47 LATENCIAÇÃO COMO TÉCNICA DE DIRECIONAMENTO DE FÁRMACOS Jaqueline Patricia de Lima¹ Juliana Mesquita Freire² Kamilla Kassen Zebian¹ Pablo Henrique Delmondes¹ RESUMO Latenciação é um método de desenvolvimento molecular por meio de pró-fármacos, com propósito de direcionar e liberar a porção ativa da molécula no local de ação, desviando-o fármaco de barreiras que possa alterar seu efeito e diminuindo seus eventos adversos. Este artigo de revisão bibliográfica teve o objetivo de abordar os principais tipos de pró-fármacos dirigidos, mostrando suas características, mecanismos e locais pra qual são destinados. Apesar de recente, a utilização de transportes específicos em forma de pró-fármacos pode gerar grande revolução no âmbito farmacêutico e medicinal por aumentar a especificidade dos fármacos, diminuindo seu efeito tóxico. Palavras-chave: Latenciação, Pró-fármacos dirigidos, Transporte de fármacos. ABSTRACT Latentiation is a molecular development method through prodrugs, with purpose to target and release the active portion of the molecule at the site of action, bypassing the drug barriers that can change effect and reducing its adverse events. This literature review aims to address the main types of targeted prodrugs, showing their characteristics, mechanisms and sites for which they are intended. Despite recent, the utilization of specific transport shaped prodrugs can generate large revolution in the pharmaceutical and medicinal for increasing the specificity of drugs by reducing their toxic effect. Key-words: Latentiation, Prodrugs directed, Transport of drugs. ¹ Acadêmicos do quarto ano de Farmácia, das Faculdades Unidas do Vale do Araguaia, de Barra do Garças-MT. Contato: [email protected]. ² Professora das Faculdades Unidas do Vale do Araguaia 1. INTRODUÇÃO O termo latenciação de fármacos para o processo de obtenção de pró-fármacos foi proposto por Haper em 1959. Latenciação é a transformação do fármaco em forma de transporte inativo que, in vivo, mediante reação química ou enzimática, libera a porção ativa no local de ação ou próximo dele. Uma das formas latentes obtidas mediante este processo denomina-se pró-fármaco. (CHUNG e FERREIRA, 1997). O planejamento de pró-fármacos é de grande importância para a superação de problemas de ordens farmacêutica e farmacocinética relacionados ao fármaco que, de outra forma, poderiam limitar sua utilidade clínica. Os principais objetivos do planejamento de pró-fármacos são: melhorar a formulação (p. ex., aumentar a hidrossolubilidade); melhorar a estabilidade química; melhorar a aceitação e adesão do paciente; melhorar a biodisponibilidade; prolongar a duração de ação; melhorar a seletividade e, reduzir os efeitos colaterais (PEREIRA, 2007). A vantagem do desenvolvimento de prófármacos é a facilidade de obtenção de novos compostos, não considerados “me tôo” e, portanto, passível de patentes (SILVA, 2008). A liberação seletiva de fármacos no local de ação via pró-fármacos tem gerado interesse considerável para aumentar a On-line http://revista.univar.edu.br ISSN 1984-431X potência e diminuir os efeitos adversos dos protótipos dos quais derivam (CASTRO et al., 2004). Recentemente, com o avanço das técnicas de clonagem e de expressão controlada de genes em células de mamíferos, verificou-se a elucidação da natureza molecular de enzimas e transportadores de membrana, tornando possível um planejamento racional de pró-fármacos dirigidos, que consiste de fármacos latentes acoplados a um transportador específico para dados receptores ou enzimas existentes no sítio de ação específico do fármaco, reduzindo sua ação inespecífica sobre outros órgãos e/ou tecidos. (SILVA apud HAN & AMIDON, 2000). Dentro desta perspectiva, o objetivo deste trabalho é fazer um estudo bibliográfico relatando os principais tipos de pró-fármacos dirigidos, no intuito de ressaltar suas vantagens e mecanismos. 