1
MATERIAL DE APOIO
DIREITO CIVIL
DIREITOS REAIS
Apostila 01
Prof.: Pablo Stolze Gagliano
1. Introdução
Os Direitos Reais ou Direito das Coisas, enquanto ramo do Direito Civil,
traduzem o conjunto de normas e princípios reguladores das relações
jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem,
segundo uma finalidade social.1
Sob outra perspectiva, com fundamento na doutrina do professor
ARRUDA ALVIM, poderíamos enumerar as seguintes características dos
direitos reais, para distingui-los dos direitos de natureza pessoal2:
a)
legalidade ou tipicidade – os direitos reais somente existem
se a respectiva figura estiver prevista em lei (art. 1225, CC02 e arts. 524 e 674, CC-16);
b)
taxatividade – a enumeração legal dos direitos reais é
taxativa, ou seja, não admite ampliação pela simples
vontade das partes;
c)
publicidade – primordialmente para os bens imóveis, por se
submeterem a um sistema formal de registro, que lhes
imprime esta característica;
1
Sobre a introdução à matéria e temas correlatos, vale a pena a leitura do excelente livro
Direito das Coisas – vol. 4, FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ SIMÃO, Ed. Método. Outra excelente e
atualizada obra que também recomendamos é a de CRISTIANO CHAVES e NELSON
ROSENWALD, Direitos Reais, pela Ed. Lumen Juris.
2
ALVIM, Arruda. Confronto entre Situação de Direito Real e de Direito Obrigacional.
Prevalência da Primeira, Prévia e Legitimamente Constituída – Salvo Lei Expressa em
Contrário. Parecer publicado na Revista de Direito Privado, vol. 1, janeiro/março de 2000.
São Paulo: RT, 2000, págs. 103/106.
2
d)
eficácia erga omnes – os direitos reais são oponíveis a todas
as pessoas, indistintamente. Ressalte-se, outrossim, que
esta eficácia erga omnes deve ser entendida com ressalva,
apenas no aspecto de sua oponibilidade, uma vez que o
exercício do direito real – até mesmo o de propriedade, mais
abrangente de todos – deverá ser sempre condicionado
(relativizado) pela ordem jurídica positiva e pelo interesse
social, uma vez que não vivemos mais a era da ditadura dos
direitos3;
e)
inerência ou aderência –o direito real adere à coisa,
acompanhado-a
em
característica
nítida
é
todas
nos
as
suas
direitos
mutações.
reais
em
Esta
garantia
(penhor, anticrese, hipoteca), uma vez que o credor
(pignoratício,
anticrético,
hipotecário),
gozando
de
um
direito real vinculado (aderido) à coisa, prefere outros
credores desprovidos desta prerrogativa;
f)
seqüela – como conseqüência da característica anterior, o
titular de um direito real poderá perseguir a coisa afetada,
para buscá-la onde se encontre, e em mãos de quem quer
que seja. É aspecto privativo dos direitos reais, não tendo o
direito
de
seqüela
o
titular
de
direitos
pessoais
ou
obrigacionais;
2. Posse
Teorias Fundamentais da Posse
Savigny – Sua teoria é simples. A posse consiste no poder exercido sobre
determinada coisa, com a intenção, o propósito, de tê-la para si. Seu
conceito pode ser decomposto em dois elementos: animus (a intenção de
3
Nesse sentido, já advertia DUGUIT: “A propriedade não é mais o direito subjetivo do
proprietário; é a função social do detentor da riqueza”. (DUGUIT, Leon. Las
Transformaciones Generales del Derecho Privado. Madri: Ed. Posada, 1931, pág. 37).
3
domínio, a vontade de ter a coisa como sua) e corpus (o poder, o contato
direito sobre a coisa, a apreensão física da “res”). Por ser carregada de
subjetivismo, esta teoria foi duramente criticada por Ihering. Ademais, não
explicava bem a posse indireta, eis que a noção de “corpus” não estaria
nítida. A despeito de suas falhas, indiscutivelmente, esta teoria influencioue influencia – inúmeros sistemas no mundo.
Ihering – Seu pensamento é um pouco diferente. A posse não precisaria
ser decomposta em dois elementos, pois o corpus não seria requisito
independente. Seria um elemento implícito. Posse é, simplesmente, em
uma análise objetiva, a exteriorização da propriedade. Em outras palavras,
possuidor é a pessoa que exerce poderes de proprietário, imprimindo
destinação econômica à coisa. Por considerar irrelevante a prova do animus
– intenção de ter a coisa como sua -, esta teoria conseguiu explicar, de
maneira bem mais satisfatória, a posse indireta.
Segundo a professora Mariana Santiago, países que sofreram influência do
direito romano, como França, Portugal, Itália, Espanha, Argentina seguiram
a teoria subjetiva de Savigny. Já países como Alemanha, Suíça, China,
México e Peru optaram pela teoria objetiva de Ihering (“Teoria Subjetiva da
Posse”, a fonte é o excelente site: www.jus.com.br).
O Código Civil Brasileiro, ao regular a posse, em seu art. 1196, optou, em
nosso sentir, pela teoria objetiva (constitucionalmente reconstruída
com base no princípio da função social), mas, em diversos dispositivos,
deixa-se influenciar pela corrente saviniana, a exemplo da disciplina da
usucapião (vide, v.g., no art. 1238, a referência inequívoca feita ao animus:
“possuir como seu”).
Kohler – A posse seria um instituto social, admitida para garantir a paz
social (tb. referida por Beviláqua, in “Direito da Coisas”). Trata-se de teoria
sem a importância das anteriores. Em nosso sentir, identifica-se com a
própria finalidade do direito que é, exatamente, a garantia de pacificação
social.
4
Questões Especiais de Concurso:
1. O que é o “fâmulo da posse”?
Trata-se do mero detentor da coisa, aquele que conserva a posse em nome
de outrem (com mero animus detinendi), a exemplo do motorista particular
ou do bibliotecário (art. 1198).
Há, vale observar, entendimento no STJ, no sentido de que a ocupação em
área pública traduz mera detenção:
MANUTENÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA, ADMINISTRADA
PELA
“TERRACAP
–
COMPANHIA
IMOBILIÁRIA
DE
BRASÍLIA”.
INADMISSIBILIDADE DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA.
– A ocupação de bem público não passa de simples detenção, caso em que
se afigura inadmissível o pleito de proteção possessória contra o órgão
público.
– Não induzem posse os atos de mera tolerância (art. 497 do Código
Civil/1916). Precedentes do STJ.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 489.732/DF, Rel. Ministro
BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA,
julgado em 05.05.2005, DJ 13.06.2005 p. 310)
Analisando a detenção, CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD, em
bela obra, observam:
“Perlustrando essa trilha, nota-se, então, que o capataz de uma fazenda,
como servidor da posse que é, não concede destinação econômica à coisa”.4
2. O que é “constituto possessório”?
Trata-se da operação jurídica que altera a titularidade na posse, de maneira
que, aquele que possuía em seu próprio nome, passa a possuir em nome de
outrem (Ex.: eu vendo a minha casa a Fredie, e continuo possuindo-a,
como simples locatário). Contrariamente, na traditio brevi manu, aquele
que possuía em nome alheio, passa a possuir em nome próprio (caso do
locatário, que adquire a propriedade da coisa locada).
4
Direitos Reais, 6ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 75.
5
3. O que é “auto-tutela da posse”?
Trata-se de meio legítimo de auto-defesa, exercido segundo o princípio da
proporcionalidade, operando-se em duas situações: legítima defesa e
desforço incontinenti. Tais atos de defesa devem ser moderados, e
mediante o uso de meios necessários. A sua disciplina é feita no art. 1210,
parágrafo primeiro do Código Civil.
4. O que é “interversão da posse”?
Tal expressão traduz a transformação ou a inversão no título a posse, como
se dá na hipótese de o possuidor precário (titular de uma posse “de favor”)
passar a atuar na qualidade de legítimo proprietário.
Confira-se, a respeito, o enunciado 237, da III Jornada:
237 – Art. 1.203: É cabível a modificação do título da posse – interversio
possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar
ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo
por efeito a caracterização do animus domini.
5. O que é “patrimônio de afetação”?
Segundo Hércules Aghiarian, “Este novo sistema de direito real de garantia
oferece oportunidade ao incorporador para destacar de seu patrimônio, ou
de terceiros parceiros, um conjunto de bens que será reconhecido como
patrimônio
autônomo.
Constituído
pelos
recursos
obtidos
com
a
comercialização das futuras unidades, pelas benfeitorias a serem agregadas
a suas receitas, ou mesmo o próprio imóvel sobre o qual venha a ser
edificada a incorporação. Este patrimônio constituído responderá, quando
necessário, por quebras e outras indenizações surgentes por culpa do
incorporador, em favor dos referidos promitentes-compradores, ficando
imune, aliás, às responsabilidades pessoais daquele, como se verá” (fonte:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6408).
6
Consagrado na Lei nº 10.931/04, o patrimônio de afetação visa a imprimir
maior segurança jurídica nas relações travadas no âmbito do mercado
imobiliário, especialmente em favor do consumidor.
Neste sentido, informa o site Precisão Consultoria:
“Esta medida se torna relevante para evitar o que o mercado apelidou de
‘efeito bicicleta’ ou ‘pedalada’, que significa a situação das empresas em
dificuldade econômica que desviam recursos de um novo empreendimento
para um anterior e assim sucessivamente, formando um ciclo vicioso que
tantos prejuízos já causou no passado, ainda vivos na memória recente do
país. Com a nova regra, todas as dívidas, de natureza tributária, trabalhista
e junto a instituições financeiras, ficam restritas ao empreendimento em
construção, não tendo qualquer relação com outros compromissos e dívidas
assumidas pela empresa. Dessa forma, na hipótese de ocorrer falência da
empresa
construtora/incorporadora,
os
compradores
poderão
dar
continuidade à obra, contratando outra empresa no lugar da falida,
configurando o objetivo de garantir ao consumidor a entrega de imóvel
comprado
na
planta”
(fonte:
http://www.precisao.eng.br/fmnresp/afeta.htm ).
Principais Classificações
A) Posse Direta e Posse Indireta (art. 1197);
B) Posse Justa e Posse Injusta (art. 1200);
C) Posse de Boa-Fé e Posse de Má-Fé (arts. 1201 e 1202);
D) Posse Nova e Posse Velha;5
Quem pode Adquirir a Posse (art. 1205)
Modos de Perda da Posse (art. 1223)
5
O CC-02 não repetiu os arts. 507 e 508 do CC anterior, que diferenciavam posse nova e
velha, para efeito de pedido de liminar. Entretanto, entende-se que, nesse ponto, permanece
em vigor o art. 924 do CPC. Lembramos que aspectos processuais, especialmente ações
possessórias, integram outras grades do LFG, não constando do conteúdo do presente Curso
Intensivo 1.
7
Principais Efeitos da Posse
A) Percepção dos Frutos (arts. 1214, 1215, 1216)
Vale lembrar, quanto aos produtos, que duas correntes de pensamento se
desenvolveram na doutrina: a primeira, seguindo interpretação mais literal,
sustenta que pertencem sempre ao proprietário, na forma do art. 1232; já
a segunda, entende que se pode aplicar, por analogia, a disciplina especial
da percepção dos frutos do CC. Seguimos esta última linha de entendimento
que, em nosso sentir, homenageia os princípios da boa-fé e da função sócia.
OBS.:
Vale recordar...
Conforme
vimos
nas
aulas
de
Teoria
Geral,
frutos
são
utilidades
renováveis, cuja percepção não diminui a substância da coisa principal
(exemplo: laranja, café); já os produtos são utilidades que não se
renovam, de maneira que a sua percepção diminui a substância da coisa
principal (pedras extraídas de uma pedreira).6
B) Responsabilidade pela Perda ou Deterioração da Coisa (arts.
