Caso Clínico: Hepatite auto-imune
Willian Cesar Gomes de O. Dias
Tainá Oriente
Coordenação: Dra. Luciana Sugai
Escola Superior de Ciências da Saúde
(ESCS/SES/DF)
www.paulomargotto.com.br
Identificação
 K.G.S.A.,sexo masculino, 4 anos e 3 meses,
pardo, natural de Teresina – Piauí, procedente da
Cidade Ocidental – GO.
 Data: 03 / 05/ 07.
 Queixa Principal: “olho amarelo há 20 dias”.
História da doença atual
 Mãe refere que há 20 dias a criança iniciou com
hiperemia conjuntival que evoluiu para icterícia
e prurido cutâneo. Refere o aparecimento de
colúria e acolia fecal associados.Apresentou
anorexia, hipoatividade e dor abdominal com
melhora após evacuação. Febre vespertina e
noturna não aferida. Apenas 2 episódios de
vômito com restos alimentares.
História da doença atual
Mãe relata ter procurado este hospital no
início do quadro clínico, sendo suspeitado
hepatite A e orientado retorno, como
houve piora do quadro laboratorial foi
decidida a internação.
Revisão dos sistemas
Ganho de 500g em 02 semanas.
Nega vômitos, diarréia, constipação,
hemorragia, prostração ou distúrbio
comportamental.
Antecedentes pessoais fisiológicos
Mãe fez pré-natal à partir dos 4 meses de
gestação. G1 P1 A0.Nascido de parto
cesariano à termo devido pré – eclâmpsia.
Refere uso de somente sulfato ferroso
durante a gestação. Apgar 5ºmin-10,
comprimento: 48,5 cm, peso: 3790g. Alta
médica com 03 dias. Nega intercorrências
no período neonatal. Vacinação em dia.
Antecedentes pessoais fisiológicos
Alimentação: seio materno exclusivo até
07 meses. Amamentou até os 02 anos.
Come todos os grupos alimentares.
Antecedentes pessoais patológicos
Dengue aos 04 meses de idade. Nega
cirurgias, hemotransfusões e alergias
prévias. Esta é a primeira internação.
Antecedentes familiares
Mãe, 25 anos, dona de casa, alérgica à
Amoxacilina, 2º grau incompleto. Pai
jardineiro, 1º grau incompleto, saudável.
Pais sem consangüinidade. Avô materno
com hepatite C. Avó materna com HAS.
Condições sócio-econômicas
Mora com pai e mãe em casa de alvenaria
com 04 cômodos. Fossa sanitária e água
filtrada. Nega animal doméstico ou fumo
intradomiciliar.
Exame físico
 Criança ativa, colaborativa, em regular estado
geral, afebril , mucosa corada e hidratada,
acianótica e ictérica (+++/4+).
 Cavidade oral sem sinais de infecção. Ausência
de linfadenomegalia cervical.
 Aparelho respiratório: Murmúrio vesicular
universalmente audível, sem ruídos adventícios
FR: 22 irpm
Exame físico
Aparelho cardiovascular: BNF RCR em 2
tempos sem sopros FC: 108 bpm
Abdome:semi-globoso, flácido, RHA +,
indolor, sem irritação peritoneal, fígado a
6 cm do RCD e consistência endurecida,
baço 2cm RCE.
Extremidades: boa perfusão, sem edema.
 Hipótese diagnóstica: Síndrome colestática.
 Evolução
– 05 / 05/ 07: Iniciado Ceftriaxone. Criança apresentou
um episódio de vômito, permanece com febre e
icterícia +++/4+.
– 07 / 05/ 07: Solicitado parecer da Oftalmologia.
– 15 / 05/ 07: Afebril há 1 semana. Permanece com
icterícia +++/4+.
Exames Complementares
Data
Hemac.
Hemat.
Hemogl.
23/04/07 03/05/07 05/05/07 07/05/07 12/05/07
4,95
5,2
5,03
4,19
5,11
37,6
40,8
39,4
32,7
39,7
12,9
13,5
13,3
VCM
78,3
HCM
26,4
Leuc.
Seg.
Bast.
Linf.
Mon.
Eos.
Plaquetas
2,8
69%
01%
25%
04%
01%
353
4,4
78%
2%
15%
3%
2%
316
4,7
82%
01%
10%
6%
0
323
10,9
13,4
2,6
74%
02%
20%
04%
00
289
2,9
66%
02%
28%
02%
02%
316
Data
23/04/07
03/05/07 05/05/07 07/05/07 12/05/07
BIOQUÍMICA
Glicose
Uréia
63
27
Creatinina
Na
K
Cl
0,4
136
4,4
103
0,2
135
4,6
101
9,1
3,2
5,9
24,9
17,7
7,2
27,4
20,8
6,6
22,8
17,1
5,7
25,8
18,8
7,0
1993
2134
4142
2441
812
3810
2300
820
3445
2286
1902
1997
547
45
62
Bilir. Total
Bil. Direta
Bil.Indireta
TGO
TGP
F.Alc.
