10ª aula Sumário: Aplicação da conservação da energia mecânica a movimentos em campos gravíticos. Energia potencial elástica. Forças não conservativas e variação da energia mecânica. Aplicação da conservação da energia mecânica a movimentos em campos gravíticos Vamos estudar alguns exemplos que põem em destaque a vantagem de utilização de considerações energéticas, como a conservação da energia mecânica. Em aulas anteriores vimos que a energia potencial de um corpo de massa m num campo gravítico é dada por E p ( y ) = mgy , sendo y a coordenada vertical da partícula relativamente a uma origem. Suponhamos que o objecto é atirado verticalmente com velocidade v0. Qual é a altura máxima que vai atingir? (Recorda-se que questão semelhante já foi abordada, tanto de um ponto de vista cinemático, nas aulas teórico-práticas, como do ponto de vista do teorema da energia cinética.) Designando por A o ponto de arremesso e por B o ponto de altura máxima (ver Fig. 10.1), a conservação de energia mecânica exprime-se através da igualdade E mA = E mB . B h A Figura 10.1 A energia mecânica em A é simplesmente a energia cinética da partícula no momento do arremesso vertical, escolhendo o zero da energia potencial no ponto A. Designando 1 2 por v0 o módulo da velocidade inicial, tem-se E mA = E cA = m v 02 . Por outro lado, a energia mecânica em B é unicamente energia potencial (já que a velocidade da partícula se anula nesse ponto): E mB = E pB = m g h . De 1 m v 02 = m g h 2 (10.1) resulta a seguinte expressão para a altura máxima atingida pelo corpo: h= v 02 . 2g (10.2) 1 Vejamos seguidamente o caso do lançamento oblíquo, sendo θ o ângulo que a velocidade inicial faz com a direcção horizontal (eixo dos xx na Fig. 10.2). y B h θ A x Figura 10.2 1 2 Em A, a energia mecânica é apenas a energia cinética: E mA = E cA = m v 02 . Em B a energia mecânica é a soma da energia potencial e da energia cinética. Ao longo do movimento a velocidade da partícula permanece inalterada segundo o eixo dos xx, pois a única força que actua na partícula é a força gravítica que aponta no sentido negativo do eixo dos yy. Essa velocidade é inicialmente v 0 cosθ e, no ponto de altura máxima a velocidade tem este mesmo valor pois é nula a sua componente vertical. Assim, em B a energia mecânica é E mB = m( v0 cosθ )2 + mgh . Da igualdade das energias mecânicas em A e B resulta 1 2 de onde se obtém 1 1 m v 02 = m v 02 cos 2θ + m g h 2 2 h= v 02 sin 2θ . 2g (10.3) (10.4) Esta expressão reduz-se a (10.2) para θ = 90º . Energia potencial elástica A energia potencial elástica é uma forma de energia potencial diferente da gravítica. Está associada a forças elásticas as quais estão presentes em muitas situações físicas. A este nível introdutório não iremos considerar materiais elásticos. Iremos antes considerar um sistema particularmente simples: um corpo de massa m ligado a uma mola que está presa na outra extremidade (Fig. 10.3). Figura 10.3 2 Quando a mola é comprimida ou distendida relativamente à sua posição de equilíbrio, exerce sobre o corpo uma força que, experimentalmente, se verifica ser proporcional à compressão ou distensão, e com o sentido oposto a estas. Considerando que o corpo apenas se pode deslocar em uma dimensão (direcção do eixo dos xx) aquela lei experimental (conhecida por lei de Hook) exprime-se matematicamente por F = −k x . (10.5) A constante de proporcionalidade k designa-se por constante elástica e, como o próprio nome indica, traduz a maior ou menor elasticidade da mola. O sinal negativo em (10.5) indica que a força tem sentido oposto ao deslocamento F F x Figura 10.4 A força é uma função da posição e o gráfico F = F ( x ) está representado na Fig. 10.5. F x Figura 10.5 A lei de Hook só é aproximadamente válida para pequenos deslocamentos. Se os deslocamentos forem grandes a relação linear entre força e deslocamento já não se observa mais. A energia potencial associada à força elástica é calculada a partir de [ver (9.2)] x E p (x ) − E p (0 ) = − F (x ) dx , (10.6) 0 estando a escolher-se x = 0 para ponto de referência que é a posição de equilíbrio: nesse ponto a força que actua no corpo é nula. Escolhendo o valor zero para a energia potencial elástica nesse ponto e usando a expressão da lei de Hook para a força [Eq. (10.5)], tem-se 3 x x 0 0 E p ( x ) = − F ( x ) dx = k x dx Ora, a primitiva1 de x é 1 2 (10.7) x 2 e, portanto, 1 2 E p (x ) = kx 2 x = 0 1 2 kx . 2 (10.8) O gráfico da função E p (x ) é uma parábola, como mostra a Fig. 10.6. Ep x Figura 10.6 Deve notar-se que a energia potencial elástica, sendo uma função quadrática da posição, não distingue x > 0 de x < 0 . Tanto faz que a mola seja distendida como encolhida: para a energia potencial só importa a grandeza dos deslocamentos, x , relativamente à origem. Se nos tivesse sido dada inicialmente a expressão da energia potencial para a partir daí saber qual a força a ela associada, só tínhamos de aplicar a expressão (9.5), ou seja, tomar o simétrico da derivada de (10.8) em ordem a x: F ( x) = − dE p dx = − kx (10.9) que é a expressão de que partimos [ver (10.5)]. Fica assim patente a coerência do formalismo que estamos a desenvolver. O movimento de um corpo ligado a uma mola é um movimento de vaivém (que será estudado pormenorizadamente mais tarde neste curso), cuja energia mecânica, dada por 1 1 E m = m v 2 + k x 2 = C te (10.10) 2 2 se conserva. O movimento de vaivém da massa ocorre entre as posições extremas x = ± A relativamente à origem x = 0 . Naqueles pontos (chamados pontos de retorno), a partícula inverte o sentido do movimento, sendo A chamada amplitude do movimento. 