O objetivo é caracterizar a Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, no ano de 1922, como um movimento cultural, político e social, de acordo com o contexto histórico da sociedade brasileira no início do século XX. Capa do catálogo da exposição da Semana da Arte Moderna, São Paulo, fevereiro de 1922. O trabalho artístico não é, exclusivamente, propriedade e manifestação unilateral do artista que o criou. Embora cada um tenha um estilo de produção, próprio e inovador, as obras personificam circunstâncias mais abrangentes, projetando externamente todo o entorno consubstanciado internamente. A produção artística é uma manifestação concreta inconsciente e depende do objeto externo para adquirir significado. Concomitantemente ao fato de que aquele que produz transforma a matéria bruta e inanimada de acordo com suas representações internas, também o observador atribui um significado ao produto final. Há uma relação muito íntima entre o artista e o público, ocorrendo mecanismos de projeção e introjeção dos conteúdos, que adquirem novas matizes à medida que vão interagindo, sendo antagônicos e conflitantes por natureza, na medida em que aquilo que o outro revela entra em oposição com as concepções pré-elaboradas acerca da realidade, construindo, enfim, uma nova consciência dos fatos. De acordo com as impressões psíquicas que os indivíduos obtêm da estrutura societal na qual estão inseridos, aliado à interpretação extrínseca do pensamento do artista manifestada em sua produção, a Arte adquire a cariz de uma manifestação coletiva. Torna-se a decodificação de uma série de fatores em contínua e dinâmica interrelação, constituindo, assim, as condições históricas e materiais de determinadas épocas. A conjuntura de uma sociedade fornece o capital cultural aos artistas e intelectuais para que possam concretizar as idéias que estão sendo engendradas pelo momento vivenciado. Nesse sentido, a Semana de Arte Moderna, realizada nos dias 11 a 17 de fevereiro de 1922, retratou através da pintura, literatura, escultura, música, todo o espetáculo político e econômico que estava ocorrendo na sociedade brasileira e no mundo, onde a contradição gerada pelas condições do modo de produção capitalista em expansão, emergiu em diversos estilos artísticos, revelando a efervescência do momento no qual, segundo Mário de Andrade, esse movimento foi o registro do “brado coletivo principal” do início do século XX no nosso País. Com a expansão imperialista das nações européias no final do século XIX, a América Latina, Ásia e África, por serem predominantemente mercados fornecedores de matérias-primas, gêneros agrícolas e consumidores de produtos industrializados, serviram de campo de investimento de capitais excedentes na Europa. A busca por novos mercados também visava resolver o problema de excedentes populacionais do Velho Mundo, devido ao desenvolvimento capitalista do campo, baseado na mecanização e concentração da propriedade, introduzindo grandes contingentes de trabalhadores assalariados em um país onde a mão-de-obra ainda era escrava. No Brasil, o ano de 1880 ficou marcado pela intensificação do movimento abolicionista, decorrente das mudanças na sociedade, como o trabalho assalariado e especializado, as atividades industriais e o crescimento da população urbana livre. O fim da escravidão em 1888 contribuiu para a queda do Regime Monárquico. Como a Monarquia estava vinculada aos antigos sistemas de produção, em 1889, a classe média urbana, os militares e os produtores de café do oeste paulista, que ansiavam por uma modernização nos moldes do mercado externo, derrubaram a Monarquia e D. Pedro II abdicou e se exilou na Europa. Embora a República Velha tenha representado um período de profundas mudanças sociais, políticas e econômicas, as disparidades regionais foram acentuadas, dando origem a uma série de sedições, fazendo com que o Brasil ficasse dividido entre um sertão pobre, analfabeto, totalmente excluído desse processo de modernização e um litoral culto e em pleno desenvolvimento. Com a República, instaura-se o “Império do Café”, principal atividade econômica do país, consolidando as grandes oligarquias cafeeiras que passaram a dominar o cenário nacional até 1930. As constantes lutas entre as oligarquias regionais geravam uma crescente insatisfação, onde contava com o apoio da burguesia industrial que se beneficiava dos investimentos mercantis agroexportadores. Como antítese a todo esse processo, surgiam, desde meados do século XIX, outras classes sociais: os setores médios urbanos formados por profissionais liberais e intelectuais, cujos interesses eram antagônicos aos da oligarquia agro-mercantil e o proletariado brasileiro que constituía as camadas mais empobrecidas da população. A crescente exploração da