III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009
A DIALÉTICA PROFESSOR-TUTOR NA EDUCAÇÃO ONLINE: O CURSO DE
PEDAGOGIA-UAB-UFJF EM PERSPECTIVA1
Adriana Rocha BRUNO (UFJF)2
Márcio Silveira Lemgruber (UFJF)3
Resumo
O presente texto, gestado a partir do Curso de Pedagogia a distância da Universidade Federal de
Juiz de Fora – Sistema UAB, apresenta um panorama da EaD no Brasil, com alguns dados
atuais de sua expansão, aspectos da legislação em vigor e traz alguns pontos para discussão,
tomando como focos o papel do professor e do tutor em ambientes online. Aspectos como
dicotomização entre as funções do tutor e do professor, construção dos saberes docentes para as
mediações técnica e pedagógica são tratados, identificando o tutor a distância como sujeito que
assume na prática também as funções de mediador docente da aprendizagem. O desenho
didático dos cursos oferecidos a distância devem se pautar em referenciais que ofereçam plenas
condições de realização de uma educação online de qualidade, em que os papéis dos mediadores
pedagógicos sejam valorizados, como professor ou tutor.
Palavras-chave: Educação a distância, professor-tutor, docência online.
Introdução
Para alguns, a educação a distância (EaD), com as novas tecnologias da informação e
comunicação (TICs), é panacéia dos problemas educacionais. Outros apresentam grande
resistência, vendo-a como forma educacional necessariamente inferior, por sua própria
natureza.
Para além dessas visões extremadas, tentaremos esboçar, neste texto, um breve
panorama da EaD no Brasil, apresentando alguns dados atuais de sua expansão e, a
partir daí, trazer alguns pontos para discussão, tomando como focos a mediação docente
e o papel do professor e do tutor em ambientes online com as contribuições da
experiência no Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Juiz de Fora, do Sistema
Universidade Aberta do Brasil.
A docência e suas implicações
1
Trabalho apresentado ao Grupo de Discussão 11 - Propostas pedagógicas mediadas por mídias digitais no III Encontro
Nacional sobre Hipertexto, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.
2 Doutora e mestre em Educação: Curriculo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professora
do Programa de Pós-Graduação em Educação – FACED/UFJF. Email: [email protected]
3
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Filosofia da Educação pelo Instituto de
Estudos Avançados em Educação. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação – FACED/UFJF. Email:
[email protected]
1
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Desde os tempos mais remotos, o professor desenvolve um importante papel social. Em
tempos de Cibercultura, pensar o papel do professor significa romper com as imagens
predominantes que tínhamos até poucas décadas e entendermos a multiplicidade de
papéis que esse profissional da educação assume.
Prega-se que nos cursos realizados a distância, equipes multidisciplinares trabalhem
coletivamente, de forma interdependente. Não se fala mais de um único professor, mas
de grupos de profissionais integrados nos processos de ensino e de aprendizagem. Será?
Dentre o que é divulgado como ideal, destacam-se: o autor – seleciona e produz
conteúdos para os cursos; o editor – trabalha a qualidade comunicacional do texto;
tecnólogo educacional (instructional designer) - que organiza pedagogicamente os
materiais; artista gráfico (web designer) – responsável pela aparência visual do
ambiente online.
Muitos outros profissionais estariam envolvidos nesse processo: programadores,
operadores, editores de vídeo, de áudio, bem como administradores, planejadores e
organizadores que cuidariam do processo como um todo. Assim, numa equipe de
Educação a Distância poderíamos ter: pedagogos, profissionais da comunicação,
técnicos em informática, programadores, professores de diversas áreas, desenhistas,
analistas etc. Esta composição, embora interessante, ainda não se apresenta como
realidade no contexto atual, exceto em algumas empresas, prestadoras de serviço e
poucas instituições educacionais.
