fica claro que o livro didático deve ser visto como suporte, apoio e não como sustentáculo de nossas aulas. Mas como apoio, devemos escolher bem, de forma criteriosa e crítica. É evidente que um bom profissional da história saberá “julgar” corretamente se suas ferramentas estão ou não bem amoladas. Para tanto, a professora Libertad Borges Bittencourt, nos traz algumas ponderações sobre a postura desse professor de História que necessita possuir não só conteúdo, técnica, mas também um conhecimento de mundo razoavelmente satisfatório. Isso implica a importância do docente estar antenado com o seu mundo, afinal não somos homens do nosso tempo? Se o professor de História desconsidera essa condição pode ser tachado de antiquado, de ultrapassado. Talvez para estes caiba a velha piadinha de que: “quem gosta do passado, ou de museu é o professor de História”. Se não soubermos nos posicionar em nosso tempo, em nossa sociedade, em nosso mundo, dificilmente teremos a capacidade e habilidade de pensar historicamente este mesmo mundo e, muito menos, despertar nosso alunado para a compreensão do mundo historicamente estabelecido. Cabe a nós professantes da história ver o mundo não como dado puro, pronto e acabado. Mesmo que cronologicamente passível de compreensão, o mundo não é previsível, os homens não são imutáveis, pelo contrário, movemos, talvez, mais pelas paixões do que por qualquer forma racionalizada do agir. Como bem frisou o professor Hélio Barbosa, temos sim que perceber o tempo e nos temporalizar, pois somos seres históricos. Para além dos devaneios até aqui apresentados, desafio os leitores a prosseguirem avante, empenhando-se para extrair o que cada professor trouxe como contribuição na composição desta obra. Lê-los, posso afirmar, será muito mais proveitoso, de muito mais valia em conteúdo, clareza - entre outros elogios possíveis. E, por mais simples que aparente ser este esforço, ao deparar-se com esta obra lembre-se do que observa Droysen, que o limitado e o particular são mais ricos do que o comum e o geral. Boa leitura. Rodolfo Belchior F. de Paula Jussara, setembro de 2009. Índice Luiz Carlos Bento (Org.) Historicismo e história: A especificidade do conceito de sentido histórico em Herder e Droysen .................................13 José Antunes Marques A condição de intelectual do professor de História.....................27 Estevão C. de Rezende Martins A exemplaridade da história: Prática e vivência do ensino........ 49 Libertad Borges Bittencourt O processo educacional brasileiro na contemporaneidade........63 Hélio Barbosa Feliciano Alves O compromisso social do educador em paulo freire.................. 81 Wilson de Sousa Gomes Educação: Uma discussão histórica acerca do conceito de educação na sociedade moderna.............................................93 Luiz Carlos Bento (Org.) Livros didáticos e historiografia: Um debate acerca do conceito de História produzido pelos livros didáticos entre 2001 e 2005.........................................................111 Sobre o Autor O Professor Luiz Carlos Bento possui graduação em História pela Universidade Federal de Goiás (2003) e mestrado em História pela Universidade Federal de Goiás (2006). Atualmente está vinculado a duas instituições de ensino superior, exercendo docência na Universidade Estadual de Goiás, onde ministra as disciplinas de Teoria da História I e II e Historiografia Brasileira, atuando também como coordenador do Núcleo de Estudos em Teoria da História (NETH). É pesquisador membro do grupo de pesquisas em Teoria, História e Historiografia (UNB) e no grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação de Goiás (UEG). Possui experiência na área de História e Teoria da História, com ênfase em História da Educação e História do Brasil, atuando principalmente nos seguintes temas: história, poder, identidade, historiografia e narrativa. Também desenvolve atividade de docente na Faculdade de Jussara FAJ, onde ministra aula de Economia Política, Antropologia Jurídica e História do Direito para o curso de Direito. É autor da obra “Educação em Litígio: Gustavo Capanema, Conciliação e Reforma nos anos 30”, publicada em março de 2009 pela Editora Corifeu, e de inúmeros artigos publicados em revistas e periódicos, dos quais podemos destacar: Estado Novo, Intelectualidade, Nacionalidade e Educação (2005), Gustavo Capanema e a Educação Brasileira: Cultura, Educação e Projetos Políticos (2008), A especificidade do conceito de sentido Histórico em Herder e Droysen (2008) e Bomfim, Teórico Ensaísta ou Rebelde: A Importância do Pensamento Sócio-histórico de Manoel Bomfim para a Historiografia Brasileira (2008). HISTORICISMO E HISTÓRIA: A especificidade do conceito de sentido histórico em Herder e Droysen Luiz Carlos Bento Ao estabelecermos como meta tangenciar uma perspectiva analítica para abordarmos a temática do historicismo, devemos