Gama GT
28
101
Data
BIOQUÍMICA
23/04/07
03/05/07
Amilase
05/05/07
07/05/07
35
73
Prot.Totais
6,8
7,3
Albumina
3,6
3,6
Globulina
3,2
3,7
TAP
84%
63%
79,2%
INR
1,14
1,44
1,23
Imunologia
PCR
 0,31
Data
EAS
Dens.
pH
23/04/07
03/05/07
1030
5,0
1030
5,0
CED
Leuc.
Cilindros
8 a 10
6a8
-
Raras
3a5
-
Protei
Glicose
Bilirrib.
+++
+++
Fl. Bact.
++
Escassa
Urobilinoge.
Hemácias
Muco
+++
++
vestígios
 US abdome total ( 04/ 05/ 07): Fígado de
textura e dimensões normais. Vesícula biliar
exibindo parede espessa sem cálculos. Baço,
rim, pâncreas e grandes vasos normais.
Conclusão: colecistite alitiásica
 Sorologia para Hepatite A: IgG e IgM negativos
 US abdome total ( 11/ 05/ 07): Fígado
aumentado de volume com ecotextura normal.
Vesícula com parede espessada, apresentando
redução da espessura em relação ao exame
anterior.
 11/ 05/ 07: Parecer da Oftalmologia, ausência
de anéis de Kayser-Fleischer em ambas córneas.
 16/05/07: Parecer da gastroenterologia 
Solicitar: anti-capsídio viral, sorologia para
hepatite B e C e novamente para A. Solicitar
ceruloplasmina, Imunoglobulinas e
Eletroforese de proteínas. Após resultados de
exames avaliar a necessidade de biópsia
hepática.
Hepatite auto-imune
Introdução
A hepatite auto-imune (HAI) é uma forma
de hepatite crônica que acomete um grupo
de pacientes que perderam a tolerância
imunológica a antígenos do próprio fígado.
Características:
Presença de auto-anticorpos no soro
Hipergamaglobulinemia e
Hepatite periportal e/ou peri-septal
Epidemiologia
 A real prevalências é desconhecida.
 A incidência na Europa é de 0,69
casos/100.000 habitantes/ano.
 EUA 11 a 23% das hepatopatias crônicas.
 São Paulo (1980) 13,5%.
 Predomínio sexo feminino.
 Rara antes de 2 anos e máxima incidência
entre 10 e 35 anos.
Fisiopatologia
 Reação imune contra antígenos self.
 Perda da autotolerância em indivíduos
geneticamente predispostos.
 Hipervariedade do HLA classe II
 Células T
Células B
Auto-anticorpos.
 Falha nos linfócits T supressores.
Fisiopatologia
Dano celular na HAI
 Citotoxicidade mediada por células.
 Citotoxicidade celular dependente de
anticorpos.
 Predisposição é herdada, mas a doença depende
da exposição a agentes desencadeantes.
Classificação
Subtipos da HAI
Tipo 1 (80%)
Tipo 2 (4%)
Tipo 3 (3%)
Auto-anticorpos
característicos
ANA, AML
Anti-LKM1
Anti-SLA/LP
Auto-anticorpos
associados
Anti-actina,
pANCA
Anti-LC1
ANA, AML
desconhecido
P450 IID6
(CYP2D6)
tRNP
Autoantígenos
Idade
bimodal
(10-20 e 45-70)
2-14 anos
30-50 anos
Gênero
Feminino (78%)
Feminino (89%)
Feminino (90%)
Classificação
Tipo 1
Tipo 2
Tipo 3
Tireoidite
autoimune
Sinovite
Colite ulcerativa
Doença de Graves
Diabetes
Vitiligo
Tireoidite
autoimune
Tireoidite
autoimune
Sinovite
Colite ulcerativa
Doença de Graves
Aparecimento
agudo
40%
Comum
Comum
HLAs associados
DR3, DR4
B14, DR3
DR3
Hepatite
fulminante
Sim
Sim
-
45
82
75
Doenças
imunológicas
comuns
Progressão à
Cirrose (%)
Quadro clínico
 Início abrupto em 1/3 dos casos compatível com
hepatite viral.
 Maioria quadro insidioso.