Esse cenário implica em que o professor assuma múltiplas funções, se integre a uma
equipe multidisciplinar e assuma-se como: formador, conceptor ou realizador de cursos
e de materiais didáticos, pesquisador, mediador, orientador e, nesta concepção, assumirse como recurso do aprendente. Por isso, a adjetivação de professor coletivo, pois a
figura do professor corresponde não a um indivíduo, mas a uma equipe de professores.
Porém, embora essa visão da docência como integrada, coletiva e cooperativa possa
parecer promissora e coerente com a proposta da web 2.0 (pautada no relacionamento e
nas co-autorias, co-criações), há, sem dúvida, o outro lado da questão no que diz
respeito aos papéis múltiplos assumidos pelo professor, que Antonio Zuin (2006) aponta
como coisificação: que marca o professor como prestador de serviços, recurso do aluno
e animador de espetáculos audiovisuais.
É notável, sem dúvida, certa perversidade no tocante a essa pluralidade na docência,
pois denota tanto a diluição do papel e da função do professor, quanto pode promover a
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desprofissionalização docente, na medida em que suas ações são retalhadas,
fragmentadas e com elas todo o processo de ensino e de aprendizagem.
Aliado a estes elementos, há o predomínio da técnica, das mídias, dos ambientes
virtuais, das tecnologias da informação e da comunicação, como um flash back, uma
retomada do já vivenciado em nosso país nos anos 60-70 do século passado com o
tecnicismo, marcadamente a Indústria Cultural, de Adorno (1992).
Nesta direção, chamamos a atenção para a necessidade de construção de saberes dos
docentes, em ambientes virtuais de aprendizagem, que envolvam também o
conhecimento específico da área do conhecimento que estão mediando e, por
conseguinte, interferências, mediações qualitativas não apenas nas relações inter e
intrapessoais, mas também de conteúdo.
Para a educadora espanhola Juana Sancho (1998), o profissional da educação deve
considerar alguns pontos para sua formação e atuação na sociedade atual. Dentre eles,
destacamos:
a) o crítico-situacional e o conceitual: que contemplam informação ampla e atualizada
(continuada) e que envolvam conhecimentos específicos da área de atuação e o
acompanhamento dos avanços tecnológicos e sua aplicação na área educacional, e
b) o auto-reflexivo: que compreende meta-análise do papel do professor e suas
implicações para o processo de ensino e de aprendizagem, bem como do estudante nesse
processo.
Mais uma vez, o que se espera do professor e da docência é, no mínimo, paradoxal em
relação aos “ditames” de pluralidade propostos na maioria dos nos cursos a distância
atuais.
A discussão central diz respeito, portanto, à educação. As grandes questões da EaD são
muito próximas das questões gerais da educação. Há uma imensa tarefa de regulamentar
uma forma nova, tão dinâmica, desafio que tem paralelo com a luta por estabelecer
critérios de qualidade também no presencial.
Não se trata de propor o desenvolvimento de uma aprendizagem autônoma em que se
atribua aos estudantes a responsabilidade total pelo seu processo de formação ou que
compreenda o professor ou o tutor como “recursos do aprendente”, como menciona
Zuin em seu artigo “Educação a distância ou educação distante?” (2006). Mas sim de
desenvolver processos formativos em que se criem possibilidades reais aos estudantes
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de assumirem-se e exercerem a autonomia de fato. Lembrando que este processo não é
solitário, visto que o processo de aprendizagem se dá pelas relações com o outro.
Dados da expansão, critérios de qualidade para a EaD e a questão da docência
O Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância (SANCHEZ,
ABRAEAD/2008), publicação editada pelo Instituto Monitor (SP), com apoio da
Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), contabilizou mais de dois
milhões e meio (2.504.483) de brasileiros como alunos de cursos de EaD, em 2007. A
maior parte deles, mais de um milhão e meio, freqüentou projetos de formação técnicoprofissionalizante. Já nos cursos das instituições credenciadas pelo Sistema de Ensino
(credenciamentos Federal para Graduação e Pós-Graduação e Estadual para EJA,
Ensino Médio, Fundamental e cursos técnicos), havia quase um milhão, ou, mais
exatamente, 927.826 alunos, o que significou um aumento de 213,8%, nos últimos
quatro anos.
