EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA E ALTERIDADE Edson Carvalho Guedes Resumo. A visão complexa do conhecimento, na atualidade, desafia a educação a promover também a solidariedade e o compromisso com o outro. A EAD, com o desenvolvimento de AVAs, a partir das técnicas de agentes inteligentes, pode ter essa relação de compromisso facilitada, não somente entre as produções do conhecimento, mas também entre os interagentes, em suas relações subjetivas, possibilitando a cooperação, a negociação e o compromisso com o outro. Palavras-chave: Educação. Tecnologia. Alteridade. Résumé La vision complexe de la connaissance, dans l'actualité, défie de l'éducation de promouvoir aussi la solidarité et l'engagement avec l'autre. Le EAD, avec le développement d'AVAs, à partir des techniques d'agents intelligents, peut avoir cette relation d'engagement facilité, non seulement entre les productions de la connaissance, mais aussi entre interagentes, dans leurs relations subjectives, en rendre possible la coopération, la négociation et l'engagement avec l'autre. Mots-clé: Éducation. Technologie. Alteridade. Introdução As transformações ocorridas no mundo hodierno possibilitam a retomada da educação como um processo de formação do ser humano, sempre com vistas à sua humanização contínua. A partir da visão complexa, poder-se-ia ir mais além, na direção de outro movimento: o da alteridade, do cuidado intencional com o outro, e dele com os demais. A educação, nesse sentido, reveste-se de um caráter eminentemente ético. A Educação a Distância (EAD) já tem história, mas só agora, devido à Internet, vive seu boom , e colocá-la em prática exige uma metodologia própria, que deve inspirar mudanças profundas no modelo de transmissão que ainda prevalece na sala de aula presencial. Diálogo, cooperação e negociação são ingredientes essenciais no processo de EAD. É certo que essa metodologia não é prerrogativa do computador conectado, mas é nele que encontramos possibilidades de sua potencialização. Atualmente, vemos o desenvolvimento acelerado de softwares e de tecnologias de rede, criados ou adaptados para servirem a um mercado em expansão, sem a preocupação com um projeto pedagógico fundado nas mudanças da lógica comunicacional vigente. Com o atual desenvolvimento tecnológico, apresentam-se 2 agentes de inteligência artificial com funções cada vez mais surpreendentes. Trazem-se para a Inteligência Artificial conceitos e características emocionais. Iniciam-se estudos e pesquisas sobre afetividade, aplicados ao crescimento de arquiteturas em Sistemas Multiagentes que integram os pressupostos teóricos da emoção e da cognição. É essa mudança paradigmática, também na informática, e sua utilização na EAD, que possibilita um ir além do tradicional. Uma EAD não só relacionada com a identificação de interesses comuns (intenções compartilhadas), mas também com o cuidado com o outro, inspirada num movimento que vai além da produção do conhecimento, abarcando os interagentes em suas relações, na ação de troca, de cooperação, de reciprocidade, de comprometimento de um com o outro e de alteridade, afastando-se da sofreguidão mercadológica. O conhecimento na cibercultura A partir da segunda metade do Século XIX, a visão mecanicista do mundo, decorrente do paradigma cartesiano-newtoniano, que se tornara base natural de todas as ciências, começa a perder o seu poder de influência, como teoria que fundamenta a ocorrência dos fenômenos naturais. As descobertas anunciadas no alvorecer do Século XX, relacionadas com a revolução biológica trazida por Lamarc, e com a Teoria da Relatividade e a Teoria Quântica na física, com Einstein e Heisenberg, implicaram a compreensão de um mundo mais amplo e complexo. Esse movimento também atinge outras ciências que rompem o velho dogma reducionista de explicação pelo elementar. Introduz-se, então, a idéia de sistema e de complexidade, em que os componentes que constituem um todo são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo, inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes (MORIN1999:14). Essas teorias constituem os fundamentos do conhecimento científico atual, o que impõe uma percepção sistêmica e complexa, também, da tecnologia e da vida social, na