Nigéria: a luta de classes no coração das trevas Para Osamuyia Aikpitanhi, nigeriano, de 23 anos de idade, morto às mãos da polícia espanhola, a 12 de Junho, no voo da Ibéria em que ia ser deportado “… Que entende por história? Só contam os que nela entraram como vencedores? Deixe-nos contar-lhe um pouco esta história que parece conhecer tão mal. Os nossos pais, pelas suas lutas, entraram na história resistindo à escravidão; os nossos pais, com as suas rebeliões, obrigaram os países esclavagistas a ratificar a abolição da escravatura; os nossos pais, com as suas insurreições, levaram os países colonialistas a abandonar a colonização. E nós, que lutamos desde essas independências contra estes ditadores, sustentados entre outros pela França e as suas grandes empresas… Sabe ao menos quantos jovens africanos caíram em manisfestações, greves, e levantamentos durante quarenta anos de ditaduras e atentados aos direitos do homem? Qualquer um faz parte da história quando cai num canto de uma rua de Andavamamba, enquanto botas militares espezinham o teu corpo e ficas à mercê dos cães?” (Carta de vários escritores africanos a Nicolas Sarkozy) “O capital vem ao mundo escorrendo sangue e lodo, da cabeça aos pés, por todos os poros. A dinâmica do capital é desmedida e a sua fome devoradora de mais valia insaciável” (Karl Marx) Introdução As grandes empresas mediáticas rodeiam África de um silêncio de quando em vez interrompido para falar de terríveis fomes, secas, populações deslocadas, mortandades por doenças infecciosas, guerras “tribais” incompreensíveis. Nem sequer a crescente presença de imigrantes africanos na União Europeia faz com que se produza uma informação que mereça tal nome sobre a situação dos países “subsarianos”, sobre a sua história, muito menos sobre os interesses em jogo e sobretudo, nada que relacione a imigração com a instalação neles de empresas transnacionais dos países aos quais chegam em busca de trabalho. Para anestesiar o desassossego que pudesse produzir a notícia de que uma em cada três pessoas que tentam chegar por mar às costas espanholas morre na tentativa, ou que as que conseguem chegar são encerradas em centros de internamento e, a partir daí, ou fogem e conseguem trabalho em condições de semi-escravatura ou são deportadas para os seus países de origem ou simplesmente são abandonadas numa terra de ninguém para uma morte quase certa. Os media falam dos seus países de origem num totum revolutum, subarianos, qualificando-os de países desgraçados e sem futuro os que saem, desesperados, milhares de seres humanos enganados por máfias. A cooperação internacional do Estado espanhol, que quase triplicou desde a chegada ao governo do PSOE através do Plano África, continua a mesma fórmula de créditos aos governos dos países destinatários para a compra de mercadorias a empresas espanholas e não modificou a situação, como aliás era previsível. Por um lado, porque em países como a Nigéria o problema não é a falta de recursos económicos mas a propriedade dos mesmos e a sua distribuição, e por outro, porque a concepção da suposta ajuda não parte das necessidades da população, mas sim da penetração das mercadorias produzidas pelas empresas espanholas no mercado do país destinatário. Outras informações precedentes de ONGs analisam o problema da emigração relacionando-o de forma confusa com a “globalização”, apontando para a dívida externa, o retrocesso na soberania alimentar, ou para problemas do meio ambiente. Nada que tenha directamente a ver com os países a que chegam. Só tragédias impenetráveis, maldições bíblicas, é, assunto para ONGs, missões religiosas ou departamentos de assuntos sociais dos sindicatos. Chegou a altura da esquerda revolucionária abordar o núcleo central da luta de classes e dos mecanismos concretos de intervenção do imperialismo nesses países, a cumplicidade dos nossos estados e das suas transnacionais no espólio dos seus recursos, a estratégia militar em curso para esmagar a resistência dos seus povos, a cumplicidade dos nossos governos na manutenção de governos títeres e corruptos que reprimem ferozmente as lutas sociais e com quem, além disso, assinam acordos de colaboração para deportar aqueles que chegam aos países de origem das empresas que lhes roubam os seus recursos. Neste trabalho analisa-se em traços largos a situação da Nigéria, como país paradigmático e núcleo do furacão onde se traçam as baixas estratégias do imperialismo em África, país donde procede 25% de toda a imigração africana para a União Europeia, com ingentes recursos naturais de todo o tipo, onde as empresas energéticas espanholas e de outros países repartem o botim do petróleo e seus derivados e sobretudo, um país com uma larga e dura história de luta e resistência popular. Para o internacionalismo, a solidariedade só reconhece um caminho legítimo, nas antípodas de qualquer paternalismo: identificar como próprias as lutas de outros povos e trabalhar para coordenar e fortalecer as resistências mútuas, especialmente quando enfrentamos os mesmos inimigos. A globalização capitalista, o imperialismo, coloca-nos hoje novas exigências, a necessidade de transformar em prática política a palavra de ordem central da luta revolucionária: workers of all lands, unite! [27] Nigéria, linhas demográficas e indicadores de saúde A República Federal da Nigéria, que integra 36 estados, é o país mais povoado de África com 131.500.000 habitantes, um quinto de toda a população do continente. Tem uma elevada taxa de crescimento anual, 2,8%, [2] o que fará duplicar a população em 2050. Esta situada no Golfo da Guiné, onde desagua, formando um delta, o rio Níger. A parte norte do país é árida e seca por influência do Saara, contrastando com a zona sul, húmida e fértil, onde se concentra a maioria da população. O seu índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ocupa a 159ª posição, incluindo o grupo dos 30 países com um índice mais baixo, entre os 177 incluídos nos dados fornecidos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) [3]. O IDH é um indicador sintético elaborado a partir da esperança de vida ao nascimento, vários índices relativos ao nível educativo e o Produto Interno Bruto (PIB) per capita. O PIB per capita da Nigéria é de 1.154 USD, relativamente alto, expressa uma equidade que nada tem a ver com a realidade e o indicador relativo ao nível educativo é médio em relação aos