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MARIA BETHÂNIA BARBALHO DUARTE DE SOUZA VALLE
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ESTATUTO DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS E SEUS
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ID
O
PE
IMPACTOS NAS LICITAÇÕES
Brasília/DF
2010
10
MARIA BETHÂNIA BARBALHO DUARTE DE SOUZA VALLE
ESTATUTO DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS E SEUS
IMPACTOS NAS LICITAÇÕES
Monografia
apresentada
ao
Curso
de
Especialização em Gestão Pública
Universidade Cândido Mendes – A Vez do
Mestre - Rio de Janeiro - RJ
Orientador: Prof. Koffi Djima Amouzou
Brasília/DF
2010
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Félix e Judith, por incentivarem
a busca constante do conhecimento e ensinarem que com
força de vontade e sacrifícios atingimos os nossos
objetivos, aos meus queridos esposo, Luciano e filho,
João Vítor.
AGRADECIMENTOS
A Deus e a minha família, que pôde me
proporcionar uma educação de qualidade, possibilitando
alcançar os meus sonhos.
RESUMO
Estudo sobre os efeitos práticos e a correta aplicação das alterações
trazidas pela Lei Complementar 123/06, no que tange as licitações públicas e os
princípios que as norteiam. Este trabalho visa trazer ao conhecimento público, o
Estatuto da Micro e Pequena Empresa em face das licitações, mostrando suas
particularidades, procurando demonstrar, na sua utilização, o confronto gerado entre
princípios constitucionais que regem a Administração Pública, em suas compras e
contratações. Ao longo do texto encontram-se citações doutrinárias, as mais
diversas, inclusive com posições antagônicas, que sinalizam para a correta atuação
do ente licitador, bem assim dos licitantes, posições essas, sempre colocadas na
busca do esclarecimento das situações fáticas ocorrentes em um processo licitatório,
principalmente nos meandros desse novo procedimento.
Palavras-chave: microempresa – pequena empresa – princípios –
licitação – administração pública
SUMÁRIO
Introdução.....................................................................................................................1
1
A Administração Pública nas licitações e as micro e pequenas empresas............3
1.1 Princípios básicos que norteiam a Administração Pública ....................................3
1.2 Um novo conceito para habilitação das microempresas .......................................8
1.3 Direito de preferência...........................................................................................11
1.4 Breve histórico sobre o favorecimento às micro e pequenas empresas nas
licitações públicas ................................................................................................14
1.5 Novidades em licitações trazidas pela LC 123/06 ...............................................17
2
Alguns impasses criados pela LC/06...................................................................20
2.1 Natureza jurídica das normas: Lei Complementar x Lei Ordinária ......................20
2.2 A condição de micro e pequena empresa ...........................................................22
2.3 Dever ou poder da Administração Pública e a vantagem para a Administração
Pública..................................................................................................................24
2.4 Micro e pequenas empresas arrematando montas superiores ao limite de seu
faturamento .........................................................................................................27
2.5 Princípio da Isonomia x Lei Complementar 123/06 e o conflito entre princípios
constitucionais .....................................................................................................29
3
O Regulamento Federal – Decreto 6.204/07 .......................................................32
Conclusão...................................................................................................................34
Referências Bibliográficas..........................................................................................36
INTRODUÇÃO
A Administração Pública está inserida em um conjunto de princípios e
regras que, embora lhe delimitem os atos, também lhe proporcionam poderes e
prerrogativas. Presume-se, por isso, que o ato administrativo seja imbuído de
veracidade e legitimidade e, com base na lei, pode constituir, unilateralmente,
obrigações para os particulares e modificar tais obrigações. Entretanto, não poderá o
agente administrativo dispor de vontade própria e, principalmente, dispor dos
interesses públicos a ele confiados.
Diante disso, a Administração Pública deve se orientar por regras e
princípios que resguardem a supremacia do interesse público sobre o privado e a
indisponibilidade desses interesses públicos. Deve, portanto, no ambiente de suas
contratações com terceiros, valer-se do instituto da licitação que está fundamentada
em variadas normas, compiladas basicamente pela Lei 8.666/93, a qual foi criada
com o objetivo de regular e garantir contratações vantajosas para o Poder Público e
igualdade de condições para todos os possíveis contratantes.
Muitas vezes o administrador público se vê diante de demandas e a
normatização existente não elucida os procedimentos a serem adotados. A Lei é
obscura e omissa, às vezes, muito embora exista o fato concreto que exige uma
tomada de decisão por parte do agente administrativo. Como proceder, então, diate
da encruzilhada: servir ao Poder Público, concretizar o interesse público, a despeito
de não possuir a fundamentação de uma regra vigente que respalde o Administrador
e proteja a Administração Pública perante os órgãos fiscalizadores do Estado.
A escolha do objeto de estudo em pauta se deve ao fato de que a Lei
Complementar 123/06, em seus artigos 42 a 47, criou impasses ao Administrador
Público, não elucidando diversas questões cruciais ao seu correto entendimento e
aplicação, e, mais do que isso, colocando em confronto direto os princípios
constitucionais.
Como base para este trabalho, iniciaremos o estudo dos princípios que
regem a administração pública, o histórico da legislação mundial e brasileira sobre
benefícios às micro e pequenas empresas nas licitações públicas.
2
Em seqüência, propomos analisar situações em que seja esse o foco dos
problemas encontrados pelo Administrador Público, procurando trazer à luz as
alternativas encontradas pela Administração, quando diante de demandas dessa
natureza, e, conclusivamente, buscar soluções que respaldem o ato administrativo,
embasadas nos princípios,
Para adentrar nesse tema, bastante procurado ultimamente, no ramo do
direito administrativo, principalmente após a edição da citada Lei Complementar,
buscar-se-á apresentar o pensamento de diversos administrativistas, sejam os
apresentados pelos Cânones da doutrina no nosso país, sejam os que estão a surgir,
ante a necessidade da Administração de cada vez mais se aprofundar no
conhecimento do tema.
3
1 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NAS LICITAÇÕES E AS MICRO E PEQUENAS
EMPRESAS
1.1 Princípios básicos que norteiam a Administração Pública
O desenvolvimento das atividades administrativas pressupõe a obediência
a princípios básicos, estabelecidos na Constituição, quais sejam, legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e isonomia.
Sem dúvida, a observância desses princípios tem sido a pedra de toque,
poder-se-ia até dizer, o critério por excelência para julgar não só a validade como a
lisura de uma licitação. Como já citado pelo renomado autor Celso Antônio Bandeira
de Mello, princípio é:
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência,
exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no
que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico; violar um princípio é
muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao
princípio implica em ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. (MELLO, apud DALLARI,
1997, p.3).
E concluindo: “o desrespeito a um princípio constitui a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme a natureza do princípio que se violou”.
(MELLO, apud DALLARI, 1997, p.3).
É relevante frisar que em nome de princípios, e não simplesmente de
normas técnicas ou mesmo as estabelecidas em lei é que se há de combater a
corrupção nas ações licitatórias. No fundo, por uma razão muito simples: são tais
princípios nada mais do que expressão da ética e da justiça, que por sua vez são os
fundamentos da cidadania e os pilares da “república” institucionalizada e onde se
exerce a legítima cidadania, como já previra Aristóteles há mais de vinte e seis
séculos.
