Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do 7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013. (ISBN: 978-85-288-0326-6) O PENSAMENTO HISTÓRICO DE HERDER Jéssica de Souza Cabral Corrêa* Introdução: O trabalho aqui apresentado tem como objetivo realizar uma pequena análise sobre o Filósofo Johann Gottfried Herder, suas principais influências e a posterior apropriação de seu legado em grandes movimentos intelectuais como Historicismo Alemão e Romantismo. Tentaremos demonstrar também, como as suas concepções serviram ao conhecimento Histórico, através de conceitos chaves como: individualismo, sensibilidade, alma do homem, e o plano maior, onde segundo ele, poderiam ser encontradas as manifestações do individual. Essa breve análise não tem a pretensão de responder a todas as questões acerca do assunto, mas procurará demonstrar a importância de tal filósofo na construção do conhecimento Histórico. *UFF- UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Graduando Johann Gottfried Von Herder Johann Gottfried Von Herder, foi um importante filósofo nascido na Prússia Oriental que viveu entre 1744 e 1803. Segundo alguns estudiosos a sua história poderia ser dividida em quatro partes: os anos em Riga (1764-69), os anos de viagem (1769-71), os anos no conselho de Bückeburg (1771-76) e os anos de Weimar (1776-91). Em Riga ele concluiu seus estudos pela Universidade de Königsberg e ocupou o cargo de pastor e em 1769, iniciou os seus anos de viagem pelo mar Báltico. Os anos posteriores em Buckeburgo e Weimar foram considerados períodos formados pelos pensamentos e experiências vividas por Herder desde a sua juventude, além dos contatos estabelecidos com Goethe e Hamann. Tudo isto culminou em suas principais obras: “Outra Filosofia da História para a educação da Humanidade. Contribuição a muitas outras contribuições.” (1774), “Também uma Filosofia para a formação da Humanidade” (1784-1791), “Cartas para o progresso da humanidade.” (1783-97), a última em resposta à Revolução Francesa, além de duas obras em resposta ao filósofo Kant: “A Metacrítica” (1799) em oposição à “Crítica da Razão Pura”; e “Calligone” (1800) contra “Estética da Crítica do Juízo”. Em suas obras encontraremos como traço comum o desejo de produzir o conhecimento que servisse à humanidade de forma realmente prática e utilitária, tendo como pano de fundo a teologia. Podemos arriscar que esse é o principal pilar na filosofia herderiana, a Popular philosophie. Contudo, há outros pontos importantes que serão trabalhados a partir da percepção de Herder, como a rejeição à Ilustração e o seu modo racional de tratar os fenômenos históricos. As referências A grande contribuição Herderiana não consistiu na criação de um mundo Histórico totalmente novo, e sim na transformação do já existente. Assim como foi colocado por Ernest Cassirer, não podemos caracterizar o Século XVIII como o descobrimento do conhecimento histórico pelo Iluminismo, porque este foi apenas um novo rumo em direção à ciência Histórica. Houve, entretanto, outras contribuições do mesmo grau, como a do próprio Herder, que forneceu uma nova perspectiva para tratar esse tipo de conhecimento. A sua obra foi sensível, pois percebeu as individualidades do 2 homem de acordo com seu respectivo contexto; por isso cada época ou sociedade deveriam ser compreendidas através de seus próprios valore que são únicos, singulares e individuais, ou seja, valores relativos que se ligam num plano maior, o plano da Providência Divina. A partir desse pensamento podemos entender o motivo de sua oposição às luzes. Em primeiro lugar, devemos destacar que a racionalidade não poderia estar presente no estudo da alma humana, e este era o alvo de Herder. Tentaremos aqui, resgatar as influências que deram origem ao seu pensamento, já que em alguns momentos ele nos parece ter surgido do nada, como afirmou Cassirer em uma de suas obras: “(...) Sua obra para quem a toma em sua totalidade concreta, é incomparável; ela não conhece antecipação nem preparação na cultura da época. Parece cair do céu, gerada pelo nada: brota de uma visão da história que é inigualável em pureza e perfeição. Essa concepção do mundo