outros países do grupo. Se se prescinde destes indicadores e se tomam em conta exclusivamente a sua esperança de vida ao nascimento, 43,4 anos, o lugar da Nigéria na classificação desce até ao 171º lugar, inclusive atrás do Níger, o último país do mundo em Desenvolvimento Humano, mas com uma Esperança de Vida superior, 44,6 anos. O IDH, se bem que seja o índice mais difundido, como vimos, tem importantes limitações para expressar o desenvolvimento humano. Os indicadores de saúde materno-infantis, ao referirem-se ao grupo de população mais vulnerável, são considerados como a melhor expressão sintética do impacte das condições sócioeconómicas sobre a vitalidade de um povo. Exponho agora os dados oferecidos pela Organização Mundial de Saúde na sua última actualização de 2007 para a Nigéria, comparando-os com os correspondentes para Espanha, para que sejam adequadamente valorizados. Taxa de Mortalidade Infantil (mortos < 1 ano, por mil nascidos vivos Taxa de Mortalidade < de 5 anos (por mil nascidos vivos) Taxa de Mortalidade Materna [5] (por cem mil nascidos vivos) Nigéria 101 Espanha 4 194 [4] 5 800 5 Como a OMS considera a cobertura do registo de falecimentos na Nigéria inferior a 25% [6] é obrigatório considerar que as Taxas reais são muito inferiores, sobretudo no caso das duas primeiras. A Taxa de Mortalidade Materna (TMM) é das mais altas do mundo e reflecte o dramático custo em vitalidade humana, na morte prematura de mulheres jovens por causas perfeitamente evitáveis, como pode ver-se comparando-a com a correspondente de Espanha. Em 2003 reportaram-se 37.000 mulheres mortas na Nigéria, o segundo país do mundo, por complicações relativas à gravidez e ao parto, numa zona – a região subasaariana – em que a mortalidade materna se incrementa anualmente. [7] Desmascara-se assim o cinismo dos pomposos programas das Nações Unidas como os Objectivos do Milénio, enunciados em 2005, e que no caso da TMM se propõem uma redução de 75%, com a “ajuda ao desenvolvimento”, sem tocar, por um momento que seja na estrutura do poder. Mas estes indicadores são gerais. As dimensões do impacte dos factores sócioeconómicos sobre o risco de morrer, podem avaliar-se melhor através dos seguintes dados: NIGÉRIA Taxa de mortalidade infantil de menores de 5 anos Nos 20% da população com 79 por cada mil nascidos vivos maior nível de riqueza Nos 20% da população mais 257 por cada mil nascidos vivos pobre NIGÈRIA Taxa de mortalidade infantil de menores de 5 anos Com alto nível educativo da 107,2 por cada mil nascidos vivos mãe Com baixo nível educativo da 269,4 por cada mil nascidos mãe NIGÉRIA Nascimentos assistidos por pessoal com preparação (I) Nos 20% da população com 84,5% maior nível de riqueza Nos 20% da população mais 13% pobre NIGÉRIA Nascimentos assistidos por pessoal com preparação (II) Com alto nível educativo da 75% mãe Com baixo nível educativo da 13,8% mãe Os indicadores anteriores mostram com clareza o impacte acumulado das desigualdades sociais sobre o risco de morte de mães e filhos e, por consequência, o efeito determinante do factor classe social sobre as condições de saúde da população. Para apreciar melhor a transcendência do impacte sócio-económico, é útil comparar a diferente repercussão de cada um dos factores: Pobreza/riqueza, maior ou menor nível educativo da mãe, e da população rural/urbana sobre a Taxa de Mortalidade de menores de 5 anos e a % de nascimentos assistidos por pessoal com preparação NIGÉRIA Rural / Urbano </> educação mãe Ratio TM <5 anos 1,6 2,5 Ratio sem/com atenção 2,2 5,4 sanitária </> riqueza 3,3 6,5 Como pode observar-se o efeito da maior ou menor riqueza, que reflecte a pertença de classe, determina o risco de morrer e o acesso aos serviços sanitários de forma mais rotunda que o meio rural ou urbano ou indicadores tão sensíveis como o nível de educação da mãe. A OMS fornece resultados semelhantes para os que estudam estas diferenças noutros indicadores, como a cobertura de vacina contra sarampo ou o atraso no crescimento de menores de 5 anos. Devo acrescentar ainda que as diferenças sociais perante a doença e a morte se encontram, sem excepção, em todos os países do mundo excepto Cuba, onde estão muito atenuadas. O caso de países como a Nigéria é especialmente demolidor, pois verificam-se, simultaneamente, elevadíssimas taxas de mortalidade e ingentes recursos naturais, como veremos. São rotundamente manifestas as terríveis consequências que sobre a vitalidade humana têm a exploração de classe e a pobreza. A violência social, exercida de forma inexorável e quotidiana pelo capitalismo e pelo imperialismo, mede-se objectivamente no saldo de doença e de morte de milhões de pessoas e torna-as as mais poderosas armas de destruição massiva dos povos do mundo. Economia. Saque das petrolíferas e destruição da vida A Nigéria, considerada no informe do Banco Mundial para 2005 um dos 20 países mais pobres do planeta, é a segunda potência económica do continente africano, atrás da África do Sul. É o sexto maior exportador de petróleo do mundo com uma produção de 2,451 milhões de barris por dia e umas reservas comprovadas de 36.000 milhões de barris. O petróleo e o gás constituem 97,3% das suas exportações. [8] Neste país 70,8% da população vive com menos de 1 dólar por dia e 92,4% com menos de dois. [9] Em 1958, data em que se inicia a exploração de petróleo na Nigéria, que ironicamente quase coincide com a independência da Grã-Bretanha em 1960, começa o drama dos povos da Nigéria, particularmente dos que habitam junto ao delta do rio Níger. Até a produção de hidrocarbonetos alcançar todo o seu apogeu na década de 70, o país tinha uma agricultura próspera, assente precisamente nas férteis terras e no clima propício do delta do Níger, não só assegurava a alimentação da sua população como constituía o seu principal sector exportador. A indústria petrolífera implicou o desaparecimento de terras cultiváveis. Calcula-se que o derrame de tóxicos inutilizou uma quarta parte dos terrenos férteis, destruindo zonas agrícolas e a maior parte dos 23 sistemas fluviais e mangais do delta. Actualmente, a produção agrícola está abandonada devido às políticas governamentais e 70 da produção destina-se ao auto-consumo. A Nigéria importa a maior parte dos alimentos que necessita. Um terço do arroz, elemento básico da dieta popular, compra-se no exterior e o seu preço subiu 30% nos últimos anos, pelo