III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 A DIALÉTICA PROFESSOR-TUTOR NA EDUCAÇÃO ONLINE: O CURSO DE PEDAGOGIA-UAB-UFJF EM PERSPECTIVA1 Adriana Rocha BRUNO (UFJF)2 Márcio Silveira Lemgruber (UFJF)3 Resumo O presente texto, gestado a partir do Curso de Pedagogia a distância da Universidade Federal de Juiz de Fora – Sistema UAB, apresenta um panorama da EaD no Brasil, com alguns dados atuais de sua expansão, aspectos da legislação em vigor e traz alguns pontos para discussão, tomando como focos o papel do professor e do tutor em ambientes online. Aspectos como dicotomização entre as funções do tutor e do professor, construção dos saberes docentes para as mediações técnica e pedagógica são tratados, identificando o tutor a distância como sujeito que assume na prática também as funções de mediador docente da aprendizagem. O desenho didático dos cursos oferecidos a distância devem se pautar em referenciais que ofereçam plenas condições de realização de uma educação online de qualidade, em que os papéis dos mediadores pedagógicos sejam valorizados, como professor ou tutor. Palavras-chave: Educação a distância, professor-tutor, docência online. Introdução Para alguns, a educação a distância (EaD), com as novas tecnologias da informação e comunicação (TICs), é panacéia dos problemas educacionais. Outros apresentam grande resistência, vendo-a como forma educacional necessariamente inferior, por sua própria natureza. Para além dessas visões extremadas, tentaremos esboçar, neste texto, um breve panorama da EaD no Brasil, apresentando alguns dados atuais de sua expansão e, a partir daí, trazer alguns pontos para discussão, tomando como focos a mediação docente e o papel do professor e do tutor em ambientes online com as contribuições da experiência no Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Juiz de Fora, do Sistema Universidade Aberta do Brasil. A docência e suas implicações 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Discussão 11 - Propostas pedagógicas mediadas por mídias digitais no III Encontro Nacional sobre Hipertexto, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009. 2 Doutora e mestre em Educação: Curriculo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação – FACED/UFJF. Email: [email protected] 3 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Filosofia da Educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação – FACED/UFJF. Email: [email protected] 1 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 Desde os tempos mais remotos, o professor desenvolve um importante papel social. Em tempos de Cibercultura, pensar o papel do professor significa romper com as imagens predominantes que tínhamos até poucas décadas e entendermos a multiplicidade de papéis que esse profissional da educação assume. Prega-se que nos cursos realizados a distância, equipes multidisciplinares trabalhem coletivamente, de forma interdependente. Não se fala mais de um único professor, mas de grupos de profissionais integrados nos processos de ensino e de aprendizagem. Será? Dentre o que é divulgado como ideal, destacam-se: o autor – seleciona e produz conteúdos para os cursos; o editor – trabalha a qualidade comunicacional do texto; tecnólogo educacional (instructional designer) - que organiza pedagogicamente os materiais; artista gráfico (web designer) – responsável pela aparência visual do ambiente online. Muitos outros profissionais estariam envolvidos nesse processo: programadores, operadores, editores de vídeo, de áudio, bem como administradores, planejadores e organizadores que cuidariam do processo como um todo. Assim, numa equipe de Educação a Distância poderíamos ter: pedagogos, profissionais da comunicação, técnicos em informática, programadores, professores de diversas áreas, desenhistas, analistas etc. Esta composição, embora interessante, ainda não se apresenta como realidade no contexto atual, exceto em algumas empresas, prestadoras de serviço e poucas instituições educacionais. Esse cenário implica em que o professor assuma múltiplas funções, se integre a uma equipe multidisciplinar e assuma-se como: formador, conceptor ou realizador de cursos e de materiais didáticos, pesquisador, mediador, orientador e, nesta concepção, assumirse