A IMPORTANCIA DA HISTÓRIA PARA O DIREITO 1 Eduardo Oliveira Ferreira 2 O notável orador romano Marco Túlio Cícero mencionava a importância da história na vida do ser humano, dizendo que “aquele que desconhece a história, toda a vida será criança”, ou seja, sem conhecermos o passado não podemos acumular experiências e atingirmos a maturidade. A História, por se tratar de uma ciência universal, atinge a todas as modalidades de conhecimentos científicos, desde a Sociologia até a Física. Tendo em vista que a ciência é o acúmulo de conhecimentos de teses de pesquisadores ao longo do tempo. O direito não se exclui do estudo sob uma visão histórica. A história se mostra importante para o Direito no momento em que serve como conhecimento e acúmulo de experiências passadas, possibilitando uma ampliação das análises de situações jurídicas e na interpretação dos textos normativos. Nesse entendimento, é necessária a defesa da importância da história para o Direito, tendo em vista que a busca pela praticidade e celeridade não pressupõe a valorização dos institutos e o conhecimento teórico. A história como Ciência Humana A História é a ciência que estuda as ações humanas do passado e os vários fatores que neles implicaram, vistos na sua sucessão temporal. Deve ser a relação racional, verídica e imparcial dos acontecimentos passados seguindo a ordem cronológica. Escreve Vavy Pacheco Borges que: 1 In: http://letrasjuridicas.blogspot.com.br/2008/08/importancia-da-histria-para-o-direito.html Jurista e Advogado. Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros. PósGraduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera, e Pós-Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros. Autor do “Manual do Mandado de Segurança” (Ed. Unimontes, 2010). Articulista em periódicos e revistas. Professor de Direito do Consumidor no “Único Pré-Concursos”. E-mail: [email protected] 2 A História procura especificamente ver as transformações pelas quais passaram as sociedades humanas. As transformações são a essência da História; quem olhar para trás, na História de sua própria vida, compreenderá isso facilmente. Nós mudamos constantemente; isso é válido para o indivíduo e também é válido para a sociedade. Nada permanece igual e é através do tempo que se percebe as mudanças. De forma didática, Henry Steele Commager explica que, "A História, como registro, consiste em três estados, tão habilmente misturados que parecem ser apenas um. O primeiro é o conjunto dos factos. O segundo é a organização dos factos para que formem um padrão coerente. E o terceiro é a interpretação dos factos e do padrão". A importância da História para o Direito Diversos juristas defendem que o Direito não pode estar apenas vinculado ao estudo das normas, em detrimento do positivismo jurídico. Como ciência não pode estar isolado de outras disciplinas que o possam complementar. A história tem papel fundamental para a compreensão de fundamentos das normas em vigor. O jurista Oliver Wendell Holmes Jr3 disserta que: O estudo racional do direito é ainda, em larga medida, o estudo da história. A história deve ser uma parte desse estudo porque sem ela não podemos saber o objetivo preciso das regras que é nossa obrigação conhecer. É uma parte do estudo racional porque é o primeiro passo para o ceticismo esclarecido, isto é, para o reexame deliberado do valor das normas. O notável jurista Ives Gandra da Silva Martins Filho, entende que: O serviço que a História presta ao cientista social é o de ser o seu laboratório de pesquisas. Enquanto o físico pode reproduzir em laboratório as experiências que confirmem ou refutem suas teses, o legislador não pode, para verificar o acerto de sua concepção sobre determinado modo de conduta social, editar a norma em caráter experimental. A História serve como modelo comparativo de tentativa, erro e acerto dos legisladores de diversas épocas. As normas devem ser elaboradas com a devida investigação e estudo sistemático dos sistemas anteriores a fim de evitar ou reduzir os possíveis problemas, decorrentes de normas mal planejadas. Salienta, ainda, o celebre jurista que: 3 Collected Legal Papers, Nova York, 1920, p.196 O impacto na vida de milhões de pessoas, se a concepção não estiver respaldada pela adequada captação da realidade social, será enorme, nociva e de difícil reparação posterior. Daí é a necessidade de se aproveitar as lições do passado, verificando quais os modelos que deram certo, e os que se mostraram inadequados para organizar a vida em sociedade. É evidente que somente o conhecimento da História não é suficiente para se garantir a perfeição relativa da legislação editada, mas é elemento fundamental para se evitar muitos erros de avaliação. Isto porque o conhecimento do passado é de extrema importância para se compreender o presente. Esse é o serviço que a História presta ao legislador. Não pode ser deixada de lado a argumentação de Sergio Pinto Martins 4, ilustrando a importância da história para o Direito: O Direito tem uma realidade histórico-cultural, não admitindo o estudo de quaisquer de seus ramos sem que se tenha noção de seu desenvolvimento dinâmico no transcurso do tempo. A luz da história, podemos compreender com mais acuidade os problemas atuais. A concepção histórica mostra como foi o desenvolvimento de certa disciplina, além das projeções que podem ser alinhadas com base no que se fez no passado, inclusive no que diz respeito à compreensão dos problemas atuais. Não pode, portanto, prescindir