Também vem contribuindo para a expansão da educação a distância a implantação, pelo
governo federal, da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Com o compromisso de
expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no país, foi
fixada a meta inicial de ofertar 60 mil vagas em todo o país, tanto em cursos de
graduação quanto de pós-graduação lato senso, e implantar cerca de 300 pólos
presenciais. A Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação
(SEED/MEC) tem a expectativa de atender significativamente à demanda de formação
ou capacitação de mais de um milhão de professores para a educação básica, nos
próximos anos.
Essa expansão acelerada trouxe a necessidade da elaboração de um conjunto de normas
legais e de referenciais de qualidade, nos quais destacaremos, posteriormente, suas
definições (e indefinições) quanto à função docente.
Em 1998, o Decreto 2.494 afirmava que a falta de atendimento aos padrões de qualidade
seria motivo de sanções às instituições de ensino. Tais “padrões de qualidade” seriam
definidos em ato próprio de Ministro. A função de estabelecer critérios de qualidade
para a EaD foi cumprida, em 2003, pelo documento Referenciais de Qualidade para
Cursos a Distância, de Carmen Moreira de Castro Neves, diretora de Política de
Educação a Distância do MEC. Ele serviu de base para nova formulação, os
Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a Distância, apresentados pela
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SEED/MEC, em agosto de 2007. Esse documento é de grande importância, pois,
embora não tenha força de lei, constitui-se em “um referencial norteador para subsidiar
atos legais do poder público no que se refere aos processos específicos de regulação,
supervisão e avaliação da modalidade citada”. (SANCHEZ, ABRAEAD, 2008, p. 156)
São oito os tópicos básicos elencados nos Referenciais de Qualidade: concepção de
educação e currículo no processo de ensino e aprendizagem; sistemas de comunicação;
material didático; avaliação; equipe multidisciplinar; infra-estrutura de apoio; gestão
acadêmico-administrativa; sustentabilidade financeira. Dentre eles, para nossa
abordagem, cabe examinar o item Equipe Multidisciplinar.
Embora balizado por colocações extremamente pertinentes - tais como a idéia pluralista
de que não deve haver um modelo único para EaD, a concepção de conhecimento como
construção e não mera transmissão, e a necessidade de qualificação permanente dos
profissionais envolvidos - o documento atribui o adjetivo “docentes” exclusivamente
aos professores, qualificando os tutores em outra categoria. Ou seja, nele, há bem nítida
a dicotomia professores e tutores, que problematizamos ao longo desse artigo. Nossa
posição não é a de desconhecer especificidades, nem de defender que não haja uma
assimetria nessa relação. Mas, temos uma preocupação muito grande em conceber
professores e tutores desempenhando, conjuntamente, funções referidas à mediação
docente.
Quando afirma que a principal atribuição do tutor é o esclarecimento de dúvidas, vemos
que os Referenciais ainda se dirigem, sobretudo, a práticas mais próximas da
transmissão de conhecimento, onde a tutoria é uma função mais de suporte técnico ou
repassadora, do que da propalada construção coletiva do conhecimento.
Desse modo, diversas dúvidas se colocam, nas discussões sobre EaD, que vão desde a
própria existência de professores até, principalmente, a identidade docente do tutor.
Inicialmente, é preciso deixar claro que EaD não prescinde de professor, como se sua
mediação pedagógica pudesse ser exercida por técnicos especialistas em informática.
Ao contrário, a função docente se alarga. Segundo Belloni (2006, p. 84),
Consideradas do ponto de vista da organização institucional, podemos agrupar as funções
docentes em três grandes grupos: o primeiro é responsável pela concepção e realização dos
cursos e materiais; o segundo assegura o planejamento e organização da distribuição de
materiais e da administração acadêmica (matrícula, avaliação); e o terceiro responsabiliza-se
pelo acompanhamento do estudante durante o processo de aprendizagem (tutoria,
aconselhamento e avaliação).