4
O princípio da legalidade obriga o administrador público, em suas
atividades funcionais, a cumprir o que é exigido pela lei. Em outras palavras,
podemos dizer que enquanto as outras pessoas podem fazer tudo aquilo que a lei
não proíbe, o agente público tem por obrigação somente o que determina ou permite
a lei.
Neste sentido, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro(2000, p.68): “segundo
o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite; no
âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade,
que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe.”
Concluindo diz ainda:
Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato
administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou
impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei. (Di
Pietro, Maria Sylvia Zanella, 2000, p. 68)
O princípio da impessoalidade pressupõe que a atividade administrativa
deverá sempre visar ao interesse coletivo, não podendo o administrador público
atender o próprio interesse ou de terceiros, devendo, portanto ser imparcial,
impessoal. A impessoalidade também pode ser vista sob outro aspecto, qual seja, a
de que os atos da Administração não devem ser atribuídos ao agente administrativo
e, sim, à entidade administrativa de atuação. Neste sentido, o TCU vai além e diz
ainda:
Esse princípio obriga a Administração a observar nas suas decisões
critérios
objetivos
previamente
estabelecidos,
afastando
a
discricionariedade e o subjetivismo na condução dos procedimentos da
licitação. (BRASIL, Tribunal de Contas da União, 2008, p. 17)
O princípio da moralidade baseia-se não só na obediência à lei, mas na
obediência à moral da instituição em que se insere o agente administrativo. Assim é
que o agente administrativo é orientado a discernir entre o certo e o errado, o
honesto e o desonesto, o bem e o mal. Deve, então, agir com decoro e boa fé,
seguindo os padrões éticos de probidade. O bom administrador não só segue a lei,
5
como, também, leva em consideração a natureza de sua função, que é pública.
Neste sentido o TCU orienta:
A conduta dos licitantes e dos agentes públicos tem de ser, além de lícita,
compatível com a moral, a ética, os bons costumes e as regras da boa
administração. (BRASIL, Tribunal de Contas da União, 2008, p. 17)
O princípio da publicidade determina ao administrador público o
desempenho transparente de suas atividades. Os atos administrativos devem ter
ampla divulgação por meio de jornais de extensa circulação e diários oficiais. Deve
ser assegurado ao cidadão o direito à obtenção das informações concernentes às
licitações e contratações públicas.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, assim o diz:
O princípio da publicidade, que vem agora inserido no artigo 37 da
Constituição, exige a ampla divulgação dos atos praticados pela
Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei.
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, 2000. p.75).
Pelo princípio da eficiência entende-se que a atividade administrativa
deva ser exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. Há que se
conciliar resultados positivos para o serviço público com atendimento satisfatório para
o cidadão e a comunidade. Neste sentido:
As licitações devem observar o princípio da eficiência, produzindo o
resultado para o qual foram instituídas, no menor tempo e com o menor
gasto possível para a Administração Pública. (HUPSEL, Edite Mesquita,
2007, p. 459)
E ainda temos os ensinamentos de Maryberg Braga Neto:
A Administração deve perseguir os melhores resultados em favor do
interesse público, utilizando-se dos meios de que disponha, de forma a
otimizar a sua conduta. A eficiência e a eficácia estão subordinadas ao
controle de resultados no que atina à boa gestão da Administração Pública.
(BRAGA Neto, Maryberg, 2004, p.20)
6
Por fim, o Princípio da isonomia preceitua que a Administração Pública
deverá dar igualdade de oportunidades nas suas licitações e contratações a todos.
Deverá afastar dos editais qualquer direcionamento, exigências descabidas que
diminuam ou afastem a concorrência. Lembrando sempre que isonomia não
pressupõe igualdade absoluta, mas sim, tratar desigualmente os desiguais de modo
a diminuir essa desigualdade.
Marçal Justen Filho explica melhor a questão:
A diferenciação e o tratamento discriminatório são insuprimíveis, sob esse
ângulo. Não se admite, porém, a discriminação arbitrária, produto de
preferências pessoais e subjetivas do ocupante do cargo público. A licitação
consiste em um instrumento jurídico para afastar a arbitrariedade na
seleção do contratante. Portanto, o ato convocatório deverá definir, de
modo objetivo, as diferenças que são reputadas relevantes para a
Administração. A isonomia significa o tratamento uniforme para situações
uniformes, distinguindo-se na medida em que exista diferença. Essa fórmula
acarreta inúmeras conseqüências. (JUSTEN FILHO, Marçal, 2005, p.44)
E conclui:
Será inválida a discriminação contida no ato convocatório se não se ajustar
ao princípio da isonomia. (JUSTEN FILHO, Marçal, 2005, p.45)
Em obediência a esses princípios é que as contratações no âmbito do
Poder Público devem ocorrer por meio das licitações. A Carta Magna, em vários
dispositivos, revelou a preocupação do legislador com o dinheiro público. Dessa
forma, não há como contratar, respeitando o bem público, sem uma concorrência
salutar, cujos procedimentos sigam diretrizes e normas que garantam a supremacia
destes princípios – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e
isonomia. A Constituição da República em seu artigo 37 e inciso, XXI assim os
estipula:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
7
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação
pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com
cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá
as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à
garantia do cumprimento das obrigações.(BRASIL, 1988)
Espera-se que as contratações, que se concretizam por meio das
licitações, protejam a correta utilização do dinheiro público e a eficiência da gestão
orçamentária, além de garantir igualdade de oportunidade.
8
1.2 Um novo conceito para habilitação das microempresas
Na Lei 8.666/93, o trâmite de um procedimento licitatório compreende as
seguintes fases: edital, habilitação, classificação, homologação e adjudicação.
Neste início, a importância está relacionada com a habilitação dos
proponentes, ou seja, a Administração vai verificar se os licitantes preenchem ou
não requisitos necessários para a licitação conforme o edital. Estes requisitos estão
inseridos no artigo 27 da Lei 8.666/93 como as capacitações jurídicas, técnicas e
econômico-financeira dos interessados, além da regularidade fiscal e o cumprimento
do inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal.
Maria Sylvia di Pietro (2001, p.329) conceitua
A fase de habilitação examinados os documentos, serão considerados
habilitados os licitantes que tiverem atendido às exigências do edital, não
sendo permitido, após o ato público de abertura dos envelopes, a
apresentação ou substituição de documentos. Os licitantes que não estiverem
com a documentação em ordem serão considerados inabilitados para
participar da licitação e recebe de volta, fechado, o envelope contendo sua
proposta.
Desta forma, o objeto de estudo é a Lei Complementar 123 enfatizando os
artigos 42 e 43 que asseguram às microempresas e empresas de pequeno porte um
benefício específico e determinado, relativamente à questão da habilitação.
A rigor, o artigo 42 da Lei 123/06 prescreve que, nas licitações públicas, a
comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno
porte somente devem ser exigidas para efeito de assinatura de contrato.
