NOTAS SOTURNAS Cometários Criticos ao Livro ‘Noturno de Havana’ Wilson Gomes de Almeida* «Y, como si fuera poco se refiere —no 16 veces como dije en la ocasión anterior— en 35 ocasiones a una supuesta entrevista con Armando Jaime Casielles los días 24 y 26 de enero de 2007. Esa es una entrevista falsa, que nunca existió. Casielles nunca se reunió con English, nunca le concedió una entrevista a English. En esas fechas, hacía varias semanas que Casielles se encontraba hospitalizado, gravemente enfermo, con un solo pulmón, donde tenía cáncer, respirando con la ayuda de un balón de oxígeno. Casielles muere 17 días después: el 12 de febrero de 2007». Enrique Cirules Noturno de Havana: como a Máfia conquistou Cuba e a perdeu para a Revolução, de T. J. English, publicado no Brasil pela SEOMAN, selo da Editora Pensamento-Cultrix Ltda. (São Paulo: 2011), numa tradução de Santiago Nazarian, é, sem dúvidas, uma leitura, para dizer o mínimo, sedutora e eletrizante. Mormente porque os temas envolvendo Cuba pré e pós-revolucionária se constituem e se constituirão por tempos a perder de vista, é o que se depreende, em questões do mais vivo e justificado interesse para um amplo espectro de leitores. Ainda mais que o livro revolve e rediviva um tema já abordado e consagrado na tela grande através do filme O Padrinho (The Godfather: Part II), O Poderoso Chefão, Parte II, na versão para o Brasil. E, há pelo menos uma razão muito especial para que tal ocorra: como pode uma minúscula ilha do Caribe desafiar a maior potência econômica e militar do após Segunda Guerra Mundial de maneira destemida, resoluta e vitoriosa ao fazer uma revolução e suste-la apesar do brutal e hediondo bloqueio que lhe é imposto há mais de 50 anos consecutivos pelos EUA – e que não cessa de apertar o seu cerco estrangulador, agora sob o governo do presidente Barak Obama? * Wilson Gomes de Almeida, engenheiro agrônomo e mestre em ciências agrárias (Academia de Ciências Agrícolas de Sófia/Bulgária) e doutor em história econômica (Universidade de São Paulo - USP). Nesse livro constituído de duas partes e quatorze capítulos, mais um epílogo, além, é claro, dos agradecimentos, apêndice, notas e referências às fontes, T. J. English discorre de uma maneira dinâmica e vivaz, através das suas 384 páginas, sobre os acontecimentos envolvendo a frenética atuação da Máfia norte-americana visando transformar Cuba na sua terra prometida. Ao concluir a leitura de Noturno de Havana, era meu propósito oferecer ao leitor destas linhas uma breve resenha do livro. Entretanto ao empreender uma busca expedita de referências sobre seu autor, deparei-me com informações e fatos que me fizeram adicionar a esse intento um breve resgate da história por detrás do próprio livro alargando assim o espectro das minhas considerações, abrangendo o cidadão norte-americano de descendência irlandesa chamado Thomas Joseph English e suas incursões no submundo da Máfia e adjacências. No concernente a Noturno de Havana, as referências à T. J. English são para dizer o mínimo, controversas, sobretudo as denominadas em espanhol e em francês, porquanto as de procedência anglo-saxônicas tendem a colocá-lo no pedestal. Feita essa ressalva inicial, o que se pode dizer é que nas línguas latinas a avaliação de Noturno de Havana transita entre o inusitado e o insólito. Uma verdadeira enxurrada de material informativo entre notícias, entrevistas, releases, artigos, resenhas e notas, dão destaque, principalmente, a um fato nada lisonjeiro respeito ao autor de Noturno de Havana, ao conotá-lo, sem rodeios, como um ‘velhaco de cinquenta e cinco costados’, justificando a chamada inicial: Notas Soturnas. O primeiro e, seguramente, o mais forte questionamento sobre Noturno de Havana e que lança evidentes e inquestionáveis suspeitas sobre a seriedade de T.J. English provém do conhecido historiador, novelista e ensaísta cubano, Enrique Cirules, autor nada mais nada menos do que "El Imperio de La Habana ", livro detentor do Prêmio Casa de las Américas (1993) e do não menos disputado título " La Vida Secreta de Meyer Lansky en La Habana ", publicado em 1994. Numa esclarecedora entrevista concedida