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O problema é que, como aponta a autora citada, o maior investimento tem se dado nas
funções do primeiro e do segundo grupos. Somente a partir da última década, as
instituições que adotam uma perspectiva de aprendizagem aberta têm apresentado um
maior investimento em atividades de tutoria, e este é um ponto que merece olhar
cuidadoso.
Concepções de tutoria: tutor é professor?
A legislação não é clara no sentido de que tutor é professor, porém nos dá elementos
para essa compreensão. Nesse sentido, podemos trazer o disposto da Portaria
4059/2004, em seu Art. 2º, quando prescreve (grifo nosso):
§ Único. Para os fins desta Portaria, entende-se que a tutoria das disciplinas ofertadas na
modalidade semi-presencial implica na existência de docentes qualificados em nível
compatível ao previsto no projeto pedagógico do curso, com carga horária específica para os
momentos presenciais e os momentos a distância.
Outro exemplo, agora em âmbito estadual, é a Deliberação CEE-RJ no. 297/2006 que,
ao tratar do quadro técnico e pedagógico para o funcionamento de cursos e programas a
distância autorizados, explicita que “a função de tutoria terá que ser exercida por
professores”.
Assim, tais prescrições legais reforçam o entendimento de que essa mediação é uma
função docente, tanto na tutoria específica de uma disciplina, quanto na tutoria como
orientação de estudo. Marco Silva é um dos estudiosos de EaD que criticam a utilização
do termo tutor, ao invés de professor. Em seu artigo Criar e professorar um curso
online: relato de experiência escreve que preferiu recorrer ao verbo professorar no
título de seu trabalho, visando “garantir o papel do professor no ambiente online,
reagindo assim à equivocada supressão do seu lugar em nome do ‘tutor’ ou da ‘tutoria’”
(2006, p. 73). Também Antonio Zuin destaca o papel do tutor:
O tutor não pode simplesmente absorver os conhecimentos transmitidos pelos professores, quer
seja nos encontros presenciais esporádicos entre ambos, quer seja no sortilégio que as imagens
de tais mestres “virtuais” possam exercer. Ele deve se permitir, cada vez mais, ousar saber, o
que implica não a aceitação passiva dos conhecimentos obtidos, mas sim o questionamento
destes mesmos conhecimentos. (ZUIN, 2006, p. 949)
Nos cursos superiores a distância, professor e tutor muitas vezes se confundem,
especialmente na prática de cursos de formação docente. Em meio a tantas ações
profissionais, o professor hoje tem funções específicas dentro de um curso oferecido em
ambientes online. Do ponto de vista político e de gestão, uma das propostas em voga é a
de dividir tarefas e, portanto, responsabilidades. Na prática, essa divisão de docência
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tem se apresentado: de um lado o professor, cujas funções se imbricam entre
desenvolver o conteúdo, criar estratégias didáticas, estruturar o formato da disciplina
(ou módulo) e acompanhar todas as atividades desenvolvidas pelo professor tutor. De
outro lado temos o professor tutor (a distância), cujas funções se concentram nos
processos de interação com os alunos e mediação pedagógica dos conteúdos e
estratégias desenvolvidas pelo professor. Vejam que estamos, intencionalmente,
utilizando o termo professor-tutor por considerarmos que o tutor a distância1 é também
um docente e não simplesmente um animador ou monitor neste processo, e muito
menos um repassador de pacotes instrucionais. Este profissional, como mediador
pedagógico do processo de ensino e de aprendizagem, é aquele que também assume a
docência e, portanto, deve ter plenas condições de mediar conteúdos e intervir para a
aprendizagem. Por isso, na prática, o professor-tutor é um docente que deve possuir
domínio tanto tecnológico quanto didático, de conteúdo.
Os cuidados com a mediação, a criação de vínculos (dada a distância espacial e
temporal) adquire um mote significativo quando alerta para a mediação como processo
que deva também ser partilhada pelo professor. Ao percebermos este alerta, podemos
compreender que o processo de mediação em parte dos cursos a distância está nas mãos
do tutor e, portanto, precisamos rever tal função.
