Universidade de Évora – Departamento de Química
Cristina Costa e Ana Dordio
PODEM OS MEDICAMENTOS QUE USAMOS PREJUDICAR O MEIO AMBIENTE?
Os fármacos têm um papel importante na prevenção e tratamento das doenças do homem e
dos animais. A segurança para os consumidores está protegida por legislação que obriga a indústria
farmacêutica a prolongados estudos para avaliar possíveis reacções adversas desses medicamentos
nos seus utilizadores. Em contraste pouco se sabe sobre os possíveis efeitos destes compostos nos
organismos aquáticos ou terrestres que possam acidentalmente entrar em contacto com eles.
Os medicamentos podem ser libertados no meio ambiente de várias formas (ver Figura 1).
Após administração em humanos, parte dos fármacos ou produtos resultantes do seu metabolismo
no corpo são excretados nas fezes e urina sendo encaminhados para as estações de tratamento de
águas residuais (ETARs). Estes produtos são só parcialmente removidos nas ETARs acabando por
chegar em pequenas quantidades aos cursos de água. A contaminação provocada pelos
medicamentos de uso veterinário é geralmente mais problemática uma vez que muitas vezes a
excreção é feita directamente para o ambiente sem qualquer tratamento prévio. A outra via
importante de entrada destes contaminantes no meio ambiente resulta do descarte indevido de
medicamentos ou das suas embalagens.
A libertação de fármacos para o ambiente tem ocorrido desde há décadas, mas só
recentemente foi iniciado o estudo dos seus possíveis efeitos no ambiente. As técnicas que permitem
a detecção e quantificação destes compostos aos níveis encontrados no ambiente só foram
implementadas na última década. Os estudos realizados a nível mundial permitem concluir que o
problema da contaminação é generalizado, aparecendo nas amostras de água analisadas múltiplos
fármacos em concentrações individuais que geralmente não ultrapassam os μg/L (0,000001 g por litro
de água). Os baixos teores detectados podem ser enganadores, e apesar de ser mais ou menos
seguro afirmar que a estes níveis eles não produzem efeitos nefastos no Homem, só agora
começamos a perceber quão problemático podem ser os seus efeitos no ambiente.
A lista dos fármacos detectados nas águas é extensa e envolve praticamente todo o tipo de
compostos. Apesar dos efeitos de alguns deles ainda serem quase desconhecidos existem duas
classes cuja acção já é perfeitamente estabelecida: os resíduos hormonais (dos contraceptivos e da
terapia de substituição hormonal) e os antibióticos. As hormonas, mesmo em quantidades diminutas
têm efeitos nefastos na função reprodutiva e no desenvolvimento dos organismos aquáticos (são por
isso denominados de desreguladores endócrinos). A presença no ambiente dos antibióticos pode
originar estirpes de microrganismos resistentes podendo tornar, num futuro próximo, os antibióticos
actualmente utilizados ineficazes no tratamento de algumas doenças.
Os efluentes das estações de tratamento de águas residuais (ETARs) são a mais importante
via de entrada dos fármacos de consumo humano nos meios receptores hídricos. Para além dos
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efluentes, as lamas produzidas nestas ETARs são também passíveis de ter elevados níveis destes
poluentes que, ao serem aplicadas nos solos, podem por sua vez contaminar os aquíferos. É a
natureza química de um poluente que determina a sua taxa de degradação na ETAR e também a
percentagem que se vai encontrar dissolvida na água ou retida nas lamas. Os processos de
tratamento das águas residuais utilizados numa ETAR são determinantes nas taxas de remoção
alcançadas. Por exemplo, estudos realizados permitiram concluir que as taxas de remoção do
ibuprofen, o principio activo de algumas formulações como por exemplo do TrifeneR, podem oscilar
entre 20 -100 %. Estes e muitos outros compostos já detectados em águas superficiais e
subterrâneas em todo o Mundo são também comercializados em Portugal e por isso este problema
de contaminação ambiental é também um problema nosso.
A região do Alentejo apresenta características que a torna particularmente vulnerável a este
problema de contaminação ambiental: população envelhecida e com uma taxa elevada de consumo
de fármacos; zona de produção agrícola com um elevado efectivo animal; e em algumas zonas a
escassez de recursos hídricos. A combinação destes factores torna particularmente importante que
se tomem medidas para minimizar o problema que passam não só pela monitorização e
melhoramento do funcionamento das ETARs no que concerne à remoção destes poluentes, mas
também à sensibilização de todos. Os medicamentos são essenciais ao bem-estar de homens e
animais mas o seu uso deve ser feito de uma forma criteriosa, conscientes dos problemas que eles
podem acarretar para o ambiente. E já agora contribua para minimizar este problema levando os
restos de medicamentos e as suas embalagens até à sua farmácia para que possam ser
convenientemente descartadas!
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Figura 1 – Exemplo dos possíveis trajectos dos fármacos no ambiente
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Podem os medicamentos que usamos prejudicar o meio ambiente?