Do mesmo modo, o artigo 43 da mesma lei menciona que as microempresas
e empresas de pequeno porte devem apresentar as certidões de regularidade fiscal
normalmente, durante a licitação, tal quais os demais licitantes, dentro do envelope
destinado aos documentos de habilitação. Porém, se houver problemas com
algumas das certidões pertinentes à regularidade fiscal delas, a Administração
Pública não deve inabilitá-las. Assim, o juízo sobre a habilitação das microempresas
9
e das empresas de pequeno porte cujas certidões apresentaram defeitos é
suspenso.
Em outras palavras, no término da fase de habilitação, as microempresas e as
empresas de pequeno porte cujas certidões de regularidade fiscal apresentam
defeitos não devem ser habilitadas.
Na mesma linha, Marçal Justen Filho (2007, p.42) entende que
O conteúdo do benefício reside não na dispensa de
apresentação de documentos de regularidade fiscal, nem se trata da
dilação
quanto
à
oportunidade
própria para
exibição dos
documentos. O que se faculta é a desnecessidade de perfeita e
completa regularidade fiscal no momento de abertura ou do
julgamento do certame.
O artigo 43, 1º da Lei 123/2006 descreve o prazo de dois dias úteis no caso
de alguma restrição para comprovação da regularidade fiscal, cujo termo inicial
corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do
certame.
Na interpretação hermenêutica do artigo supracitado, a redação é imprecisa e
gera dificuldades, pois o problema fundamental é o seguinte: em que momento os
licitantes são declarados vencedores?
Segundo a Lei 8666/93, nas licitações tradicionais não há referência expressa
para resposta da questão. É necessária a busca de uma analogia na Lei 10520/2002
(Lei do Pregão) onde conclui que o licitante é declarado vencedor quando a
comissão de licitação termina o julgamento das propostas.
Mesmo utilizando-se dessa interpretação analógica, Marçal Justen Filho
(2007, p.69) coloca várias hipóteses antes da conclusão do julgamento das
propostas, como mostrado a seguir: “(I) depois de classificadas as propostas, antes
da abertura da oportunidade para interpor recurso, (II) depois de decididos os
recursos, antes da homologação e adjudicação ou (III) depois de encerrada a
licitação com a adjudicação do objeto ao vencedor”.
Para o Mestre Marçal Justen, a Lei 123/2006 optou pela terceira alternativa,
ou seja, ocorre a adjudicação em favor do interessado antes dele promover a
regularização.
10
O artigo 43 do 2º artigo da Lei 123/06 mostra que se a microempresa ou a
empresa de pequeno porte declarada vencedora não regularizar a documentação,
implicará decadência do direito e deve ser penalizada segundo o artigo 81 da Lei
8666/93.
Ainda com base no escólio de Marçal Justen Filho (2007, p.75), pode afirmar
que se o adjudicatório não comprovar a regularização dos defeitos, a autoridade
competente deverá promover o desfazimento da adjudicação e dos atos de
conclusão do certame.
Data vênia, as palavras do Ilustríssimo Marçal Justen Filho, deve-se observar
que a adjudicação é o último ato do processo licitatório, assim, a microempresa ou a
empresa de pequeno porte que for declarada vencedora daí sem ela será obrigada a
regularizar a questão e somente a partir disso é que a licitação será homologada e
adjudicada em seu favor.
Ato contínuo, in fine do artigo 43 da Lei 123, ao aplicar as penalidades
previstas no artigo 81 da Lei 8666/93 nos traz controvérsias, pois este circunscreve
sobre a recusa injustificada de celebração contratual, quando o adjucatório estará
sujeito às sanções administrativas previstas no artigo 87 (advertência, multa,
suspensão do direito de licitar/ contratar com a administração e declaração de
idoneidade) e aquele que faz menção sobre a matéria de não-regularização de
documentação, portanto, atinente à classificação.
Nesse diapasão, Ivan Barbosa Rigolin (2006, p.6) descreve que “não se
concebe estabelecer alguma penalidade à micro e pequena empresa que,
vencedora, deixar de apresentar a habilitação fiscal exigida”. O artigo 81 da Lei de
licitações se refere ao vencedor que deixar de comparecer para contratar, quando
ainda está válida a sua proposta. Não tem sentido aplicar este mesmo rigor a quem
simplesmente não consegue se habilitar.
Por derradeiro, o legislador foi rígido ao instituir as penalidades previstas no
artigo 81 da Lei 8666/93, caso a microempresa ou empresa de pequeno porte
deixasse de apresentar a habilitação fiscal exigida.
11
1.3 Direito de Preferência
O artigo 44 da Lei 123/2006 estabelece um novo critério de desempate nas
licitações públicas, independentemente de modalidade, quando delas participarem
microempresas ou empresas de pequeno porte. O dispositivo assegura o desempate
em favor de microempresas e/ou pequenas empresas, caso uma dessas acabe
empatada com licitante que não seja dessa categoria empresarial.
Mas o parágrafo 1º do artigo 44 determina que se entenda por empate
aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e
empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à
proposta mais bem classificada.
Para Marçal Justen Filho (2007, p.25) “a lei complementar criou um empate
ficto, pois produz, desse modo, uma ficção de empate, na medida em que, sob o
prisma aritmético, não existe igualdade de valores”.
Já Kiyoshi Harada (2007, p.5), “adverte como falar em empate, se
determinada proposta supera em até 10% a proposta mais bem classificada? Criouse, por meio de artifício legislativo, um novo conceito de empate, que violenta a
própria etimologia da palavra, atentando contra o princípio da razoabilidade que se
coloca com um limite à atividade legislativa. Portanto o parágrafo 1º, assim como o
parágrafo 2º do citado artigo 44 são incapazes de produzir efeitos jurídicos.”
Interessante observar que, para efeito da lei, a preferência assegurada à
pequena empresa não se traduz como já vencedora, mas o dispositivo legal cria a
ela uma faculdade de alterar a proposta apresentada, reduzindo o seu valor para
montante inferior àquele constante da proposta do licitante normal até porque o
direito pode criar ficções. Esse empate é uma ficção jurídica.
Ato contínuo, o artigo 45 da Lei 123/2006, ainda assevera sobre o empate, o
inciso I descreve a microempresa ou a empresa de pequeno porte mais bem
classificada deve cobrir o menor preço até então ofertado, reduzi-lo. Se o fizer, o
objeto da licitação deve ser adjudicado a ela.
Na hipótese desse procedimento não lograr êxito (porque o licitante não
apresentou proposta inferior, ou mesmo que tenha apresentado, não venha a ser
contratado por outro fator), será providenciada a convocação dos remanescentes
desse rol pra o exercício da mesma faculdade como disposto no inciso II do artigo
45.
12
Ivan Barbosa Rigolin (2006,p.7) “assinala o dispositivo como uma infâmia,
pois há milênios e desde sempre, ninguém está obrigado ao impossível”.
Diante desse paradoxo, mais uma vez, há de se buscar lógica no texto legal
para sua aplicação.
Assim, de acordo com as palavras de Antônio Cintra do Amaral (2003, p.78),
“o intérprete de uma norma jurídica deve buscar o seu sentido sem se ater à
literalidade do texto”.
Percebe-se no artigo 45 da Lei Complementar 123, uma tendência na
evolução legislativa da disciplina das licitações. A possibilidade de alterações na
proposta originalmente formulada é uma solução que vem se generalizando.