de seu exame. É impossível ter o exato conhecimento de um instituto jurídico sem se proceder a seu exame histórico, pois se verifica suas origens, sua evolução, os aspectos políticos ou econômicos que o influenciaram. Ao analisar o que pode acontecer no futuro, é preciso estudar e compreender o passado, estudando o que ocorreu no curso do tempo. Heráclito já dizia: ‘o homem que volta a banhar-se no mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio nem o homem é o mesmo homem’. Isso ocorre por que o tempo passa e as coisas não são exatamente iguais como eram, mas precisam ser estudadas para se compreender o futuro. Para fazer um estudo sobre o que pode acontecer no futuro é necessário não perder de vista o passado. Não se pode romper com o passado, desprezando-o. O Historicismo Jurídico ou Escola Histórica do Direito O historicismo não é propriamente uma doutrina filosófica, mas um conjunto de doutrinas variadas que acentuam o papel da história nas instituições humanas. Nele se incluem filosofias diversas, como a de Dilthey, de Marx e Engels, de Karl Mannheim etc. Existem vários “historicismos”, como o historicismo religioso 5, o historicismo hegeliano, ou idealismo objetivo, também conhecido como historicismo filosófico 6, cujos expoentes foram 4 Direito do Trabalho, 24ª edição, ed. Atlas, São Paulo, 2008 os filósofos Frederico Schelling e Hegel, e, ainda, o historicismo jurídico. O historicismo jurídico, ao contrário dos outros, não tem preocupações políticas ou filosóficas, e nem praticas. Pretende ser uma doutrina científica do Direito. O historicismo jurídico surgiu com o célebre professor de Direito romano, Friedrich Karl Savigny (1779-1861), mestre de Rudolf Von Ihering (1818-1892). Segundo Savigny, o Direito é um produto da história, surgindo da consciência do povo (volksgeist), desenvolvendo-se com o povo e modificando-se quando este perde a sua individualidade, encontrando, portanto, sua expressão maior, não na lei, mas nos usos e costumes. Sendo, destarte, o costume superior à lei, à vontade do povo, a qual deve ser entendida pelo interprete. Toda vez que a letra da lei se apresentar em contradição com o que o interprete considera como a expressão da consciência coletiva do povo, no momento da aplicação da lei, deve ele preferir a revelação direta dessa fonte comum e mais profunda. Para a Escola Histórica do Direito, cada povo tem um espírito, uma alma própria, que se manifesta de diversas maneiras. Através da Arte, da Moral, do Direito, da Linguagem etc. O direito não é criação do legislador, mas produção instintiva e quase inconsciente, que diretamente se manifesta nos fatos jurídicos, depois estudados e submetidos à elaboração reflexiva pelos técnicos ou jurisconsultos. Ao trabalho dos jurisconsultos segue-se a legislação, mas esta é consagração dos costumes existentes. A escola do Direito criada por Savigny, na Alemanha é denominada de Escola Histórica do Direito. Alguns estudiosos entendem que o uso do termo historicismo jurídico não deve ser usado para designar tal escola, uma vez que apresenta idéia mais ampla e designa as tendências anteriores que salientavam a importância da historia. 5 O Historicismo Religioso busca mostrar que a história é o diálogo da graça divina e da liberdade humana, o processo ao longo do qual a vontade e o amor de Deus se manifestam não só na criação do mundo e do homem, mas na sua redenção. 6 A preocupação é em demonstrar a manifestação ou revelação do espírito absoluto. A história como disciplina nos cursos jurídicos A história do direito, como disciplina considerada científica, nasceu na Alemanha do início do século XIX, por conta da insistência de Friedrich Karl Von Savigny (1779–1861), professor da Universidade de Berlim, sobre a necessidade de se conhecer o direito do passado para que se pudesse buscar a tradição jurídica de cada povo como base de sustentação e justificativa de um direito próprio de cada nação. A História do Direito, como ciência, chegou ao Brasil no mesmo século de Savigny. Em 1885, começou a ser ensinada nas Faculdades de Direito, porém, de forma pálida e cheia de interrupções. Em 1891 com a Reforma Benjamin Constant, o ensino da disciplina se estabilizaria por alguns anos para então, em 1901, ser retirada dos currículos mínimos das faculdades brasileiras por todo o século XX. Apesar deste longo período de interrupção, ainda hoje as linhas mestras que marcaram as metodologias inaugurais do chamado historicismo jurídico estão muito presentes entre nós. Atualmente, os estudiosos da história (incluindo os da história do direito) parecem estar desprezados. Entende o editor do livro de Ricardo Feijó 7 que: na academia brasileira, o historiador do pensamento é um ser marginalizado. Alguns colegas acreditam que em um país carente de recursos não se pode perder tempo com filigranas da História, e que financiar projetos de pesquisa nessa área seria má alocação de recursos. Os teóricos tendem a desprezar os estudiosos de história, ao contrário do que se verifica em países desenvolvidos onde os historiadores do pensamento são admirados e respeitados. O estudo do Direito, sob um prisma histórico, deve ser valorizado por todos os estudiosos do Direito, a fim de compreenderem as finalidades das normas. Sem a compreensão da história do Direito, o conhecimento do jurista é inferiorizado e se torna superficial, sem fundamentação adequada, para a argumentação de suas teses. 7 História do Pensamento Econômico, ed. Atlas, 2001.