que deixou de ser acessível à imensa maioria da população. A FAO calculou, em 2001, que só 20% da população tinha a alimentação assegurada. O afundamento da agricultura implicou também a extinção de empregos, o despovoamento das aldeias e a fuga dos jovens para as cidades ou, se puderem, para o estrangeiro. As empresas petrolíferas e a corrupção política dos sucessivos governos nigerianos contaminaram a terra e a água até as tornarem inutilizáveis. A Nigéria é o país do mundo em que, há já 40 anos, se queima ao ar livre a maior quantidade de gases excedentes dos poços de petróleo. A combustão que se faz diariamente destes gases no delta do Níger equivale a 40% do consumo total de toda a África e é um dos maiores contribuintes para o efeito de estufa, causa do aquecimento do planeta. Em 2005, comunidades de todo o delta do Níger interpuseram uma acção no Supremo Tribunal Federal Nigeriano contra o consórcio formado pelas maiores petrolíferas do mundo: a britânica/holandesa Shell, as estadunidenses ExxonMobil e Chevron e a italiana AGIP. Nela detalha-se como desde a instalação das petrolíferas dispararam as doenças respiratórias e determinados tipos de cancro. Uma das pessoas que apresentou a acção em que se exige a imediata paragem da queima de gás e a paralisação de novas explorações petrolíferas expressava assim o drama que se esconde atrás os números dos indicadores de saúde: “trabalhamos duramente para cultivar, mas colhemos pouco. Os nossos tetos estão corroídos, o nosso ar contaminado e os nossos filhos estão doentes. Inclusivamente a água da chuva que bebemos está contaminada com a fuligem da queima de gás”. [10] Da acção não se conhece qualquer resultado. O escritor Ken Saro-Wiwa, do povo ogoni da Nigéria, denunciou o facto num livro publicado em 1992: “o que a Shell e a Chevron fizeram ao povo agoni, às suas terras e aos seus rios, aos seus regatos, à sua atmosfera chega ao nível do genocídio. A alma do povo ogoni está a morrer e eu sou testemunha disso”. O drama torna-se absurdo, face à constatação de que um país que calcula em 5 mil biliões de metros cúbicos as suas reservas de gás, que queima impunemente como resíduos altamente contaminantes 762 milhões de metros cúbicos diários depende da madeira para satisfazer as suas necessidades domésticas de energia. Se recordarmos que 92,4% da população vive com menos de dois dólares diários, o preço de 21 dólares por uma botija de gás, só disponível nas cidades, torna-se absolutamente inacessível. O corte de árvores para fins comerciais adicionado ao uso massivo de lenha como combustível situa – outra vez – a Nigéria, segundo a FAO, como o país com o maior índice de perda de bosques primários do mundo, tendo perdido entre 1990 e 2005, 37,5% da sua floresta. [11] Lucros das petrolíferas e corrupção política A Nigéria foi protectorado britânico desde 1901 e colónia desde 1914. O próprio nome do país não corresponde a qualquer tradição histórica, tendo sido proposto pelo jornal Times em 1897. A instalação da petrolífera britânica/holandesa Shell na Nigéria precede em dois anos a independência do país e este facto reflecte, exactamente, a relação hierárquica que exercem as transnacionais petrolíferas sobre os governos militares que se sucedem após os respectivos golpes de estado ou civis vitoriosos nas eleições. Foram e são governos infiltrados e corrompidos pelas potências neocoloniais em representação das suas respectivas transnacionais, negociantes fáceis da venda das riquezas do seu povo, cujos lucros permitem a uma reduzida oligarquia nadar num mar de abundância, enquanto a quase totalidade da sua população se afunda na mais absoluta miséria. O analista político nigeriano Ike Onyelwere resume “o aventureiro militar elevando-se a si mesmo ao poder e o político desesperado por moldar as eleições têm um só objectivo em mente: amanharem-se com o dinheiro do petróleo. Para eles as pessoas comuns não contam”. Alguns dados permitem avaliar a situação de um dos países mais corruptos do mundo. Só 1% da população controla as riquezas produzidas pelo petróleo e calcula-se que entre 300.000 e 400.000 milhões de dólares foram roubados por governos corruptos desde a independência. A situação do Estado de Bayelsa, lugar emblemático da contratação de escravos, produtor de 25% do petróleo nigeriano, recentemente analisada pelo jornalista Jean Cristophe Servant no seu interessante artigo Au Nigéria, le pétrole de la colère, é ilustrativa. O seu governador, Diepreye Alamieyeseigha, membro do Partido Democrático do Povo (PDP), com um salário oficial de 1.000 euros mensais, adquiriu uma refinaria de petróleo no Equador, pelo que está acusado pela Comissão Nigeriana de Luta conta os Crimes Económicos e Financeiros de ter branqueado 11 milhões de euros. Este Estado, com um orçamento anual de 470 milhões de euros, destinou 7 milhões a construir residências oficiais e 19.330 euros para um Comité de Erradicação da Pobreza, cujas actividades ninguém conhece. A Shell em grandes painéis publicitários declara destinar todos os anos 60 mihões de dólares a projectos de desenvolvimento. Marc Antoine Pérouse de Monclos, investigador do Institut de Recherce por le Developpement (IRD) afirma que : «as companhias petrolíferas impedem o acesso dos investigadores aos seus arquivos e não respondem a perguntas incómodas. Dos 60 milhões de dólares que a Shell diz ter destinado à implementação de projectos de desenvolvimento em 2000, mais de 33 destinaram-se à construção de estradas que serviam as suas explorações”. [12] A parte principal dos lucros do gás e do petróleo levam-no as transnacionais estrangeiras. As mais importantes são as seguintes: Shell, Exxon-Texaco, TotalFinaElf, ENI/Agip. Para ilustrar as dimensões do negócio basta ver os dados globais da Shell no segundo trimestre de 2007: lucros de 5.600 milhões de euros, cerca de 20% mais que o ano anterior: exactamente 2,25 milhões de euros por hora. O petróleo africano, matéria de segurança nacional para os EUA Antes dos EUA e a Grã-Bretanha se emporcalharem na invasão do Iraque, inclusive antes do 11 de Setembro, as grandes petrolíferas norte-americanas Exxon Móbil e Chevron-Texaco colocaram na Câmara dos Representantes a necessidade de identificar o petróleo africano como prioridade geoestratégica. Como destaca Jean Cristophe Servant [13] esta posição foi firmemente defendida pelo Institut for Advances Estrategia