O artigo 47 indica a possibilidade de outras formas de tratamento diferenciado
para as microempresas e empresas de pequeno porte, às quais poderão ser
implementadas pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal,
objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social na esfera local, a
ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.
É evidente no artigo 47 a existência de licitações que assegurariam vantagens
às pequenas empresas como meio de promover certos fins de grande relevância.
Marçal Justen Filho (2007, p.109), ao analisar o artigo 47 da Lei 123/06 “relata
a disciplina como contratação e não de licitações, ou seja, as restrições facultadas
no tocante às licitações são simples decorrências de uma disciplina peculiar
relativamente a determinadas espécies de contratações. Bem por isso, seria mais
adequado aludir a contratações diferenciadas do que licitações diferenciadas”.
Ainda com base no escólio de Marçal Justen Filho (2007, p.110), o artigo em
comento, “ao assegurar a promoção do desenvolvimento econômico e social (no
âmbito municipal e regional), nos mostra a ampliação da riqueza e a melhoria das
condições de realização dos direitos fundamentais”. Porém, nos ensinamentos do
mestre, a utilização da preposição “e” impõe a necessidade de ser buscado tanto o
desenvolvimento econômico como o social. Parece perfeitamente válido que a
solução seja apta a promover apenas uma das duas facetas.
Em análise do artigo 48, inciso II, a Lei Complementar menciona o processo
licitatório com a exigência de que os licitantes realizem a subcontratação de
microempresa ou pequena empresa, desde que o percentual máximo do objeto a ser
subcontratado não ultrapasse 30% do total licitado.
13
Há o risco da criação fantasma de uma microempresa ou empresa de
pequeno porte para relações pessoais só para satisfazer a exigência legal.
Ademais, como ressalta Marçal Justen Filho (2007, p.118), “a subcontratação
obrigatória não poderá ser admitida nas hipóteses em que se configura um vínculo
de natureza personalíssima entre Administração Pública e particular contratado”.
Não resta dúvida que o legislador ao incluir o artigo 48 e incisos da Lei
Complementar 123/06, distanciou-se as inovações e vantagens a microempresa e a
empresa de pequeno porte do objetivo primordial de uma licitação. A preocupação
de levar uma proposta mais vantajosa para a administração, e ao mesmo tempo, a
possibilidade da participação dos particulares no certame, foi deixada de lado pelo
dispositivo.
É complicado avaliar os efeitos que serão produzidos pela aplicação das
inovações trazidas pelos artigos 42 a 49 da Lei Complementar 123/2006. Alguns
dispositivos não merecem aplausos, por melhores que tenham sido as intenções que
nortearam a sua introdução.
Ao invés de produzir-se a simplificação e a racionalização dos certames,
introduzem-se regras que vão tornando a licitação um processo administrativo cada
vez mais incompreensível para os leigos.
14
1.4 Breve histórico sobre o favorecimento às micro e pequenas empresas nas
licitações públicas
A LC 123/06 gerou grande repercussão na Administração Pública, diante
dos desafios criados. Em uma análise superficial, concluímos como inovadoras as
diretrizes ali apontadas. No entanto, a Lei em comento só veio tentar colocar em
prática, intenções antigas em nosso país e no mundo.
Jonas Lima (2008), em seus dois trabalhos aqui estudados, levantou,
assim, o histórico, no mundo e no Brasil, das legislações que visaram beneficiar as
micro e pequenas empresas.
Diversos países, anteriormente ao Brasil, já legislaram a favor das
pequenas empresas nas licitações e contratações governamentais. Como exemplos,
podemos citar: França, Alemanha, Japão, Inglaterra e os Estados Unidos.
A Lei norte-americana, datada de 1953, “Ato das Pequenas Empresas”
serviu de paradigma para o legislador brasileiro ao longo de suas tentativas em
consolidar o tema no Direito Brasileiro. Importante salientar, que, apesar de recente,
o tema já foi abordado anteriormente em outros diplomas legais.
Dentre outros pontos, importamos do direito norte-americano: realização
de licitações exclusivas às pequenas empresas, incentivo à subcontratação de
pequenas empresas e eliminação de obstáculos à participação destas nos
procedimentos licitatórios.
No Brasil, o tema foi inicialmente abordado em 1984 com a Edição da Lei
7.256, que estabelecia “Normas Integrantes do Estatuto da Microempresa, Relativas
ao Tratamento Diferenciado, Simplificado e Favorecido, nos Campos Administrativo,
Tributário, Previdenciário, Trabalhista, Creditício e de Desenvolvimento Empresarial.”
Em seqüência, com a Constituição de 1988, o assunto foi abordado em
seus artigos 170, inciso IX e 179:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
15
IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional
de pequeno porte (redação original).
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995 e vigente).
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim
definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las
pela
simplificação
de
suas
obrigações
administrativas,
tributárias,
previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio
de lei. (BRASIL, 1988)
Regulamentando a matéria, em 1994, foi editada a Lei 8.864,
estabelecendo: “normas para as microempresas - me, e empresas de pequeno porte
- epp, relativas ao tratamento diferenciado e simplificado, nos campos administrativo,
fiscal, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial.”
Na mesma linha, sobrevieram as Leis nº. 9.317/96, nº. 9.732/98, nº.
9.779/99, mas que tinham foco tão somente na matéria tributária.
Ainda em 1999, foi instituído mais um Estatuto da Microempresa e da
Empresa de Pequeno Porte, Lei nº. 9.841, regulamentando a matéria trazida na
Constituição de 1988. Tem-se como destaque, o artigo 24 que previa:
Art. 24. A política de compras governamentais dará prioridade à
microempresa e à empresa de pequeno porte, individualmente ou de forma
associada, com
processo especial e simplificado nos
termos
da
regulamentação desta Lei.(BRASIL, 1999)
Marines Restelatto Dotti (2007, p.653) também cita a legislação anterior à
LC123/06:
Para essa finalidade foram editadas a Lei nº9.317, de 05 de dezembro de
1996, dispondo sobre o regime tributário das microempresas e das
empresas de pequeno porte, instituindo o Sistema Integrado de Pagamento
de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de
Pequeno Porte (SIMPLES), e a Lei nº9.841, de 05 de outubro de 1999, que
criou o Estatuto das Microempresas.
16
A despeito dessas inúmeras tentativas do legislador, na prática, tais
diplomas legais, no que diz respeito à matéria administrativa, não foram aplicados.
Preocupava-se a sociedade, tão somente, com a parte tributária dos diplomas legais
citados.
Em mais uma tentativa, o SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas apresentou o Projeto de Lei Complementar nº. 123/2004 que
resultou, após inúmeras alterações, na Lei Complementar nº. 123/06.
Após a edição da Lei Complementar em comento, foi editado o Decreto nº.
6.204/2007 regulamentando-a.
17
1.5 Novidades em licitações trazidas pela Lei Complementar 123/06
A Lei Complementar 123/06 trouxe, em seus artigos 42 a 49, diversas
novidades a cerca das licitações públicas, baseando-se todas elas, em tratamento
diferenciado para as micro e pequenas empresas.