como recurso do aprendente. Por isso, a adjetivação de professor coletivo, pois a figura do professor corresponde não a um indivíduo, mas a uma equipe de professores. Porém, embora essa visão da docência como integrada, coletiva e cooperativa possa parecer promissora e coerente com a proposta da web 2.0 (pautada no relacionamento e nas co-autorias, co-criações), há, sem dúvida, o outro lado da questão no que diz respeito aos papéis múltiplos assumidos pelo professor, que Antonio Zuin (2006) aponta como coisificação: que marca o professor como prestador de serviços, recurso do aluno e animador de espetáculos audiovisuais. É notável, sem dúvida, certa perversidade no tocante a essa pluralidade na docência, pois denota tanto a diluição do papel e da função do professor, quanto pode promover a 2 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 desprofissionalização docente, na medida em que suas ações são retalhadas, fragmentadas e com elas todo o processo de ensino e de aprendizagem. Aliado a estes elementos, há o predomínio da técnica, das mídias, dos ambientes virtuais, das tecnologias da informação e da comunicação, como um flash back, uma retomada do já vivenciado em nosso país nos anos 60-70 do século passado com o tecnicismo, marcadamente a Indústria Cultural, de Adorno (1992). Nesta direção, chamamos a atenção para a necessidade de construção de saberes dos docentes, em ambientes virtuais de aprendizagem, que envolvam também o conhecimento específico da área do conhecimento que estão mediando e, por conseguinte, interferências, mediações qualitativas não apenas nas relações inter e intrapessoais, mas também de conteúdo. Para a educadora espanhola Juana Sancho (1998), o profissional da educação deve considerar alguns pontos para sua formação e atuação na sociedade atual. Dentre eles, destacamos: a) o crítico-situacional e o conceitual: que contemplam informação ampla e atualizada (continuada) e que envolvam conhecimentos específicos da área de atuação e o acompanhamento dos avanços tecnológicos e sua aplicação na área educacional, e b) o auto-reflexivo: que compreende meta-análise do papel do professor e suas implicações para o processo de ensino e de aprendizagem, bem como do estudante nesse processo. Mais uma vez, o que se espera do professor e da docência é, no mínimo, paradoxal em relação aos “ditames” de pluralidade propostos na maioria dos nos cursos a distância atuais. A discussão central diz respeito, portanto, à educação. As grandes questões da EaD são muito próximas das questões gerais da educação. Há uma imensa tarefa de regulamentar uma forma nova, tão dinâmica, desafio que tem paralelo com a luta por estabelecer critérios de qualidade também no presencial. Não se trata de propor o desenvolvimento de uma aprendizagem autônoma em que se atribua aos estudantes a responsabilidade total pelo seu processo de formação ou que compreenda o professor ou o tutor como “recursos do aprendente”, como menciona Zuin em seu artigo “Educação a distância ou educação distante?” (2006). Mas sim de desenvolver processos formativos em que se criem possibilidades reais aos estudantes 3 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 de assumirem-se e exercerem a autonomia de fato. Lembrando que este processo não é solitário, visto que o processo de aprendizagem se dá pelas relações com o outro. Dados da expansão, critérios de qualidade para a EaD e a questão da docência O Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância (SANCHEZ, ABRAEAD/2008), publicação editada pelo Instituto Monitor (SP), com apoio da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), contabilizou mais de dois milhões e meio (2.504.483) de brasileiros como alunos de cursos de EaD, em 2007. A maior parte deles, mais de um milhão e meio, freqüentou projetos de formação técnicoprofissionalizante. Já nos cursos das instituições credenciadas pelo Sistema de Ensino (credenciamentos Federal para Graduação e Pós-Graduação e Estadual para EJA, Ensino Médio, Fundamental e cursos técnicos), havia quase um milhão, ou, mais exatamente, 927.826 alunos, o que significou um aumento de 213,8%, nos últimos quatro anos. Também vem contribuindo para a expansão da educação a distância a