cultura1 contemporânea (LEMOS 2002; LEVY 1999). Escutar a vida social por meio do barulho digital da tecnologia contemporânea é reconhecer a cibercultura2 uma manifestação da vitalidade social contemporânea. como A cibercultura é uma realidade cultural que cresce vertiginosamente na contemporaneidade, e na qual entramos hoje como penetramos na cultura alfabética há alguns séculos. Na perspectiva sistêmica, a cibercultura não é uma negação da oralidade ou da escrita, ela é o prolongamento de ambas. Retrocedendo um pouco na história moderna, percebemos o quanto o código escrito da linguagem humana acendeu o espaço aberto das narrativas, dos saberes, dos signos da arte e da religião. Quando de seu surgimento, a linguagem escrita fez crescer uma nova vida no coração da antiga: a dos signos, da ciência e das técnicas. Com ela, mais do que uma passagem do domínio auditivo ao domínio visual caracterizou-se uma nova forma de mediação cultural da língua, instituindo o espírito de novas tensões e de novas possibilidades cognitivas (MEUNIER 2003). Portanto, a linguagem escrita 1 Uma cultura fornece os conhecimentos, valores, símbolos que orientam e guiam as vidas humanas. A cultura das humanidades foi, e ainda é, [...] uma preparação para a vida . (MORIN 1999:48) 2 A cibercultura é definida por Levy (1999) como o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. 3 instituiu uma nova forma de representação e de tratamento tanto da informação quanto do conhecimento, o que possibilitou uma nova visão de mundo. Na sociedade contemporânea, o conjunto de transformações induzidas pela evolução da linguagem na cibercultura, assim como a escrita, séculos atrás, também permitiu novas e outras formas de relacionar o pensamento ao mundo, bem como a organização das representações mentais. A cibercultura promoveu, por meio das novas tecnologias, uma nova memória cultural, alastrando-se pelas mais recônditas partes do planeta. A linguagem tem se tornado, a cada nova tecnologia intelectual, mais dinâmica, criativa, descentralizada e com maior poder de intervenção na realidade. Nessa perspectiva, devemos pensar as diversas tecnologias como suportes materiais para o espírito , consagradas e ressignificadas pela cultura. Porém, a tecnologia não é um remédio para todos os males da sociedade. Ao contrário, é um desafio a que nos propomos vencer. Neste início de século, as novas tecnologias constituem o meio mais propício para a construção de imagens dinâmicas, complexas, capazes de simular e amplificar nossa capacidade de conceber novos e variados modelos mentais do mundo exterior. Possibilita-se, assim, uma evolução de níveis do conhecimento, provenientes da complexidade das interações sociais e tecnológicas. Por conseguinte, as novas tecnologias transformam-se no meio mais adequado para disseminação das novas dimensões: a cultural e a cognitiva. Sob um olhar sistêmico, a mediação social se constitui um fator importante para o desenvolvimento cognitivo. Para Meunier (2003), as atividades cognitivas, que integram o funcionamento do pensamento, abrangem tanto o nível individual, com sua representação mental, quanto o macroestrutural, que envolve a interação entre os indivíduos. Morin (1999) concebe que o pensar complexo possibilita novos arranjos mentais, propiciando a integração de uma multiplicidade de pontos de vista, o que favorece o exercício autônomo do pensamento e/ou a elaboração de discursos e teorias gerais. Tecnologia e transformação No final do Século XX, ocorrem transformações em todas as dimensões da sociedade contemporânea, aceleradas e intensificadas com o desenvolvimento das novas tecnologias, decorrentes da conexão do sistema de telecomunicações com a informática. Segundo Castells, é nesse período de intensas e surpreendentes transformações que emerge uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação: um novo paradigma tecnológico, organizado com base na tecnologia da informação (1999:43). Esse paradigma tecnológico, fundado nos princípios da economia, tem, na informação, a sua matéria-prima, e nas novas tecnologias, os agentes moldantes dos processos da existência humana. Para o autor, a economia global se caracteriza hoje pelo fluxo e pela troca quase instantâneos de