and Political Studies (IASPS), entidade criada em 1984 em Jerusalém e “tão próxima do Likud, tradicional partidário de prescindir do petróleo saudita, como dos neoconservadores estadunidenses”. Depois da vítória de George W. Bush esta estratégia (apoiada sem divergências pelo Partido Democrata) é assimida peala administração republicana, através do seu vice-presidente Richard Cheney que afirma em 2004 que “o petróleo africano pela sua alta qualidade representa um mercado em crescimento para as refinarias da costa Este”. De facto, recentes projecções realizadas por The Petroleum Supply Monthly concluem que em 2015 os EUA importarão 25% do crude da África Subsaariana. Além da sua qualidade, o petróleo do Golfo da Guiné tem outras vantagens: enquanto o petróleo do Golfo demora 6 semanas a chegar aos EUA, o de África Ocidental pode demora duas e, além disso, é directamente acessível às forças navais norte-americanas. A posição da Nigéria como primeiro exportador de crude de África, com uma produção que poderá chegar aos 4 milhões de barris em 2010 – igualando o México –, com as suas avançadas infra-estruturas tecnológicas e os contínuos descobrimentos de novas jazidas marítimas [14], é determinante. Tem reservas e tecnologia para incrementar substancialmente a produção, não fossem as limitações advindas da sua participação na OPEP. As pressões dos EUA para que a Nigéria abandone esta organização – e aumente a produção de hidrocarbonetos em função das necessidades das grandes potências – têm sido recorrentes e poderão estar por trás de campanhas que gozaram de ampla popularidade e alento nos grandes meios de comunicação, como a que foi desenvolvida contra a lapidação de Amina. O punho de ferro: o AFRICOM e a NATO A declaração pelos EUA de uma zona do mundo como prioridade estratégica para a segurança energética nacional implica uma escalada na intervenção militar, sobretudo pela concorrência directa com uma grande potência como a China que não faz parte das alianças ocidentais. A China importa quase 25% do petróleo que consome do continente africano e tem acordos comerciais em vários sectores – alguns especialmente sensíveis como o farmacêutico e o de armamento – com quase todos os países africanos, o que a converteram no terceiro parceiro económico de África. A importância destas relações económicas reflectiu-se no firme apoio da China à Nigéria e à África do Sul para ocuparem um lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Precisamente uma semana depois do presidente chinês Hu Jintao realizar em Fevereiro de 2006 uma visita a 8 países africanos, os EUA anunciaram a criação do AFRICOM, que deverá estar operacional em Setembro de 2008. Ainda que possa tratar-se de mera coincidência, pois a escalada da presença militar dos EUA em África vem de mais longe, sem dúvida que a coincidência é significativa. O Comando Africano, como noutros lugares, tem como objectivo essencial a contra-insurreição – isto é enfrentar a luta popular pela soberania sobre os recursos espoliados, ainda que não desdenhe a importância de mostrar o seu poderio militar a potências concorrentes. Em África, como noutros locais, a estratégia dos EUA é norteada por dois grandes princípios: assegurar o mais amplo acesso a fontes de energia e matérias-primas essenciais, e garantir o controlo de oleodutos e em geral das vias de transportes dos recursos. Num cenário de importante incremento do consumo energético mundial, satisfeito em 80% por hidrocarbonetos e com dificuldades crescentes no Iraque, é provável que as próximas guerras pelo petróleo se desencadeiem em África. [15] Os EUA assim o previram, pelo que a presença militar norte-americana em África incrementa-se muito desde a década de 90. Os piedosos objectivos publicitados aquando da criação em 1996 da Iniciativa de Resposta às Crises Africanas (ACRI) – “a ajuda humanitária” e a “manutenção da paz” – eram dificilmente compatíveis com o historial do seu chefe de operações, o coronel Nestor Pino-Marina, mas serve muito bem para ilustrar os verdadeiros fins: este personagem é um exilado cubano, participante na tentativa de invasão de Cuba pela Baía dos Porcos, membro das forças especiais no Vietname e Laos, organizador dos contra nicaraguenses e acusado de tráfico de drogas para financiar acções da contrainsurreição. [16] Em 2002, já em plena voragem “antiterrorista”, o ACRI foi transformado em ACOTA (African Contingency Operating Training Asistnce), dotaram-se as tropas de armamento ofensivo e iniciou-se uma intensa actividade de formação de quadros militares africanos de quanta e quatro países, transferência de tecnologia armamentista e realização de exercícios conjuntos. O espectacular aumento da intervenção militar dos EUA em África culminou na criação da nova estrutura militar, o US África Command (USAFRICOM), comando militar unificado das Forças Armadas em África, com o objectivo de reorganizar e centralizar as capacidades pré-existentes, bem como “coordenar e reforçar a capacidade operativa de vários países africanos”. [17] Como explica o documento do Comando Europeu, até à sua criação, “do ponto de vista militar, a gestão do continente africano é exercida por três comandos: US European Command (UEEUCOM), US Central Command (USCENTCOM) e US Pacific Command USPACOM). Sob a responsabilidade do USCENTCOM estaria o Corno de África (Egipto, Eritreia, Etiópia, Yibuti, Quénia, Seychelles, Somália e Sudão). O USEUCOM coordena as actividades no resto dos países de África continental, enquanto a USPACOM mantém a gestão das ilhas Comores, Madagáscar, República Maurícia, e a área do Oceano Índico ao longo das costas africanas. [18] A partir da entrada em funcionamento do AFRICOM, a linguagem imperial é concludente, toda a África e as suas ilhas ficarão debaixo do seu controlo, com excepção do Egipto, que ficaria debaixo do controlo do USCENTCOM “dada a sua estreita conexão com o Médio Oriente. [19] Depois da designação do general William E. Ward, negro, como chee do AFRICOM, que não se espera que esteja plenamente operacional antes do Outono de 2008, a actividade militar disparou. Treze países (Estados Unidos, Argélia, Burkina Fasso, Canadá, França, Grã-Bretanha, Marrocos, Mauritânia, Níger, Nigéria, Países Baixos, Chade e Tunísia) fazem desde 20 de Agosto a meados de Setembro gigantescas manobras militares nos arredores de Bamako (Mali), chamadas Flinlock 2007. De