1217 e 1218)
C) Indenização
pelas
Benfeitorias
Realizadas
e
Direito
de
Retenção (arts. 1219 e 1220);
D) Proteção Possessória;7
3. Direito Real na Coisa Própria – Propriedade
Conceito.
6
Analisamos este tema, em co-autoria com Rodolfo Pamplona Filho, em nosso volume I –
Parte Geral, do Novo Curso de Direito Civil, no capítulo “Bens Jurídicos”, Ed. Saraiva.
7
Tema desenvolvido em outra cadeira no curso LFG, conforme já mencionamos acima.
8
Trata-se de um direito real complexo, definido no art. 1228 do CC, e
compreensivo das faculdades reais de usar, gozar/fruir, dispor e reivindicar
a coisa¸ segundo a sua função social.
Segundo Gustavo Tepedino, baseando-se em Perlingieri, a função social da
propriedade constitui o título justificativo, a causa de atribuição dos
poderes do seu titular, de maneira que:
“a propriedade, portanto, não seria mais aquela atribuição de poder
tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente, ou, de
qualquer modo, em caráter predominantemente negativo, de tal modo que,
até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para as suas
atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação
do conteúdo da propriedade, ao contrário, dependerá de centros de
interesses extra-proprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da
relação jurídica de propriedade” (Temas Atuais de Direito Civil, Contornos
Constitucionais da Propriedade Privada, Ed. Renovar).
Características
A) complexo – pois é formado por um plexo de poderes ou faculdades;
B) absoluto – pois a sua oponibilidade é “erga omnes”;
C) perpétuo – uma vez que não se extingue pelo simples não-uso;
D) exclusivo – nesse sentido é entendido, pois afasta o exercício do
poder dominial de terceiro sobre a mesma coisa, ressalvando-se a
situação do condomínio, em que há divisão ideal do bem;
E) elástico8 - pois pode ser distendido ou contraído, para formar outros
direitos reais, sem perder a sua essência;
Extensão (art. 1229 e art. 1230)
8
Cuidado com esta característica para concurso!
9
Principal Limitação Constitucional ao Direito de Propriedade – A
sua Função Social (art. 5. , incs. XXII e XXIII)9
Limitações Legais – Direitos de Vizinhança
Trata-se do conjunto de regras que disciplina a convivência pacífica entre
vizinhos. Têm natureza de obrigações “propter rem”.
A) Uso Anormal da Propriedade (arts. 1277 e ss.);
B) Árvores Limítrofes (arts. 1282 e ss.);
C) Passagem Forçada (arts. 1286 e ss.);
D) Passagem de Cabos e Tubulações (arts. 1286 e ss.);
E) Das Águas (arts. 1288 e ss.);
F) Limites e Direito de Tapagem (arts. 1297 e ss.);
G) Direito de Construir (arts. 1299 e ss.)
Faremos a análise desse tema, em sala de aula, mas, desde já,
recomendamos o texto escrito por LUIZ EDSON FACHIN, a respeito dos
“Direitos de Vizinhança”, na obra coletiva “Questões Controvertidas de
Direito Civil – vol. 2”, Ed. Método.
TEXTOS COMPLEMENTARES
TEXTO 01
Posse: Fato ou Direito ?
Arruda Alvim (texto gentilmente cedido pelo grande
Professor, dos seus originais “Comentários ao Código
Civil”)10
9
Veja, a respeito da função social, os textos complementares deste material de apoio.
Aproveitamos, inclusive, a oportunidade, querido (a) amigo (a), para recomendar a
monumental obra recentemente publicada pelo Professor Arruda Alvim: “Livro Introdutório
ao Direito das Coisas e o Direito Civil”, bem como, em sequência, a obra “Comentários aos
arts. 1196 a 1276”, esta última em co-autoria com a brilhante Profa. Monica Couto,
publicação da Ed. Gen-Forense com a Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp).
10
10
Num dos ângulos básicos da visão possessória
de Savigny ------ depois de colocar a questão consistente
em se estabelecer se a posse é fato ou direito -----constatamos aí ser considerada, a posse, em si mesma,
como
um
fato
puro,
em
relação
ao
qual,
todavia,
encontram-se atreladas conseqüências de direito. Em
realidade, mais explicitamente, a dúvida é a que consiste
saber se a posse é mero fato, ou, se é fato e direito. A
idéia é a de que a posse é um fato; porém, melhor
explicada, deve levar a que, conquanto seja um fato, não é
ela (apenas) um fato, no sentido de nesse se esgotar.
Muito pelo contrário, à posse ligam-se conseqüências
jurídicas de alta significação, e, ainda que se possa afirmar
que ela é fato, as aludidas conseqüências são insuscetíveis
de serem negadas. 11
Ernst
Immanuel
Bekker,
12
sublinha
a
discussão em sua época, em relação a ser a posse fato ou
direito, afirmando que a posse, como comportamento e
fazer
[do
possuidor]
é
fato;
como
somatório
das
conseqüências jurídicas, é direito. Este último autor, ao
tratar da aquisição e perda da posse, fundamentalmente
como fatos, conclui: “A posse é um fato. Não é um direito --- nem ilícito --- acompanha [caminha com] o direito”.
Há autores que sublinham que a posse é
elemento de duração de direitos, v.g., como Konrad Cosak,
que diz: “…mas é [a posse] objeto de um direito e como tal
suporte fático ou pelo menos elemento fundamental do
Excelentes juristas participaram dos Comentários ao Livro de Direito das Coisas, nesta
coleção.
11
Friedrich Carl von Savigny, Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische
Abhandlung [O direito de posse - Dissertação civilística], 7ª ed, Viena,
Carl Gedold’s Sohn, 1865, § 5º, p. 43, onde diz que a posse é um fato
puro (,…ein blosses Factum ist:…) – (v. notas 22 e ss, infra).
12
V. Ernst Immanuel Bekker, Das Recht des Besitzes bei den Römern [O
Direito da Posse nos Romanos], Leipzig, ed. Breitkopf und Härtel, 1880,
no capítulo § 5º (“Ius und Factum”) – (“Direito e Fato”), p. 33 – no
original: “Der Besitz ist ein Faktum. Er ist kein Recht, ----- kein Umrecht ---- er geht neben dem Rechte einher”. Igualmente Anton Randa V. Der
Besitz nach österreichem Rechte [A posse no direito austríaco], Leipzig,
edição de Breitkopf e Härtel, 1876, § 3º, p. 32.
11
suporte fático para a subsistência ou a perdurabilidade de
um direito”.
13
Afirma Konrad Büchel que é fato porque o
ladrão pode ter posse, pois se fosse direito, haveria sempre
de ser adquirida por meios jurídicos, onde diz que a posse
somente pode ser entendida como relação de fato (“Er
kann demnach der Besitz nur als faktisches Verhältnis, als
causa facti, in Betracht kommen, und muß daher überall
als begründet erscheinen,……” – em vernáculo: ( “Por isto é
que a posse deve ser havida como relação de fato, como
causa de fato, e por isso, acima de tudo, deve aparecer
como fundada,…”).
14
Anton Friedrich Justus Thibaut, por sua vez,
estabelece os elementos materiais da posse, dizendo que,
em conformidade com o próprio significado romano, que é,
também, no seu sentir, o do direito alemão, possidere,
significa poder físico: “O possidere romano indica, tal como
o alemão possuir, entendido a partir do sentido originário
da palavra significa o fato de alguém poder sentar numa
coisa ou de ter poder físico de apreensão de um corpo”.
Mas
é
relevante
não
deixarmos
de
15
ter
presente que a posse não se reduz a um mero fato, senão
que provoca uma série grande de conseqüências de ordem
jurídica.
Essa posição, entre muitos, é a de Dernburg,
depois de descrever a posse em si mesma, ou, numa
posição que pode ser designada de estática. Diz que “A
posse como tal não é um direito. Todavia, na maioria dos
casos a ela corresponde o direito”.16 Essas noções são,
13
V. Konrad Cosac, Der Besitz des Erben [A posse dos herdeiros],
Weimar, Böhlau, 1877, p. 4 – no original: “…aber er ist Gegenstand eines
Rechtes und als solcher Thatbestand oder wenigstens Hauptelemente des
Thatbestands für die Entstehung und Fortdauer eines Rechtes”.
14
V. Konrad Büchel, Ueber die Natur des Besitzes [Sobre a natureza da
Posse], Marburg, ed. Elwert, 1868, p. 8.
15
V. Anton Friedrich Justus Thibaut, na sua obra Ueber Besitz und
Verjärung [Sobre Posse e Prescrição], Jena, edição Michael Mauke, 1802,
§ Iº - no original: “Das Römische possidere deutet, wie das Deutsche
Besißen, seinem ursprünglichen Worte verstande zufolge, das Factum an,
da Jemand eine körperliche Sache durch Sißen oder körperliches Begreifen
in seiner physichen Gewalt hat,…”.
16
V. Heinrich Dernburg, Das Sachenrecht des Deutschen Reichs und
Preußens [O direito das coisas no Reino alemão e da Prússia], 4ª ed.
retrabalhada, edição da Halle S.A. - Livraria Waisenhauses, 1908, § 11, p.
12
substancialmente, repetidas em livros contemporâneos,
17
o que não significa para esses autores, também, que não
ocorram significativas conseqüências jurídicas, a partir ou
ainda que a partir da afirmação categórica de que a posse
é um fato. Em realidade, a afirmação feita por esses
autores (inclusive Savigny) deve ser lida como significando
que a posse é apenas um fato, em si mesma considerada.
Essa afirmação, por certo, não se estende e não pretende
afastar o conjunto imenso de efeitos jurídicos, que derivam
do “fato” da posse, como se acentuou.
Mas, para que se configure esse fato da posse
------ diferentemente da situação de detenção, onde há,
também,
uma
situação
aparente
de
poder
(controle
material) sobre uma coisa, que se mostra exteriormente tal
como se fosse posse ------ é necessário que haja uma
intenção específica, a que denominou de animus domini,
no entender de Savigny, posição que não é a do nosso
Código Civil e não o era do de 1.916. Na detenção há de
reconhecer-se uma situação de fato a que corresponderia a
uma situação jurídica. A situação de fato do detentor
corresponderia à propriedade.
18
É através do animus
possidendi que essa situação de detenção se alça à
situação de posse, não sendo esta, todavia, a noção de
detenção assumida por este Código e nem pelo Código Civil
de 1916.
19
E, o animus possidendi, a seu turno, explica-se
49 (“Conceito e essência da Posse”), - no original: “Der Besiß als solcher
ist kein Recht. Doch in der Mehrheit der Fälle entspricht er dem Rechte”.
17
V. Jan Shapp e Wolfgang Schur, Sachenrecht [Direito das Coisas],
Munique, 2002, ed. Vahlen, § 5º, b, nº 44, p. 26, onde se lê que a “Posse
é fato, não direito” (“Der Besitz ist Tatsache, kein Recht” – destaque do
original)
18
V. Friedrich Carl von Savigny, Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische
Abhandlung [O direito de posse - Dissertação civilística], 7ª ed., Viena,
Carl Gedold’s Sohn, 1865, § 1º, p. 27) [“…, so liegt in der Detention die
Ausübung des Eigenthums, und sie ist der f a c t i s c h e Zustand, welcher
dem Eigenthum, als einem r e c h t l i c h e n Zustand, correspondiert”]
(destaques do autor) – (“…reside na detenção o exercício da propriedade,
e é ela a s i t u a ç ã o fática, através da qual a propriedade, como uma
situação j u r í d i c a , corresponde”) - (destaques do original).