implantação, pelo governo federal, da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Com o compromisso de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no país, foi fixada a meta inicial de ofertar 60 mil vagas em todo o país, tanto em cursos de graduação quanto de pós-graduação lato senso, e implantar cerca de 300 pólos presenciais. A Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação (SEED/MEC) tem a expectativa de atender significativamente à demanda de formação ou capacitação de mais de um milhão de professores para a educação básica, nos próximos anos. Essa expansão acelerada trouxe a necessidade da elaboração de um conjunto de normas legais e de referenciais de qualidade, nos quais destacaremos, posteriormente, suas definições (e indefinições) quanto à função docente. Em 1998, o Decreto 2.494 afirmava que a falta de atendimento aos padrões de qualidade seria motivo de sanções às instituições de ensino. Tais “padrões de qualidade” seriam definidos em ato próprio de Ministro. A função de estabelecer critérios de qualidade para a EaD foi cumprida, em 2003, pelo documento Referenciais de Qualidade para Cursos a Distância, de Carmen Moreira de Castro Neves, diretora de Política de Educação a Distância do MEC. Ele serviu de base para nova formulação, os Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a Distância, apresentados pela 4 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 SEED/MEC, em agosto de 2007. Esse documento é de grande importância, pois, embora não tenha força de lei, constitui-se em “um referencial norteador para subsidiar atos legais do poder público no que se refere aos processos específicos de regulação, supervisão e avaliação da modalidade citada”. (SANCHEZ, ABRAEAD, 2008, p. 156) São oito os tópicos básicos elencados nos Referenciais de Qualidade: concepção de educação e currículo no processo de ensino e aprendizagem; sistemas de comunicação; material didático; avaliação; equipe multidisciplinar; infra-estrutura de apoio; gestão acadêmico-administrativa; sustentabilidade financeira. Dentre eles, para nossa abordagem, cabe examinar o item Equipe Multidisciplinar. Embora balizado por colocações extremamente pertinentes - tais como a idéia pluralista de que não deve haver um modelo único para EaD, a concepção de conhecimento como construção e não mera transmissão, e a necessidade de qualificação permanente dos profissionais envolvidos - o documento atribui o adjetivo “docentes” exclusivamente aos professores, qualificando os tutores em outra categoria. Ou seja, nele, há bem nítida a dicotomia professores e tutores, que problematizamos ao longo desse artigo. Nossa posição não é a de desconhecer especificidades, nem de defender que não haja uma assimetria nessa relação. Mas, temos uma preocupação muito grande em conceber professores e tutores desempenhando, conjuntamente, funções referidas à mediação docente. Quando afirma que a principal atribuição do tutor é o esclarecimento de dúvidas, vemos que os Referenciais ainda se dirigem, sobretudo, a práticas mais próximas da transmissão de conhecimento, onde a tutoria é uma função mais de suporte técnico ou repassadora, do que da propalada construção coletiva do conhecimento. Desse modo, diversas dúvidas se colocam, nas discussões sobre EaD, que vão desde a própria existência de professores até, principalmente, a identidade docente do tutor. Inicialmente, é preciso deixar claro que EaD não prescinde de professor, como se sua mediação pedagógica pudesse ser exercida por técnicos especialistas em informática. Ao contrário, a função docente se alarga. Segundo Belloni (2006, p. 84), Consideradas do ponto de vista da organização institucional, podemos agrupar as funções docentes em três grandes grupos: o primeiro é responsável pela concepção e realização dos cursos e materiais; o segundo assegura o planejamento e organização da distribuição de materiais e da administração acadêmica (matrícula, avaliação); e o terceiro responsabiliza-se pelo acompanhamento do estudante durante o processo de aprendizagem (tutoria, aconselhamento e avaliação). 