informação, capital e comunicação cultural. A sociedade contemporânea se configura como uma lógica típica de uma rede, que surge atrelada ao avanço da tecnologia informática e de telecomunicações, que resulta em metarrede comunicacional global. Neste novo contexto mundial, Cada vez se produz mais informação online socialmente compartilhada, é cada vez maior o número de pessoas cujo trabalho é informar online, cada 4 vez mais pessoas dependem da informação online para trabalhar e viver. A economia se assenta na informação online. As entidades financeiras, as bolsas, as empresas nacionais e multinacionais dependem dos novos sistemas de informação online e progridem, ou não, à medida que os vão absorvendo e desenvolvendo. A informação online penetra a sociedade como uma rede capilar ao mesmo tempo como infra-estrutura básica. (SILVA 2003:11) A fusão das telecomunicações com a informática possibilitou a veiculação, sob o mesmo suporte o computador de diversas formatações de mensagens, o que possibilitou uma descentralização da informação, afastando-se da comunicação de massa (um-todos) e favorecendo uma comunicação bidirecional (um-um e todos-todos) entre grupos e indivíduos. A Internet rede mundial de computadores tornou-se a espinha dorsal da comunicação global, instituindo profundas mudanças nas formas de comunicação, no modo como as mensagens são construídas e mediadas. Na comunicação mediada pela Internet, o produtor e o receptor das mensagens são, igualmente, partes do processo, e os sujeitos interagentes estão separados no tempo e no espaço da produção e da recepção por dispositivos de mediação comunicacional. Destarte, por suas características, a comunicação mediada pela Internet sugere vínculos qualitativos, cria topografias variadas, é seletiva, depende das ações individuais e exige interatividade3. Nela, o indivíduo não é pólo oposto a um coletivo, e sim, um elemento constitutivo. Resta, então, perguntarmos se tais inovações podem operar uma mudança cultural radical capaz de superar as mazelas que a humanidade provocou, criando, a cada tempo, uma massa populacional vitimada por um movimento constante de exclusão social, econômica e étnica. Se as transformações tecnológicas seguirem as mesmas pegadas dos avanços científicos que as precederam, corremos o risco de reeditar, de forma ampliada, os mesmos modelos excludentes de organização social e produção do conhecimento. As tecnologias e a cibercultura do presente, mesmo com todo o aparato virtual e cibernético, são produções para a humanidade. Por conta disso, toda discussão sobre o tema não poderá ignorar a sua dimensão ética. O telos das novas tecnologias terá que contemplar o Bem da humanidade e do planeta, e não, apenas, de algumas corporações e nações. Nesse sentido, torna-se um imperativo pensar a cibercultura numa perspectiva pedagógica, razão por que é preciso perguntar: Qual educação é necessária para este novo mundo que se abre com as novas tecnologias de informação e comunicação? A descoberta do novo mundo, de fins do Séc. XV e início do XVI, foi marcada por um processo de negação da alteridade. Havia um novo mundo , mas se conservaram os velhos paradigmas. Em relação à vida social, religiosa, educacional e econômica, praticamente tudo foi reeditado no novo mundo e, em alguns casos, de forma muito perversa. É preciso pensar em um novo modelo educacional para as novas gerações, o qual seja capaz de operar mudanças radicais no modo de pensar, de sentir e de agir. Essa é a nossa pretensão nas próximas páginas. 3 Para Marcos Silva, os fundamentos da interatividade são três: 1) participaçãointervenção: participar, não apenas responder sim ou não ou escolher uma opção dada, significa modificar a mensagem; 2) bidirecionalidade-hibridação: a comunicação 5 é produção conjunta da emissão e da recepção, é co- criação, os dois pólos codificam e decodificam; 3) permutabilidade-potencialidade: a comunicação supõe múltiplas redes articulatórias de conexões e liberdade de trocas, associações e significações. A educação na cibercultura As transformações que afloraram na sociedade contemporânea possibilitam a retomada da educação como o processo de valorização e de interação humana, sempre com vistas à sua humanização contínua. A