19
V. Friedrich Carl von Savigny, Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische
Abhandlung [O direito de posse, Dissertação civilística], cit., § 9º, p. 109,
onde diz que ‘por meio do qual [animus possidendi] é que a detenção foi
alçada à situação de posse’ -----“…, durch welchen [animus possidendi]
die Detention zum Besitz erhoben wurde”. V. comentários aos arts. 1.198
13
pelo animus domini ou animus rem sibi habendi, que é o
animus (ou, a intenção) que só o possuidor pode exercitar,
como se proprietário fosse e como este se comportaria em
relação à coisa; ou seja, ele quer faticamente exercer
senhoria [sobre a coisa], tal como um proprietário exerce o
seu direito.
Embora freqüentemente utilizada, a expressão
animus domini não encontra apoio em nenhum texto do
direito romano, sendo uma tradução apontada da paráfrase
de Teófilo que não corresponderia à tradução de animus
domini, mas animus dominantis. Ao contrário encontra-se,
ainda que escassamente, a expressão animus possidendi,
com suas expressões análogas animus possidentis, animus
possessionis.
20
-
21
A concepção de Savigny teve como
pano de fundo a inspiração, possivelmente, do pensamento
de Kant
22
, e a noção de liberdade, i.e., a esfera de
liberdade do possuidor e a agressão a essa situação, que
justificava a defesa da posse.
23
e 1.208, em que, ao lado dos comentários a esses textos, se procura
estudar a detenção nos quadros das teorias subjetiva e objetiva.
20
V. Paola Lambrini, L’Elemento Soggettivo nelle Situazioni Possessorie
Del Diritto Romano Classico [O Elemento Subjetivo nas Situações
Possessórias do Direito Romano Clássico], Padova, Cedam, 1998, p. 28.
21
V. Savigny, Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische Abhandlung, cit.,
§ 9º, p. 110 [O direito de posse, Dissertação civilística], onde está dito:
“…de tal forma que animus possidendi através do animus domini ou
animus rem sibi habendi demandam ser esclarecidos, [e] por
conseqüência somente vale para o que é possuidor, de cuja coisa ele se
comporta como proprietário [e] tem a detenção, isto é, em relação à qual
ele tem o controle material, tal como um proprietário está autorizado em
razão do seu direito”) – no original: “…, so daß der animus possidendi
durch animus domini oder animus sibi habendi erklärt werden muß,
folglich nur der als Besitzer gelten kann, welcher die Sache als
Eigenthümer behandelt, deren Detention er hat, d. h., welcher sie factisch
eben so beherrschen will, wie ein Eigenthümer Kraft seines Rechts zu thun
befugt ist, …”. Com essa explicação, v. Moreira Alves, Posse, 2ª ed., 2.ª
tiragem, Rio de Janeiro, Forense, 1997, vol. I, p. 212, nota 692.
22
Disse o autor francês Jean-Marc Trigeaud: “La possession-droit
savignienne coincide pleinement dans sa configuration et sa structure avec
la notion Kantienne” – (“A posse-direito savigniana coincide inteiramente
na sua configuração e estrutura com a noção kantiana”). Para uma síntese
da influência de Kant e do idealismo alemão na teoria de Savigny, v. JeanMarc Trigeaud, La Possession des Biens Immobiliers, Economica, 1981,
p.459 e ss.
23
Para uma notícia ampla, v. Moreira Alves, Posse, 1.ª ed., 2.ª tiragem,
vol. I, cit., 1997, pp. 209-210 e nota 691, da p. 209. Observa-se dessa
informação (nota 691) que, até mesmo alguns lineamentos da idéia de
14
Se, v.g., é o proprietário que exerce a posse,
correspondente ao direito de propriedade, esta é uma
manifestação do direito subjetivo de que é titular; se,
diferentemente, outrem é o possuidor (sem titularidade
alguma), a situação é diferente, justificando-se a si
própria.24
A concepção de Savigny teve como mérito
realçar os dois elementos que compõem a base do
fenômeno possessório (corpus e animus); não teria,
porém, resistido às observações e objeções traçadas por
Ihering, que procurou desmontar a teoria de Savigny.
Segundo palavras de Ihering “Llamar a la posesión de las
cosas exterioridad o visibilidad de la propiedad, es resumir
en una frase toda la teoria posesoria”
25
.
De outra parte, ainda, Ihering nunca negou o
papel da vontade, pois não há dúvida de que a posse exige
o “querer” como pressuposto do “ter” (rectius, possuir).
Como explica Cornil, responsável por aprofundar a teoria
objetiva: “Em toda relação possessória está implicada
necessariamente
a
vontade.
Sem
vontade
a
relação
exterior com a coisa, fosse mesmo um contato corporal
imediato, é uma simples relação de justaposição local a
que é completamente indiferente o direito”.
26
Contudo, no
que tange ao ônus da prova da posse, a comprovação do
animus colocaria o julgador em posição difícil. Assim, o que
deve determinar a existência da posse relaciona-se com o
posse, tal como fora entendida por Kant, teriam penetrado no pensamento
de Savigny (V. no Livro Introdutório ao Direito das Coisas e o Direito Civil
item 1.8.2, nota 109, o texto de Kant).
24
V. Fedele, ob. ult. cit., I, 2, p. 14, o qual explica a última situação do
texto como um fenômeno autônomo (possideo quia possideo ----- possuo
porque possuo; possuo como estava possuindo).
25
V. Rudolf von Ihering, La Teoria de La Posesión, 2ª ed., trad. Adolfo
Posada, Madrid, 1912, tomo I, p. 222.
26
V. Cornil, Traité de la Possession dans le Droit Romain, Paris, 1905, pp.
34 e ss. – no original: “Tout rapport possessoire implique nécessairement
la volonté. Sans volonté le rapport extérieur avec une chose, fût-il même
un contact corporel immédiat, est un simple rapport de juxtaposition
locale complètement indifférent en droit”.
15
seu perfil (em rigor, perfil externo, o que aparece), tal
como reconhecido pelo ordenamento jurídico27.
Ihering procurou demonstrar que a distinção
entre posse (possessio civilis) e detenção (possessio
naturalis) com base no animus possidendi, não tinha
sustentação perante o direito romano
28
. A teoria de
Ihering foi amplamente aceita, mas a influência de Savigny
foi
extremamente
grande
nas
codificações
que
acompanharam o final do século XIX como demonstra
Cornil.
29
A teoria de Ihering ‘teria superado’ a teoria
subjetiva de Savigny menos pela demonstração lógicoformal, mas através de uma constatação e construção
27
Diz Ihering: “Cuando las dos condiciones de la posesión, esto es, el
corpus y el animus, concurren, se tiene siempre posesión, a menos que
una disposición legal no prescriba excepcionalmente, que sólo hay
simple tenencia” (grifos do autor). (Ihering, La voluntad en la Posesión,
trad. Adolfo Posada do original Der Besitzwille, Madrid, 1910, t. II, p. 22).
28
Como afirma Ihering “El animus domini señala el punto de partida de
mis vacilaciones acerca de la exactidud de la teoria de Savigny. Leyendo
las fuentes, me he encontrado con textos que no es posible armonizar con
ellas, y de los cuales he hablado en el cap. XV. Tales textos produjeron en
mi la convicción de que, para determinar ante las condiciones legales
exteriores de la posesión, o del corpus, si hay posesión o tenencia, en
materia de posesión derivada, lo decisivo, en mi concepto, aunque sea en
contra del sentimento y de la intención de las partes, no es la diversidad
de la voluntad de poseer, sino la naturaleza de la relación existente; la
causa posessionis o el momento causal de la posesión, como yo lo llamo”
(Ihering, La voluntad en la Posesión, trad. Adolfo Posada do original Der
Besitzwille, cit., t. II, p. 8).
29
Para uma simples visualização da influência do animus na definição da
posse em algumas legislações, arroladas por Cornil: Código Civil da
Saxônia de 1863, § 186: “Aquele que tem realmente uma coisa em seu
poder e se há a vontade de exercer [o direito de] propriedade por si
próprio, este é o seu possuidor” – (“Celui qui a une chose réellement en
son pouvoir, en est détenteur, et s’il a la volonté d’exercer sur la chose la
propriété pour lui-même, il en est possesseur”) ; Código do Cantão de
Zurique (Suíça), art. 64: “a aquisição da posse é subordinada, em
princípio, a duas condições: 1. …; A vontade de exercer esse poder
material sobre a coisa” (“L’acquisition de la possession est subordonnée,
en principe, à deux conditions: 1..., 2ª La volonté d’exercer ce pouvoir
matériel sur la chose”); Código espanhol de 1889, art. 430: “A posse civil
é esta mesma detenção, ou este mesmo gozo, unido à intenção de
considerar a coisa ou o direito, como propriedade” - (“La possession civile
est cette même détention, ou cette même jouissance, unie à l’intention de
considérer la chose, ou le droit, comme la propriété”); Código Civil
Japonês de 1896, art. 180: “A posse se adquire pela detenção de uma
coisa com a intenção de a exercer no seu próprio interesse”- (“La
possession s’acquiert par la détention de la chose avec l’intention de
l’exerer dans son propre intérêt”).V. Cornil, Traité de la Possession dans
de Droit Romain, Paris, 1905, p. 544 ss.
16
teórica mais próximas da realidade. Priorizou a visão
realista dos institutos, o que só é possível com a percepção
dos fins para os quais os mesmos existem (método
teleológico).
Não
há
dúvida
de
que
essa
posição
corresponde ao pensamento de Ihering em sua segunda
fase, pois o mesmo viveu um período de transição do
pensamento positivista do século XIX. Num primeiro
momento, valorizou a jurisprudência dos conceitos e todo o
seu formalismo racional, por influência de Puchta, posição
que
mais
tarde
abandonou
ante
a
incapacidade
ou
impotência da jurisprudência dos conceitos se adaptar à
evolução econômica, bem como em fornecer soluções aos
problemas sociais. A jurisprudência dos conceitos revelavase como um espelho dos arquétipos existentes nas fontes
romanas, situação incompatível com o ambiente social da
segunda metade do século XIX. A segunda fase de Ihering
assenta-se em seu amadurecimento e na adoção de uma
visão
pragmática,
catalisador
interesses.
para
a
o
qual
correspondeu
surgimento
da
ao
elemento
jurisprudência
dos
30
A história demonstrou que os romanos sempre
foram avessos a elaborações científicas, no sentido de
formular abstrações, pois estavam mais preocupados em
propiciar soluções práticas aos problemas do cotidiano.
TEXTO 02
Da função social da propriedade imóvel.
Estudos do princípio constitucional e de sua regulamentação pelo
novo Código Civil brasileiro
Juliano Taveira Bernardes
juiz federal em Goiás, professor na Universidade Federal de Goiás,
mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília(UnB), exmembro da magistratura e do Ministério Público do Estado de
Goiás,membro do IBDC (Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional)
30
Para maiores esclarecimentos, vide Karl Larenz, Metodologia da Ciência
do Direito, Lisboa, 1997, Fundação Calouste Gulbenkian. trad. orig.
Methodenlehre der Rechtswissenschaft [6ª edição, 1991], p. 55 ss.
17
Texto disponível no Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4573
1 - INTRODUÇÃO
Surgida no ordenamento jurídico pátrio após a edição do Código
Civil de 1916, a função social da propriedade recebeu importantes
contribuições da Constituição de 1988. Mas, nem bem analisadas as
implicações da atual Constituição em relação à antiga legislação civil, veio a
lume o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10/01/2002), que promoveu
significativas mudanças acerca da matéria. Logo, é oportuno estudar as
inovações obtidas e os problemas que surgirão com a recente concretização
do instituto por meio do novo Código Civil.