No processo de mediação pedagógica, os papéis de professor e alunos podem se fundir para se
auto-construírem, na medida em que se auto-organizam à luz das aprendizagens emergentes.
Desta relação se constituem parcerias, nas quais todos aprendem a trabalhar colaborativamente.
Nos ambientes de aprendizagem online, a colaboração e a parceria são fundamentais, o que
incita-nos a buscar formas cada vez mais ousadas de mediação. (BRUNO, 2008)
Considerando todos estes aspectos, implicados na qualidade dos cursos e no
comprometimento com a aprendizagem dos alunos, não se justifica remuneração
especialmente desvalorizada do professor tutor, como temos acompanhado nos cursos
online, que precariza a própria docência. Tampouco a denominação de tutoria, que
descaracteriza a função docente para profissionais que assumem a mediação
pedagógica. Estes aspectos, nos cursos a distância, se considerarmos que a tutoria tem
acontecido majoritariamente neste formato de educação, deflagra intenções que podem
comprometer a qualidade destes cursos.
Porém, se de fato se pretende apenas que o tutor seja um monitor, um estagiário que irá
auxiliar o professor, ele não deve assumir a responsabilidade da mediação pedagógica,
trabalhar com os conteúdos específicos, fazer correções de avaliações etc. Neste caso,
ele será apenas um gerenciador de atividades, um suporte para as questões tecnológicas,
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um orientador de estudos, e poderá, nestes casos, ser um estudante de cursos de
licenciatura ou bacharelado. Mas, se for realmente assumir a mediação pedagógica e
todas as implicações que esta função requer, inclusive o domínio de conteúdo, há que se
rever a remuneração deste profissional, bem como suas condições de trabalho e, de uma
vez por todas, assumir que ele é também um professor. Assim, a nomenclatura “tutoria”
deverá ser descartada ou reconceituada.
As implicações destes docentes para os processos de ensino e de aprendizagem são
muitas e apontaremos algumas delas ao tratarmos no curso de Pedagogia UAB-UFJF.
Outro aspecto implicado à docência online é o estabelecimento de parâmetros quanto ao
número de alunos atendidos. O Decreto 5.622/2005 aborda diversos aspectos que os
projetos pedagógicos para os cursos e programas devem contemplar, mas não menciona
a relação tutoria - número de alunos. Muitas instituições abusam dessa relação, expondo
seus profissionais a uma super-exploração. Isso vem se dando igualmente nas
disciplinas semi-presenciais permitidas pela Portaria dos 20%.
Por sua vez, os Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância, dentre
outros pontos que o projeto político pedagógico de uma instituição deva atender, fazem
menção a quantificar a relação tutor/estudantes. Em outra passagem, explicita que o
quadro de tutores previstos deve especificar a relação numérica estudantes/tutor capaz
de permitir interação no processo de aprendizagem.
Porém, também aqui percebemos que se evita a definição de um número que traduza tal
garantia. Talvez não pudesse ser de forma diferente, pois tal proporção depende das
opções epistemológicas, pedagógicas, metodológicas de cada curso. Assim, uma mesma
relação numérica pode ser satisfatória ou excessiva, de acordo com as concepções
adotadas.
Como veremos, ainda que reconheçamos os pontos conflitantes existentes entorno da
função de tutoria estamos implementando um formato singular das ações destes
profissionais no curso Pedagogia UAB/UFJF: nele, a ênfase na relação de tutoria se dá
com os tutores a distância, especialistas nos conteúdos de uma dada disciplina. Temos
trabalhado com a proporção 1/50. Consideramos um número ainda elevado, mesmo que
concentrado em uma só disciplina. O número é superior ao desejado, porém
concentrado em uma só disciplina.