para o periódico cubano Juventud Rebelde, o ensaísta cubano acusa T. J. English de plagiar ‘burda e profusamente’ seus livros de história sobre a atuação da Máfia em Cuba, afirmando textualmente: "Li seu texto e comprovei que T. J. English havia copiado literalmente uma boa parte dos meus livros” (“Leí su texto y comprobé que T. J. English había copiado literalmente una buena parte de mis libros"). Ao substantivar sua denúncia Enrique Cirules esclarece que T. J. English “plagiou centenas de páginas da obra O Império de Havana que eu publiquei em 1993” ("Había plagiado cientos de las páginas que en 1993 yo había ofrecido en El imperio de La Habana "). Diz mais: tratou-se de um plágio seletivo, no qual o norte-americano acautelou-se de excluir as análises e conclusões históricas originais produzidas a partir de investigações sérias, e não baseadas em manipulações de uma literatura ficcional (sic). E, arremata Cirules: “Embora English assevera ter utilizado uma volumosa quantidade de fontes, Noturno de Havana, foi composto com um único objetivo: apropriar-se das revelações que eu fiz em 1993 no livro O Império de Havana, mas e principalmente, tornar-se dono dos espaços dedicados à publicização do meu livro lançado em 2004, A Vida Secreta de Meyer Lansky, dos depoimentos de Jaime Casielles, motorista, guarda-costa e pau-pra-toda-obra 2 de Meyer Lansky". ("Aunque English asegura haber utilizado una cuantiosa gama de fuentes, Havana Nocturne, ha sido construido con un solo fin: apoderarse de las revelaciones que hice en 1993 en El Imperio de La Habana y, sobre todo, adueñarse de los espacios que en 2004 anunció mi libro La vida secreta de Meyer Lansky en La Habana , las memorias de Jaime Casielles, el chofer, guardaespaldas y valet de Meyer Lansky"). Cuidadoso em deixar evidente que não faz acusação gratuita, denúncia vazia, falaciosa ou desprovida de consistência material, Cirules consubstancia suas acusações: “English copia 14 capítulos do meu livro – El Imperio de La Habana – e, de uma maneira muito astuta, deixa entreabertos espaços para uma futura manipulação. Assim, rouba e descaracteriza um tema até o presente muito sensível sobre as relações entre Cuba e os Estados Unidos". ("English copia 14 capítulos de ese libro mío (El Imperio de La Habana ) y de una manera muy astuta deja abiertos espacios para una futura manipulación. Se sabe robando y estafando un tema hasta hoy muy sensible en los análisis de las relaciones entre Cuba y Estados Unidos"). E, nisso de dar nomes aos bois, Cirules enumera vários outros episódios explorados indevidamente por English. A defesa de J. T. English às denúncias públicas de Cirules, às quais retomaremos mais adiante, é, para dizer o mínimo, demasiado frágil. Embora, como reconhece o próprio ensaísta cubano, English o tenha referenciado em pelo menos 72 vezes em Noturno de Havana, isso em nada apaga a mácula do plágio de 260 páginas literalmente ‘chupadas’ dos dois livros de Cirules já mencionados. Ademais, English se escuda na argumentação de que Cirules não deveria se considerar o dono único das memórias de Casielles, como se depreende dessa sua declaração para o semanário Esto, do México: "O senhor Cirules é merecedor do crédito de ser um dos primeiros a explorar o tema dos gângsteres dos Estados Unidos em Havana, embora ele não seja o dono da história. Ele não é o proprietário das memórias de Armando Jaime Casielles, em quem está baseada muito da reputação de Cirules como especialista na matéria. Cirules não criou os acontecimentos. Uns se basearam no seu trabalho, enquanto outros se basearam nos meus". Trata-se, salvo melhor juízo, de uma resposta defensiva, na qual T. J. English esquiva-se de tornar públicas as suas supostas fontes orais para compor Noturno de Havana, preferindo embrenhar-se por detrás das touceiras do jogo semântico. English orna sua pretensa autodefesa com forte dose de imodéstia, ao se colocar em parelha com Cirules como fonte igualmente imprescindível dos acontecimentos envolvendo a Máfia de Havana. Retomando as reações de Cirules agora sobre a possível filmagem de Noturno de Havana, outro pomo de discórdia em torno do tema, o