Nesse esforço, o estudo começará pela conceituação da função
social da propriedade, passando por breve histórico. Após, pretender-se-á
demonstrar o porquê e as conseqüências advindas do enquadramento do
instituto na acepção de princípio constitucional. Em seguida, partindo da
interpretação da Constituição de 1988, o tema proposto será explorado em
visão sistemática abrangente, não olvidando a legislação que,
paralelamente ao Código Civil, promove a regulamentação da função social
da propriedade. Somente então, no último item do trabalho, é que serão
analisados artigos específicos que tocam a questão, no novo Código Civil,
buscando interligá-los às normas preexistentes, especialmente ao recente
Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 11/07/2001).
Destarte, a preocupação maior do subscritor será uma exegese que
não se limite só à legislação civil recém-editada, mas a ela se chegue após
estudar todo o sistema normativo em que se insere o princípio da função
social e as regras que lhe dão corpo. Intenta-se, dessa forma, superar a
pouca literatura e nenhuma jurisprudência acerca da Lei 10.406/2002.
Por fim, quanto ao corte temático, o trabalho concentrar-se-á na
função social da propriedade imóvel, a despeito de o princípio incidir
também em face de outros tipos de propriedade.
2 – DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
Antes de iniciar a exposição sobre o que vem a ser a chamada
função social da propriedade, não se pode olvidar que o princípio da função
social tem como pressuposto necessário a propriedade. (1) Daí, é de bom
alvitre cuidar simultaneamente, ainda que em breves linhas, do liame
umbilical existente entre função social e direito de propriedade.
Nesse prumo, o Código de Napoleão qualificou o direito de
propriedade, na esfera privada, como o "direito de gozar e dispor das coisas
da maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas
18
leis e regulamentos" (art. 436).
De sua vez, a aplicação do princípio da função social da propriedade
descaracteriza o acerto dessa velha concepção civilista, imantando o direito
de propriedade com um dever de agir, e não apenas uma obrigação de não
fazer (função social ativa). (2) Assim, a propriedade, modernamente,
converteu-se em poder-dever voltado à destinação do bem a objetivos que
transcendem o simples interesse do proprietário.
Porém, não se confunde a função social com as limitações da
propriedade contidas no direito civil, (3) tampouco com as limitações
administrativas. (4) Mesmo sendo inválido afirmar que se resumem a
prestações de não fazer, as limitações constituem condição de exercício do
direito. Já a função social está ligada aos deveres inerentes ao exercício da
propriedade, convertendo-se em "elemento da estrutura e do regime
jurídico da propriedade". (5) Como afirma ARAÚJO SÁ, as limitações
administrativas têm fundamento não na função social da propriedade mas
no poder de polícia, e são externas ao direito de propriedade, interferindo
tão-somente no exercício do direito, enquanto a função social interfere no
conceito e na estrutura do direito de propriedade. (6)
Mesmo a desapropriação, instituto bastante associado à função
social, com ela não se pode baralhar, ainda que o descumprimento desta
possa implicar a decretação de desapropriação. O que sucede é simples
relação de causa e efeito.
Como dizem GUSTAVO TEPEDINO e ANDERSON SCHREIBER, a
funcionalização da propriedade introduz critério de valoração de sua própria
titularidade, que passa a exigir atuações positivas de seu titular, a fim de
adequar-se à tarefa que dele se espera na sociedade. (7)
Aproveitando-se da definição do jus-agrarista argentino ANTONINO
C. VIVANCO, citado por TORMINN BORGES, o princípio da função social
consiste na obrigação condicionante do exercício da propriedade a
interesses que transcendem a vontade do proprietário, de modo a satisfazer
indiretamente as necessidades dos demais membros da comunidade. (8)
Enfim, com arrimo em PIETRO PERLINGERI, pode-se dizer que a
função social converteu-se em título justificativo, verdadeira causa de
atribuição dos poderes do titular da propriedade. (9)
3 – BREVE HISTÓRICO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
É a partir das obras de direito agrário que melhor se remonta o
retrospecto da função social da propriedade. Nessa linha, percebe-se que a
evolução do instituto andou de mãos dadas com o desenvolvimento do
direito de propriedade.
Com base na obra do ilustre professor da Faculdade de Direito da
19
Universidade Federal de Goiás BENEDITO FERREIRA MARQUES, (10) as
origens do princípio da função social estão em lições de ARISTÓTELES, o
primeiro a entender que aos bens se deveria dar uma destinação social.
Depois de ARISTÓTELES, a idéia só foi impulsionada por TOMÁS DE
AQUINO. O conceito tomista de propriedade possuía três planos distintos na
ordem de valores. (11) No primeiro deles, o homem teria um direito natural
ao apossamento de bens materiais, dada sua natureza de animal racional,
como forma de manter sua própria sobrevivência. No segundo, considerouse que o homem não poderia refletir apenas acerca de sua sobrevivência
imediata, como ocorre com os animais irracionais, porque deveria pensar
também no amanhã, pois, para que fosse verdadeiramente livre, precisaria
estar ao abrigo das surpresas econômicas. Num terceiro plano, permitir-seia o condicionamento da propriedade em razão do momento histórico de
cada povo, desde que não se chegasse a negá-lo. Ou seja, embora a
propriedade consistiria num direito natural, o proprietário não poderia
abstrair-se do dever do zelar pelo "bem comum". (12)
Em seguida, operaram-se várias fases da evolução do conceito de
direito de propriedade, até que o Código de Napoleão o fixasse com
características quase absolutas, conforme dispunha o já transcrito art. 436.
E foi com base nessa clássica definição francesa que os códigos civis que se
sucederam buscaram inspiração, inclusive o brasileiro.
Porém, segundo MARQUES, "foi com Duguit, escorado no
pensamento positivista de Comte, que o direito de propriedade se despiu do
caráter subjetivista que o impregnava, para ceder espaço à idéia de que a
propriedade era, em si, uma função social." (13) Assim, afirma MARQUES, o
grande impulso às idéias de subordinação da propriedade a uma finalidade
social teve início com a célebre palestra proferida por DUGUIT em Buenos
Aires no ano de 1911.
Também GUSTAVO TEPEDINO e ANDERSON SCHREIBER creditam a
DUGUIT a difusão do termo função social da propriedade, o qual teria sido
primeiramente estampado na obra Les transformations du droit prive depuis
le Code Napoléon. (14) Os mesmos autores lembram, mais, da contribuição
da doutrina italiana. Citando SALVATORE PUGLIATTI e STEFANO RODOTÀ,
prosseguem TEPEDINO e SCHREIBER, foi na Itália que se soube dar à
função social seu melhor sentido, "não como uma categoria oposta ao
direito subjetivo, mas como um elemento capaz de alterar-lhe a estrutura,
inserindo-se em seu profilo interno e atuando como critério de valoração do
exercício do direito, o qual deverá ser direcionado para um massimo
sociale." (15)
Dignas de registro, ainda, são as influências das teorias marxistas a
apregoar a coletivização da propriedade individual. Tampouco se esqueça a
importância da Igreja Católica, especialmente as encíclicas papais de 1891
(Rerum Novarum, de Leão XIII), de 1931 (Quadragesimo Anno, de Pio XI) e
de 1962 (Mater et Magistra, de João XXIII).
No Brasil, com apoio em LIMA STEFANINI e FERNANDO PEREIRA
SODERO, anota MARQUES que, desde a concessão das chamadas
20
sesmarias, já havia preocupação com o cumprimento da função social, pois
os sesmeiros deveriam cultivar a terra e daí tirar-lhe aproveitamento
econômico. Afirma ainda, embasado em estudo de ROSALINA RODRIGUES
PEREIRA, que também as Ordenações Manoelinas e Filipinas já se
ocupavam de questões ligadas ao uso do solo e a técnicas agrícolas.
Após a independência, a Constituição de 1824 não se dedicou
especificamente ao tema, afirmando o direito de propriedade "em toda sua
plenitude", ressalvada uma "única" exceção: o uso público indenizado do
bem, quando legalmente necessário (art. 179, XXII).
Sob o governo republicano da Constituição de 1891, pouco se
evoluiu, salvo na parte em que prevista a desapropriação por necessidade
ou utilidade pública. Outrossim, muito influenciado pelo Código de
Napoleão, o Código Civil de 1916 não incrementou a função social da
propriedade, limitando-se a regular genericamente os casos de necessidade
e de utilidade pública, para fins de desapropriação (art. 590 e §§1º e 2º), e
de requisição de bens por autoridade pública (art. 591 e par. único).
A seguir, a função social só ganhou algum espaço na Constituição
de 1934, cujo artigo 113, n. 17, estabelecia que o direito de propriedade
não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma da
lei.
Nenhum desenvolvimento se fez sentir na Constituição de 1937,
mas a Constituição de 1946 condicionou o uso da propriedade ao "bemestar social" (art. 147), dando então margem a regulamentação por meio
da Lei 4.132, de 10/09/62, que até hoje cuida dos casos de desapropriação
por interesse social. Não bastasse, nos trabalhos legislativos que
culminaram com a aprovação da desapropriação por interesse social na
CF/46, a proposta de emenda apresentada pelo Senador FERREIRA DE
SOUZA já abordava expressamente a questão da função social, como
informa MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. (16)
Então, editado o Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30/11/64), seu
artigo 2º expressamente tratou da função social do imóvel rural. (17) Daí por
diante, a expressão "função social" foi incorporada nas Constituições
posteriores, (18) até se chegar à atual Constituição de 1988. Nesta, a
inspiração mais próxima, segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO,
deve-se à doutrina social da Igreja Católica, especialmente às Encíclicas
Mater et Magistra, do Papa João XXIII, e Populorum Progressio, do Papa
João Paulo II, "nas quais se associou a propriedade a uma função social, ou
seja, à função de servir como instrumento para a criação de bens
necessários à subsistência de toda a humanidade." (19)
4 - DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL
Não faz parte deste estudo a conceituação do que vem a ser
"norma jurídica", tampouco a questão da estrutura lógica das chamadas
21
"proposições jurídicas". (20) Porém, sem menosprezar as polêmicas
doutrinárias acerca do tema, num primeiro esforço de categorização, já se
afirma que tanto as regras como os princípios serão neste estudo
enquadrados na definição lato sensu de normas jurídicas. (21) Dessa forma, a
classificação das normas jurídicas em sentido estrito, de modo a nestas
incluir somente as regras e não os princípios, será de todo irrelevante, salvo
naquilo que de alguma forma possa exprimir censurável tendência de negar
aos princípios conteúdo normativo. (22)
De sua vez, entendem-se por regras as disposições (interpretadas)
que estabelecem mandatos, proibições ou permissões de atuação em
situações concretas previstas nelas mesmas. (23) No conceito de
CANOTILHO, regras "são normas que, verificados determinados
pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos,
sem qualquer exceção." (24)
Já a conceituação de princípios é mais difícil. Para este estudo,
devem ser entendidos como normas que proporcionam critérios para
tomadas de posições ante situações concretas indeterminadas. (25) Na
festejada definição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:
Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua
exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. (26)
Tratando já daqueles estampados em textos constitucionais, "os
princípios são núcleos de condensação nos quais confluem bens e valores
constitucionais" (CANTILHO e VITAL MOREIRA); (27) "são ordenações que se
irradiam e imantam os sistemas de normas" (AFONSO DA SILVA). (28)
Assim, a normatização e a constitucionalização conferiu aos princípios
constitucionais o status hierárquico de "normas-chaves" do sistema jurídico
(BONAVIDES). (29)
Dito isso, para se saber se a função social, como concebida na
CF/88, é princípio ou regra, cabe expor alguns critérios para diferenciá-los.