5 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 O problema é que, como aponta a autora citada, o maior investimento tem se dado nas funções do primeiro e do segundo grupos. Somente a partir da última década, as instituições que adotam uma perspectiva de aprendizagem aberta têm apresentado um maior investimento em atividades de tutoria, e este é um ponto que merece olhar cuidadoso. Concepções de tutoria: tutor é professor? A legislação não é clara no sentido de que tutor é professor, porém nos dá elementos para essa compreensão. Nesse sentido, podemos trazer o disposto da Portaria 4059/2004, em seu Art. 2º, quando prescreve (grifo nosso): § Único. Para os fins desta Portaria, entende-se que a tutoria das disciplinas ofertadas na modalidade semi-presencial implica na existência de docentes qualificados em nível compatível ao previsto no projeto pedagógico do curso, com carga horária específica para os momentos presenciais e os momentos a distância. Outro exemplo, agora em âmbito estadual, é a Deliberação CEE-RJ no. 297/2006 que, ao tratar do quadro técnico e pedagógico para o funcionamento de cursos e programas a distância autorizados, explicita que “a função de tutoria terá que ser exercida por professores”. Assim, tais prescrições legais reforçam o entendimento de que essa mediação é uma função docente, tanto na tutoria específica de uma disciplina, quanto na tutoria como orientação de estudo. Marco Silva é um dos estudiosos de EaD que criticam a utilização do termo tutor, ao invés de professor. Em seu artigo Criar e professorar um curso online: relato de experiência escreve que preferiu recorrer ao verbo professorar no título de seu trabalho, visando “garantir o papel do professor no ambiente online, reagindo assim à equivocada supressão do seu lugar em nome do ‘tutor’ ou da ‘tutoria’” (2006, p. 73). Também Antonio Zuin destaca o papel do tutor: O tutor não pode simplesmente absorver os conhecimentos transmitidos pelos professores, quer seja nos encontros presenciais esporádicos entre ambos, quer seja no sortilégio que as imagens de tais mestres “virtuais” possam exercer. Ele deve se permitir, cada vez mais, ousar saber, o que implica não a aceitação passiva dos conhecimentos obtidos, mas sim o questionamento destes mesmos conhecimentos. (ZUIN, 2006, p. 949) Nos cursos superiores a distância, professor e tutor muitas vezes se confundem, especialmente na prática de cursos de formação docente. Em meio a tantas ações profissionais, o professor hoje tem funções específicas dentro de um curso oferecido em ambientes online. Do ponto de vista político e de gestão, uma das propostas em voga é a de dividir tarefas e, portanto, responsabilidades. Na prática, essa divisão de docência 6 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 tem se apresentado: de um lado o professor, cujas funções se imbricam entre desenvolver o conteúdo, criar estratégias didáticas, estruturar o formato da disciplina (ou módulo) e acompanhar todas as atividades desenvolvidas pelo professor tutor. De outro lado temos o professor tutor (a distância), cujas funções se concentram nos processos de interação com os alunos e mediação pedagógica dos conteúdos e estratégias desenvolvidas pelo professor. Vejam que estamos, intencionalmente, utilizando o termo professor-tutor por considerarmos que o tutor a distância1 é também um docente e não simplesmente um animador ou monitor neste processo, e muito menos um repassador de pacotes instrucionais. Este profissional, como mediador pedagógico do processo de ensino e de aprendizagem, é aquele que também assume a docência e, portanto, deve ter plenas condições de mediar conteúdos e intervir para a aprendizagem. Por isso, na prática, o professor-tutor é um docente que deve possuir domínio tanto tecnológico quanto didático, de conteúdo. Os cuidados com a mediação, a criação de vínculos (dada a distância espacial e temporal) adquire um mote significativo quando alerta para a mediação como processo que deva também ser partilhada pelo professor. Ao percebermos este alerta, podemos compreender que o processo de mediação em parte dos cursos a distância está nas mãos do tutor e, portanto, precisamos rever tal função. No processo de mediação pedagógica, os papéis de professor e alunos podem se fundir para se auto-construírem, na medida em que se auto-organizam à luz das aprendizagens emergentes. Desta relação se