Semana da Arte Moderna Sacudindo as estruturas da arte tupiniquim A semana A Semana de Arte Moderna de 22, realizada entre 11 e 18 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, contou com a participação de escritores, artistas plásticos, arquitetos e músicos. Seu objetivo era renovar o ambiente artístico e cultural da cidade com "a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, arquitetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual", como informava o Correio Paulistano a 29 de janeiro de 1922. A produção de uma arte brasileira, afinada com as tendências vanguardistas da Europa, sem contudo perder o caráter nacional, era uma das grandes aspirações que a Semana tinha em divulgar. (Capa de Di Cavalcanti para o Catálogo da Exposição ) ANTECEDENTES NACIONAIS Por volta de 1912, Oswald de Andrade, recémchegado da Europa, começa a divulgar, através de jornais paulistas, as novas correntes estéticas européias, principalmente as idéias futuristas de Marinetti. Mas, a rigor, essas idéias não encontram grande receptividade a não ser em grupos reduzidos de jovens intelectuais, ainda sufocados pela linguagem anacrônica da arte dominante. A exposição de Anita Malfatti Em 1917, depois de Estudar na Europa e nos Estados Unidos, Anita Malfatti retorna ao Brasil e realiza uma mostra de seus quadros em São Paulo. Com uma técnica de vanguarda, a sua pintura surpreende o público, acostumado com o realismo acadêmico, trivial e sem ousadia e pictórico. Mas, em geral, as reações são favoráveis até que Monteiro Lobato, crítico de artes de O Estado de São Paulo, escreve um artigo feroz intitulado Paranóia ou mistificação, no qual acusa toda a Arte moderna: Crítica de Monteiro Lobato Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas(..) A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. (...) Embora eles se dêem como novos, precursores de uma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação.(...) Essas considerações são provocadas pela exposição da senhora. Malfatti onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia. A reação ao “novo” A reação da elite paulistana, que confiava cegamente nas opiniões e gostos pessoais do autor de Urupês, é imediata: escândalo, quadros devolvidos, uma tentativa de agressão à pintora, a mostra fechada antes do tempo. O artigo demolidor serve, entretanto, para que os jovens "futuristas" brasileiros, até então dispersos, isolados em pequenos agrupamentos, se unam em torno de um ideal comum: destruir as manifestações artísticas que remontavam ao século XIX, especificamente, no caso da literatura, o parnasianismo poético, medíocre e superado. Neste sentido, a exposição de Anita Malfatti funciona como estopim de um movimento que explodiria na Semana de Arte Moderna. Uma cidade na medida certa para o evento São Paulo dos anos 20 era a cidade que melhor apresentava condições para a realização de tal evento. Tratava-se de uma próspera cidade, que recebia grande número de imigrantes europeus e modernizava-se rapidamente, com a implantação de indústrias e reurbanização. Era, enfim, uma cidade favorável a ser transformada num centro cultural da época, abrigando vários jovens artistas. Ao contrário, o Rio de Janeiro, outro pólo artístico, se achava impregnado pelas idéias da Escola Nacional de Belas-Artes, que, por muitos anos ainda, defenderia, com unhas e dentes, o academicismo. Claro que existiam no Rio artistas dispostos a renovar, mas o ambiente não lhes era propício, sendo-lhes mais fácil aderir a um movimento que partisse da capital paulista. Teatro Municipal Programação Revolução em marcha Entretanto, parece ter cabido a Di Cavalcanti a sugestão de "uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana." Artistas e intelectuais de São Paulo, com Di Cavalcanti, e do Rio de Janeiro, tendo Graça Aranha à frente, organizavam a Semana, prevista para se realizar em fevereiro de 1922. Uma exposição de artes plásticas - organizada por Di Cavalcanti e Rubens Borba de Morais, com a colaboração de Ronald de Carvalho, no Rio - acompanharia as demais atividades previstas. Graça Aranha, sob aplausos e vaias abriu o evento, com sua conferência inaugural "A Emoção Estética na Arte Moderna". Anunciava "coleções de disparates" como "aquele Gênio supliciado, aquele homem amarelo, aquele carnaval alucinante, aquela paisagem invertida" (temas da exposição plástica da semana), além de "uma poesia liberta, uma música extravagante, mas transcendente" que iriam "revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do Passado." Os modernistas Principais participantes da Semana Literatura: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliett Música e Artes Plásticas: Anita Malfatti - Di Cavalcanti, Santa Rosa, Villa-Lobos, Guiomar Novaes, Interfaces entre pintura e literatura Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Por ocasião da «Semana», Tarsila se achava em Paris e, por esse motivo, não participou do evento. Os modernistas Da esquerda para a direita: Brecheret, Di Cavalcanti, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e Helios Seelinger Três importantes autores modernistas Mário de Andrade, com suas conferências, leituras de poemas e publicações em jornais foi uma das personalidades mais ativas da Semana. * Oswald de Andrade talvez fosse um dos artistas que melhor representavam o clima de ruptura que o evento procurava criar. Manuel Bandeira, mesmo distante, provocou inúmeras reações de agrado e de ódio devido a seu poema "Os Sapos", que fazia uma sátira do Parnasianismo, poema esse que foi lido durante o evento. O ANTIPASSADISMO: Os sapos (Manuel Bandeira) Enfunando os papos, Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra. Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: - "Meu pai foi à guerra!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: - "Meu cancioneiro É bem martelado. Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos. O meu verso é bom Frumento sem joio. Faço rimas com Consoantes de apoio. Vai por cinquenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A fôrmas a forma. Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas..." Urra o sapo-boi: - "Meu pai foi rei!"- "Foi!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: - A grande arte é como Lavor de joalheiro. Ou bem de estatuário. Tudo quanto é belo, Tudo quanto é vário, Canta no martelo". Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas, - "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!". Longe dessa grita, Lá onde mais densa A noite infinita Veste a sombra imensa; Lá, fugido ao mundo, Sem glória, sem fé, No perau profundo E solitário, é Que soluças tu, Transido de frio, Sapo-cururu Da beira do rio... A importância estética da Semana de Arte Moderna Se a Semana é realizada por jovens inexperientes, sob o domínio de doutrinas européias nem sempre bem assimiladas, conforme acentuam alguns críticos, ela significa também o atestado de óbito da arte dominante. O academicismo plástico, o romantismo musical e o parnasianismo literário esboroam-se por inteiro. Ela cumpre assim a função de qualquer vanguarda: exterminar o passado e limpar o terreno. É possível, por outro lado, que a Semana não tenha se convertido no fato mais importante da cultura brasileira, como queriam muitos de seus integrantes. Há dentro dela, e no período que a sucede imediatamente (1922-1930), certa destrutividade gratuita, certo cabotinismo*, certa ironia superficial e enorme confusão no plano das idéias.. Mário de Andrade dirá mais tarde que faltou aos modernistas de 22 um maior empenho social, uma maior impregnação "com a angústia do tempo". Com efeito, os autores que organizaram a Semana colocaram a renovação estética acima de outras preocupações importantes. As questões da arte são sempre remetidas para a esfera técnica e para os problemas da linguagem e da expressão. O principal inimigo eram as formas artísticas do passado. De qualquer maneira, a rebelião modernista destrói o imobilismo cultural - que entravava as criações mais revolucionárias e complexas - e instaura o império da experimentação, algo de indispensável para a fundação de uma arte verdadeiramente nacional. Caberia ainda ao próprio Mário de Andrade - verdadeiro líder e principal teórico do movimento - sintetizar a herança de 1922: A estabilização de uma consciência criadora nacional, preocupada em expressar a realidade brasileira. A atualização intelectual com as vanguardas européias. O direito permanente de pesquisa e criação estética. OS MANIFESTOS MODERNISTAS A década modernista se caracteriza pela multidisciplinaridade, representada por diversas linguagens - poesia, literatura, artes plásticas, arquitetura, música, artes populares -, fatos que não ocorreram antes no meio cultural brasileiro. Na década de 20, segundo Sérgio Milliet, “observa-se um fenômeno curioso e por assim dizer inédito em nossa história literária e artística: o da pintura influindo na literatura”. Deste modo, a exposição de Anita Malfatti de 1917-1918, congrega os jovens desejosos de renovação em um grupo ao redor da artista. A fase Pau- Brasil de Tarsila do Amaral, criada a partir das viagens ao Rio de Janeiro e a Minas Gerais, é também a fonte de inspiração para Oswald de Andrade criar o manifesto homônimo. A tela “Abaporu”, feita por Tarsila em 1928, provoca o escritor a redigir o Manifesto Antropofágico, publicado no primeiro número da Revista de Antropofagia, em maio do mesmo ano. Abaporu (Tarsila do Amaral, 1928) MANIFESTO DA POESIA PAUBRASIL Foi lançado por Oswald de Andrade no Correio da Manhã em 18 de março de 1924. Explicando o nome do manifesto, seu autor afirma: “[...] pensei [...] em fazer uma poesia de exportação. Como o pau-brasil foi a primeira riqueza brasileira exportada, denominei o paubrasil”. No manifesto, havia idéias como estas *O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. *A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos. *Contra a cópia, pela inversão e pela surpresa. *No jornal anda todo o presente. Em 1925, Oswald lança o livro de Poemas Pau-Brasil, em que põe em prática os princípios propostos no manifesto. NACIONALISMO “AFRANCESADO” – cópia da Europa. MANIFESTO NHENGUAÇU VERDE-AMARELO Em 1926, como uma resposta ao nacionalismo do paubrasil, surge o grupo do verde-amarelismo formado por Plínio Salgado, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida e Cassiano Ricardo. O grupo critica o “nacionalismo afrancesado” de Oswald de Andrade. Os participantes do grupo pregavam um nacionalismo ufanista e primitivista. Depois de dois anos de atuação mais política que literária, o grupo verde-amarelista transforma-se no grupo da Anta. Esta foi escolhida como símbolo da nacionalidade por ter sido o totem da raça tupi. No Manifesto Nhenguaçu Verde-Amarelista afirmava-se, entre outras coisas: *O jesuíta pensou que havia conquistado o tupi, e o tupi é que havia conquistado para si a religião do jesuíta. *O nacionalismo tupi não é intelectual. É sentimental. *Não combate nem religiões, nem filosofias, porque toda a sua força reside na capacidade sentimental. *Foi o índio que nos ensinou a rir de todos os sistemas e de todas as teorias. MANIFESTO ANTROPÓFAGO Em 1928, surge esse que é o mais radical manifesto do Modernismo. Propunha a “devoração” da cultura e das técnicas importadas e sua reelaboração com o intuito de transformar o produto importado em exportável (novo). O grupo tinha Oswald de Andrade à frente e inspirava-se no quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral, pintado naquele mesmo ano. Eis alguns trechos do manifesto: *Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. *Tupy or not tupy, that is the question. *Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade. *A alegria é a prova dos nove. *Nunca fomos catequizados. Fizemos foi carnaval. O movimento antropofágico propõe o retorno ao primitivismo em estado puro, sem compromissos sociais, políticos, econômicos ou religiosos.