Nessa tarefa, a despeito dos clássicos e extratificados critérios de distinção
apontados por CANOTILHO, (30) é de bom alvitre enunciá-los de forma
menos resumida, com apoio, principalmente, na obra já mencionada de
EROS ROBERTO GRAU. (31)
Assim, tem-se que as regras jurídicas são aplicáveis por completo,
ou não se aplicam de modo absoluto. Na dicção de DWORKIN, aplicam-se à
maneira de um tudo ou nada (an all or nothing), (32) não comportando
exceções. (33) Presentes os pressupostos fáticos a que se refira, a regra
(válida) há de ser aplicada. (34)
Já os princípios sequer exigem a indicação das condições
necessárias à sua incidência, pois não configuram uma decisão concreta a
ser necessariamente tomada. Em vez disso, os princípios se qualificam
22
como mandamentos de otimização, (35) acenando uma vontade normativa
inclinada a certa direção. No dizer de ALEXY, os princípios ordenam algo
que deve ser realizado na maior medida possível, tendo em conta as
possibilidades jurídicas e fáticas. (36) Daí, os princípios não contêm
mandamentos definitivos, mas somente prima facie. (37)
Dessa maneira, com apoio em BOULAGER, citado por EROS
ROBERTO GRAU, pode-se afirmar que os princípios, ao contrário das regras,
não admitem a própria enunciação das hipóteses nas quais não se aplicam,
bem como carecem de conteúdo de determinação relativo aos princípios
contrapostos e as possibilidade fáticas, (38) porquanto "são aptos a serem
aplicados a uma série indefinida de situações". (39)
Devido a esse alto grau de abstração, demandam os princípios
constitucionais medidas concretizadoras, o que é feito por meio de outros
princípios de maior densidade (40) (subprincípios), (41) ou mesmo por regras,
até chegar-se, na ponta de final de sua incidência fática, na descoberta da
"norma de decisão" do caso jurídico-constitucional. (42) Ademais, ainda
quando se manifestam as condições nele previstas, um princípio não se
aplica automaticamente. É que, em determinado caso, pode também incidir
um princípio diverso, apontado em sentido diverso. Surge então outra
diferença dos princípios frente às regras jurídicas: como somente uma regra
pode incidir em face de uma idêntica situação, se duas ou mais regras estão
em choque, (43) apenas uma – ou nenhuma – delas poderá ser considerada
válida à regulação da situação concreta, surgindo daí um problema de
antinomia jurídica a ser resolvido. (44) Contudo, mais de um princípio pode
regular uma mesma situação, pois princípios diversos comportam juízo de
ponderação relativa, cujo resultado poderá ser a prevalência de um em
detrimento do outro. Consoante sintetizado por BONAVIDES, com base em
ALEXY, resolve-se o conflito de regras na dimensão da "validade", enquanto
o conflito de princípios é resolvido na dimensão do "valor". (45)
Sem embargo, cabe ressaltar não haver antinomia entre princípios
e regras. Se as regras servem para densificar princípios, o eventual conflito
envolve, na verdade, o próprio princípio objeto de densificação. Logo,
quando um princípio antagônico deva prevalecer, a regra contrastante é
simplesmente afastada da regulação da situação concreta, acompanhando o
próprio princípio desprezado. (46)
Por fim, em vigor a Constituição de 1988, encaixa-se perfeitamente
no conceito de princípio constitucional explícito a exigência de que a
propriedade cumpra sua função social (inciso XXIII do art. 5º). É que a
observância da função social da propriedade não se aplica à maneira de um
tudo ou nada, tampouco se pode, de antemão, indicar todas as condições
necessárias à sua incidência. Em vez disso, a verificação do cumprimento da
função social pode exigir juízos de ponderação em face de outros princípios,
sendo necessária a "concretização" de seu alto grau de abstração. (47) Essa é
a conclusão de JOSÉ AFONSO DA SILVA, para quem a norma-princípio
contida nesse dispositivo é de aplicabilidade imediata. (48)
23
5 – O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988
Já foi dito que a Constituição de 1988 tratou da exigência de que a
propriedade cumpra sua função social no inciso XXIII do art. 5º. Mas a
Constituição também se referiu à função social na redação original do §1º
do art. 156 (hoje alterado pela EC n. 29, de 13/09/2000), no inciso III do
art. 170, no §2º do art. 182, no caput do art. 184, no par. único do art. 185
e no art. 186. Outrossim, o Poder Constituinte derivado se valeu da
expressão em tela no inciso I do §1º do art. 173, na redação dada pela EC
n. 19, de 04/06/98. (49)
É bem verdade que EROS ROBERTO GRAU sustenta que a
referência à função social contida no inciso XXIII do art. 5º não se
justificaria. Defende o ilustre mestre, por essa norma estaria garantida a
propriedade individual, cuja utilização, como instrumento voltado à
subsistência individual e familiar, estaria servindo a uma função individual
ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, daí por que imune à
questão da função social. (50)
Porém, não só com base na premissa de que na Constituição não
há palavras inúteis, pode-se perfeitamente sustentar que toda e qualquer
propriedade privada, material ou imaterial, individual ou coletiva, urbana ou
rural, móvel ou imóvel, deve atender à função social. (51) De efeito, o
princípio atua de forma diferente em relação a cada tipo de propriedade,
conforme a destinação reservada aos respectivos bens. (52) Via de regra, é a
lei que dispõe sobre como a função social estará sendo cumprida, caso a
caso. (53) Nesse pensar, o que pode ocorrer é que a destinação individual do
bem satisfaça à função que socialmente dele se espera. (54) Ou seja,
cumprindo com sua função individual, o exercício do direito de propriedade
poderá estar também obedecendo à função social, mas isso não significa
que a propriedade destinada à subsistência individual esteja de antemão
imune à função social. Tanto não está que o próprio EROS ROBERTO GRAU
tratou de estabelecer exceção a esse raciocínio, dizendo que a propriedade
individual pode exceder sua função meramente individual quando "detida
para fins de especulação ou acumulada sem destinação ao uso a que se
volta." (55)
É evidente, contudo, que na Constituição não houve maior
preocupação com a concretização das normas que dispõem acerca do
princípio da função social da propriedade, salvo em relação aos imóveis
rurais e, com menor intensidade, em face dos imóveis urbanos. Em razão
disso, há quem sustente que as medidas voltadas contra o descumprimento
da função social "só podem ter por objeto terras particulares, sejam
urbanas ou rurais." (56) Porém, consoante exposto, cada tipo de propriedade
sujeita-se a determinados modos de cumprimento da função social. De fato,
a razão do tratamento mais exaustivo do tema da função social em relação
aos imóveis rurais está no maior esforço de regulamentação dos
parlamentares ruralistas. Mas isso, nem de longe, pode excluir a incidência
do princípio a respeito dos demais tipos de propriedade. (57) Confirma-se
esse raciocínio quando se sabe que o conceito de propriedade é mais amplo
24
que o de domínio, pois abrange também os bens imateriais.
Enfim, não se pautando o exercício da propriedade dentro dos
pressupostos da função social, sujeita-se o proprietário à expropriação de
seu direito, seja qual for a modalidade de propriedade. E contra isso não se
pode alegar que a Constituição só se referiu ao descumprimento da função
social, como causa deflagradora de desapropriação, naquela movida por
interesse social para fins de reforma agrária (art. 184). Com efeito, essa
assertiva apenas enuncia que o cumprimento da função social integra o
conceito de interesse social para fins de desapropriação. Não se pode negar,
porém, que o atual diploma legal que regula a desapropriação por interesse
social (Lei 4.132, de 10/09/62) não contemplou expressamente a hipótese
de inobservância da função social. Isso se explica, como visto, porque a
expressão "função social" só veio a ser cunhada posteriormente, pelo
Estatuto da Terra. Mas a própria enunciação dos casos considerados de
interesse social faz crer a presença "latente" do princípio da função social
em muitos dos incisos do art. 2º da Lei 4.132/62. Logo, à luz do art. 184 da
CF, evidencia-se que o legislador poderá encaixar, na regulamentação dos
casos de desapropriação para fins de interesse social, regras atinentes à
expropriação decorrente do eventual desatendimento do princípio
constitucional da função social da propriedade, seja esta de que tipo for. E
nisso reside a razão da relativização da garantia à propriedade no inciso
XXIII do art. 5º, em regra que se repete no inciso III do art. 170 e no §2º
do art. 182 da CF/88.
Todavia, mesmo que facultado à lei incluir hipóteses de
descumprimento da função social aos casos de desapropriação por interesse
social, salvo as exceções expressamente previstas na Constituição, o
pagamento deverá ser feito prévia e integralmente em dinheiro (inciso XXIV
do art. 5º).
Dessarte, os conceitos civilísticos de propriedade, com a
normatização constitucional do princípio da função social, sofreram
profundas transformações. Ao tratamento civil do direito de propriedade
hoje em vigor aplicam-se direcionamentos de direito público voltados à
caracterização da função social, motivo pelo qual, empolgado com a CF/88,
JOSÉ AFONSO DA SILVA afirmou que "o Código Civil não disciplina a
propriedade, mas tão-somente as relações civis a ela referentes". (58)
Porém, ao contrário do que pretendem alguns, a propriedade não
se confunde com sua função social, como bem analisou o ilustre professor
BENEDITO FERREIRA MARQUES. Ainda que a função social faça parte da
estrutura do direito de propriedade, servindo como título jurídico de
atribuição plena das faculdades que lhe são inerentes, não se pode
sustentar que sua eventual inobservância subtraia todos os direitos do
proprietário inadimplente. Isso seria chancelar exagero que daria margem
até para justificar a expropriação sem o pagamento de indenização. É que a
Constituição não baniu o direito de propriedade; apenas impôs a seu
exercício o dever de cumprimento da função social. (59)
Vale dizer: ainda que caiba à lei regular como a função social estará
sendo cumprida, a não-satisfação da princípio só haverá de acarretar as
25
conseqüências estabelecidas na própria Constituição.
E tais conseqüências podem ser: (a) o parcelamento ou edificação
compulsórios dos imóveis urbanos (inciso I do §4º do art. 182 (60)); (b) o
aumento progressivo da carga tributária incidente sobre os imóveis urbanos
(§1º do art. 156, na redação que lhe deu a EC n. 29/2000, c/c inciso II do
§4º do art. 182 (61)) e rurais (art. 153, §4º); (c) a desapropriação-sanção de
imóveis urbanos, com pagamento integral mediante títulos da dívida pública
(inciso III do §4º do art. 182 (62)); (d) a desapropriação-sanção de imóveis
rurais, com o pagamento em dinheiro das benfeitorias úteis e necessárias
(§1º do art. 184) e o restante em títulos da dívida agrária (art. 184, caput);
(e) a desapropriação-sanção, sem indenização, no caso das glebas onde
forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (art. 243 (63)), e;
(f) a desapropriação comum, prévia e integralmente indenizada em
dinheiro, por motivo de interesse social, nas situações a serem
estabelecidas por lei ordinária (inciso XXIV do art. 5º).
Fora dessas hipóteses, porém, remanesce a garantia da
propriedade, inclusive a de reivindicá-la das mãos de terceiros que
injustamente a detenham.
Por derradeiro, consoante afirma JOSÉ AFONSO DA SILVA, "é certo
que o princípio da função social não autoriza a suprimir, por via legislativa,
a instituição da propriedade." (64) Essa assertiva serve para delimitar o
núcleo essencial do direito fundamental de propriedade, daí por que, ao
disciplinar os requisitos de cumprimento da função social, não poderá o
legislador desviar-se de sua finalidade normativa, erigindo deveres
desarrazoados ou que tornem impraticável o exercício do direito de
propriedade. (65) Incidiria aí o princípio da proporcionalidade, em repressão
ao excesso do poder de legislar, pois a função social deve se resumir a algo
atingível, até porque, especialmente em se tratando de imóveis rurais, a
exigência de padrões de produtividade demasiado altos pode acarretar o
esgotamento dos recursos naturais da terra, o que também iria de encontro
à função social.