constituem parcerias, nas quais todos aprendem a trabalhar colaborativamente. Nos ambientes de aprendizagem online, a colaboração e a parceria são fundamentais, o que incita-nos a buscar formas cada vez mais ousadas de mediação. (BRUNO, 2008) Considerando todos estes aspectos, implicados na qualidade dos cursos e no comprometimento com a aprendizagem dos alunos, não se justifica remuneração especialmente desvalorizada do professor tutor, como temos acompanhado nos cursos online, que precariza a própria docência. Tampouco a denominação de tutoria, que descaracteriza a função docente para profissionais que assumem a mediação pedagógica. Estes aspectos, nos cursos a distância, se considerarmos que a tutoria tem acontecido majoritariamente neste formato de educação, deflagra intenções que podem comprometer a qualidade destes cursos. Porém, se de fato se pretende apenas que o tutor seja um monitor, um estagiário que irá auxiliar o professor, ele não deve assumir a responsabilidade da mediação pedagógica, trabalhar com os conteúdos específicos, fazer correções de avaliações etc. Neste caso, ele será apenas um gerenciador de atividades, um suporte para as questões tecnológicas, 7 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 um orientador de estudos, e poderá, nestes casos, ser um estudante de cursos de licenciatura ou bacharelado. Mas, se for realmente assumir a mediação pedagógica e todas as implicações que esta função requer, inclusive o domínio de conteúdo, há que se rever a remuneração deste profissional, bem como suas condições de trabalho e, de uma vez por todas, assumir que ele é também um professor. Assim, a nomenclatura “tutoria” deverá ser descartada ou reconceituada. As implicações destes docentes para os processos de ensino e de aprendizagem são muitas e apontaremos algumas delas ao tratarmos no curso de Pedagogia UAB-UFJF. Outro aspecto implicado à docência online é o estabelecimento de parâmetros quanto ao número de alunos atendidos. O Decreto 5.622/2005 aborda diversos aspectos que os projetos pedagógicos para os cursos e programas devem contemplar, mas não menciona a relação tutoria - número de alunos. Muitas instituições abusam dessa relação, expondo seus profissionais a uma super-exploração. Isso vem se dando igualmente nas disciplinas semi-presenciais permitidas pela Portaria dos 20%. Por sua vez, os Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância, dentre outros pontos que o projeto político pedagógico de uma instituição deva atender, fazem menção a quantificar a relação tutor/estudantes. Em outra passagem, explicita que o quadro de tutores previstos deve especificar a relação numérica estudantes/tutor capaz de permitir interação no processo de aprendizagem. Porém, também aqui percebemos que se evita a definição de um número que traduza tal garantia. Talvez não pudesse ser de forma diferente, pois tal proporção depende das opções epistemológicas, pedagógicas, metodológicas de cada curso. Assim, uma mesma relação numérica pode ser satisfatória ou excessiva, de acordo com as concepções adotadas. Como veremos, ainda que reconheçamos os pontos conflitantes existentes entorno da função de tutoria estamos implementando um formato singular das ações destes profissionais no curso Pedagogia UAB/UFJF: nele, a ênfase na relação de tutoria se dá com os tutores a distância, especialistas nos conteúdos de uma dada disciplina. Temos trabalhado com a proporção 1/50. Consideramos um número ainda elevado, mesmo que concentrado em uma só disciplina. O número é superior ao desejado, porém concentrado em uma só disciplina. Contudo, tais relações numéricas estão longe de expressarem a média existente no Brasil. Na pesquisa feita para o Anuário AbraEAD (SANCHEZ, 2008), abrangendo 140 8 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 instituições, foi constatada, em 2007, a média de um profissional docente (professores, coordenadores, produtores de conteúdo, monitores e tutores) para 92 alunos. Vale mencionar que boa parte do que se ganha com a proporção alta, é perdido por uma evasão muito alta. Foi confirmada, mais uma vez, que um número menor de alunos por profissional acarreta menores índices de evasão. Afinal, basta um clique de mouse para o aluno