Dentre as novidades, podemos destacar:
• Prazo estendido para comprovação da regularidade fiscal;
• Direito
de
preferência
nas
contratações
com
a
Administração Pública;
• Licitações exclusivas para micro e pequenas empresas;
• Subcontratação obrigatória de micro e pequena empresa;
• Cota de 25% da contratação de objeto divisível, seja
serviço ou bem, destinado às micro e pequenas empresas.
Relativamente à regularidade fiscal, a Lei previu a possibilidade das micro
e pequenas empresas com pendências fiscais, participarem dos certames, só
exigindo sua regularidade para a contratação.
Isso
não
significa
dizer
que
elas
não
precisam
apresentar
a
documentação para sua habilitação. Significa tão somente, é que pode ser
detectada pendência e que não será excluída do certame. E ainda, caso seja o
licitante vencedor, uma micro ou pequena empresa, a partir do momento que este for
assim declarado, gozará de um prazo de 2 dias, prorrogáveis ou não a critério da
Administração Pública, para que este resolva as pendências detectadas.
Jessé Torres Pereira Júnior e Marines Restelatto Dotti (2008, p. 20)
explicam a situação:
É admida a permanência da microempresa ou empresa de pequeno porte
na licitação, acaso verificada alguma restrição na documentação referente
à regularidade fiscal, sendo postergada a sua regularização somente após
a emissão do ato administrativo que a declare vencedora (...).
O direito de preferência nas contratações com a Administração Pública
consiste na prerrogativa estabelecida nos artigos 44 e 45 da Lei 123/06 de cobrir a
proposta vencedora, caso a proposta da micro e pequena empresa seja no máximo
10% acima da vencedora para as licitações em geral e no máximo 5% no caso da
18
modalidade pregão. É o tão falado “empate ficto”. Marines Restelatto Dotti (2007) se
refere a “empate simulado”. Jair Eduardo Santana e Edgar Guimarães (2007, p. 40)
melhor definem a situação criada: “indo agora diretamente ao assunto objeto deste
tópico, destacamos que a LC nº123/06 criou situação na qual considera
artificialmente empatadas propostas que originalmente assim não estariam à vista de
suas expressões concretas e reais”.
Importante frisar que não existirá a figura do empate ficto quando a
vencedora já for uma micro e pequena empresa. Jonas Lima (2008, p. 79) bem
define: “somente haverá a faculdade de cobrir a oferta vencedora quando essa não
tiver sido apresentada por uma microempresa ou empresa de pequeno porte.”
O artigo 48, inciso I, trouxe a possibilidade de a Administração Pública
destinar, exclusivamente, às micro e pequenas empresas, suas licitações que não
ultrapassarem o valor de R$80.000,00.
Marçal Justen Filho (2007, p. 116) assim leciona: “a primeira modalidade
de licitação diferenciada configura-se como decorrência de reservar-se certas
contratações para ME ou EPP. Como decorrência, o universo de licitantes poderá
ser restringido. Faculta-se que se determine que somente possam participar da
licitação as ME e EPP.”
Ainda no artigo 48, o seu inciso II autoriza a exigência de que o licitante
vencedor subcontrate uma microempresa ou pequena empresa para fornecer até
30% do bem ou serviço. José Anacleto Abduch Santos (2008, p.122) explica a
subcontratação: “é a avença pela qual o contratado transfere para outrem em parte,
a execução de contrato com ele originalmente firmado, por intermédio de outro
instrumento contratual.”
No inciso III, vai além, e prevê a possibilidade de reservar 25% da
contratação de bens e serviços divisíveis para uma micro e pequena empresa. Neste
caso, José Anacleto Abduch Santos (2008) considera que se trata de uma espécie
de licitação para participação exclusiva de ME ou EPP.
No parágrafo primeiro limita essas três últimas possibilidades ao máximo
de 25% do total licitado pelo órgão no ano civil.
O artigo 49 por sua vez traz condições para a aplicação do disposto nos
artigos 47 e 48: a previsão editalícia dos critérios de tratamento diferenciado; mínimo
de 3 ME e EPP concorrendo; a observação da vantajosidade para a Administração
19
Pública e que a licitação não seja dispensável ou inexigível, de acordo com os
artigos 24 e 25 da Lei 8.666/93.
Além disso, no artigo 47 há a exigência de regulamentação dessas
licitações diferenciadas por meio de legislação de cada ente federativo.
Marçal Justen Filho (2007, p. 106) brilhantemente esclarece os requisitos
para colocar em prática tais licitações. Segundo ele, a diferenciação das licitações
sob exame resulta da conjugação de três elementos de natureza diversa: requisito
formal – regulamentação pela legislação específica de cada ente federativo;
requisito de natureza teleológica ou finalística – realização de determinada
finalidade; e, por último, requisito material – previsão de restrições que usualmente
seriam reputadas como inválidas.
20
2 Alguns impasses criados pela LC 123/06
2.1 Natureza jurídica das normas: Lei Complementar X Lei Ordinária
Primeiro impasse gerado com a edição da Lei Complementar nº. 123/06,
no que tange à matéria administrativa, foco do presente trabalho, diz respeito a sua
natureza jurídica.
A Lei em epígrafe foi elaborada como lei complementar, isso por tratar,
dentre outras, de matéria tributária. De acordo com o art. 146, inciso III, alínea “d” da
Constituição Federal de 1988, cabe à lei complementar estabelecer normas gerais,
em matéria tributária, dentre outras, quando se tratar de tratamento diferenciado às
micro e pequenas empresas.
Art. 146. Cabe à lei complementar:
[...]
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
[...]
d)
definição
de
tratamento
diferenciado
e
favorecido
para
as
microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes
especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das
contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que
se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de
19.12.2003).(BRASIL, 1988)
Em matéria administrativa, a Constituição estabelece, em seu art. 22,
inciso XXVII a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de
licitação e contratação. Em seu art. 37, quando trata dos princípios norteadores da
Administração Pública, menciona a necessidade de lei em seu sentido genérico para
tratar da matéria. Neste caso, lei em sentido genérico, nada mais é do que lei
ordinária.
Importante salientar que não há hierarquia entre lei complementar e lei
ordinária, a despeito do maior rigor nos requisitos formais e procedimentais para sua
21
produção. A diferença reside no fato daquela tratar de matéria reservada
constitucionalmente, ser necessária a sua previsão constitucional e de necessitar de
aprovação da maioria absoluta dos legisladores. Neste sentido, Hugo de Brito
Machado (2008) assim nos ensina: “entre as correntes doutrinárias que se formaram
no trato do assunto destaca a daqueles que sustentam não se tratar propriamente de
uma questão de hierarquia de normas, mas de reserva de competência.”
Surgiu daí o primeiro questionamento sobre a constitucionalidade ou não
da Lei 123/06.
Entende a doutrina que, como, para haver Lei Complementar, precisa de
previsão constitucional, as demais matérias tratadas na LC 123/06, que não as
tributárias, apresentam natureza de lei ordinária, e por outras leis ordinárias poderão
ser alteradas. Assim prevê o seu art. 86:
Art. 86. As matérias tratadas nesta Lei Complementar que não sejam
reservadas constitucionalmente a lei complementar poderão ser objeto de
alteração por lei ordinária. (BRASIL, 2006)
Isso ocorre em virtude do conteúdo heterogêneo do diploma. Além disso,
o fato de ter sido elaborada com o processo legislativo de lei complementar, uma vez
que é mais severo do que o das demais leis, não a invalida.