2. MATERIAL E MÉTODO Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica, baseado em artigos publicados nas principais revistas eletrônicas de fácil acesso. Foram pesquisados 25 artigos e utilizados 15 no conteúdo do artigo. Foram utilizadas as seguintes palavras chaves nas buscas pelos artigos pesquisados: latenciação, prófármacos dirigidos; ODDS; GDEPT; ADEPT; CSDDS; Bisfosfonato; colites e tratamento do câncer. Interdisciplinar: Revista Eletrônica da Univar (2012) n.º8 Vol – 1 p. 47 -50 48 3. PRINCIPAIS TÉCNICAS FÁRMACOS DIRIGIDOS DE PRÓ- A liberação de fármacos sítios específica via pró-fármacos, tem gerado interesse considerável para aumentar a potência e diminuir os efeitos colaterais de um fármaco (SILVA, 2008, apud, HAN e AMIDON, 2000; HIRABAYASHI, 2001). 3.1 ADEPT – Terapia dirigida por anticorpoenzima-pró-fármaco O câncer é uma doença relativamente comum no mundo. Nos países desenvolvidos, atualmente e em média, cerca de uma pessoa em cinco morre de câncer. Esta proporção nos países em desenvolvimento é de uma morte para cada 15 indivíduos, porém deve-se considerar a estrutura etária mais jovem das populações destes países (FILHO e MONCAU, 2002). Várias são as modalidades de tratamento e, dentre elas, a quimioterapia é a mais frequente (COSTA e LIMA, 2002). Quimioterapia é definida como o emprego de substâncias químicas, isoladas ou combinadas, com o objetivo de tratar as neoplasias malignas, as quais atuam em nível celular, interferindo no seu processo de crescimento e divisão e, por não possuírem especificidade, destróem indistintamente células neoplásicas e normais (LEMOS et al. 2204). O uso de pró-farmacos na quimioterapia do câncer como meio de direcionar fármacos relativamente tóxicos para áreas específicas do organismo tem sido extremamente estudados. Uma das tecnologias bastante estudadas consiste basicamente na administração intravenosa de um anticorpo-enzima conjugados localizado no tecido tumoral e subseqüentemente ativar um pró-fármaco administrado predominantemente dentro do tumor (FORMARIZ; et. al. apud BAGSHAWE ET AL., 1991). O sistema ADEPT utiliza enzima não existente no organismo, acoplada a um anticorpo monoclonal, aumentando, significativamente, a seletividade dos agentes anticancerígenos (SILVA, 2008, apud, Ettmayer et al., 2004). Administra-se o conjugado anticorpo monoclonal + enzima, em seguida o anticorpo reconhece a superfície de um determinado agente patogênico, administra-se então o pró-fármaco, que quando se aproxima do complexo monoclonal + enzima + agente patogênico, é clivado liberando o fármaco ativo, o qual promoverá ação contra o agente patogênico (CHUNG et al. 2005), como mostra a Figura 1. On-line http://revista.univar.edu.br ISSN 1984-431X Figura 1. Ilustração do mecanismo ADEPT. 3.2 GDEPT/VDEPT – Terapia gene/vírus-enzima-pró-fármaco dirigida por Este processo utiliza genes que codificam enzimas ativadoras de pró-fármacos, os quais podem ser transportados por lipossomas, lipídios catiônicos ou vírus (retrovírus ou adenovírus), atingindo células neoplásicas e normais. A expressão de tais genes pode ser feita ligando-se os mesmos nas unidades de transcrição específicas do tumor. Esta abordagem tem mostrado resultados promissores in vitro e também em pacientes (CHUNG; et. al., 2005, apud, Grove et al., 1999; Han, Amidon, 2000; Hull, Chester, 2002; Palmer et al., 2004). GPAT é uma variação do GDEPT, que utiliza diferenças conhecidas entre células normais e tumorais para aumentar a seletividade. Esta técnica envolve a criação de um gene artificial composto de uma sequencia regulatória transcricional tecido-específica (TRS), anexada a uma sequencia do gene da enzima que promove a ativação do pró-fármaco. O TRS consiste em um simples promotor, o qual pode ser ativado em tecidos específicos e, ainda, pode aumentar a taxa de expressão do gene desta enzima (BLAU et al. 2006). 