evadir. O curso de Pedagogia – UAB-FACED-UFJF Apresentamos, a seguir, a configuração do Curso de Pedagogia a distância, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), do Sistema da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Trata-se de um curso iniciado em 2007, com turmas que adentraram o 4º período do curso e outras que estão começando o 1º período e que possui um desenho didático diferenciado. Longe de queremos oferecer mais um modelo a seguir, nossa intenção é compartilhar as construções até o momento e abrir espaço para o diálogo, oferecendo outras possibilidades na condução de cursos de formação inicial do sistema UAB. Este Curso de Pedagogia atende a dez pólos, distribuídos pelo estado de Minas Gerais. Possui, atualmente, 14 professores, 103 tutores a distância e 30 tutores presenciais, e 680 alunos. Em levantamento realizado pela coordenação de avaliação, no ano de 2008, pode-se perceber que os alunos são, em sua maioria, do sexo feminino, tiveram entre 11 a 12 anos de estudos na Educação Básica em escola pública, e têm, em média, uma renda mensal de até três salários mínimos. O projeto pedagógico do curso foi construído a partir da reformulação curricular desenvolvida para o Curso de Pedagogia (presencial) da mesma Universidade, o que veio ao encontro do objetivo da Faculdade de Educação (FACED) de não dividir em dois os cursos de Pedagogia: um a distância e um presencial, mas de buscar a mesma qualidade nos dois formatos. Tal projeto, apesar de não seguir alguns dos formatos priorizados pelo MEC para sua realização, foi aceito em sua proposta original. Ainda que discordemos do termo e atribuições propostos pela UAB-MEC para a chamada tutoria pelas razões já apresentadas, o curso é desenvolvido com a presença e atuação de profissionais intitulados tutores, mas que na prática são percebidos por nós 9 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 como professores-tutores. A composição dos profissionais que atuam neste curso de Pedagogia, na forma online, é composta por: - professores (gestores-orientadores): são professores da UFJF (ativos ou aposentados), que assumem a docência em sua área de atuação e pesquisa. Responsáveis pelo planejamento e gestão das disciplinas, desenvolvem, junto aos professores tutores, as ações pedagógicas do curso. Devem orientar os trabalhos desenvolvidos, produzir ou selecionar materiais didáticos e estratégias para a aprendizagem no ambiente Moodle e orientar e acompanhar os professores tutores em suas ações junto aos alunos. Este educador acompanha as ações desenvolvidas pelos alunos e pode, com um olhar atento e de observador, auxiliar nos redimensionamentos da ação docente do professor tutor, a partir das emergências advindas do contexto. Ao longo do curso, este profissional passou a assumir também o papel de formador de formadores. - professor tutor: mediador pedagógico nas disciplinas específicas, deve ter aderência à área de conhecimento em que irá atuar, domínio tecnológicos dos recursos disponíveis, especialmente a Plataforma Moodle, e disponibilidade para participar de cursos de formação, reuniões semanais e viagens aos pólos, quando necessário. É selecionado por edital público e, em sua maioria, são pós-graduandos ou mestres e doutores. O projeto pedagógico do curso prevê que os professores-tutores assumam suas funções de mediadores em disciplinas específicas, retirando desse modo, a condição de polivalência que este profissional teria. - equipe de coordenação: formada por professores e pesquisadores da UFJF, que se revezam na gestão da coordenação geral, assumem funções específicas, como: gestão e formação continuada dos tutores, desenvolvimento pedagógico, desenvolvimento de materiais didáticos, gestão administrativa e avaliação. Estas condições resultam num trabalho desenvolvido por equipes colegiadas, em que todos participam desse processo, articuladamente. Além disso, os materiais didáticos são selecionados e produzidos pela equipe técnicopedagógica do curso, composta por todos os profissionais que atuam no curso. A opção é pela hipermodalidade e não pela fixação em materiais impressos, pois entendemos a necessidade de constante oxigenação e atualização dos materiais para o curso, além de