ensaísta cubano pondera, em dois planos. No primeiro, considera que tal filmagem seria permeada, caso venha a acontecer, por uma evidente ilegitimidade de autoria e ilegalidade. Nesse sentido, alerta os potenciais interessados para que se atenham a esse fato. Tanto que em entrevista, quando perguntado sobre a transposição para o grande écran das páginas de Noturno de Havana, Cirules é peremptório "- Eu sei. Li um artigo de Steven Zeitchik no The Hollywood Reporter (28-6-2009) no qual é informado que os produtores de Hollywood Eric Eisner, Gil Adler y Shane McCarthy preparam a filmagem de A Saga da Máfia em Havana, sendo que Paramounth 3 será a responsável pelo projeto, enquanto que a empresa de Eisner produzirá e financiará o filme, em coordenação com a Gilbert Adler Productions." Contudo, observa Cirules a esse propósito: "Eu quero acreditar que a Editora Harper e a grande imprensa estadunidense, que tanto elogiaram Noturno de Havana, bem como os produtores cinematográficos, tenham sido enganadas. Acho que English lhes fez acreditar que está em posse das memórias de Casielles contidas no meu livro A Vida Secreta de Meyer Lansky em Havana. Suponho que tudo aconteceu dessa maneira, e não que haja um projeto coordenado para manipular o que aconteceu em Havana com o clã de Meyer Lansky durante 1957 e 1958". No segundo plano, ainda a propósito da possibilidade de filmagem de Noturno de Havana, Cirules não deixa margens a dúvidas quanto à luta que empreenderá, inclusive pela via judicial, se necessário, para impedir ou dificultar a sua realização. Diz ele: "A vida secreta de Meyer Lanski em Havana é um texto fabuloso para um filme magistral! Mas as histórias contidas em meus livros não poderão ser plagiadas, copiadas ou manipuladas por ninguém, impunemente! Não irei permitir menos ainda que se produza um filme com o produto da usurpação de O Império de Havana realizada de maneira flagrante por T. J. English. Seu livro está prenhe de plágios à minha obra. Qualquer projeto que se comprometa com essas manipulações nasceria ferido de morte." ("La vida secreta de Meyer Lansky en La Habana es un fabuloso texto para una magistral película, pero ¡las historias contenidas en mis libros nadie las puede plagiar, ni copiar, ni manipular impunemente! No lo voy a permitir y menos que se filme una película con los robos flagrantes que ha realizado T. J. English en Havane Nocturne. Su libro está cargado de plagios a mi obra. Cualquier proyecto que se comprometa con esas manipulaciones nacería herido de muerte."). Um fato é inconteste, e nesse sentido a preocupação de Cirules procede: independentemente do grau de canibalismo de que estaria ou não recheado, Noturno de Havana pode ser considerado um roteiro pronto para integrar, pelo seu gênero, a galeria hollywdiana de filmes espetaculares. Como fiz notar no início destas anotações críticas, ao empreender a leitura de Noturno de Havana, fui percebendo que por detrás da vistosa vitrine cinematográfica, a começar pela ilustração da capa, seu conteúdo deixava portas entreabertas, através de mensagens sinuosas, insinuações sub-reptícias e ilações inquietantes, na busca de concatenar numa amálgama anti-natura a ação mafiosa e a subversão revolucionária com o seus expoentes convivendo e se confraternizando no mesmo caldo de cultura do submundo do tráfico de armas e da transação com dinheiro sujo e/ou de proveniências duvidosas, por exemplo. Já nas primeiras páginas do livro defrontamo-nos com T. J. English vozeando através de Max Lesnick, diretor nacional do Comitê Jovem do Partido Ortodoxo, num encontro que teria ocorrido com Fidel Castro, em que este é descrito pelo seu gangsterismo político (sic). Na mesma página 87, English enfatiza: "Através de sua parceria com Lesnick e os Ortodoxos, Fidel renegou seu passado de gângster". 