estar conscientes do caráter dúbio e por vezes equivocado da conceitualização deste termo. Em nosso ofício somos impelidos cotidianamente a produzir entendimento acerca do mundo que nos cerca. Neste sentido, o desenvolvimento de uma consciência histórica é fundamental para que os indivíduos possam se situar, como agentes que são dentro do processo histórico. A consciência histórica, como bem define Rusen, está fundada em uma ambivalência antropológica, ou seja, o homem só pode conhecer o mundo, isto é, só consegue relacionar-se com a natureza, com os demais homens e com ele próprio na medida em que não toma o mundo que o circunda e a si mesmo como dados puros, mas sim buscando interpretá-los em função de suas ações e paixões. Visto como uma época histórica que propiciou o desenvolvimento de uma consciência histórica, o historicismo deve ser entendido como um movimento filosófico de ideias que deriva diretamente do iluminismo e que atesta o caráter eminentemente histórico da experiência humana. Assim o historicismo deve ser entendido, como sendo uma tendência para interpretar a natureza, a sociedade e o homem em constante movimento, buscando Lu i z Ca r lo s B ento (Org.) identificar suas mutações profundas. O históricismo assim entendido considera como pressuposto elementar que o conhecimento de qualquer coisa ou fenômeno exige que se compreenda a sua história. Essa forma de pensamento está presente em diversas correntes de pensamento, segundo as quais é a história que faz o homem e não o homem que faz a história Enquanto movimento filosófico, o historicismo não pode ser desvinculado do contexto cultural e político no qual ele se desenvolveu. Fazer isso seria negar um princípio básico de hermenêutica que não pretendemos cometer em nossa análise. Porém é importante lembrar que, enquanto princípio que busca entender a imanência e a contingencialidade da vida humana, o historicismo pode ser percebido em alguns pensadores no mais tardar desde Tucídides que interpretou a guerra do Peloponeso como sendo fruto dos desejos e das paixões humanas. Muito embora uma afirmação como a anterior possa parecer deslocada. Ela é de suma importância para evidenciarmos o conceito de historicismo que adotamos e que busca defini-lo como uma época histórica, na qual o florescimento de novas ideias filosóficas, somadas a um contexto marcado pela aceleração do crescimento tecnológico, proporcionou o desenvolvimento de uma forma filosófica de pensar a experiência humana como contextual e contingente. Os múltiplos desdobramentos dessa corrente de ideias proporcionaram o desenvolvimento de uma preocupação com o entendimento do passado, que teve como corolário no século XIX o surgimento da Ciência Histórica na Alemanha e na França. Ao aceitarmos a conceitualização do historicismo enquanto cultura histórica, somos impelidos a contextualizá-lo e ao mesmo tempo interpretar seus interlocutores mais privilegiados. Como não é possível fazermos uma análise reflexiva de um contexto tão 14 His t ó r i a e Ens i no de Hi s t ó r i a amplo e rico em termos sociológicos, optamos por analisar alguns elementos da obra de Herder e Droysen, dois representantes basilares do historicismo moderno. Muito embora seja uma empreitada possível, refletir sobre autores de tal envergadura teórica configura-se sempre em um grande desafio para nós, homens contemporâneos, aviltados pelos problemas cotidianos impostos pela situação de marasmo intelectual de nossa época. A compreensão das exposições teóricas desses autores possibilita, em linhas gerais, abrir uma pequena janela que nos liga diretamente ao cenário intelectual da segunda metade do século XVIII e XIX para refletirmos sobre as contribuições que legamos deste período. Reflexão de grande importância, sobretudo para nós que nos intitulamos profissionais da história. Embora não tenham alcançado uma dimensão planetária como Kant, Hegel e Marx, são autores de suma importância para compreendermos a formação do pensamento histórico alemão, que genericamente conhecemos sobre a alcunha de historicismo. Johann Gottfried von Herder (1744-1803) foi um filósofo e escritor alemão que por ser aluno de Kant sofreu influências de seu pensamento. Ao longo de sua formação tornou-se amigo de Hamann, cujas ideias em matéria de linguística, poesia e mitologia vieram a influenciar profundamente seu pensamento. Embora fosse aluno de Kant, sua reflexão sobre o sentido histórico é profundamente distinta da concepção de história universal kantiana. Herder inegavelmente ocupa lugar de destaque na história da cultura alemã, pelo movimento de ideias que provocou e pelo impulso que deu às novas gerações, particularmente ao jovem Goethe. Quanto à história, considerava-a uma característica de todas as realidades naturais. Todo o universo, segundo Herder, poderia ser entendido a partir de uma perspectiva histórico-evolutiva. Herder 15