acordo com analistas africanos estas manobras, dirigidas pela Armanda estadunidense e supostamente destinadas a coordenar esforços contra o terrorismo e o contrabando, são uma manifestação de força com o objectivo de eliminar as reticências de países africanos ao AFRICOM. Até agora os EUA sofreram repetidamente a humilhação da recusa de Botswana, Zâmbia, Argélia, Líbia e Marrocos de instalar nos seus territórios a sede do Comando Africano. Particularmente contundente foi a resposta do Ministro dos Assuntos Exteriores argelino que declarou em Março passado que o seu país não permitirá o estabelecimento de bases militares estrangeiras no seu solo, por incompatibilidade com a sua soberania e independência. A estranha e violenta escalada terrorista em curso na ex colónia francesa é assim caracterizada pelo politóogo alemão Werner Ruf, especialista em Argélia e professor da Universidade de Kassel: “… A Al Qaeda do Magrebfundou-se em Janeiro… (…) Para mim o pano de fundo de tudo isto é a eminente criação do AFRICOM… Trata-se muito simplesmente de petróleo. [20] A zona do Golfo da Guiné é objecto de planos militares específicos por parte do EUCOM que serão transferidos para o novo comando unificado para África. Em 2006, no âmbito do West African Training Cruise realizar-se-ão manobras conjuntas entre exércitos africanos, marines norte-americanos e 18.000 efectivos das Forças de Acção Rápida da NATO, entre eles a infantaria da marinha espanhola. [21] O último passo, por ora, no notável incremento da actividade militar no continente culminou este ano com a constituição do primeiro Agrupamento Naval Permanente da NATO e a circum-navegação de África [22] que se está a levar presentemente a cabo. A missão da Aliança Atlântica, publicitada em conferência de imprensa realizada nos finais de Julho na Base de Rota (Cadiz), é conhecer a situação marítima e ensaiar os sistemas de intervenção rápida; espefica-se ainda que o desenvolvimento se tornará patente no Golfo da Guiné, “em vários países ribeirinhos como a Nigéria, onde se deram sequestros de empregados de companhias petrolíferas estrangeiras”. Não dados públicos sobre a participação de militares espanhóis, mas é altamente provável, em função da sua importante presença nas manobras da Aliança de Junho de 2006, em Cabo Verde, a que proporcionou 1.800 dos 7.000 efectivos participantes, [23] e do interesse do governo em impedir a chegada de imigrantes às costas Canárias e a crescente presença de empresas espanholas na Nigéria. Apesar de tudo, resistência popular nigeriana A história da Nigéria é a da luta dos seus povos. A luta contra as petrolíferas que vampirizam os seus recursos e arrasam o seu solo, o seu mar e o seu ar rompeu a barreira do silêncio dos meios de comunicação internacionais com as denúncias do Movimento pela Sobrevivência do Povo Ogoni (MOSOP). Esta organização, criada em 1991 e então liderada por Ken Saro Wiwa, destacado escritor, levou a uma luta pacífica pelos direitos sociais e ecológicos do seu povo e apresentou as suas denúncias dos atropelos da Shell e da Chevron em diferentes fóruns de direitos humanos e ambientais. Ken Saro Wiwa foi enforcado em Novembro de 1995 conjuntamente com oito companheiros, no cumprimento de uma sentença de um tribunal nomeado pelo governo militar, num julgamento internacionalmente contestado, o que levou à expulsão da Nigéria da Commonwealth. As mobilizações na Nigéria desde a sua prisão na Primavera de 1994 foram amplas e sangrentas. A Shell solicitou em várias ocasiões a intervenção da sinistra Mobile Police Force que por várias vezes disparou contra a multidão, como também vendeu armas ao ditador Abacha, durante o embargo internacional decretado após tal crime. O gerente geral da Shell na Nigéria, Naemeka Achebe, explicou assim o apoio da sua empresa à ditadura militar: “para uma empresa comercial que se propõe fazer investimentos, é necessário um ambiente de estabilidade… As ditaduras oferecem isso. [28] Na Nigéria a comoção pelo assassinato colectivo deu lugar ao surgimento de diversos movimentos armados, que gozaram e gozam de apoio popular e que têm como objectivo central o ataque às petrolíferas. Desde que entrou em acção em 2005, o mais destacado é o Movimento pela Emancipação do Delta do Níger (MEND), que assume as reivindicações do MOSOP. Pertencente à etnia Ijaw, o seu objectivo declarado é arrancar às petrolíferas o controlo dos hidrocabonetos e exigir reparações pelos desastres ambientais provocados. Em Janeiro de 2006 membros do MEND assaltaram uma instalação da Shell assaltaram uma instalação da Shell e sequestraram quatro empregados. As suas exigências eram: a libertação de dois dirigentes, 1.500 milhões de dólares como indemnização pela contaminação do delta e destinar 50% dos lucros das petrolíferas ao desenvolvimento das paupérrimas aldeias da região. Não foram atendidos e em Fevereiro do mesmo ano realizaram novos sequestros, bombardearam dois oleodutos, um gasoduto e um terminal de carga, forçando a Shell a interromper a exportação de quase meio milhão de barris diários. No passado mês de Agosto, o semanário britânico The Observer publicou um longo artigo sobre a situação na Nigéria, analisando a actividade do MEND na sua curta existência e onde incluiu uma entrevista com um dirigente que finaliza com estas palavras: “A primeira etapa não era mais do que uma rodagem do material. Rapidamente a autêntica violência cairá sobre o delta. Esperamos ordens e não perdemos um minuto… Quando um nigeriano se põe em marcha ninguém o pode parar”. [25] Esta situação de tensão na Nigéria, que está no fundo da escalada dos EUA e da UE em África, levou as grandes companhias a explorar bolsas de petróleo marítimas, se bem que o encarecimento da produção por barril passe de dois dólares em terra firme para sete dólares no mar, faz com se continue a explorar a primeira, suceda o que suceder. A outra dimensão da luta popular é o movimento sindical que foi capaz de levar a cabo importantíssimas greves gerais, que cresceram em força e expansão que fizeram tremer os mercados internacionais, desde que o Fundo Monetário Internacional impôs a desregularização do preço do combustível, além de diversas privatizações. Desde 1999 sucederam-se lutas operárias e mobilizações sociais convocadas pelo Congresso Nigeriano de Trabalho (NLC) – com 5 milhões de filiados – a maior parte delas motivadas por espectaculares