4 E, é óbvio que essa estória não termina aí, continuada na página seguinte com grossas pinceladas de intrigas palacianas, numa alusão ao encontro que teria ocorrido entre o ditador Fulgêncio Batista e o 'agente provocador' Fidel Castro - este, ardiloso na promoção da discórdia entre os governantes cubanos, de olho no assalto ao poder. Sob este ponto de vista, English não economiza esforços para identificar a luta política de Castro como parte de um projeto egocêntrico, em consonância com sua natureza 'impulsiva', aventureira de ascenso ao poder do Estado em Cuba. É nesse sentido que na página 106 de seu livro, ao comentar o auto golpe de Fulgêncio Batista, realizado em 1952, refere-se a terceiros (não nominados no texto) sobre "a raiva de Castro" como sendo "uma manifestação de frustração e abandono". E arremata English: "a forte reação de Fidel com as ações de Batista foi simplesmente produto de sua ambição contrariada". Essas insinuações avançam ao ponto de deixar subentender que a condenação do expresidente Carlos Príos, indiciado em Miami por violar o Ato de Neutralidade dos EUA, estaria relacionado com o planejamento de contrabando de armas para operadores antiBatista, em Cuba. Contudo, uma das apostas mais arriscadas no seu intento de conotar o Movimento 26 de Julho com a Máfia norte-americana se dá a partir da página 174 do livro onde busca equiparar a passagem de Fidel Castro, repetindo semelhante roteiro realizado por José Martí, a busca de dinheiro para a independência e a revolução, respectivamente, como algo equivalente a um périplo aos subterrâneos mafiosos de Nova York, Tampa e Miami. Especula English: "Castro sabia que os gângsteres americanos estavam na cama com a família Batista, mas ele tocava levemente em sua ligação direta com o regime dos mafiosos. Lansky, Trafficante e outros eram investidores não apenas de Batista, mas do futuro de Cuba. Castro poderia ter acreditado que ele poderia apelar para esses homens como investidores, usar o dinheiro deles para financiar a revolução e lidar com eles depois. Ele revelou isso numa carta para um amigo, quando escreveu: "Martí certa vez disse: 'O maior segredo do sucesso é saber como esperar'”. Persecutório, English não perde a ocasião para enfatizar o que ele caracteriza como a natureza errática e desorganizada das forças revolucionárias, mesmo diante do fato de que o enfrentamento de Moncada, em 26 de julho de 1953, resultou num saldo de dois rebeldes mortos e um gravemente ferido, contra três oficiais e dezessete soldados mortos do lado das forças governamentais; quando sabidamente a Revolução estava apenas no seu começo. Efetivamente a série de conspurcações assacadas por T. J. English ganham novos e mais incisivos contornos à medida que os fatos o aproximam da consumação da Revolução. Assim, a gota de fel mais deletéria English deixa transbordar no capítulo 13, intitulado O Sol Quase Nasce. É aí onde depois de fazer aleivosias à existência de um possível namoro entre o Movimento 26 de Julho e cabecilhas da Máfia em Miami, proclama à página 293: “Na verdade, o Movimento 26 de Julho conseguiu pegar armas de fontes improváveis, incluindo a Agência de Inteligência Central Americana (a CIA).” Na página 294, T. J. English atem-se profusamente no que teria sido essa colaboração estreita entre os revolucionários cubanos e a CIA, envolvendo também o Departamento de Estado dos EUA. 5 Não que CIA, FBI e outras Agências governamentais norte-americanas não se dêem as mãos com a Máfia e outras organizações criminosas, em operações conjuntas, como o demonstra reiteradas vezes o próprio autor de Noturno de Havana, e cuja expressão síntese dessa promiscuidade pode ser encontrada na seguinte frase de Enrique Cirules: “O que existe na atualidade nos Estados Unidos é o resultado do que o senador Kefauver denunciou em 1950, quando se iniciavam os entrelaçamentos entre o crime organizado, a política e os negócios.” Como conclusão pode-se dizer que a leitura de Noturno de Havana, permite perceber em diferentes momentos um conjunto de evidentes contradições que somadas à excessiva “versatilidade” da personalidade do autor, o desacreditam como leitura não-ficcional, tornando-o não recomendável como ponto de encontro confortável entre o leitor e a sua busca por elementos explicativos credíveis sobre uma realidade pouco conhecida alusiva a um dos momentos mais conturbados e cruciais da história de Cuba e do seu Povo. 04 de julho de 2012. DIVULGAÇÃO PÚBLICA INTERDITADA TEMPORARIAMENTE 6