Histórico jamais poderia fundar-se, entretanto, e desenvolver-se sistematicamente sem os instrumentos intelectuais que já estavam à sua disposição.” (CASSIRER, 1997, p. 307). Essa nova relação com a História, que nos parece totalmente nova, tem, em parte suas raízes nas prodigiosas leituras de sua juventude, dentre elas merecem destaque as correntes Iluminista (Hume, Montesquieu e Voltaire); o Pietismo Alemão (Hamann); Platonismo (Platão, Leibniz e Shaftesburg) e até a obra de Shakespeare. Todos os Filósofos citados deixaram um pequeno legado para a formação do pensamento de Herder, que se utilizou, modificou e adaptou alguns de seus conceitos. No que diz respeito à Ilustração, as contribuições foram as seguintes: o conceito de “Espírito da História” ou de “povo”, inspirado na obra O Espírito das leis de Montesquieu, a conexão entre eventos internos e externos, de Hume, além da concepção que ambos partilhavam sobre o homem natural e o homem de cultura, o civilizado, concordando que nesse processo de transição o homem perde o paraíso. A divergência se encontra no fato de que Herder rejeitava toda e qualquer concepção uniforme, pois elas não conseguem compreender toda a diversidade da vida humana nas suas mais diversas manifestações. 3 O Pietismo Alemão, ao buscar uma identidade nacional, renunciava às influências externas em detrimento de sua Kultur irracional, porém sentimental, que para ele, demonstrava o interior da alma alemã. Outro pensador de destaque foi Hamann, de quem Herder foi discípulo e aprendeu o caminho para interpretar a cultura dos povos primitivos. Seu legado foi mostrar que não é possível comparar os povos antigos aos modernos, pois estão em gerações, épocas, mentes e por fim em tempos Históricos distintos. O que levou cada vez mais o jovem Herder a romper com o Iluminismo e de toda atmosfera generalizante e homogênia. Do Neoplatonismo ganharam sua atenção os filósofos Leibniz e Shaftesbury que mantinham algumas ideias legadas por Platão, e foi destes que extraiu a relação do homem com o divino. Em suma, podemos encontrar a gênese do pensamento herderiano em outras fontes, como na particularidade da alma e na natureza humana vistas na poesia e peças de Shakespeare, Além de inspirações diversas como: A poesia primitiva, a popular, os contos e Homero, o Antigo Testamento dentre outros. Entretanto, não podemos atribuir importância somente às fontes e pensadores que o antecederam, pois isso seria uma forma de reduzi-lo e negar toda sua genialidade e sensibilidade até então desconhecidas, ele foi guiado quase que por instinto à criação dessa nova perspectiva. O que a História deve a Herder? “Si Kant queria llegar a ser ‘el Corpénico de la filosofía’, bien podemos llamar a Herder el Corpénico de la historia.” (CASSIRER, 1993: p 266) O século XVIII, com bem sabemos, foi dominado pela atmosfera racional e pelo desejo de produzir conhecimento embasado no rigor científico, devido às contribuições de Descartes. Porém, mesmo envolvido neste contexto, o filósofo Giambattista Vico deu um pequeno passo rumo ao que seria concretizado posteriormente como Filosofia da História. Para ele as ciências do homem exigiam métodos distintos dos usados nas naturais, porque os fenômenos históricos não poderiam ser reduzidos a categorias abstratas. Algumas de suas obras foram feitas em oposição às de Descartes, mas ainda mantinham o caráter abrangente, preso às verdades gerais. Podemos considerá-las como os primeiros esforços para libertar o conhecimento histórico do racionalismo. 4 Todos estes antecessores de Herder foram, de modo geral, os pioneiros do conhecimento histórico e serviram à filosofia da Ilustração. Foi ele o primeiro a recusar os princípios iluministas, porque acreditou no valor do conhecimento específico, em outras palavras, tentou explicar a História partindo da natureza da alma e o princípio de que cada nação, indivíduo ou povo deveriam ser compreendidos a partir de seus próprios valores. Ele ainda afirma que o Iluminismo era debilitado porque não captava com precisão e sensibilidade a pluralidade da vida humana e menos ainda a História. Sugeria que era de muita arrogância acreditar que a felicidade da