CIÊNCIA E RELIGIÃO
Provavelmente, este é um dos mais polêmicos assuntos discutidos em uma
Universidade Católica. Na verdade, não só nela mas também em outras. Com freqüência,
esse tema aparece nos jornais e revistas de acesso público, isto é, não especializadas. De
um lado, aparecem cientistas que provam “cientificamente” a existência (às vezes, a não
existência) de Deus ou se envolvem com questões religiosas como milagres, santos, etc e de
outro, aparecem religiosos que afirmam “religiosamente” que descobertas científicas
provam ou comprovam a mesma existência divina ou de aspectos da sua essência.
Sei também de uma situação na qual um professor encheu um quadro de equações
matemáticas complexas, confusas e provavelmente desconexas, que sustentariam uma
determinada tese: a existência de Deus. No meu entender, algo impossível. Esta coluna, a
18a, tem por objetivo apresentar alguns argumentos para sinalizar a impossibilidade (ou
pelo menos, a gigantesca dificuldade) de se provar a existência ou a inexistência de Deus a
partir de argumentos científicos. Claro, são só alguns argumentos meus, isso é, constituem
uma pequena parte dos argumentos possíveis. Longe de mim querer impor alguma coisa ou
declarar que os meus argumentos são os melhores. Assim, nenhum dogma, ok?
Desde há muito tempo, preocupado com o deus que “mata criancinhas” ou que não
impede desgraças, olho com especial atenção para essas e tantas outras questões
semelhantes. Até hoje, a melhor imagem que obtive para Ele foi a de um pintor que
terminou a sua obra e a expõe. Muito embora ele seja absolutamente capaz de ir até ela dar
mais algumas pinceladas, retoques, muito provavelmente ele se contenta em observá-la, em
curtir a sua criação. Assim, acreditando na existência de Deus, acredito que ele criou o
que existe (ou se alguém quiser, as equações que descrevem o que aconteceu e, portanto, o
que irá acontecer) e entregou sua obra para que ela dinamicamente seguisse em frente. Ou
não. Afinal de contas, se podemos contar com alguma coisa é com a nossa potencial
liberdade. Veja, disse potencial e isto irá significar muita coisa, como veremos adiante.
De todo o modo, desejamos ser livres para fazer isso ou aquilo, sem cordões de marionetes
nos equilibrando. Às vezes, caímos, outras vezes, ficamos bem de pé.
Assim, é a crueldade das guerras que mata as criancinhas, é a irresponsabilidade do
homem que faz as maiores maldades. Deus nada tem a ver com isso. Afinal, não queremos
a liberdade? Alguém já comentou sobre o número de vítimas que o homem já provocou
em nome de Deus. Para mim, isso é a mais cristalina verdade: a maldade é do homem que
pela sua inveja, egoísmo, preconceitos, etc, sacrifica, mutila, oprime, escraviza o próprio
homem. Vou repetir: Deus nada tem a ver com isso. É muito fácil querer o melhor dos
mundos: o homem é livre mas a responsabilidade dos seus atos é de Deus.
Assim, embora eu “veja” Deus em muitas coisas, não vejo Deus “especialmente” na
ciência. Quero dizer, no meu entender, em nenhum ponto a ciência, que procura
insistentemente a verdade, irá esbarrar em alguma ponderação que prove a existência ou a
inexistência de Deus. Como disse Stephen Gould em seu livro “Pilares do Tempo”, Editora
Rocco, 2002, ao enunciar o Princípio dos Magistérios Não-Interferentes, ciência e religião
não podem ser unificadas sob qualquer esquema comum de explicação ou análise. A
ciência tenta documentar o caráter factual do mundo natural, desenvolvendo teorias que
coordenem e expliquem esses fatos. A religião, por sua vez, opera na esfera igualmente
importante, mas completamente diferente, dos desígnios, significados e valores humanos
– assuntos que a esfera factual da ciência pode até esclarecer, mas nunca solucionar.
No meu entender, essa é a chave do bom encaminhamento entre essas duas áreas e
modos de conhecimento. A total separação de corpos ou de assuntos. O cientista tem a
preocupação de entender tudo, o corpo humano, a mente humana, as ações humanas, e irá
sempre procurar descobrir como essas coisas funcionam, operam, existem, etc. O religioso
irá procurar entender a razão, no sentido de objetivo final, pela qual essas coisas são assim:
a ciência, pela sua própria essência, não tem como entrar em questões de fé. Por outro
lado, a religião deveria evitar colocar deus onde ele não pode ser encontrado, visto ou
provado. Os antigos acreditavam que o Sol e a Lua eram deuses: a ciência provou que são
apenas corpos no céu. A Terra era suposta ser plana e provou-se que isso estava falso.
Depois, acreditou-se que o centro da criação era o homem na Terra. A ciência provou que
o próprio Sol se move no universo, bem como todo o sistema solar. Existem inúmeros
pontos semelhantes: cada vez que a religião põe algum tipo de santidade no plano do
concreto, a ciência vem contradizê-la, e isso é feito naturalmente, sem perseguições.
Alguém aí já viu as perseguições promovidas pela ciência? Duvido. Mas certamente, são
conhecidas as perseguições religiosas de todas as espécies, correto?