partir da visão complexa poder-se-ia ir mais além, na direção de um outro movimento: o da alteridade, do cuidado intencional para com o outro, e desse com os demais. A educação, nesse sentido, se reveste de um caráter eminentemente ético. A relação que queremos sugerir entre educação e ética tem como referencial teórico a filosofia de Emmanuel Lévinas (1906-1995), em cuja perspectiva a alteridade não é vista como uma ameaça, mas como um apelo ao acolhimento, à responsabilidade. A educação, nesse sentido, terá que ser compreendida enquanto encontro com o outro. Maturana (1998:34), ao falar sobre o sentido da educação, chama a atenção para a busca de uma harmonia que não destrói, que não explora, que não abusa, que não pretende dominar o mundo natural, mas que deseja conhecê-lo na aceitação e respeito para que o bem-estar humano se dê no bem-estar da natureza em que se vive. Para isso é preciso aprender a olhar e escutar sem medo de deixar de ser [próprio], sem medo de deixar o outro ser em harmonia, sem submissão [grifo nosso]. A aprendizagem de abertura para a alteridade desencadeia relações de cuidado. Esse processo de interação entre os sujeitos se desenvolve mediante estratégias que podem propiciar situações de diálogo, levar os educandos a se comunicarem, expressando seus modos de agir, de pensar e de sentir, em um ambiente acolhedor que favoreça a confiança em si e no outro. E, mesmo na existência de conflitos, comuns nas interações sociais, esses serão administrados, não a partir de idéias ou pensamentos que apontem uma norma, lei ou fundamento que existem a priori, mas por meio do diálogo, na relação de alteridade construída no interior do grupo e nas relações de compromisso e de solidariedade. O movimento em favor da alteridade na educação terá que estar atento às diversidades e singularidades, relativas às raízes socioculturais do (a) educando (a) como também às capacidades afetivas, cognitivas, relacionais, motoras, visuais e auditivas. Trata-se de propiciar condições de interação e aprendizagens que respeitem a variedade de necessidades e os ritmos individuais. Há que se valorizar o ser e o saber que cada educando (a) traz para o grupo aprendente, cada um (a) com uma contribuição especial a ser socializada. Nesse sentido, a educação, cujo objetivo seja o de promover relações de alteridade, terá que se servir de outra epistemologia, diferente daquela que se serviu ao longo de tantos séculos. A epistemologia clássica repousa no objetivismo, no ser. O conhecimento era uma espécie de reflexo da realidade externa e objetiva, uma captação da realidade ontológica. O conhecimento verdadeiro era atestado pela correspondência entre a mente e a realidade objetiva. A relação pedagógica consistia em proporcionar mecanismos de apropriação dessa realidade, como se o ser humano fosse uma máquina 6 regular, capaz de captar, por meio dos sentidos, a realidade externa, processando esses dados de forma estruturada na mente. As ciências da educação já demonstraram a problematicidade dessa postura epistemológica. A ciência cognitiva atual, por exemplo, revela a complexidade dos processos de apropriação do mundo externo. A interação do sujeito com o mundo que o cerca é de uma complexidade imensurável. Por isso, não basta o acúmulo de saberes, é preciso haver uma solidariedade de inteligências. Trata-se de construir uma educação servindo-se de epistemologias abertas, intersubjetivas, dialogantes, que possam criar situações de cuidados com o outro, através de processos interativos que promovam a solidariedade interpessoal, desenvolvendo atitudes de acolhida, respeito e confiança. Nessa perspectiva, a necessidade urgente de uma revisão epistemológica não é em função apenas de construir processos mais apropriados de domínio da realidade. Essa revisão é uma exigência ético-pedagógica. Como dirá Assmann (1998:111), tratase do enraizamento da sensibilidade solidária no cerne da própria visão epistemológica. Aprender é construir mundos onde caibam todos. Mundos onde caibam outros mundos . A epistemologia de que precisamos terá a função de oferecer suportes teóricos em vista de relações intersubjetivas inclusivas, e não, excludentes. A educação para a alteridade exigirá uma nova postura