Contudo, tais relações numéricas estão longe de expressarem a média existente no
Brasil. Na pesquisa feita para o Anuário AbraEAD (SANCHEZ, 2008), abrangendo 140
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instituições, foi constatada, em 2007, a média de um profissional docente (professores,
coordenadores, produtores de conteúdo, monitores e tutores) para 92 alunos. Vale
mencionar que boa parte do que se ganha com a proporção alta, é perdido por uma
evasão muito alta. Foi confirmada, mais uma vez, que um número menor de alunos por
profissional acarreta menores índices de evasão. Afinal, basta um clique de mouse para
o aluno evadir.
O curso de Pedagogia – UAB-FACED-UFJF
Apresentamos, a seguir, a configuração do Curso de Pedagogia a distância, da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), do Sistema da Universidade Aberta do
Brasil (UAB). Trata-se de um curso iniciado em 2007, com turmas que adentraram o 4º
período do curso e outras que estão começando o 1º período e que possui um desenho
didático diferenciado. Longe de queremos oferecer mais um modelo a seguir, nossa
intenção é compartilhar as construções até o momento e abrir espaço para o diálogo,
oferecendo outras possibilidades na condução de cursos de formação inicial do sistema
UAB.
Este Curso de Pedagogia atende a dez pólos, distribuídos pelo estado de Minas Gerais.
Possui, atualmente, 14 professores, 103 tutores a distância e 30 tutores presenciais, e
680 alunos.
Em levantamento realizado pela coordenação de avaliação, no ano de 2008, pode-se
perceber que os alunos são, em sua maioria, do sexo feminino, tiveram entre 11 a 12
anos de estudos na Educação Básica em escola pública, e têm, em média, uma renda
mensal de até três salários mínimos.
O projeto pedagógico do curso foi construído a partir da reformulação curricular
desenvolvida para o Curso de Pedagogia (presencial) da mesma Universidade, o que
veio ao encontro do objetivo da Faculdade de Educação (FACED) de não dividir em
dois os cursos de Pedagogia: um a distância e um presencial, mas de buscar a mesma
qualidade nos dois formatos. Tal projeto, apesar de não seguir alguns dos formatos
priorizados pelo MEC para sua realização, foi aceito em sua proposta original.
Ainda que discordemos do termo e atribuições propostos pela UAB-MEC para a
chamada tutoria pelas razões já apresentadas, o curso é desenvolvido com a presença e
atuação de profissionais intitulados tutores, mas que na prática são percebidos por nós
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como professores-tutores. A composição dos profissionais que atuam neste curso de
Pedagogia, na forma online, é composta por:
- professores (gestores-orientadores): são professores da UFJF (ativos ou aposentados),
que assumem a docência em sua área de atuação e pesquisa. Responsáveis pelo
planejamento e gestão das disciplinas, desenvolvem, junto aos professores tutores, as
ações pedagógicas do curso. Devem orientar os trabalhos desenvolvidos, produzir ou
selecionar materiais didáticos e estratégias para a aprendizagem no ambiente Moodle e
orientar e acompanhar os professores tutores em suas ações junto aos alunos. Este
educador acompanha as ações desenvolvidas pelos alunos e pode, com um olhar atento
e de observador, auxiliar nos redimensionamentos da ação docente do professor tutor, a
partir das emergências advindas do contexto. Ao longo do curso, este profissional
passou a assumir também o papel de formador de formadores.
- professor tutor: mediador pedagógico nas disciplinas específicas, deve ter aderência à
área de conhecimento em que irá atuar, domínio tecnológicos dos recursos disponíveis,
especialmente a Plataforma Moodle, e disponibilidade para participar de cursos de
formação, reuniões semanais e viagens aos pólos, quando necessário. É selecionado por
edital público e, em sua maioria, são pós-graduandos ou mestres e doutores. O projeto
pedagógico do curso prevê que os professores-tutores assumam suas funções de
mediadores em disciplinas específicas, retirando desse modo, a condição de polivalência
que este profissional teria.
- equipe de coordenação: formada por professores e pesquisadores da UFJF, que se
revezam na gestão da coordenação geral, assumem funções específicas, como: gestão e
formação continuada dos tutores, desenvolvimento pedagógico, desenvolvimento de
materiais didáticos, gestão administrativa e avaliação.