Logo, os artigos 42 a 49 da LC 123/06, que tratam exclusivamente de
matéria administrativa, possuem natureza de lei ordinária, não sendo pertinente,
questionar a sua inconstitucionalidade.
Marçal Justen Filho (2007, p.18) neste sentido conclui:
Consagrou-se o entendimento de que não é inválido que uma lei
complementar veicule normas próprias de lei ordinária. Isso não transforma
a natureza delas. Embora contidas formalmente numa lei complementar, as
referidas regras são qualificadas como “lei ordinária”.
22
2.2 A condição de micro e pequena empresa
A LC 123/06 traz em seu artigo 3º a definição de micro e pequena
empresa para fins de obtenção dos privilégios por ela estabelecidos. O critério
utilizado foi o da receita bruta.
Art. 3o Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se
microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a
sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406,
de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas
Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso,
desde que:
I – no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela
equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a
R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);
II – no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa
jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta
superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior
a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).(BRASIL, 2006)
Devemos lembrar que a Lei 123/06 traz diversas matérias em seu corpo,
tem caráter heterogêneo, e independente. A conceituação acima diz respeito aos
benefícios tributários.
Diante disso, como identificar a condição de micro e pequena empresa
para os benefícios nas licitações e contratações da administração pública?
De acordo com o artigo 72 da Lei, a qualificação deverá constar do nome
empresarial, sendo, a princípio, possível identificá-la da simples leitura do seu nome.
Mas é uma solução frágil, passível de erros e fraudes. Neste sentido,
Marçal Justen Filho diz:
“No entanto, é impossível eliminar o risco de que a empresa, não obstante
tenha deixado de fazer jus aos benefícios, omita a alteração em seu nome
empresarial. Assim se passará quando a entidade, constituída como ME ou
EPP, deixar de preencher os requisitos para tanto e omitir a alteração de
sua inscrição no Registro apropriado.” (JUSTEN Filho, 2007, p.47)
23
Seria então o fato de estar inscrito no SIMPLES, sistema de tributação?
Não podemos concluir desta forma. A adesão ao SIMPLES não é obrigatória. Assim
sendo, não se pode vincular um benefício tributário ao benefício nas licitações, como
diz Jonas Lima:
“Como se adiantou, a questão tributária, do regime chamado Simples
Nacional, é absolutamente independente, sendo uma mera opção, nos
termos do artigo 16 da mesma Lei.” (LIMA, Jonas, 2008, p.39)
Resta, assim, ao Administrador Público, a alternativa de exigir,
previamente às licitações e contratações declaração do licitante ME ou EPP de que
possui os requisitos necessários para ser beneficiado de acordo com a Lei 123/06.
Posteriormente, no momento de homologação do certame, deverá este comprovar
mediante apresentação da documentação pertinente a veracidade de sua
declaração.
Temerária a solução encontrada e que foi regulamentada no Decreto
6.204/07. Este, apesar de fazer menção à declaração, nada diz, em seu artigo 11, da
necessidade de comprovação futura, via apresentação de documentos.
Corre o administrador público o risco de, ao final do certame, no momento
de sua homologação, ver todo um trabalho frustrado por constatar falsas
declarações. Isso gerará retrabalho e custos adicionais.
Jonas Lima (2008, p.59) assim o diz: “nas rotineiras situações de
declaração falsa do estado de microempresa ou empresa de pequeno porte o caso
deve ser de anulação do certame e até mesmo do respectivo contrato (...).”
Podemos ir além e imaginar que nada impedirá os grandes empresários
de criar falsas ME e EPP, através de pessoas de seu relacionamento, para satisfazer
as exigências legais e usufruir das benesses trazidas pela Lei 123/06. Marçal Justen
Filho (2007, p. 117), ao tratar da subcontratação obrigatória das micro e pequenas
empresas, levanta tal hipótese: “existe o risco de que o sujeito produza a criação
artificial de uma ME ou EPP, mantida mediante interpostas pessoais, para aparente
satisfação da exigência legal.”
24
2.3 Dever ou poder da administração pública e a vantagem para a
administração pública
A despeito da previsão na Lei Complementar 123/06 de possibilidade de
concessão de tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, o Decreto
6.204/07 que regulamenta a matéria, em muitos momentos, traz a obrigatoriedade da
administração pública de conceder esses benefícios.
Ora, pode um decreto que regulamenta a matéria inovar? Teria a
expressão “poder” da Lei força de “dever”? Cabe ao administrador fazer esse juízo
de valor? Qual o posicionamento adotar?
Deixaremos a análise da questão a cerca do decreto que regulamenta a
matéria.
A Lei 123/06, sabiamente, em seu artigo 49, inciso III, trouxe a
necessidade de se observar a vantajosidade para a administração, em atendimento
ao já preceituado no artigo 3º da Lei 8.666/93, para a concessão ou não dos
benefícios elencados nos artigos 47 e 48.
Art. 43. § 1o Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade
fiscal, será assegurado o prazo de 2 (dois) dias úteis, cujo termo inicial
corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor
do certame, prorrogáveis por igual período, a critério da Administração
Pública,
para
a
regularização
da
documentação,
pagamento
ou
parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou
positivas com efeito de certidão negativa.
Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios,
poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as
microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do
desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a
ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação
tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do
respectivo ente.
Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar,
a administração pública poderá realizar processo licitatório:
I – destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas
de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00
(oitenta mil reais);
25
II – em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa
ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do
objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total
licitado;
III – em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do
objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte,
em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível.
Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar
quando:
[...]
III – o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e
empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública
ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser
contratado; (BRASIL, 2006)
Claro está, portanto, que trata-se de um faculdade legal, que caberá ao
administrador público, quando da elaboração do instrumento convocatório, usar de
sua discricionariedade e utilizar-se ou não das condições para realização de
licitações diferenciadas, tendo como base, além das demais exigências trazidas pelo
artigo 49, a vantagem para a administração pública, com fulcro nos princípios da
eficiência e economicidade.
Assim, segundo José Anacleto Abduch Santos (2008, p.142),
Caberá ao administrador licitante, e somente assim estará autorizado a
instaurar processo licitatório exclusivo, demonstrar de forma fundamentada,
a cada certame, que o tratamento diferenciado e simplificado é vantajoso
também para a Adminsitração pública e que não representa prejuízo para o
conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.
Há ainda a questão da aplicabilidade ou não desses dispositivos quando
se tratar de administração pública indireta.
Conforme preceituado no artigo 47, a possibilidade de realização de
licitações diferenciadas visa atender uma série de finalidades, quais sejam:
promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a
ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.
Segundo Marçal Justen Filho (2007), exigir de empresas estatais
exploradoras de atividade econômica ou de prestação de serviços públicos a
26
observância das contratações diferenciadas, seria inconstitucional. No primeiro caso,
por que excluiria a sua competitividade no mercado, pois um custo mais elevado
seria transferido para o custo de seu produto. No segundo, por que, quem paga o
custo do serviço prestado é o usuário que teria que suportar sua elevação por
conseqüência. Ora, os usuários já arcam com a pesada carga tributária de nosso
país, não seria justo ter que se onerar, mais uma vez.