teorizante. Theoriar não significaria apenas construir discursos acerca do ser ou da realidade objetiva, mas um processo de conversão de inteligências, não para o objeto externo, mas para as inteligências entre si. Educar, nessa perspectiva, significa pôr os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, numa relação face-a-face solidária, e não, apenas, posicionarse um ao lado do outro, contemplando e conhecendo um objeto. A educação se reveste, portanto, de um processo que transcende o nível epistemológico e assume, também, um caráter ético. Isso significa dizer que o sentido da educação e da ética com a qual estamos trabalhando situa-se para além de uma fundamentação racional, pois estas, como concebe Maturana (1998:72), dizem respeito a um conjunto de premissas fundamentais, aceitas a priori, que o determinam: O que não tem estas mesmas premissas fundamentais tem outras, e ele gera, também de maneira impecável, um discurso racional diferente que constitui outro domínio de coerências operacionais e discursivas, e, portanto, outro domínio racional . A ética, então, deverá se situar numa perspectiva que transcenda o discurso e, segundo a reflexão que estamos construindo, essa perspectiva é a da alteridade. Tais aprendizagens não se farão a partir de conteúdos teóricos, mas do encontro do outrem. O mestre, nesse caso, é o outrem. É no encontro e no compromisso do Eu com o outrem e deste com os demais que essa aprendizagem acontecerá, não de forma sistemática. Um projeto pedagógico, aqui, não nos daria garantia alguma dos resultados. O que importa, nesse caso, é iniciar o processo, discernindo movimentos subjetivos e intersubjetivos, atentos aos movimentos de fortalecimento de si próprio e da responsabilidade com o outrem. Um processo carregado de contradições, ambigüidades, sem negação da complexa ambivalência humana. Para Morin, o caminho para ir além dos limites de uma educação identitária iniciaria por uma reforma do pensamento humano, de natureza paradigmática, concernente à aptidão, para organizar o conhecimento que dependa da complexidade do modo de organização de nossas idéias, capaz de se desdobrar em uma ética da união e da solidariedade entre humanos. Um pensamento capaz de não se fechar no local e no particular, mas de conceber os conjuntos, estaria apto a favorecer o senso da responsabilidade e o da cidadania. A reforma do pensamento teria, pois, conseqüências existenciais, éticas e cívicas (1999:97). 7 Nessa perspectiva, precisamos desenvolver processos pedagógicos que estejam além dos limites identitários, que permitam a compreensão da educação enquanto processo dialogante, de superação da autologicidade. A educação na complexidade terá, assim, de se desenvolver na tensão de dois movimentos: o de afirmação do ser próprio, da identidade, e o da acolhida do outro, numa relação de alteridade. Terá que ser lógica e dialógica. Enquanto o movimento identitário busca com-preender (prender a si), o movimento de alteridade faz da subjetividade uma oferta de si para o outro, no mundo (GUEDES 2007). Ao se servir de uma epistemologia da complexidade, a educação assume um caráter comunicativo por excelência. Os processos educativos devem se desenvolver mediante estratégias que propiciem situações de diálogo, para que os sujeitos possam interagir, e que favoreçam a confiança em si e no outro. Nesse contexto, tem-se a interação social como fundamento e como centro da cognição. Conectado à Internet, o computador permite aos aprendentes a interação, o diálogo, a co-criação e o controle dos processos de aprendizagem em ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs). Apresenta-se como sistema aberto aos interatores, permitindo participação e intervenção na troca de informações e na construção dos conhecimentos. A educação, na cibercultura, é essencialmente interativa. Porém, mesmo diante de todos os avanços tecnológicos e comunicacionais, não podemos generalizar qualquer intercâmbio no ciberespaço como comunicação interpessoal. Para Alex Primo (2007), são necessárias algumas características qualitativas para que as interações digitais sejam caracterizadas como comunicação interpessoal, dialógica, interativa. Para tanto, o estudo das interações mediadas por computador deve