subidas do preço da gasolina para a população. Desde 1999 até 2004 passou de 20 para 100 nairas. A greve geral que teve lugar em Julho de 2003, depois do aumento da gasolina em 50% saldou-se por 14 trabalhadores assassinados pela polícia em manifestações. Novas greves gerais se sucederam em 2004 depois da decisão da Shell de fazer massivos despedimentos de trabalhadores nigerianos para os substituir por estrangeiros, menos combativos, no âmbito de uma grande reestruturação que previa investimentos de 6,5 milhões e o aumento da produção para um milhão e meio de barris por dia. Mais greves gerais ocorreram em 2005, 2006 e 2007, a última no passado mês de Julho, motivadas por novas subidas do preço da gasolina devido ao aumento dos impostos, e pela venda de duas das quatro refinarias estatais a empresas estrangeiras. A cumplicidade do exército e da polícia com as petrolíferas, que por sua vez mantém os seus próprios bandos paramilitares, faz parte da história da Nigéria. Em Fevereiro de 2005, durante uma manifestação pacífica de umas 300 pessoas para denunciar as promessas incumpridas da estadunidense Chevron, o exército disparou contra os manifestantes a partir do terminal da dita petrolífera em Escravos. Matou um deles e feriu 30 manifestantes. [26] Duas semanas depois, o exército assaltou Odioma, comunidade da etnia Ijaw donde procede o MEND, matou 17 pessoas e destruiu 80% das casas. O pretexto para o ataque era capturar membros de um grupo paramilitar da Shell, mas não deteve nenhum suspeito. Do resultado da investigação judicial ordenada pelo governador do estado, curiosamente o de Bayelsa, não notícia, de acordo com o referido documento da Amnistia Internacional. O Estado ao serviço das transnacionais espanholas Em Julho de 2005, nesse cenário brutal de morticínios e repressão, dá-se a visita à Nigéria do Secretário de Estado para Assuntos Exteriores do governo espanhol, para “incentivar a Nigéria a promover projectos que atraíam empresas espanholas”. Bernardino León, a mesma personagem que se reuniu com os mercenários cubanos durante a Cimeira de Países Não Alinhados, e manifestou a sua preocupação pelos direitos humanos na ilha, foi à Nigéria para remover obstáculos para os investimentos espanhóis, isto é, para pressionar a diminuição dos direitos aduaneiros, dos impostos para facilitar infra-estruturas e, obviamente, para obter garantias de “segurança”. Não pronunciou uma só palavra sobre os recentes massacres nem sobre a situação do seu povo nem sobre os direitos humanos. Um ano depois, em Abril de 2006, Repsol YPF e Gás Natural criavam a Jointventure Stream, a terceira companhia mundial do ramo e assinavam um acordo principal com o governo da Nigéria para a construção e exploração de uma fábrica de liquefacção de gás natural; esta fábrica terá uma capacidade de transformação de 7 milhões de toneladas anuais, um terço do consumo anual do estado espanhol [27]. A isto há que acrescentar o anúncio feito pelo Comissário Europeu de Energia do passado mês de Julho do projecto de construção de um gasoduto transariano de 4.300 quilómetros, que será o maior do mundo e estará terminado em 2015. Partirá do delta do Níger e chegará até Beif Saf (Argélia) e poderá ligarse ao gasoduto Medgaz que ligará a Argélia a Almería e que estará activo emm 2009. São estes interesses que a Força de Acção Rápida da NATO protege e a participação de cada país – tal como ocorre com os accionistas de uma empresa – é directamente proporcional aos interesses em jogo das suas transnacionais. No caso espanhol, como se viu, tanto os investimentos como o compromisso militar são muito importantes. As grandes agências de notícias estão já a agitar, desembaraçadamente, o espantalho da Al-Qaeda. O terrorismo à la carte está a ser utilizado em colaboração com as cloacas dos estados (Sudão, Argélia, etc.) – como mostra tranquilamente Graham Green no “Americano tranquilo” – para dobrar vontades ou, em último instancia, justificar intervenções militares. A última peça da engrenagem: a perseguição ao imigrante As grandes potências da NATO sabem muito bem os desastres que a sua nova ordem engendra. Em Abril de 1999, enquanto a Jugoslávia era devastada pelos bombardeamentos da NATO, a Aliança realizava a sua transcendental Cimeira de Washington. Ali se encontravam decisões que inauguraram a escalada de intervenções ofensivas, adoptando a guerra global permanente, esse preciosos instrumento que organiza militarmente os imperialismos europeu e estadunidense, sob a hegemonia deste último. Nessa reunião identificaram-se as quatro principais ameaças à “ordem mundial” que justificariam uma intervenção militar. Entre elas definia-se com clareza o seguinte: “os movimentos migratórios massivos são considerados um grave risco para a estabilidade regional que pode ameaçar seriamente e ser um perigo para as próprias fronteiras dos países da NATO” [29]. As pessoas mais fortes, com mais formação e com mais recursos entre os pobres, empreendem o caminho incerto que supõem mais esperançoso que o futuro que os aguarda no seu país. A Nigéria contribui com um quarto dos imigrantes da União Europeia e dali procedem a maior parte das pessoas que chegam em canoas às ilhas Canárias. A viagem entranha objectivamente mais risco de morte que a roleta russa: um em cada três perece. Calcula-se que em 2006 cerca de 7.000 morreram na fossa comum em que se converteram as águas do Atlântico[30]. Ainda que a maior parte das mortes seja por afogamento, o perigo maior não é simplesmente o mar, mas o alargamento progressivo injustificado do trajecto para tentar escapar das fragatas e aviões militares do FRONTEX (Agência da UE para o controlo de fronteiras), dos helicópteros e patrulhas da Guarda Civil, e das frequentes manobras militares da NATO na zona, e da marinha estadunidense. No caso de serem interceptados em águas internacionais são obrigados a voltar para trás, enviando-os assim para uma morte segura. Exactamente os mesmos governos cujas empresas exibem os insultuosos lucros procedente de investimentos nos países de que fogem desesperados os seus expropriados habitantes são os que fazem valas como em Ceuta e Melilla ou organizam caçadas a pobres embarcações, para impedir os emigrantes de entrar. As pessoas que apesar de tudo conseguem chegar com vida são metidos em Centros de Internamento de Estrangeiros (CIE) dependentes do Ministério do