mão-de-obra barata e abundante nos grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, fez com que a luta operária, sob influência anarco-sindicalista, tomasse proporções cada vez mais crescentes, sendo duramente reprimida pela ação da polícia. A ascensão do patriciado urbano-industrial entrou em contradição com os interesses dos grandes latifundiários, que permaneciam no poder graças a uma política continuísta e dominante. A liderança paulista era composta pelas oligarquias estaduais, industriais e membros das camadas médias urbanas mais abastadas oriundas de aristocráticas famílias imperiais decadentes, que ocupavam altos cargos na administração pública. O restante da população continuava completamente excluído do sistema de poder. A intelectualidade brasileira, entusiasmada pelas modificações ocorridas com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1919, passou a dirigir sua atenção para a problemática popular, tentando romper com os modelos sociais arcaicos e conservadores. Esse desejo, aliado às exigências dos novos tempos, desembocou na realização da Semana de Arte Moderna em São Paulo. Nesse cenário de inovações, nasce, também em 1922, o Partido Comunista do Brasil, traduzindo as lutas dos operários brasileiros que recusavam a harmonia imposta entre a contraditória acumulação do capital e a exploração do trabalho, representando o conjunto dos interesses e reivindicações do proletariado de forma aberta e programática e a primeira agremiação política de âmbito nacional. Segundo Di Cavalcanti, essa semana seria “marcada por escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulista”. Monteiro Lobato criticou as obras de Anita Malfatti em 1917, comparando-as às telas feitas nos manicômios. O mesmo ocorreu com a obra do escultor Vítor Brecheret. Di Cavalcanti Mario de Andrade Aproveitando o centenário da Independência e contando com o apoio de Paulo Prado, os Modernistas organizam a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo, como um brado de protesto e tentativa de ruptura com o passado. Segundo Mario de Andrade, "a independência não é somente política, é acima de tudo independência mental e moral". O grupo é formado por: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Agenor Barbosa, Plínio Salgado, Cândido Motta Filho e Sérgio Milliet, na literatura. Os pintores Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e John Graz. Os escultores Victor Brecheret e W. Haeberg. Os arquitetos Antonio Moya e George Przirembel. Um grupo vai ao Rio de Janeiro para buscar a adesão de artistas que consideravam simpatizantes às idéias modernizadoras: Manuel Integrantes da Semana de Arte Moderna Bandeira, Renato Almeida, VillaLobos, Ronald de Carvalho, Álvaro Moreyra e Sérgio Buarque de Hollanda. A primeira noite foi duramente reprimida por manifestações populares, onde representantes do pensamento conservador burguês, desagradados com a nova estética irreverente, urravam e vaiavam os recitais de música ou leitura de algumas obras. Como resposta, Mario de Andrade entregou os versos de Ode ao Burguês. “Eu insulto o burgês! O burguês-níquel, o burguês-burguês! A digestão bem feita de São Paulo! O homem-curva! o homemnádegas! O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso poucoa-pouco!” Tarsila do Amaral, embora não estivesse presente na Semana da Arte Moderna, pois encontrava-se em Paris, tornou-se a musa dos Modernistas. Foi quem melhor captou e expressou a paisagem proletária e suburbana da futura megalópole paulista. A simplicidade dos temas, do colorido e do desenho foi traduzida em paisagens oníricas e surrealistas da fase antropofágica de Oswald de Andrade. Tarsila do Amaral Oswald de Andrade, trazendo as idéias do Futurismo, tenta resgatar um nacionalismo que busca as origens, fazendo uma análise crítica da sociedade, valorizando o falar do cotidiano daquilo que seria a língua brasileira, ou seja, “como falamos, como somos”. Oswald de Andrade Enfim, a Semana de Arte Moderna foi um marco na forma de expressão do povo brasileiro, contestando as tendências européias nos meios intelectuais mais conservadores. As novas formas retratavam os problemas a angústias contemporâneas, onde os conflitos entre interesses divergentes na sociedade brasileira demonstravam uma sociedade em processo de mudança e em busca de sua identidade enquanto Nação. Uma apresentação de Dança na Semana de Arte Moderna São Paulo Tarsila do Amaral Operários Tarsila do Amaral Baile Popular Di Cavalcanti Samba Di Cavalcanti Duelo Vicente do Rego Monteiro O Combate Vicente do Rego Monteiro Geométrico John Graz Troféu Saci Victor Brecheret TARSILA DO AMARAL ANITA MALFATTI DI CAVALCANTI VICTOR BRECHERET Túmulo de Olívia Guedes Penteado, Cemitério da Consolação LASAR SEGAL VICENTE DO REGO MONTEIRO