partir de uma investigação das relações mantidas, e não, dos participantes em separado, ou seja, é preciso observar o que se passa entre os interagentes. Alex Primo (2007) compreende o processo de interação mútua as interações mediadas por computador, numa perspectiva sistêmico-relacional como dialógico e negociado, o que compreende o agir conjuntamente com outros, o interrelacionar-se, o agir no conhecimento do outro, a mútua influência. Assim, a construção do conhecimento se dá de maneira conjunta. Em cada encontro, as ações de cada interagente transformam a compreensão dos interlocutores, alteram as relações entre os próprios interlocutores e devem ser percebidas como um todo. Para que esse processo de interação mútua se desenvolva, é necessário um ambiente virtual acolhedor, que propicie a confiança em si e no outro. É preciso, pois, buscar mecanismos que permitam que essas interações se transformem em relações solidárias, não apenas de socialização de idéias, saberes e experiências, mas e, sobretudo, de processos emancipatórios, promotores de relações de paz e justiça social. Talvez esteja aí o grande desafio dos Ambientes Virtuais de Aprendizagens (e também da educação presencial). Os processos pedagógicos e tecnológicos desenvolvidos para a Educação a Distância, por sua originalidade, carregam, em si, a capacidade de inovação. Ambientes Virtuais de Aprendizagem e Sistemas Inteligentes A Educação a Distância vem-se tornando, ao longo dos últimos anos, motivo de uma discussão fundamental para quem está refletindo sobre os rumos da educação. Uma 8 sociedade cada vez mais interconectada por redes de tecnologia digital, carente de vagas, devido ao aumento da população estudantil, e com a perspectiva de se fazer uma educação presente nos lugares mais recônditos do território brasileiro, seduz a todos os que querem ver plenamente realizado o direito à educação. Com a explosão do uso da Internet, tornou-se fácil construir ambientes virtuais que prescindam do espaço físico e da obrigatoriedade da presença simultânea dos alunos e do professor. Assim, entram em cena os ambientes virtuais de aprendizagem. Atualmente, vemos o desenvolvimento acelerado de softwares e tecnologias de rede, criados ou adaptados para servirem a um mercado em expansão, sem a preocupação com um projeto pedagógico fundado nas mudanças da lógica comunicacional vigente. Medeiros et al. definem os ambientes de aprendizagem para EAD como: Cenários que habitam o ciberespaço e envolvem interfaces que favorecem a aprendizagem de aprendizes, na figura de alunos e professores. Como tal, incluem ferramentas para atuação autônoma, oferecendo recursos e interfaces amigáveis e debates à aprendizagem coletiva e individual. (2006, p. 361) Os AVAs agregam interfaces que permitem a produção de conteúdos e de canais variados de comunicação, o gerenciamento de bancos de dados e o controle total das informações circuladas no e pelo ambiente. Contudo, é fácil encontrar ambientes que simulam as clássicas práticas instrucionistas. Insiste Santos que precisamos desafiar os educadores, comunicadores e designers a criar e gerir novas formas e conteúdos para que tenhamos, no ciberespaço, mais que depósitos de conteúdo, os AVAs de fato (SANTOS 2006:226). Para isso, urge que se coloquem em prática novas atitudes comunicacionais e pedagógicas que contemplem o diálogo e a negociação, a ressignificação da autoria do professor e do estudante, que se tornam co-autores. É preciso investir em competências comunicacionais interativas, capazes de promover aprendizagem na EAD, sem subutilizar seus recursos tecnológicos, pois um ambiente virtual é um espaço fecundo de significação onde seres humanos e objetos técnicos interagem, potencializando assim a construção de conhecimentos e a aprendizagem . (SANTOS, 2006:225) Não basta criar um site e disponibilizá-lo no ciberespaço. É necessário que ele promova a interação entre os sujeitos do processo. Para que o processo de diálogo e negociação possa ser efetivado, são disponibilizadas interfaces síncronas - a exemplo dos chats ou da sala de bate-papo - e assíncronas como os fóruns e as listas de discussões. Em alguns AVAs, conta-se também com os blogs que, além de permitir comunicação síncrona e assíncrona, agregam em seu formato hiper-textual uma infinidade de linguagens e formas de expressão (SANTOS, 2006, p.228). Com o atual desenvolvimento tecnológico, apresentam-se agentes de inteligência artificial com funções cada vez mais surpreendentes. Eles são facilitadores invisíveis, que desempenham o papel de assistentes que assumem as tarefas repetitivas, trazendo avisos e sugestões sobre algo que aguardam ou de que gostam os interagentes. Esses pequenos seres são responsáveis pela interação dos indivíduos com as coisas a sua volta, a percepção dos objetos do mundo a seu redor, como dotados de inteligência (COSTA, 2003). 