3.3 ODDS – Sistema de liberação osteotrópica de fármacos Um novo e promissor sistema de liberação de fármacos para atingir o tecido ósseo via pró-fármacos foi proposto, o qual utiliza os bifosfonatos como transportadores (CHUNG; et. al., 2005, apud, Fujisaki et al., 1995; Hirabayashi et al., 2001; Castro et al., 2004). Bifosfonatos são análogos sintéticos de pirofosfato caracterizados por ligações de P-C-P e são mais resistentes à hidrólise química e enzimática. Esses compostos exercem efeitos de inibição da reabsorção osteoclástica e inibição da mineralização óssea (PENNA e NICOLI; 2001, apud, Fleich et al., 1970; Meyer, Nancollas, 1973). Uma classe terapêutica já testada por esse sistema foi a dos antiinflamatórios não-esteróides (AINEs) contra artrite induzida em ratos. Constatou-se Interdisciplinar: Revista Eletrônica da Univar (2012) n.º8 Vol – 1 p. 47 -50 49 a alta potência, baixa toxicidade e necessidade de um menor número de administração do pró-fármaco em relação ao fármaco matriz (diclofenaco), concluindo-se que o sistema ODDS do diclofenaco é promissor (CHUNG; et. al., 2005, apud, Hirabayashi et al., 2001). características, não necessariamente associados a alterações macroscópicas (DIAZ et al., 2002). A olsalazina, por liberar duas porções ativas no local de ação, também é classificada como prófármaco recíproco. Segundo Chung, 2005, os prófármacos recíprocos caracterizam-se por seu transportador, diferentemente dos pró-fármacos clássicos, também possuir atividade terapêutica, obtendo assim um pró-fármaco com ação sinérgica. Figura 2. Ilustração do diclofenaco conjugado ao bifosfonato, formando o pró-fármaco (CASTRO et al. 2004). A artrite reumatóide é uma doença auto-imune de etiologia desconhecida, caracterizada por poliartrite periférica, simétrica, que leva à deformidade e à destruição das articulações por erosão do osso e cartilagem. Em geral acomete grandes e pequenas articulações em associação com manifestações sistêmicas (LAURINDO et al., 2004). Devido a circulação óssea e das cartilagens serem pouco eficientes, os anti-inflamatórios não conseguem chegar no local de ação de forma integral, o que exige doses maiores e várias vezes ao dia. É um fator que aumenta o interesse pela latenciação do diclofenaco, unindo-o ao bifosfonato. 3.4 CSDDS – Sistema de transporte de drogas específicas para o cólon A microbiota normal associada ao trato digestivo humano é constituída por um número considerável de microorganismos pertencentes a aproximadamente 300 a 400 espécies microbianas diferentes que desenvolvem funções importantes no local que colonizam (Penna e Nicoli, 2001). Uma das principais enzimas codificadas por essa microbiota intestinal é a azo-redutase. Segundo SILVA, 2008, desde que se conheceu a microbiota normal do trato gastrointestinal, e a existência das azo-redutases, o uso pró-fármacos com ligações azo tornou-se uma forma de direcionamento intestinal atrativa. Um bom exemplo é o da olsalazina, a qual consiste em duas moléculas de 5-ASA (ácido 5aminosalicílico). O ASA (ácido 5-aminosalicilico) é direcionado ao cólon com propósito de tratamento da colite. Colite é termo utilizado para designar processos inflamatórios, de diferentes etiologias, que envolvem o intestino grosso, na presença de lesões microscópicas On-line http://revista.univar.edu.br ISSN 1984-431X Figura 3. Ilustração da reação enzimática de azo redução sofrida pela olsalazina (inativa), liberando duas moléculas ativas de 5-ASA. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de recente, a utilização de transportes específicos em forma de pró-fármacos pode gerar grande revolução no âmbito farmacêutico e medicinal por aumentar a especificidade dos fármacos, diminuindo sua toxicidade e contribuindo para que o fármaco chegue íntegro ao seu local de ação. No tratamento do câncer, por exemplo, é possível que o fármaco seja liberado diretamente na célula cancerígena, poupando células sadias dos efeitos químicos do tratamento. Outra importância é o transporte dos fármacos até locais de difícil acesso, como articulações e ossos, melhorando a eficácia nos tratamentos de artrite reumatoide, osteoporose e outros. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLAU, Lorena; MENEGON, Renato Farina; CHUNG, Man Chin. Pró-fármaco ativado por enzima, uma estratégia promissora na quimioterapia. Química Nova, São Paulo, v. 29, n. 6, Dez. 2006. 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