1 Ver 9ª aula. 4 Nos pontos de retorno toda a energia mecânica é energia potencial. Ao invés, quando a partícula passa pela origem, a sua energia potencial é nula e, portanto, a sua energia cinética é máxima. Consideremos um exemplo que pode tornar mais claro o que acabámos de dizer. Um corpo de massa m num campo de forças elásticas é afastado da posição de equilíbrio para a posição x = A e largado (ponto A na Fig. 10.7). Qual é a sua velocidade quando passa na origem (ponto B na mesma figura)? B A 0 A x Figura 10.7 Em A, a energia mecânica é só energia potencial: E mA = E pA = 1 k A2 . Em B a energia é 2 1 m v 2 . Da igualdade destas duas energias (conservação da 2 energia mecânica) resulta a seguinte expressão para a velocidade no ponto B: só cinética: E mB = E cB = k A (10.11) m Vimos já dois tipos de energias potenciais: a gravítica e a elástica. Mas há muitos outros tipos mais e todas essas energias potenciais podem coexistir se várias forças conservativas estiverem aplicadas numa partícula. A sua energia mecânica é a soma da energia cinética e de todas as energias potenciais correspondentes a cada uma das forças. A energia mecânica conserva-se se só existirem forças conservativas. Havendo forças não conservativas, já não se conserva. É o assunto a abordar já a seguir. v= Forças não conservativas e variação da energia mecânica A energia mecânica conserva-se sempre que sobre o sistema só actuem forças conservativas. Mas o mesmo já se não se passa se estiverem presentes forças não conservativas, como, por exemplo, forças de atrito. Na presença de forças de atrito cinético ou de resistência a energia mecânica diminui. Dizemos, nestes casos, que há “dissipação” de energia. Claro que a energia não se perde! Sabemos que a energia se conserva! Dizer que a energia se dissipa significa simplesmente que a energia deixa de ser útil. A massa ligada à mola que é posta em movimento, não fica a oscilar indefinidamente. De facto, devido às forças de atrito, as amplitudes de oscilação vão sendo sucessivamente menores e o corpo acaba por parar. Consideremos o caso geral de uma partícula que está sob a acção de várias forças, sendo umas conservativas mas outras não. O teorema de energia cinética, que tem validade geral, permite-nos escrever ∆E c = W . (10.12) 5 A variação de energia cinética é igual ao trabalho realizado pela resultante das forças ou, o que é o mesmo, pela soma dos trabalhos realizados por cada uma das forças aplicadas. Se existirem, forças conservativas e não conservativas, W = Wcon + Wnc , onde Wcon representa o trabalho de todas as forças conservativas (pode haver mais do que uma) e Wnc o trabalho de todas as forças não conservativas (pode também haver mais do que uma). A expressão (10.12) passa a escrever-se ∆E c = Wcon + Wnc . (10.13) Ora, o trabalho das forças conservativas é, por definição, o simétrico da variação da função energia potencial2: Wcon = − ∆E p . A expressão (10.13) toma a forma ou ainda ∆E c + ∆E p = Wnc , (10.14) ∆ (Ec + E p ) = Wnc . (10.15) A soma no primeiro termo desta equação é a energia mecânica e, então, finalmente, ∆E m = Wnc . (10.16) Se não existirem forças conservativas, este resultado traduz a conservação da energia mecânica. Se as forças não conservativas forem forças de atrito cinético ou de resistência, Wnc < 0 e, portanto, a energia mecânica diminui. Mas pode haver forças não conservativas que realizam trabalho positivo (um puxão ou um empurrão, por exemplo). Nesse caso, a energia mecânica do corpo aumenta. Consideremos um exemplo de aplicação da expressão (10.16). Um corpo é deixado cair de uma altura h acima de um chão de areia. Quando atinge o solo, penetra na areia percorrendo uma distância d no seu interior. Qual é a força média que a areia exerce sobre o corpo? A energia mecânica no ponto de onde é largado o corpo é simplesmente a energia potencial gravítica, dado por mg (h + d ) se se tomar para origem da energia potencial o ponto à profundidade d relativamente ao nível do solo (ou seja o ponto onde o corpo acabará por parar). A energia mecânica no ponto onde pára o corpo é zero. A variação de energia mecânica é, pois, ∆E m = E mfinal − E minicial = − mg (h + d ) . Se a força de resistência ao movimento na areia puder ser considerada constante, o trabalho desta força não conservativa é simplesmente W nc = − Fd (o sinal negativo vem do facto desta força e do deslocamento terem sentidos opostos). Da aplicação directa da Eq. (10.16) resulta (10.17) − mg (h + d ) = − Fd e, consequentemente, a força média que procuramos é F = mg 1 + 2 h . d Se existirem várias forças conservativas, haverá várias energias potenciais. Por (10.18) E p estamos a designar a soma de todas essas energias potenciais. 6