Neste sentido, brilhantemente, conclui o doutrinador:
Em última análise, a função de fomento é reservada exclusivamente ao
Estado, na sua manifestação direta. A elevação dos custos será arcada
pelos recursos provenientes dos impostos, o que significará a redistribuição
da riqueza em vista de critérios de capacidade contributiva. (JUSTEN Filho,
Marçal, 2007, p.128)
27
2.4 Micro e pequenas empresas arrematando montas superiores ao
limite de seu faturamento
Infelizmente, como na maioria das leis brasileiras, o legislador se
esqueceu de analisar e apresentar soluções importantes para o trabalho do
administrador público.
A maioria dos doutrinadores sequer levantou essa questão. Encontramos
então, nas palavras de Alfredo Gioielli este importante questionamento.
Qual a resposta legal para a possibilidade de micro e pequenas empresas
arrematarem, em licitações, montas que superam o seu faturamento fiscal? Deverá o
administrador público vedar tal possibilidade de imediato no edital? Poderá ele deixar
de homologar o resultado para uma determinada ME ou EPP?
O legislador sequer vislumbrou tais hipóteses. Fica mais uma vez, ao
critério dos usuários da Lei, achar a solução mais adequada para o impasse criado.
A princípio, poderíamos entender tão hipótese como atendimento ao fim
maior da Lei 123/06 de promover o desenvolvimento econômico e social. Só que é
lógico, ou até justo que se valha de privilégios concedidos pela Lei para ME e EPP
para arrematar monta que, pelo seu faturamento, é incompatível com a sua
estrutura? O doutrinar nos responde:
Ocorre, porém, que razão não assiste as benesses do referido Estatuto,
quando o micro ou pequeno empresário se vale das prerrogativas da Lei
123/06 para participar de certames cuja monta envolvida extrapola os
limites de seu faturamento, posto que macula o Estatuto e diverge
totalmente do que pretendeu o próprio legislador. (GIOIELLI, Alfredo. 2008)
Além disso, outra ponderação é a possibilidade do administrador público
correr o risco de não ter sua demanda atendida ou de modo não satisfatório,
onerando o erário público.
Mas devemos ir além, seria esta uma causa de desproporcionalidade
entre os licitantes, causando desequilíbrio entre estes, ferindo o princípio da livre
concorrência.
O parágrafo 10, do artigo 3 da Lei 123/06, assim prevê:
Art. 3, § 10. A microempresa e a empresa de pequeno porte que no decurso
do ano-calendário de início de atividade ultrapassarem o limite de R$
28
200.000,00 (duzentos mil reais) multiplicados pelo número de meses de
funcionamento nesse período estarão excluídas do regime desta Lei
Complementar, com efeitos retroativos ao início de suas atividades.
Como mais correto, o administrador público usar de sua discricionariedade
e desclassificar tal empresa. Alfredo Gioielli, em seu texto, acredita que diverge da
pretensão legislativa da Lei 123/06 e que o mais correto, além da desclassificação,
seria a punição da empresa, nos termos do artigo 299 do Código Penal Brasileiro.
29
2.5 Princípio da isonomia x Lei Complementar 123/06 e o conflito
entre princípios constitucionais
O maior impasse gerado pela Lei Complementar 123/06, e ponto central
deste trabalho, é a discussão a cerca de sua constitucionalidade. O tratamento
diferenciado às micro e pequenas empresas fere o princípio da isonomia?
A doutrina não é pacífica sobre o assunto.
Os que defendem a inconstitucionalidade da Lei apontam infringências
aos princípios constitucionais quando da previsão de licitações diferenciadas, nos
artigos 47 e 48. Nesta parcela da doutrina podemos destacar José Anacleto Abduch
Santos (2008) e Joel de Menezes Niebuhr (2008).
Passamos a elencar as considerações por eles tecidas sobre as três
hipóteses elencadas no artigo 48.
No inciso I, ao prever licitações exclusivas às ME e EPP de até
R$80.000,00, lesa o princípio da isonomia, pois não se tenta aqui amenizar as
desigualdades de modo a viabilizar a concorrência, mas impede que outras
empresas participem, excluindo-as antecipadamente. Por conseqüência, viola o
princípio da competitividade e ao restringir a competição, acaba ferindo o princípio da
eficiência, pois menor será o número de propostas ofertadas, diminuindo assim a
possibilidade de se atingir a proposta mais vantajosa à administração pública.
Fundamentando tal entendimento:
Entretanto, favorecer microempresas e empresas de pequeno porte não
significa impedir que outras pessoas participem de licitação. Ou seja,
favorecer significa privilegiar microempresas e empresas de pequeno porte
dentro da licitação e não excluir de cambulhada aqueles que não recebam
tal qualificativo.(NIEBUHR, Joel de Menezes, 2008, p.133)
Na mesma linha de raciocínio, temos José Anacleto Abduch Santos (2008,
p.26):
Cumpre destacar a constitucionalidade do tratamento diferenciado e
favorecido previsto nos arts. 42 a 45 da Lei Complementar, pela pertinência
lógico-jurídica entre o discrímen e o propósito constitucional fixado nos arts.
170, IX e 179 da Constituição Federal, e a inconstitucionalidade do
30
tratamento diferenciado e favorecido previsto nos arts. 48 a 49 da lei com o
regime principiológico constitucional.
Por sua vez, Jonas Lima (2008, p. 91) defende:
A LC 123/06, para dar efetividade aos princípios constitucionais do artigo
170, inciso IX, e artigo 179, apenas teria aberto uma exceção ao inciso I do
§ 1º do artigo 3º da Lei nº8.666/93, quebrando, em parte, o antigo
paradigma de restrição da licitação em face da sede do licitante.
O inciso II do mesmo artigo fere os princípios que regem as atividades
econômicas, a livre iniciativa e a livre concorrência. Primeiramente, cabe esclarecer
que esse mandamento legal confundiu dois institutos o da subcontratação com a
cessão de contrato. Isso, pois atinge a esfera pessoal de optar por executar
integralmente o contrato. Voltamos aqui à preocupação levantada no capítulo 5 de
fomentar a criação de falsas ME e EPP.
Além disso, a despeito de falar claramente que deverá até 30% das
contratações serem subcontratadas para uma ME e EPP, prevê que o pagamento
destas será realizado diretamente pela administração pública. Mas, o instituto da
subcontratação prevê relação única entre contratado e administração pública,
respondendo aquele pela integralidade do contrato. Logo, deveria ser o pagamento
feito diretamente e integralmente a este para depois repassar ao subcontratado a
parcela devida. Na cessão, a responsabilidade é transferida junto com a parte
cedida, desincumbindo o contratado. Assim sendo, justo é o pagamento direto ao
cessionário. Concluindo, o inciso atribuiu à subcontratação uma das características
básicas da cessão. Isso impossibilita inclusive, um dos intuitos da Lei que é a de
fomentar o desenvolvimento econômico e social, pois impossibilita a antecipação de
pagamentos que às vezes é necessário para o fiel cumprimento do que lhe
corresponde.