atuarmos a partir dos contextos diversos que se apresentam em cada turma/pólo. A formação continuada de professores e de tutores é marca do Projeto Pedagógico e ocorre, sistematicamente, ao longo do curso, por meio de cursos, oficinas (presenciais), 10 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 reuniões semanais (professores, coordenadores) e quinzenais (tutores), além da formação continuada a distância, via plataforma Moodle. Sabemos que o número de tutores a distância é elevado, pois optamos, de acordo com o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia – FACED-UFJF, por que estes profissionais atenderiam a alunos de um único pólo, numa determinada disciplina. Desse modo, os nossos tutores a distância possuem condições de mediar o conteúdo pois são selecionados a partir da aderência de sua formação para a área de conhecimento específico. Em coerência com o que foi apresentado ao longo deste texto, as reuniões presenciais, oficinas e formação continuada para professores e tutores a distância são ações que têm viabilizado o desenvolvimento de um curso de qualidade. Considerações finais O papel de “tarefeiro” das ações pedagógicas em cursos online, muitas vezes atribuído ao tutor, pode e deve, em nosso entender, ser redimensionado. Ainda que tenhamos papéis definidos destes sujeitos: o tutor como executor de ações pensadas pelo professor e este como organizador da disciplina, o que de fato tem ocorrido em grande parte dos cursos a distância é uma divisão de trabalho em que, de acordo com sua concepção de educação, o professor poderá estabelecer parceria entre suas ações e as do professortutor. Caso haja parceria, o professor-tutor torna-se co-responsável por todo o processo, contribuindo em todas as instâncias (gestão, autoria etc.), do contrário, ele será um mero reprodutor. Tal visão contraria a concepção de educação aberta, a profissionalização docente e ainda rompe com as possibilidades da Web 2.0. A centralidade do professor ainda é um aspecto a ser debatido. Porém, percebemos claramente que o desenho didático de grande parte dos cursos é embasado nesta centralidade, seja pela condição que o professor tutor é obrigado a assumir, seja pelo projeto pedagógico que, ainda que se proponha à criação de espaços dialógicos, fica “amarrado” nos papéis impostos ao tutor e ao professor. Não estaríamos diante de novas formas de docência? Neste caso, por que não considerarmos o tutor como um docente? Além de referenciais de qualidade que abarquem aspectos pedagógicos e ideológicos, há que se acordar (legislar) aspectos administrativos, financeiros e de carreira docente, que ofereçam a todos os profissionais da educação plenas condições de realização de cursos de qualidade, para que não sejamos “cúmplices” na gestação e desenvolvimento de 11 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 formações “mancas” que reposicionem a Educação a Distância a cursos de segunda linha. Precisamos partir da cultura de separação existente, para a convergência de mídias, de profissionais e de recursos advindas da cibercultura, em que a mediação técnica, dominante na EaD, possa se integrar à mediação pedagógica, superando a concepção bancária, ainda latente no cenário educacional. Nota 1. 1 Tutor a distância é o termo usado no Programa Universidade Aberta do Brasil para os profissionais que assumem atividades pedagógicas via ambiente virtual de aprendizagem, assumindo a mediação junto aos alunos. Diferente de tutor presencial, que neste Programa presta atendimento aos alunos no Pólo, presencialmente. Neste artigo, estaremos sempre tratando das questões relacionadas ao tutor a distância. Referências bibliográficas ADORNO, T. W. Mínima Moralia: reflexões a partir da vida danificada. Trad. Luiz Eduardo Bisca. São Paulo: Ática, 1992. BELLONI, Maria Luisa. Educação a Distância. Campinas: Autores Associados, 2006. BRUNO, Adriana Rocha. Aprendizagem integradora e a didática online: contribuições para a formação do educador. Anais do III Congreso Mundial de Estilos de Aprendizaje – Cáceres (ES), ocorrido no período de 7 a 9 de julho de 2008. BRASIL. Lei no. 9.394, de 20 dez. 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 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