6 – DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL INSERIDO NA ORDEM ECONÔMICA
Analisando o texto das Constituições anteriores que expressamente
consignaram a função social da propriedade, percebe-se, em todas elas,
que a inclusão do princípio se deu no capítulo destinado à ordem econômica
(cf. art. 157, III, da CF/67 e art. 160, III, da CF/69). De outro turno, ainda
que a Carta de 1988 tenha feito o mesmo, inovou o Constituinte
consagrando o princípio, em relativização ao próprio direito individual de
propriedade, no capítulo destinado aos direitos fundamentais (inciso XXIII
do artigo 5º). Ademais, a propriedade privada foi incluída em inciso
autônomo, entre os princípios da ordem econômica (inciso II do art. 170),
antes mesmo da enunciação do princípio da função social da propriedade
(inciso III do mesmo artigo).
Por conseguinte, pela nova Constituição, a função social não
26
interessa apenas à ordem econômica, mas serve de princípio norteador
também do direito individual de propriedade. Outrossim, inserido no
capítulo da ordem econômica, o conceito de propriedade privada foi ainda
mais "relativizado", (66) em comparação com aquele das Cartas anteriores,
pois passou a se submeter ao juízo de ponderação decorrente da aplicação
de todos os outros princípios integrantes da ordem econômica.
7 – PECULIARIDADES DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
RURAL
Em relação aos imóveis rurais, aplica-se tudo o que se disse acerca
da função social, especialmente em relação à transformação do regime
privatístico de propriedade. Contudo, há certas peculiaridades anotadas
especialmente por jus-agraristas.
Primeiramente, cabe dizer que a expressão "função social da
propriedade rural" é muito criticada pelos estudiosos do direito agrário.
Defendem eles que a expressão utilizada pelo Constituinte não satisfaz
plenamente as preocupações com a total dimensão do problema agrário, o
qual não se resume só à questão da propriedade, pois engloba também a
função social da posse e dos contratos agrários. Daí, sustenta-se a
predileção pela expressão genérica "função social da terra" (67) ou "função
social do imóvel rural", (68) de que seriam espécies a "função social da posse
agrária" e a "função social dos contratos agrários".
Porém, dadas as finalidades deste estudo, que exorbitam o campo
da função social do imóvel rural, com a vênia dos jus-agraristas, tem-se por
escusável a utilização da consagrada expressão "função social da
propriedade".
Na esteira da repercussão do princípio da função social em face do
novo regime da posse agrária, ensina outro ilustre professor GETÚLIO
TARGINO LIMA, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás,
em obra já mencionada, a posse de imóvel rural não mais pode ser
encarada como simples exercício de um dos poderes inerentes ao domínio,
mas sim como um comportamento em relação à coisa que tenha por
pressuposto o cumprimento da função social.
Essa nova concepção de posse agrária vem contaminando a
jurisprudência dos tribunais estaduais, não sendo raro encontrar assentado
em acórdãos que "não se concebe mais a posse como mera emanação do
domínio. O poder fático sobre a coisa (posse), a partir do regramento
constitucional, se caracteriza pelo uso econômico do bem". (69)
Ressalte-se, porém, não serve esse raciocínio de incentivo a
invasões de terra praticadas a pretexto de fazer cumprir a função social.
Conforme jurisprudência do TJRS, citando acórdão do TAMG, não constitui
"o principio constitucional da função social da propriedade justificativa de
27
invasão, a permitir a realização de justiça pelas próprias mãos."
(70)
Assentado tudo isso, já se pode dizer alguma coisa sobre as regras
que dão densidade ao princípio da função social do imóvel rural. Essas
considerações, contudo, serão feitas de maneira perfunctória, dado o
recorte temático do trabalho.
Pois bem. Como antes mencionado, não houve maior preocupação
da Constituição com a concretização das normas que dispõem acerca do
princípio da função social da propriedade, salvo em relação aos imóveis
rurais e, com menor intensidade, em face dos imóveis urbanos.
Enfocando os imóveis urbanos, o tratamento um pouco mais
específico que a Constituição lhes reservou não impediu fosse o tema
tratado com alto grau de abstração. Dispõe o art. 182, §2º, da CF/88, que a
"propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor." (CF, art.
182, §2º). Desse modo, restou ao legislador municipal ampla margem de
poder para dizer como será cumprida a função social. A lei do plano diretor
tratará do assunto. Mas a Constituição também cuida da edição de leis
municipais específicas (no §4º do mesmo artigo) que poderão regulamentar
exigências menos genéricas - se comparadas às previsões do plano diretor , nos termos definidos na recente Lei 10.257, de 11/07/2001, (71) sob pena
de serem aplicadas as sanções previstas nos incisos I a IV do mesmo
parágrafo 4º do art. 182 da CF/88.
No tocante aos imóveis rurais, entretanto, a Constituição foi menos
generosa para com o legislador. De início, percebe-se que só a União
Federal possui competência material para promover a desapropriação por
descumprimento da função social do imóvel rural (caput do art. 184), bem
como para legislar sobre os requisitos a serem atendidos (caput do art.
186). E dessas restrições, com base na teoria dos poderes implícitos, (72)
pode-se extrair outra: só a União detém atribuição para fiscalizar e
controlar a observância da função social do imóvel rural.
Conforme consta do artigo 2º da Lei 8.629, de 25/02/93, a
atribuição para ingressar no imóvel rural, em nome da União, para fins de
levantamento de dados, é realizada por intermédio de "órgão federal
competente" (§2º do art. 2º), (73) tarefa essa que vem sendo observada por
uma autarquia federal, no caso, o INCRA – Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária. Nada indica, porém, essa competência de
controle tenha sido dada com exclusividade à União, motivo pelo qual se
afigura válida a possibilidade de delegação a Estados-membros, Distrito
Federal ou a municípios. (74)
Volvendo à Constituição, percebe-se que o art. 185 estabelece zona
de imunidade à desapropriação por interesse social para fins de reforma
agrária, mesmo que a função social não esteja sendo observada, em
relação: (a) à pequena e média propriedade rural, assim definida em lei,
desde que seu proprietário não possua outra; e (b) à propriedade produtiva.
Nesse prumo, a conceituação de pequena e média propriedade
28
rural só veio a ser estabelecida com o art. 4º da Lei 8.629/93, pelo qual
ficou assentado que pequena propriedade é aquela com área compreendida
entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais (75) e média propriedade é o
imóvel rural (76) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos
fiscais.
Critica-se a dimensão dessa imunidade expropriatória em relação à
grande propriedade produtiva, dizendo que a produtividade é apenas um
dos elementos da função social, motivo pelo qual não basta ser produtivo o
imóvel rural para que seja considerado cumpridor do princípio. (77) Contudo,
defende CELSO RIBEIRO BASTOS a opção da Constituição, afirmando que
parcelar "a propriedade produtiva é prenúncio quase certo de diminuição da
produção com conseqüente degradação dos níveis sociais já atingidos." (78)
Desse modo, mesmo que sem o aplauso de toda doutrina pátria, o fato é
que essa imunidade expropriatória da terra produtiva foi expressamente
consagrada pela Constituição, que previu ainda a edição de lei que garanta
tratamento especial ao imóvel rural produtivo, fixando normas para o
cumprimento dos requisitos da função social (par. único do art. 185).
Neste ponto, cabem breves digressões em torno dos pressupostos a
serem observados no atendimento da função social do imóvel rural. A
começar das regras enumeradas pelo art. 186 da Constituição, o imóvel
rústico deverá simultaneamente satisfazer os seguintes requisitos: (a)
aproveitamento racional e adequado; (b) utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (c) observância das
disposições que regulam as relações de trabalho; (d) exploração que
favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
De conseguinte, fala-se que o preenchimento da função social do
imóvel rural exige a presença simultânea de requisitos espalhados em três
óticas: (79) (a) econômica, ligada à "produtividade" do imóvel rural, ou seja,
seu aproveitamento racional e adequado; (b) social, abraçando as
disposições que regulam as relações de trabalho e as que contemplam o
bem-estar dos que exploram a terra (incluídos aí não só os proprietários e
trabalhadores, mas os que detém a posse direta do imóvel); (c) ecológica,
relacionada com a preservação do meio ambiente, concebido como direito
fundamental de terceira geração, garantido-o à presente e futuras
gerações. (80)
Por óbvio, a Constituição, no caput do art. 186, previu que esses
requisitos fossem fixados por lei, de modo a atender às peculiaridades da
região onde se situa cada imóvel rural. E essa tarefa foi confiada à Lei
8.629/93.
Em linhas gerais, o esquema legislativo de fixação dos critérios de
cumprimento da função social do imóvel rural, conforme estabelecidos pela
Lei 8.629/93, atualmente alterada pela MP 1.577, de 11/06/97, e reedições
(atualmente, MP 2.183-56, de 24/08/2001), pode assim ser resumido.
O reconhecimento da produtividade da gleba exige sejam atingidos,
cumulativamente, nos termos do art. 6º da Lei 8.629/93: (a) um percentual
mínimo de 80% do grau de utilização da terra (GUT), e; (b) um percentual
29
igual ou superior a 100% do grau de eficiência da exploração econômica
(GEE).
O cálculo do índice do GUT considera a área efetivamente utilizada
do imóvel, em cotejo com a área potencialmente utilizável, excluídas, desse
último conceito, por força do art. 10 da Lei 8.629/93, as áreas ocupadas por
construções e instalações, excetuadas aquelas destinadas a fins produtivos,
como estufas, viveiros, sementeiros, tanques de reprodução e criação de
peixes e outros semelhantes; as áreas comprovadamente imprestáveis para
qualquer tipo de exploração agrícola, pecuária, florestal ou extrativa
vegetal; as áreas sob efetiva exploração mineral; as áreas de efetiva
preservação permanente e demais áreas protegidas por legislação relativa à
conservação dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente.
De sua vez, o GEE é obtido por meio da aplicação de sistemática de
cálculo que leva em consideração a destinação econômica da gleba em face
de índices de rendimento considerados medianos, de acordo com a região
onde se localiza o imóvel. Assim, determina o art. 6º, §2º, da Lei 8.629/93,
que, para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada
produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão
competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso
I); para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades
Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão
competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso
II). Então, a soma dos resultados obtidos na forma anterior é dividida pela
área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determinando-se
assim o grau de eficiência na exploração (GEE) do imóvel rural. Dessa
forma, um imóvel com níveis de exploração econômica mais eficientes que
aqueles relativos à média exigida pelos órgãos oficiais poderá obter um
percentual superior a 100% de GEE.
Nada obstante, não há registro de que o Poder Público venha
respeitando a regra do art. 11 da Lei 8.629/93, que mesmo antes da
alteração determinada pela MP 1.577/97, já exigia que, na fixação dos
parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade
fosse ouvido também o Conselho Nacional de Política Agrícola.
De outro turno, mostra-se razoável a Lei 8.629/93, ao não retirar a
qualificação de propriedade produtiva do imóvel que, por razões de força
maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida,
devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no
ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a
espécie (art. 6º, §7º). Assim, os danos à produtividade decorrentes de
esbulho da área podem ser considerados albergados por essa norma legal,
como já reconheceu o STF. (81)
Pela ótica social, considera a lei que a terra, mesmo produtiva,
poderá estar desatendendo à função social se quem a explora o faz com
desrespeito às leis trabalhistas, às disposições dos contratos agrários, bem
como se não forem observadas as normas de segurança do trabalho ou
provoca conflitos e tensões sociais no imóvel (§§4º e 5º do art. 9º da Lei
8.629/93). Aqui, portanto, é importante identificar o agente provocador do
30
conflito social, pois com ele a lei não se compadece. Daí por que se
afiguram materialmente corretas as disposições contidas na atual MP 2.18356/2001, que inseriram os §§6º a 8º na redação do art. 2º da Lei 8.629/93.