(fadiga 85%, icterícia77%, astenia, febre, anorexia,
emagrecimento,mialgia)
 Alguns casos hepatite fulminante ou
complicações da cirrose.
 Colestase pode estar presente.
 Hepatomegalia 78%, esplenomegalia 60%.
Exames laboratoriais
 Elevação da TGO e TGP (>1000UI/L).
 GGT e FA pouco elevadas.
 Hiperbilirrubinemia 83%.
 Diminuição da albumina e TAP prolongado.
 Hipergamaglobulinemia policlonal >2g/dl 80%.
 Trombocitopenia.
Histopatologia
 Hepatite de interface.
 Necrose em saca-bocado.
 Espaços portais alargados.
 Desarranjo da arquitetura lobular.
 Rosetas.
Histopatologia
Histopatologia
Histopatologia
Diagnóstico histopatológico:
Hepatite crônica grave, com
fibrose portal e septal
incompleta e ocasional.
Sob o ponto de vista
morfológico, o diagnóstico
diferencial inclui, além da
hepatite auto-imune, a
possibilidade
de síndrome de sobreposição,
hepatite auto-imune/
colangite
esclerosante primária.
Histopatologia
Infiltrado inflamatório portal
grave, com atividade de
interface e lobular marcadas,
com plasmócitos facilmente
reconhecíveis,
acompanhados de
balonização do citoplasma
hepatocitário, com
bilirrubinostase e rosetas
colestáticas.
O diagnóstico histológico
foi de hepatite crónica
grave com fibrose septal,
sendo o primeiro
diagnóstico a
considerar de hepatite autoimune.
Diagnóstico
 Quadro clínico compatível com hepatite
 Ausência de marcadores de infecção ativa para
VHA, VHB, VHC, CMV, EBV.
 Elevação da TGO e TGP.
 Hipergamaglobulinemia.
 Sexo feminino.
 Outras doenças auto-imunes.
 Auto-anticorpos.
Diagnóstico
Diagnóstico
Diagnóstico diferencial
Hepatites virais agudas.
Doença de Wilson.
Deficiência de alfa-1-antitripsina.
Colangite esclerosante primária.
Hepatite crônica VHC.
Tratamento
Indicações de Tratamento
Absolutas
Relativas
Nenhuma
AST constantemente acima de
10 vezes o normal
AST menor que 10 vezes o
normal
Alteração mínima de
AST ou gamaglobulina
AST constantemente acima de 5 e
gamaglobulinas constantemente
acima de 2 vezes o normal
AST constantemente acima de 5
vezes o normal, mas
gamaglobulinas abaixo de 2 vezes
Sintomas mínimos
ou ausentes
Hepatite periportal
Cirrose inativa
Sintomas leves a moderados,
especialmente fadiga
Insuficiência hepática com
atividade inflamatória leve
Necrose em ponte
Necrose multilobular
Sintomas incapacitantes
Progressão da doença
-
Morbidades que podem
piorar com o tratamento
-
Tratamento
1.Inicial:
a.Única droga: predinisona_ 1- 2mg/Kg/dia (max
60 mg).
b. Terapia combinada: predinisona_ 1-2
mg/Kg/dia e azatioprina 1,5- 2mg/Kg/dia.
2.Manutenção:
a.Única droga: predinisona ou azatioprina.
b. Terapia combinada: predinisona_ 0,1-0,
25mg/Kg/dia e azatioprina 1,5- 2mg/Kg/dia
Tratamento
O tratamento é mantido até
remissão clínica, bioquímica e
histológica, toxicidade pelas drogas,
falência do tratamento ou
inabilidade de remissão após 3 anos
de tratamento.
FIM
OBRIGADO
Bibliografia
 Ferreira A. R., Roquete M. L.V., Penna F. J., Toppa N. H..
Autoimmune hepatitis in children and adolescents: clinical study,
diagnosis and therapeutic response. J. Pediatr (Rio J). [serial on the
Internet]. 2002 [cited 2007 May 20] ; 78(4): 309-314.
 Mattos A.. A..Hepatite auto-imune: o que o clínico deve saber.
Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 51-57, jan.-jun. 2001.
 Ferreira C. T., Carvalho E., Silva L R. Gastroenterologia e
hepatologia em pediatria: diagnóstico e tratamento.Rio de janeiro
(RJ): Medsi; 2003. 853 p. p 573-580.
 Méndez M. M., Cipriano M. A., Ribeiro B., M. J. Nabais M. J.,
Alexandrino M. B. , Moura J. J.. Hepatite auto-imune: a propósito de
três casos. Medicina Interna (Portugal) 2002;9(2):92-98.
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