Há hoje o que se chama de “Princípio Antrópico”, isso é, princípio da natureza do
homem, um notável argumento que, baseado na complexa afirmação que se as constantes
da natureza (como por exemplo, a carga do elétron, a constante de Planck, e tantas outras)
tivessem seus valores variados de uns poucos pontos percentuais, o Universo como nós o
conhecemos não seria possível. Aparentemente, isso é verdade. Muitas pessoas vêem o
dedo de Deus nisso. Entretanto, podemos nos perguntar se um outro universo não poderia
ser igualmente possível, um universo no qual as constantes assumiriam outros valores, onde
as leis seriam outras (algo como F = 2 × m × a - e não F = m × a -, onde F é a força, m é a
massa e a é a aceleração). O resultado dessa pergunta é pura especulação, como sempre
acontece quando pretendemos inferir algo a mais do que constitui a nossa realidade. E se
no futuro, a ciência provar que o Princípio Antrópico não é verdade, o que será da religião
se Deus for colocado sobre ele ou sobre qualquer outro princípio? Um problema, como já
aconteceu no passado. É melhor a separação. É mais razoável ou mais científico, se
alguém quiser.
Há algum tempo, vieram me perguntar se eu entendia de Radiação Ótica. Complexa
pergunta e, sem saber como responder, comecei a fazer perguntas, procurando descobrir de
onde tal coisa teria saído. A história é que alguém escreveu que quando um determinado
homem santo curava as pessoas (não vi, não sou médico, não sei da condição de saúde das
pessoas sendo curadas, etc.), raios luminosos saíam das mãos do homem santo.
Claro,
poderia rir mas esse não seria um pensamento científico. Disse apenas que, se os tais raios
luminosos eram visíveis, seus comprimentos de onda deveriam estar entre 0,35 e 0,70
microns, por aí, pois essa é a faixa que nossos olhos percebem. Ou seja, se enxergamos
determinados fenômenos, a única possibilidade é que a radiação eletromagnética chegando
aos nossos olhos esteja entre aqueles valores. Não adianta, não enxergamos radiação na
faixa de 1, 10 ou 100 microns, características da radiação infravermelha. Não entrei na
questão dos raios serem vistos ou não, pois essa é uma questão de fé e a isto, não há saída.
Acredita-se ou não. Ponto. Eu não acredito.
As leis da Física são verdadeiras e absolutas apenas naquilo que elas se propõem.
Assim, não há nenhum argumento físico capaz de garantir a existência de Deus ou, no que
me toca, de seres de outros planetas.
Quando alguém diz que foi seqüestrado (ou
abduzido, na expressão politicamente correta) por seres de outros planetas, posso apenas
demonstrar minha simpatia já que ninguém até provou sequer a existência deles. Há só
especulações, às vezes gratuitas, às vezes com bases e argumentos científicos, como
conduzido por Carl Sagan e seu projeto SETI. Assim, até que isso seja provado, podemos
acreditar ou não, sem garantias.
Por outro lado, há pessoas que acham que a ciência só tem significado através da
religião. Tenho ouvido a seguinte frase atribuída a Einstein: se a ciência sem religião é
cega, a religião sem a ciência é manca, ou vice-versa. Novamente, essa é apenas uma
questão de fé. Isso também não carece de prova pois é impossível termos um argumento
definitivo sobre isso. Novamente, acredita-se nisso ou não. Há alguns conceitos
importantes e um deles, levantado por Richard Feynman, é que a ciência não ensina o bem
ou o mal. Ela apenas ensina, cabendo ao homem escolher. Um ensinamento budista
importante, também citado por Feynman, diz que à cada homem, é dada uma chave para
abrir as portas do céu. Entretanto, tal chave abre também a chave do inferno. De nada
adianta ter a chave se não chegarmos lá. Porém, nada adianta chegar lá sem a chave.
Portanto, precisamos da ciência e precisamos de algum balisamento ético, moral, humano
que pode ser encontrado nas religiões. Pode mas não o é facilmente. Pode mas é preciso
querer achá-lo.
Na verdade, essa semana mesmo eu me dei conta que Jesus Cristo fez essa
separação. Sabendo que São Tomé não estava acreditando na Sua ressurreição, Ele fez
questão que São Tomé colocasse seus dedos nas suas feridas, dizendo Bem-aventurados
aqueles que não precisam ver para crer . São Tomé tinha o espírito científico, certamente,
pois acreditar na ressurreição é uma questão para a fé. Ele precisou tocá-Lo, conforme nos
ensinam as Escrituras. A ciência nada tem a ver com isso (no sentido de explicar a
ressureição) .
No meu entender, a escolha a ser feita, se acreditamos ou não, só é possível à
medida da nossa liberdade, uma das coisas mais difíceis de serem obtidas, ainda hoje.
Pensamos que somos livres mas, infelizmente, somos tão bombardeados pela propaganda
em massa, nos jornais, TV’s, rádios e mesmo Internet que nem nos damos conta dos riscos
que corremos. Cada vez mais notamos a grande concentração dos meios de comunicação
em poucas mãos. Isso acontece pois a eficiente propaganda em massa exige inúmeros
canais, para inundar ou afogar os supostos consumidores de uma forma tal que eles passem
a acreditar que estão comprando, consumindo por que querem. Haja dia do papai, da
mamãe, da avó, das crianças, etc. Mas pouco se fala no carinho que todos merecem todos
os dias. O importante para o tal do mercado é que no dia do papai, os filhos gastem seus
recursos para aplacar a sua fome. Assim, o controle dos meios de comunicação é um
potencial problema pela sua própria natureza, pois as notícias que recebemos são sempre
filtradas, de alguma forma.
A única possibilidade de sermos livres é através do conhecimento (não da
informação, hein?). Precisamos ver criticamente o que nos é oferecido e, com o
discernimento necessário, escolher o que melhor nos convem.
Análise crítica é
fundamental. As mudanças que são necessárias no mundo dependem da nossa capacidade
de entender o espírito crítico que é característico da ciência (embora não apenas nela). Da
mesma forma, nossa capacidade de fazer as coisas pode ser facilitada pelas coisas que
acreditamos. Essa é, a meu ver, a única possibilidade de ligação entre esses dois assuntos.
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CIÊNCIA E RELIGIÃO Provavelmente, este é um dos mais