(82)
O último dos requisitos - mas nem por isso menos importante - a
ser brevemente analisado diz respeito à utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.
De efeito, considera-se adequada a utilização dos recursos naturais
disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da
terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade (§2º do art.
9º da Lei 8.629/93). E por preservação do meio ambiente deseja a lei a
manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos
recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio
ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades
vizinhas (§3º do art. 9º da Lei 8.629/93). (83)
Neste ponto, percebe-se a necessidade de ponderar os aspectos
relativos ao aproveitamento racional e adequado do imóvel rural (ótica
econômica) em face daqueles referentes à adequada utilização dos recursos
naturais e a preservação do meio ambiente (ótica ecológica). Assim, na
fixação dos requisitos da função social do imóvel rural, a lei há de observar
uma razoabilidade interna (84) que permita a eleição de critérios adequados
tanto sob a ótica econômica quanto ecológica, daí o motivo de a
Constituição mencionar, em ambos os casos, a questão da adequabilidade
(cf. os incisos I e II do art. 186). Dessarte, a fixação do GUT e o GEE não
pode perder de rumo a vedação à exploração econômica depredatória. É
preciso saber se os parâmetros de produtividade que vêm sendo fixados
pelos órgãos do Executivo não estão trabalhando com padrões por demais
genéricos, ou que não levem em consideração certas peculiaridades ligadas
à localização dos imóveis rurais.
Essa importante questão, aliás, sujeita-se ao controle judicial não
só para verificar se o "núcleo essencial" do direito de propriedade está
sendo preservado, diante de eventuais imposições concretamente
inatingíveis, mas principalmente para que não se exijam graus de
exploração econômica mais elevados que a própria capacidade de
regeneração natural do imóvel rural.
8 – DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE IMÓVEL E O NOVO CÓDIGO
CIVIL
Por tudo que foi dito, considerando que a lei há de ser interpretada
sob a ótica constitucional da qual retira validade, é justificado fazer-se uma
releitura das normas infraconstitucionais acerca da propriedade à luz do
princípio da função social. E não há por que excluir desse tratamento
hermenêutico sequer antigos institutos de direito privado, cujas origens
remontam o tempo do direito romano. Aqueles recepcionados pela
Constituição passam a valer ungidos pela função social que condiciona o
31
exercício da titularidade da propriedade. Nas palavras de ARAÚJO SÁ:
A função social, portanto, na concepção dos estudiosos mais
acatados, incide no conteúdo do direito de propriedade, impondo-lhe novo
conceito. A constituição posiciona a propriedade privada como princípio da
ordem econômica, submetendo-a aos ditames da justiça social. É dizer que
se legitima a propriedade enquanto cumpre sua função social. É importante
destacar que a disciplina constitucional deve orientar a compreensão das
normas de direito privado sobre o direito de propriedade, e não o contrário,
como costuma ocorrer na prática jurídica nacional. (85)
Nessa perspectiva, pelo novo Código Civil, instituído pela Lei
10.406, de 10/01/2002 (que entrará em vigor um ano após sua publicação,
ocorrida em 11/01/2002), a questão da função social da propriedade no
Brasil recebe importantes contribuições e institutos.
A começar da seção das disposições preliminares do título relativo à
propriedade (Seção I do Capítulo I do Título III do Livro III da Parte
Especial), logo após seu respectivo conceito (caput do art. 1.228), o novo
Código já cuida de traçar pressupostos à utilização do direito de
propriedade. Seu exercício deverá fazer-se "em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico,
bem como evitada a poluição do ar e das águas" (§1º do art. 1.228).
Assim, a par de reservar à lei especial o tratamento da ótica
ecológica da função social, optou o legislador civil por avançar na
positivação do princípio relativo às finalidades econômicas e sociais da
propriedade, propiciando ao juiz estabelecer as respectivas regras
concretas. Foi agora explicitado o que no Código antigo era princípio geral
implícito norteador do direito de propriedade. (86)
Aliás, inova o recente Código ao indicar algumas regras ligadas à
finalidade social e econômica da propriedade. Esse o caso da norma do art.
1.229, que apesar de inserir na abrangência da propriedade do solo o
espaço aéreo e subsolo, (87) retira a garantia de proteção do direito do
proprietário se desenvolvidas atividades por terceiros a "uma altura ou
profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las."
Da mesma forma, o §2º do art. 1.228 consagrou proibição ao
abuso do direito de propriedade, ao estabelecer serem "defesos os atos que
não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam
animados pela intenção de prejudicar outrem."
Nessas regras, a intenção da lei é clara. A propriedade também é
concebida como fato econômico e social. Daí, restam afastadas pretensões
emulatórias, meramente egoísticas ou idiossincráticas de seu titular, o qual
não pode opor o direito de propriedade tão-só para prejudicar terceiros. (88)
É o velho abuso do direito convertido em tipo de descumprimento da função
social da propriedade. Portanto, a interpretação do §2º do art. 1.228 deve
ser conciliada com disciplina geral do novo Código acerca do abuso de
32
direito (art. 187). É dizer, no estudo da incidência do §2º do art. 1.228,
está o hermeneuta autorizado a considerar ilícitos os atos que
manifestamente excedam os limites impostos pela finalidade econômica ou
social da propriedade, pela boa-fé (objetiva) ou pelos bons costumes. E a
constitucionalidade de tais preceitos não desperta controvérsias, na medida
em que a função social compõe o próprio direito de propriedade, que aliás
não é absoluto - até porque se relaciona com mais de um só sujeito. (89)
Em matéria de aquisição da propriedade imóvel por usucapião, a
Lei 10.406/2002 também é inovadora. (90) O Código de 1916 prevê somente
"o" usucapião (91) ordinário e o usucapião extraordinário. Os requisitos do
primeiro prescindem da boa-fé do possuidor, mas dependem da posse
ininterrupta, e sem oposição, por longos 20 anos. Já no extraordinário,
exige-se a boa-fé do adquirente, mas o tempo de posse é menor: 10 ou 15
anos, conforme se trata ou não de pessoas que residem no mesmo
município.
Na nova sistemática, foram reproduzidas nos artigos 1.239 e 1.240
as hipóteses de usucapião criadas pela CF/88, (92) bem como diminuído o
prazo da usucapião ordinária para 15 anos (caput do art. 1.238), salvo se o
possuidor houver estabelecido no imóvel moradia habitual ou nele realizado
obras ou serviços de caráter produtivo, caso em que o prazo cai para 10
anos (par. único do art. 1.238). (93)
Aqui, mais uma vez, sente-se a preocupação com a função social da
propriedade. (94) A constituição de moradia habitual ou (note-se o caráter
alternativo dos requisitos) a realização de obras ou serviços que remedeiem
a inércia do proprietário reduz o prazo da usucapião, ainda que ausente a
boa-fé do possuidor.
Com relação ao estabelecimento de "moradia", talvez influenciado
pela dicção dos artigos 183 e 191 da CF/88, (95) o novo Código foge de sua
própria sistemática, abandonando o emprego das consagradas expressões
"domicílio" e "residência" (art. 70 e seguintes). Dessarte, moradia não se
confunde com domicílio e tampouco precisa ser a única do possuidor.
Porém, o conceito de moradia está historicamente ligado ao de habitação.
(96)
Logo, apesar de a redução valer para estrangeiros (ressalvada a
hipótese do art. 190 da CF/88), é imprópria sua utilização para pessoas
jurídicas. Outra, aliás, não é a diretriz dos arts. 183 e 191 mencionados. (98)
Além disso, ao exigir que o possuidor tenha estabelecido no imóvel "sua"
moradia, a redação do par. único do art. 1.238 não deixa dúvidas quanto ao
caráter pessoal e indelegável da habitação, pelo que a redução do prazo
não se aplica, e. g., quando, no interstício, tenha havido locação ou
arrendamento do imóvel. Por fim, de modo a evitar abusos, o critério da
"habitualidade" da moradia deverá ser verificado com parcimônia pelo juiz.
"Habitual" não se confunde com "ocasional".
Nada obstante, é possível o aproveitamento do tempo de posse do
antecessor (art. 1.243), desde que presentes as mesmas condições exigidas
ao atual possuidor. E aqui, ao contrário da regra do art. 9º, §3º, do
Estatuto da Cidade, (99) a usucapião do par. único do art. 1.238 não exige
que o sucessor da posse já resida no imóvel por ocasião da abertura da
33
sucessão do antecessor. Basta que à posse anterior se some tempo
suficiente de moradia do sucessor.
De sua vez, não são quaisquer obras ou serviços que possibilitam a
redução do prazo da usucapião ordinária. Exige-se o caráter produtivo.
Assim, em imóveis urbanos, tratando-se de regra excepcional cuja
interpretação se deve fazer restritivamente, é indevida a aplicação da
redução do prazo, v. g., em caso de imóvel utilizado como local de simples
lazer do possuidor. É bem verdade que o art. 182 da CF/88, ao tratar da
política de desenvolvimento urbano, fixa o objetivo de "ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes" (destacou-se). Assim, poder-se-ia argumentar, obras
destinadas ao lazer satisfariam a política de garantir "bem-estar" ao
possuidor de imóvel urbano. Contudo, além de a preocupação com o bemestar do habitante dizer respeito à política confiada ao "Poder Público
municipal", não se confundindo assim com a usucapião regulamentada por
lei federal, não se pode baralhar "caráter produtivo" com "bem-estar do
habitante". Não bastasse o fato da barreira linguística (100) – aqui
insuperável pelo intérprete –, quando a Constituição quis, de certa forma,
aproximar conceitos tão diversos, usou expressões do tipo "adequado
aproveitamento", a exemplo do que ocorreu no §4º do mesmo art. 182.
Quanto a imóveis rurais, aplica-se supletivamente a legislação que
cuida da verificação da produtividade como requisito para desapropriação
por interesse social para fins de reforma agrária.
Em relação à usucapião extraordinária, o recém-aprovado Código
não mais distingue o prazo aquisitivo com base na residência dos sujeitos
envolvidos. Unificou-se em 10 anos o período necessário para usucapir.
Porém, foi diminuído para 5 anos o prazo "se o imóvel houver sido
adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo
cartório, cancelada (sic) posteriormente, desde que os possuidores nele
tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse
social e econômico" (par. do art. 1.242). (101)
Desse modo, ainda que qualificada pela boa-fé na formal aquisição
onerosa de imóvel, outra vez a função social impõe redução ao prazo
prescricional aquisitivo. Porém, as hipóteses não se assemelham
inteiramente às do par. único do art. 1.238. Em primeiro plano, porque a lei
não exige habitualidade na morada. (102) Em segundo lugar, no caso da
usucapião extraordinária de prazo reduzido, dispensa o Código o "caráter
produtivo" das obras e serviços realizados no imóvel, contentando-se com a
exteriorização de "investimentos de interesse social e econômico". Logo,
amplia-se o leque de possibilidades de incidência da nova regra.
Ao final, considerando a própria característica particular do imóvel a
que se refere o art. 1.238, o "interesse social" aqui é entendido de forma
ampla, abrangendo não só interesses da coletividade mas também aqueles
que, apesar de aparentemente individuais, devam ser incentivados,
garantidos ou patrocinados pelo Estado. É dizer, a indeterminação do
conceito de "interesse social" será preenchida, caso a caso, à luz de
determinadas diretrizes contidas na Constituição e leis vigentes. Daí, v. g.,
34
investimentos destinados à "convivência familiar" ou ao "lazer" de crianças
e adolescentes alavancam a redução do prazo da usucapião extraordinária,
pois o caput do art. 227 da CF/88 contém princípio programático de atuação
estatal nesse sentido.