Interior, através da Direcção Geral da Polícia. O funcionamento dos CIE, diferentemente das cadeias, não tem qualquer regulamentação. Ali, as condições de vida degradam-se a medida que o número de encarcerados aumenta. A maior opacidade caracteriza o seu funcionamento, apenas rompida pelas denúncias das deficiências sanitárias, abusos sexuais por parte da polícia, má alimentação, falta de tradutores que impossibilita aos estrangeiros conhecer a sua situação, violação dos direitos do detido, o amontoamento e a incomunicabilidade, denuncias essas feitas por diversas organizações, tal como a ausência de normativo que regulamente as sanções por possíveis infracções e a total arbitrariedade com que se recorre à força física “para restaurar a normalidade” [31]. Do destino de miséria na Nigéria e do encarceramento em Madrid procurou escapar Osamuyia Aikpitanhi. Saiu da sua cidade, Benin (Estado de Edo, no sul da Nigéria) com 23 anos e conseguiu chegar às Canárias, depois de percorrer milhares de quilómetros por terra e uma terrível viagem de três dias numa canoa. Sobrevivia vendendo o jornal “La Farola” diante do Hospital da Paz em Madrid. Não pode regularizar a sua situação no momento em que era exigido, como aos restantes nigerianos, o certificado de registo criminal legalizado pelo Consulado espanhol na Nigéria, que se recusa sistematicamente a fazê-lo [32]. Foi detido no metro por não ter bilhete e ordenada a sua repatriação. Morreu a 9 de Junho no voo da Ibéria que o devolvia à Nigéria. Segundo o testemunho de passageiros do avião “tinham-lhe colocado algemas nos pulsos, correntes nas pernas, foi amordaçado com fita adesiva industrial, antes de lhe enfiarem um saco pela cabeça abaixo para que não visse. Depois, os agentes espanhóis bateram-lhe com um cassetete e injectaram-lhe tranquilizantes, o que teve como consequência a morte por asfixia, sujo de vómitos e fezes”. Os dois polícias que o guardavam estão acusados pelo delito de homicídio involuntário. Depois de interrogados, o juiz pô-los em liberdade. Ainda não foi proferida a sentença. O reino de Espanha assinou um Acordo com a República da Nigéria sobre imigração, na capital Abuja em 12 de Novembro de 2001 [33]. No seu artigo 20º, “Garantias dos direitos humanos”, parágrafo 2ii, lê-se o seguinte: “Cada parte contratante (sic) compromete-se a não submeter a pessoa detida a força indevida, tortura nem tratos cruéis, desumanos ou degradantes”. Nas Normas de Segurança para as repatriações estabelecidas pelo Ministério do Interior em 20 de Julho de 2007 [34] autorizam-se os agentes da polícia a usar “correntes de segurança, camisas-de-forças, capacetes de protecção, algemas ou similares” para dominar a pessoa que resista à sua expulsão. Estas Normas têm carácter de documento interno e nem sequer passaram pelo Conselho de Ministros. Como aconselha a organização Ecologistas em Acção num comunicado em que solicita a sua retirada [35], por considerar que violam direitos fundamentais reconhecidos na Constituição Espanhola, a um emigrante aplicam-se medidas radicalmente diferente se é um africano que a um qualquer cidadão da UE que tenha um comportamento violento durante um voo, que é detido, sai do avião e aplica-se-lhe a Lei correspondente. Sublinhe-se que a publicação destas Normas, que provocaram um enorme escândalo ao ser divulgadas nos meios de comunicação, só foi feita depois da morte de Osamuya Aikpitah e estando dois polícias processados. Cabe perguntar, se é assim agora a regulamentação, como era antes? A resposta é dramaticamente simples: como o dos que levaram à morte um homem jovem, forte e são em menos de uma hora[36]. Fecha-se assim o círculo que condena à morte e ao subdesenvolvimento milhões de pessoas do povo nigeriano e dos povos de todos os países com grandes recursos naturais apetecidos pelas grandes multinacionais dos imperialismos europeu e estadunidense e cujos interesses protegem com poderosíssimas alianças militares, face ao risco de insurreição popular. Esta engrenagem apoia-se em governantes corrompidos até ao inimaginável e em Estados que só existem e servem para a repressão. Os dados a que se recorreu neste trabalho sobre a situação da Nigéria, que se reproduzem – com mais ou menos intensidade – nos países da periferia do sistema, expressam o presente grau de desenvolvimento do imperialismo e as suas consequências para os povos. É o reflexo da actual situação da luta de classes. Perante a tragédia humana que expressam, de nada valem os discursos morais nem as vãs lamúrias. O que é necessário e premente é intervir da única forma útil, a partir de posições de classe, para fortalecer o grau de informação, de luta e de coordenação entre organizações políticas e sindicais de todos os países, entre a classe operária dos países imperialistas e de países espoliados. As palavras de Marx no Manifesto do Inaugural da Associação Internacional de Trabalhadores têm, se possível, ainda maior vigência e urgência que quando foram pronunciadas. Mostram o único caminho possível de seguir, agora mais do que nunca, depois de derrotas inconcebíveis para gerações anteriores, no momento em que o imperialismo mostra contradições de cada vez mais difícil resolução e quando a sua garra mais feroz oprime os povos: “A experiência passada mostrou como a falta de cuidado por este laço de fraternidade, que deve existir entre os operários de diferentes países e incitá-los a permanecer firmemente ao lado uns dos outros em toda a sua luta pela emancipação, será castigada com s derrota comum dos seus esforços incoerentes.