humanidade estaria no progresso e na razão, em seu livro “Também uma filosofia da história para humanidade” faz uma dura crítica ironizando a forma linear, a virtude da razão e a convicção prepotente: “Vulgarmente o filosofo transforma-se tanto mais em animal quanto mais está convencido de que é Deus. E o mesmo acontece com quem está convencido de que pode fazer cálculos sobre o aperfeiçoamento do mundo. Com aquele que se convence de que tudo progride belamente segundo uma linha recta e de que cada indivíduo e cada geração se limitam a enfileirar numa bela progressão da qual só ele conhece a fórmula de virtudes e felicidade que regula o aperfeiçoamento geral à imagem do seu próprio ideal. Tudo viria afinal a desembocar nele, último e mais elevado elo da cadeia com o qual tudo se termina. Vede a que iluminação, a virtude e felicidade se guindou a humanidade! Olhai para mim! Aqui, em cima do mecanismo! Eu fiel dourado da balança do mundo!.” (HERDER,1995: p 95) O que tornava cada povo singular e incomparável eram os elementos que formavam sua identidade, como: o clima, as condições de vida material, a educação e o último e muito importante para Herder, a língua. O pesquisador poderia encontrar as raízes históricas de cada um deles através das cantigas antigas, dos mitos, contos, sagas, lendas etc. A evolução dos povos seria de forma independente e por diversas direções, ao contrário do que diziam os Iluministas, por isso era contra a imposição de uma lógica genérica que roubasse desses povos a sua espiritualidade e a sua inclinação natural. “E que loucura mil vezes maior não seria a tua se generosamente pretendesse conceder a uma criança, de acordo com o refinado gosto do 5 teu tempo, o teu deísmo filosófico, a tua virtude e a tua honra estéticas, o teu amor geral pelos povos, todo ele carregado de uma tolerância que é opressão, exploração e iluminismo!” (HERDER, 1995: p 17). O progresso só seria aceitável caso estivesse ligado à onipotência divina, logo à diversidade do espírito humano, acreditava ele. Pois dessa forma poderiam ser encontradas no plano maior, o plano da providência, as manifestações individuais. Considerações finais Podemos chegar à conclusão de que nasceu com Herder uma nova forma de analisar o objeto que teve como base os conceitos de relatividade e singularidade, os quais se trabalham até hoje nas Ciências do Homem. Sobretudo a interpretação do Espírito foi a maior contribuição de sua obra para a Ciência Histórica. O século XIX foi marcado por duas correntes que sofreram sua influência direta, e uma delas é o Historicismo representado na figura de Leopold Von Ranke. A primeira vista suas concepções podem ser compreendidas como antagônicas, de um lado a subjetividade de Herder, do outro a objetividade de Ranke. Guardadas as diferenças, podemos observar que ambos crêem na manifestação do divino no plano histórico, ou a relação direta entre a humanidade e o divino. O segundo movimento foi o Romantismo alemão, que contou com as contribuições Goethe, discípulo do próprio Herder, o qual levou adiante e consolidou o movimento cultural, consagrando a intelectualidade Alemã. No entanto ele não pode ser considerado um romântico, porque segundo Ernest Cassirer, eles foram pouco a pouco caindo no universalismo. Embora muitos o considerem o criador do nacionalismo moderno, não cabe aqui espaço para esta discussão, mas não podemos responsabilizá-lo por movimentos de nacionalismo mais extremistas que surgiram e se utilizaram de seus conceitos a fim de legitimar pretensões expansionistas de conquistas militares. Em resumo Johann Gottfried Herder foi um dos primeiros pensadores a se opor as Filosofias do Iluminismo, que marcou de forma significativa a ruptura entre a Historiografia produzida no século XVIII e XIX. Referências Bibliográficas: 6 CASSIRER, Ernest. A filosofia do Iluminismo. São Paulo: Ed. UNICAMP, 1997. MEINECKE, Friedrich. El historicismo y su gênese. México, fondo de cultura mexicana, 1982. CASSIRER, Ernest. El problema del conocimiento IV. Fundo de cultura econômica, México, 1993. SCHILLING, Voltaire. Confrontos: O pensamento político Alemão. 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