9 A partir da década de 1970, com o aparecimento dos Sistemas Inteligentes, os pesquisadores da área de informática na educação vislumbraram a possibilidade de utilizar técnicas da Inteligência Artificial para tornar os sistemas de ensino mais flexíveis e adaptados aos seus usuários. Com o objetivo de tornar as aplicações mais adequadas ao Homem, e não, de o Homem se adaptar ao sistema de signos e símbolos da máquina, trazem-se para a Inteligência Artificial conceitos e características emocionais. Iniciam-se estudos e pesquisas sobre afetividade, aplicados ao desenvolvimento de arquiteturas em Sistemas Multiagentes que integram os pressupostos teóricos da emoção e da cognição. A influência da afetividade na interação social, fornecendo o elo da interação a distância, advém da necessidade e do apego ao outro. Na EAD, a afetividade é a base da confiança e da consideração por seus pares, e é por meio dela que as relações começam a se constituir. Dessa forma, inicia-se um processo de motivação intrínseca, e os alunos passam a interagir nas salas virtuais, a participar de fóruns, chats e a socializar seus textos e seus conhecimentos. Durante o processo de interação, outras questões emocionais são incluídas e mantêm o elo da interação. Para Fisher (1987) apud Primo (2007), são elas: intensidade, intimidade, confiança e compromisso. Este último seria o grau em que cada interagente se inclui no relacionamento e com que se compromete. No ambiente de EAD, a ausência do professor e a falta do contato físico com os colegas podem ser vistas como um aspecto dificultador do processo de interação dos alunos. Adequar características de compromisso a agentes artificiais, tornando-os agentes responsáveis pelo cuidado para com o outro, talvez possa garantir o ir mais além, na direção de outro movimento: o da alteridade, do cuidado intencional para com o outro, e desse com os demais. Mas que características teriam esse agente e qual o seu papel no AVA Como, em que circunstâncias e em que momento se pode intervir para estimular, melhorar ou enriquecer o laço de compromisso Numa perspectiva sistêmico-relacional, o grande desafio seria promover a relação de compromisso, não só voltada para a identificação de interesses comuns (intenções compartilhadas), mas também para o cuidado com e na ação, principalmente com o outro. O cuidado com o outro deve se dar não somente entre as produções do conhecimento, mas, sobretudo, entre os interagentes, em suas relações, na ação de troca, de cooperação, de reciprocidade e de comprometimento de um com o outro. Como metodologia para atingir os objetivos propostos, devem-se buscar respostas não só na racionalidade objetiva dos bate-papos contextualizados, mas também na subjetividade destes, percebendo o diálogo numa dimensão mais ampla cognitiva e afetiva resultado do entrelaçamento do emocional com o racional, do pessoal com o social. É essa relação facilitada pelo agente inteligente que possibilitaria a tessitura em conjunto, o diálogo e o compromisso para com o outro, num ambiente de EAD. Referências ASSMANN, Hugo (1998). A corporeidade como instância radical de critérios pedagógicos e ético-políticos; Cidadania: crítica à lógica da exclusão. In: Metáforas novas para reencantar a educação. São Paulo: Ed. da UNIMEP. CASTELLS, Manuel (1999). A sociedade em rede A era da informação: economia, sociedade e cultura. V ol. 1. Trad. Roneide Venâncio Majer; atualização para 6ª ed.: Jussara Simões. São Paulo: Paz e Terra. COSTA, Rogério de (2003). A cultura digital. São Paulo: Publifolha, 2a ed. 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