(…) As imensas e irresistidas usurpações desse poder bárbaro [37] (…) ensinaram às classe operárias o dever de dominarem elas próprias os mistérios da política internacional, de vigiarem os actos diplomáticos dos seus respectivos governos, de os contra-atacarem, se necessário por todos os meios ao seu dispor, [o dever de,] quando incapazes de o impedirem, se juntarem em denúncias simultâneas e de reivindicarem as simples leis da moral e da justiça, que deveriam governar as relações dos indivíduos privados, como as regras supremas do comércio das nações. O combate por semelhante política externa faz parte da luta geral pela emancipação das classes operárias. Proletários de todos os países, uni-vos!” [38] Notas [1] Carta abierta del escritor malgache Raharimanana y otros escritores y escritoras africanos a Nicolás Sarkozy tras su reciente visita a varios países del continente. Traducción propia. http://www.iacd-news.org/pageID_3650006.html [2] Todos los datos demográficos, así como los indicadores de salud han sido tomados de WHO Satistical. Information System (WHOSIS) y pueden consultarse en www.who.int/whosis/database/core/core/_select_process.cfm [3] El informe puede obtenerse en inglés, francés y español en http://www.undp.org/spanish/publicaciones/informeanual2006/crisis.shtml [4] El incremento observado en la mortalidad de menores de 5 años, con respecto a la de menores de 1año, sensiblemente más vulnerables estos últimos, refleja la importante función protectora de la lactancia materna, tanto con respecto a deficiencias nutricionales, como a enfermedades transmitidas por el agua, y que disminuye sensiblemente a partir del primer año de vida. [5] La Tasa de Mortalidad Materna recoge las muertes de mujeres relacionadas directamente con el embarazo y el parto. [6] WHO Statistical Information System, referida en la cita 2. [7] Según la OMS Las mujeres africanas tienen una probabilidad 175 veces más alta de morir en el parto que las mujeres de las regiones desarrolladas y mientras entre las primeras aumenta, entre las segundas, disminuye. El 70% de las muertes por esta causa se concentraron en sólo 13 países. http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2003/pr77/es/index.html [8] Un análisis comparado de la estructura y la evolución económica de los 10 mayores exportadores de petróleo puede verse en www.bde.es/informes/bce/bm0707-4.pdf [9] www.who.int/whosis/database/core/core/_select_process.cfm [10] http://ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=34255 [11] Toye Olori/IPS (2005) Gigante petrolero depende de la madera. http://ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=41603 [12] Citado por Jean Pierre Servant en Au Nigeria, le pétrole de la colére. Le Monde Diplomatique, avril 2006. www.monde-diplomatique.fr/2006/04/SERVANT/13334 [13] Servant, Jean Christohe (2003) Ofensiva sobre el oro negro africano. Le Monde Diplomatique, Edición Cono Sur. www.rebelion.org/africa/oronegro/130103.htm [14] La Royal Dutch Shell reveló el pasado mes de julio el hallazgo de un nuevo yacimiento en el delta del Níger, el pozo Ágata-1, donde encontró a una profundidad de 4.679 metros 245 metros de reservorios de hidrocarburos. [15] En realidad la primera guerra por el petróleo se ha iniciado ya en Darfur (Sudán). Bajo las hipócritas preocupaciones sobre el “genocidio” se oculta el interés por la existencia de reservas de petróleo sin explotar equivalentes a 2.000millones de barriles. El lobby sionista ha promovido manifestaciones pidiendo la intervención militar de EE.UU., que ya bombardeó en 1998 la única fábrica de medicamentos del país bajo la acusación absolutamente falsa de producir armas químicas. http://www.workers.org/mo/2006/darfur0511/ [16] Un importante análisis del intervencionismo militar de EE.UU. en África anterior al AFRICOM puede encontrarse en www.asodegue.org/djulio1404.htm [17] AFRICOM:EEUU creará un mando milita r para intervenir en África. United Status European Command. www.eucom.mil/spanish/Operaciones%20e20Iniciativas.es [18] Ibid [19] Esta decisión confirma el decisivo papel de Egipto, tercer país – tras Israel y Colombia – receptor de ayuda militar de EEUU, en la estrategia sioestadounidense en Oriente Medio [20] http://www.casadasafricas.org/site/index.php?id=noticias&sub=01&id_noticia=279 [21] García Cantalapiedra, David (2007). “La creación del AFRICOM y los objetivos de la política de EEUU hacia África: gobernanza, contraterrorismo, contrainsurgencia y seguridad energética (ARI)” ARI nº 53/2007. http://www.realinstitutoelcano.org/wps/portal/rielcano/contenido?WCM_GLOBAL_CONTE XT=/Elcano_es/Zonas_es/ARI+53-2007 [22] www.gara.net/paperezcoa/20070805/es/. El buque insignia es el estadounidense de la flotilla de guerra de la OTAN es el USS Normandy, y participan también las siguientes fragatas : la canadiense HMCS Toronto, la danesa HDMS Olfert Fisher, la alemana FGS Spesart y la portuguesa NRP Alvares Cabral. [23] http://www.caboverde24.com/spanish/forum/topic.asp?TOPIC_ID=1841 27 ¡Proletarios de todos los países, uníos! Frase escrita con grandes letras doradas en la tumba de carlos Marx en el cementerio de Highgate, Londres. 28 Galeano, Eduardo. «El petroleo : lecciones de impunidad ». http://members.tripod.com/~Mictlantecuhtli/politica/Galeano1.html [25] El interesante y reciente artículo “Caos en Nigeria: La guerra del petróleo ha comenzado” puedeconsultarse en http://www.asodegue.org/septiembre0307.htm 26 « Nigeria : petróleo, pobreza y violencia ». Amnistía Internacional, enero de 2007. http://web.amnesty.org/library/Index/ESLAFR440172006?open&of=ESL-NGA 27 http://www.jornada.unam.mx/2006/04/08/031n1eco.php 28 Un análisis de la situación internacional y la escalada militar que se iniciaba con la guerra de la OTAN contra Yugoslavia puede consultarse en Maestro, A. (2001) « Estado de guerra » http://lahaine.org/index.php?blog=4&p=17395 29 La casa de la Cultura y la Solidaridad de Canarias publica el artículo “FRONTEX: asesino político” en http://canariassolidaria.blogspot.com/2007/05/frontex-asesinopoltico.html 30 Un reciente e interesante estudio sobre la situación se puede consultar en Machado, Decio (2007) “Miles de emigrantes se hacinan en los CIE”. Diagonal. http://www.rebelion.org/noticia.php?id=43586 31 Estas declaraciones fueron realizadas por la abogada de oficio de Osamuyia Aikpitanhi, Elena García Cazorla, que intentó impedir su repatriación., según se informa en Duva, Jesús (2007) “Los sueños amordazados de Osamuyi”. El País, 17 de junio de 2007. 33 Acuerdo entre el gobierno del Reino de estaña y el gobierno de la República federal de Nigeria en materia de inmigración, hecho en Abujas, el 12 de noviembre de 2001. Boletín Oficial de las Cortes Generales, VII Legislatura, Seria A: Actividades parlamentarias, 21 de diciembre de 2001, Núm. 232. 34 www.intermigra.info/extranjeria/archivos/impresos/BProtocExp.pdf 35 http://www.ecologistasenaccion.org/spip.php?article8988 36 El avión de Iberia que realizaba el vuelo desde Madrid a Nigeria, tuvo que aterrizar en Alicante precisamente por el fallecimiento de Osamuyia Aikpitanhi. 37 Se refiere a la ocupación del Cáucaso y el aplastamiento de Polonia por Rusia. 38 http:// www.marxists.org/espanol/m-e/1860s/1864fait.htm