Joel de Menezes Nieburh (2008, p.135) esclarece a inconstitucionalidade
deste dispositivo legal:
O dispositivo supracitado também é de aberta inconstitucionalidade, desta
feita por oposição acentuada aos princípios regentes das atividades
econômicas, livre iniciativa e livre concorrência, estampados no caput e no
inc. IV do art. 170 da Constituição Federal.
31
Marçal Justen Filho (2007), por sua vez, ao tratar do assunto, restringiu-se
a levantar questionamentos sobre os efeitos práticos dessa permissão legal, como a
criação de falsas ME e EPP, a dificuldade na escolha do subcontratado e o problema
envolvendo o pagamento direto à este que impediria adiantamentos que muitas
vezes são indispensáveis à sua viabilidade econômica.
O inciso III, por sua vez, fere também os princípios da isonomia, livre
concorrência, eficiência e economicidade. Os dois primeiros pelos motivos já
elencados quando da análise do inciso I. Os outros dois, por possibilitar que a
administração pública chegue ao absurdo de pagar preços diferentes pelo mesmo
objeto, um preço referente ao da cota principal licitada e o outro da cota reservada às
ME e EPP.
Os defensores da constitucionalidade da Lei, como Marçal Justen Filho,
fundamentam suas alegações nos já citados artigos 170, inciso IX e 179 da
Constituição Federal que tratam do fomento às ME e EPP. Para isso, devem ser
protegidas legislativamente como meio de compensar a insuficiência de sua
capacidade econômica frente às demais empresas.
Em outras palavras, não é cabível questionar a validade de medidas
legislativas
que
assegurem
tratamento preferencial
para
pequenas
empresas mediante o argumento da infração à isonomia. A Constituição
adotou a orientação de que benefícios restritos às pequenas empresas é
uma solução destinada a promover a isonomia: as pequenas empresas
devem ser protegidas legislativamente como meio de compensar a
insuficiência de sua capacidade econômica para competir com as grandes
empresas.
No mesmo sentido, podemos destacar também, Jonas Lima (2008), que
defende a legislação em comento sob o argumento do princípio da isonomia – tratar
desigualmente os desiguais.
32
3 O Regulamento Federal – Decreto 6.204/07
“Regulamenta o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as
microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas de bens,
serviços e obras, no âmbito da administração pública federal.”
Em consideração ao Decreto 6.204/07, que regulamentou os artigos 42 a
49 da Lei Complementar 123/06, temos um dos poucos entendimentos uníssonos na
doutrina sobre a matéria.
A maioria dos autores consagrados tem o entendimento de que a
regulamentação, através do Decreto, é insuficiente. José Anacleto Abduch Santos
(2008, p.129) bem define a questão:
Didaticamente se poderia separas as normas contidas nos arts. 42 a 49 da
Lei Complementar 123/06 em normas passíveis de regulamentação direta
pelos entes federados, e normas que demandam a edição de lei formal para
serem implementadas.
A Lei Complementar 123/06 é auto aplicável no que diz respeito a questão
da regularidade fiscal das ME e EPP e quanto ao empate ficto. Santos (2008, p.129)
elucida
melhor:
“podem
mesmo
ser
aplicadas
(devendo
mesmo
ser)
independentemente de qualquer regulamentação ou de previsão no instrumento
convocatório.” Quanto às licitações diferenciadas, há a necessidade de Lei para a
sua regulamentação:
Tal não ocorre com as normas previstas nos arts. 47 e 48. Estas normas
não criam quaisquer direitos, apenas instituem a possibilidade de criação do
tratamento diferenciado e simplificado, a ser implementado pelos meios que
preconiza – previsão e regulamentação na legislação dos entes federados.
Marçal Justen Filho (2007, p. 130) tem o mesmo entendimento:
Não é casual, bem por isso, que a LC n123 tenha subordinado a adoção
das licitações diferenciadas à previsão e regulamentação na legislação de
cada ente federativo.
A
expressão
legislação
pode
ser
interpretada
amplamente,
para
compreender inclusive atos administrativos. Mas a interpretação conforme a
33
Constituição impõe que, nessa passagem, repute-se que existiu a vontade
de aludir especificamente ao instrumento legislativo.
Regulamentando a matéria foi editado o Decreto 6.204/07, ato normativo
do Poder Executivo e não do Poder Legislativo. Ora, a Lei foi clara ao exigir Lei em
seu sentido formal. Assim sendo, o Decreto não é suficiente para regulamentar a
matéria no âmbito federal. Brilhantemente, Joel de Menezes Niebuhr (2008), diz:
Tais normas são ilegais, já que foram veiculadas em decreto e, pois,
produzidas em descompasso aberto à parte final do art. 47 da Lei
Complementar n 123/06, que se refere à legislação, por corolário, demanda
lei.
34
CONCLUSÃO
São muitos os desafios advindos com a edição da Lei Complementar
123/06. Este trabalho não tem a pretensão de esgotar a discussão sobre o tema. A
intenção foi desvendar alguns dos problemas encontrados pelos administradores
públicos em atender os anseios do legislador.
Este trabalho focou alguns dos impasses legais. Mas se formos além,
ainda há muito a se estudar, como as questões práticas do impacto gerado pela
edição de lei tão complexa, com vigência imediata. O legislador não imaginou a
necessidade de um lapso temporal até a adaptação do administrador, da adequação
dos sistemas de pregão eletrônico, largamente utilizado pelos diversos órgãos da
administração pública.
Há também dilemas como a sua aplicação ou não a determinadas
modalidades licitatórias.
A doutrina que trata do assunto ainda é escassa e muitas vezes não se
aprofunda nos questionamentos levantados neste trabalho, limitando-se tão somente
a elencar e explicar ao leitor as mudanças trazidas pela lei.
A despeito de tanto impasses gerados com a edição da referida lei e seu
regulamento, como ainda é muito recente a discussão, ainda não há julgados que
nos indiquem o caminho a trilhar.
Já se sabe que, apesar da vigência imediata, a lei não foi aplicada durante
vários meses, justamente para que as discussões aqui levantadas fossem travadas e
as adequações efetuadas.
Os órgãos controladores podem a qualquer tempo questionar tais
procedimentos licitatórios e sancionar os administradores responsáveis, mas que, no
fundo, não tencionavam prejudicar o erário público ou os direitos das micro e
pequenas empresas.
Que o bom senso impere nesse momento e evite que arbitrariedades
sejam cometidas.
Devemos lembrar a todos que, a despeito de todos os problemas
levantados, quer seja sobre a constitucionalidade ou não da Lei, a inadequação da
regulamentação via decreto, ou qualquer outro ponto abordado neste trabalho, a Lei
35
123/06 e o Decreto 6.204/07 devem ser aplicados. Caberá ao Poder Judiciário,
quando da análise dos casos concretos ou quem sabe, numa Ação Direta de
Inconstitucionalidade, esclarecer a todos, licitantes e administradores a amplitude de
sua validade.
36
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5.452, de 1º de maio de 1943, da Lei nº. 10.189, de 14 de fevereiro de 2001,
da Lei Complementar nº. 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis nº.
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