Estas condições resultam num trabalho desenvolvido por equipes colegiadas, em que
todos participam desse processo, articuladamente.
Além disso, os materiais didáticos são selecionados e produzidos pela equipe técnicopedagógica do curso, composta por todos os profissionais que atuam no curso. A opção
é pela hipermodalidade e não pela fixação em materiais impressos, pois entendemos a
necessidade de constante oxigenação e atualização dos materiais para o curso, além de
atuarmos a partir dos contextos diversos que se apresentam em cada turma/pólo.
A formação continuada de professores e de tutores é marca do Projeto Pedagógico e
ocorre, sistematicamente, ao longo do curso, por meio de cursos, oficinas (presenciais),
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reuniões semanais (professores, coordenadores) e quinzenais (tutores), além da
formação continuada a distância, via plataforma Moodle.
Sabemos que o número de tutores a distância é elevado, pois optamos, de acordo com o
Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia – FACED-UFJF, por que estes profissionais
atenderiam a alunos de um único pólo, numa determinada disciplina. Desse modo, os
nossos tutores a distância possuem condições de mediar o conteúdo pois são
selecionados a partir da aderência de sua formação para a área de conhecimento
específico.
Em coerência com o que foi apresentado ao longo deste texto, as reuniões presenciais,
oficinas e formação continuada para professores e tutores a distância são ações que têm
viabilizado o desenvolvimento de um curso de qualidade.
Considerações finais
O papel de “tarefeiro” das ações pedagógicas em cursos online, muitas vezes atribuído
ao tutor, pode e deve, em nosso entender, ser redimensionado. Ainda que tenhamos
papéis definidos destes sujeitos: o tutor como executor de ações pensadas pelo professor
e este como organizador da disciplina, o que de fato tem ocorrido em grande parte dos
cursos a distância é uma divisão de trabalho em que, de acordo com sua concepção de
educação, o professor poderá estabelecer parceria entre suas ações e as do professortutor. Caso haja parceria, o professor-tutor torna-se co-responsável por todo o processo,
contribuindo em todas as instâncias (gestão, autoria etc.), do contrário, ele será um mero
reprodutor. Tal visão contraria a concepção de educação aberta, a profissionalização
docente e ainda rompe com as possibilidades da Web 2.0.
A centralidade do professor ainda é um aspecto a ser debatido. Porém, percebemos
claramente que o desenho didático de grande parte dos cursos é embasado nesta
centralidade, seja pela condição que o professor tutor é obrigado a assumir, seja pelo
projeto pedagógico que, ainda que se proponha à criação de espaços dialógicos, fica
“amarrado” nos papéis impostos ao tutor e ao professor. Não estaríamos diante de novas
formas de docência? Neste caso, por que não considerarmos o tutor como um docente?
Além de referenciais de qualidade que abarquem aspectos pedagógicos e ideológicos, há
que se acordar (legislar) aspectos administrativos, financeiros e de carreira docente, que
ofereçam a todos os profissionais da educação plenas condições de realização de cursos
de qualidade, para que não sejamos “cúmplices” na gestação e desenvolvimento de
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formações “mancas” que reposicionem a Educação a Distância a cursos de segunda
linha.
Precisamos partir da cultura de separação existente, para a convergência de mídias, de
profissionais e de recursos advindas da cibercultura, em que a mediação técnica,
dominante na EaD, possa se integrar à mediação pedagógica, superando a concepção
bancária, ainda latente no cenário educacional.
Nota
1.
1
Tutor a distância é o termo usado no Programa Universidade Aberta do Brasil para os profissionais que
assumem atividades pedagógicas via ambiente virtual de aprendizagem, assumindo a mediação junto aos
alunos. Diferente de tutor presencial, que neste Programa presta atendimento aos alunos no Pólo,
presencialmente. Neste artigo, estaremos sempre tratando das questões relacionadas ao tutor a distância.
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A DIALÉTICA PROFESSOR-TUTOR NA EDUCAÇÃO ONLINE: O