Em matéria de perda da propriedade, contudo, a maior inovação do
Código de 2002 diz respeito aos §§4º e 5º do art. 1.228:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor
da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a
possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância
com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam
preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a
fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer
comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar
outrem.
§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de
desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social,
bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel
reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé,
por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela
houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa
indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como
título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
Assim, por força do §4º, poderá o juiz decretar a perda da
propriedade sobre imóvel de extensa área, havendo ininterrupta posse de
boa-fé, por mais de cinco anos, por parte de considerável número de
pessoas, desde que os possuidores tenham na área realizado, em conjunto
ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse
social e econômico relevante. De outro lado, exige o §5º seja fixada justa
indenização ao proprietário, condicionando ainda o registro do imóvel em
nome dos possuidores somente quando for pago o preço.
Por tais normas, ao condicionar a perda da propriedade a
considerações ligadas ao interesse social e econômico relevante, mais uma
vez se revela a preocupação do legislador com a função social da
propriedade. Contudo, o novo instituto apresenta numerosos problemas.
Em primeiro lugar, não se trata de forma de usucapião, pois a
35
efetiva perda da propriedade deve ser antecedida de indenização
equivalente ao "preço" do imóvel. Ademais, ao contrário da típica sentença
de cunho declaratório da usucapião, a hipótese em tela dá origem a
sentença do tipo "constitutivo", na medida em que o ato judicial só terá
eficácia translativa de domínio após o pagamento da indenização.
Não bastasse a exigência de indenização, distingue-se o instituto
em tela da usucapião especial coletiva criada pelo art. 10 do Estatuto da
Cidade (103) pois esta: (a) é de aplicação restrita às áreas urbanas com mais
de duzentos e cinqüenta metros quadrados; (b) só se aplica a possuidores
de baixa renda; (c) está condicionada à utilização da área para fins de
moradia dos possuidores; (d) prescinde da posse de boa-fé; (e) exige a
impossibilidade de se identificar os terrenos ocupados por cada possuidor; e
(f) não beneficia possuidores que sejam proprietários de outro imóvel
urbano ou rural.
De outro lado, não se pode confundir o instituto com algum tipo de
desapropriação, pois o registro da propriedade se dá em favor de
particulares. Assim, falta-lhe a característica mais singela da desapropriação
que é a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de
entidade de grau inferior para a superior) para o Poder Público ou seus
agentes delegados. (104) Ademais, outras objeções podem ser alinhadas: (a)
não há procedimento administrativo que o anteceda; (b) não é o Poder
Público quem deve suportar a despesa com a indenização; (c) já existe
hipótese de interesse público para desapropriação em caso muito
semelhante (art. 2º, IV, da Lei 4.132, de 10/09/62); e (d) a antiga tradição
brasileira segundo a qual ao juiz não compete decidir sobre a oportunidade
e conveniência da desapropriação (art. 9º do DL 3.365, de 21/06/41).
Por fim, se o Código enumerou a desapropriação no §3º do art.
1.228, pode-se dizer que o §4º subseqüente criou outra forma de perda de
propriedade pois utilizou a expressão o "proprietário também pode ser
privado da coisa...".
Portanto, a regra dos §§4º e 5º do art. 1.228 da nova codificação
parece regular caso de alienação compulsória de imóvel, cabendo ao
Judiciário avaliar a presença dos pressupostos autorizadores, ligados ao
interesse social ou econômico, que impõem o suprimento da vontade do
proprietário. (105) É dizer, em prol do melhor atendimento à função social,
permitem-se que os possuidores adquiram a propriedade do imóvel, de
forma onerosa, mesmo contra a vontade de seu titular.
Nesse prumo, sob pena de não se atingir a vontade da norma, a
alienação forçada há de ser considerada forma originária de aquisição da
propriedade, tornando o imóvel, uma vez registrado em nome dos
possuidores, insuscetível de reivindicação e liberado de quaisquer ônus, (106)
cabendo aos eventuais credores somente a sub-rogação no preço pago ao
antigo proprietário.
De sua vez, o novo Código não condicionou a vigência do instituto a
nenhum óbice além da cláusula geral de vigência de um ano estabelecida no
art. 2.044. (107) Assim, entrando em vigor a Lei 10.406/2002, são aplicáveis
36
os §§4º e 5º do art. 1.228. Dessarte, enquanto não editadas regras
processuais específicas, deve-se utilizar o procedimento comum ordinário,
com certas adaptações ligadas à natureza do novo instituto. (108)
Nada obstante, a ausência de regras processuais é problemática.
Caso o preço não seja pago espontaneamente e não possuam os
possuidores bem penhoráveis, o proprietário ficará em situação delicada. O
fato de o registro da área continuar em seu nome em nada o ajuda se não
houver fixação de prazo razoável, na sentença, para que o preço seja pago
pelos possuidores. Esse, porém, é problema que foge à temática deste
estudo, por merecer estudo aprofundado de direito processual, em especial
sobre a questão das sentenças condicionais (CPC, art. 460, par. único).
Quanto à contagem do prazo necessário à alienação forçada, (109)
vê-se que a regra do art. 1.243 não se estende aos §§4º e 5º do art. 1.228.
Logo, a contrario sensu, afigura-se que o novo Código não deseja a soma
do tempo de posse dos antecessores ao dos adquirentes.
Por fim, em caso de imóvel rural, a grande extensão da área deve
ser aquilitada pelo juiz com base no art. 4º da Lei 8.629/93. Tratando-se de
imóvel urbano, haverá de utilizar-se de algum parâmetro descrito na lei
municipal do plano diretor (art. 182, §2º da CF/88). Na omissão do
legislativo municipal, deve o juiz se valer da regra do art. 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil, mas não pode negar vigência aos §§ 4º e 5º do
art. 1.228.
Mas não é tudo. A Lei 10.406/2002 veiculou outras figuras que
devem ser interpretadas sem olvidar a íntima ligação que mantêm com o
princípio da função social, mesmo tratando-se de institutos de longa data.
Nessa linha, pelos arts. 1.258 e 1.259, a construção que invada
solo alheio pode ensejar a aquisição da propriedade da área invadida:
Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio,
invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte deste,
adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o
valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que
represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da área
remanescente.
Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos
neste artigo, o construtor de má-fé adquire a propriedade da parte do solo
que invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da
construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder
demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção.
Art. 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo
alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do
solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a
invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da
desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir o
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que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão
devidos em dobro.
Dessarte, em vez da antiga sistemática que impunha a simples
demolição do prédio invasor, (110) em nítida preocupação com o atendimento
à função social da propriedade, é possível manter de pé a construção, com
a transferência da propriedade do solo invadido, independentemente da
data do esbulho.
Pela nova codificação, a caracterização do abandono do imóvel foi
facilitada, com a presunção – absoluta – da intenção de abandonar o
imóvel, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de
satisfazer os ônus fiscais (§2º do art. 1.276), a menos que a área se
encontre na posse de outrem (caput do art. 1.276). (111)
Também as velhas regras acerca do uso nocivo da propriedade
foram embebidas da função social. Continua assegurado o direito do
proprietário ou possuidor de fazer cessar interferências prejudiciais à
segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela
utilização de propriedade vizinha (art. 1.277 do CC novo), determinando a
lei nova, porém, se devam considerar as interferências conforme a natureza
da utilização e a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem
as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores
da vizinhança (par. único do mesmo artigo). (112) No entanto, prevê o novo
Código que eventual interesse público - aqui servindo de parâmetro de
aferição do atendimento da função social - poderá justificar a perturbação,
"caso em que o proprietário ou o possuidor, causador delas, pagará ao
vizinho indenização cabal" (art. 1.278, caput). Tudo sem prejuízo a que o
vizinho possa exigir a redução ou eliminação das interferências, quando
possível (par. do art. 1.278).
Não olvidando o antigo direito de passagem do dono de prédio
encravado (art. 1.285), o Código recém-aprovado criou a figura da
passagem de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de utilidade
pública, em proveito dos prédios vizinhos (art. 1.286). Outra concessão à
função social do imóvel em detrimento da propriedade privada.
Por fim, de certa forma, antecipa o novo Código a regulação da
ótica ecológica da função social de propriedade, conforme diretriz contida no
§1º do art. 1.228 já comentado.
Nesse prumo, no art. 1.291, impõe-se a vedação de poluição, por
parte do possuidor do imóvel superior, das águas indispensáveis às
primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores. (113)
Ademais, proibiram-se construções capazes de poluir, ou inutilizar,
para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes
(art. 1.309), bem como escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço
ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades
normais (art. 1.310).
38
Contudo, a parte final do artigo 1.291 permite ao possuidor de
imóveis superiores a poluição das águas que não forem indispensáveis às
primeiras necessidades de vida dos possuidores dos imóveis inferiores,
mediante recuperação ou o desvio do curso artificial das águas, se possível,
ou o ressarcimento dos danos sofridos. Nessa parte, porém, ao admitir a
possibilidade de poluição de águas, o novo Código retrocedeu, já que a
disciplina da matéria está melhor tratada na Lei 6.938, de 31/08/81, que
dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e respectivos
regulamentos. (114) Logo, seria melhor manter a diretriz fixada no art. 1.228,
§1º, que remetia a questão à legislação especial.
8 – CONCLUSÕES
1. Superando velhas concepções absolutistas, a idéia da função
social alterou a estrutura do direito de propriedade, convertendo-o em
poder-dever voltado à destinação do bem a objetivos que, transcendendo o
simples interesse do proprietário, venham a satisfazer indiretamente as
necessidades dos demais membros da comunidade.
2. Na Constituição de 1988, a função social da propriedade tem
status de princípio constitucional que norteia o exercício do direito de
propriedade (inciso XXIII do art. 5º e inciso III do art. 170). Nada obstante,
a Constituição também materializou regras relativas à função social em
artigos específicos (redação original do §1º do art. 156, hoje alterado pela
EC n. 29, de 13/09/2000; §2º do art. 182; caput do art. 184; par. único do
art. 185; art. 186; e inciso I do §1º do art. 173, na redação dada pela EC n.
19, de 04/06/98).
3. A função social vigora em relação a toda e qualquer propriedade
privada, material ou imaterial, individual ou coletiva, urbana ou rural, móvel
ou imóvel, cabendo à lei regular a forma com que se considera atingido o
princípio em relação a cada tipo de propriedade, conforme a destinação
reservada aos respectivos bens.
4. No entanto, ao disciplinar os requisitos de cumprimento da
função social, não poderá o legislador desviar-se de sua finalidade
normativa, erigindo deveres desarrazoados ou que tornem impraticável o
exercício do direito de propriedade. Ademais, a não-satisfação do princípio
só haverá de acarretar as conseqüências estabelecidas na própria
Constituição.
5. A alteração da estrutura do direito de propriedade promovida
pelo princípio da função social justifica a releitura das normas
infraconstitucionais acerca da propriedade, mesmo aqueles antigos
institutos de direito privado, cujas origens remontam o tempo do direito
romano.
6. Nessa perspectiva, o novo Código Civil, instituído pela Lei
10.406/2002, incorpora a preocupação com a observância do princípio da
39
função social em muitos momentos, a começar da própria conceituação do
direito de propriedade em geral, cujo exercício deverá pautar-se de acordo
com finalidades econômicas, sociais e voltadas à preservação do equilíbrio
ecológico, do patrimônio histórico e artístico (§1º do art. 1.228).
7. Além disso, a influência do princípio da função social da
propriedade na Lei 10.406/2002 é sentida em várias outras inovações
normativas, entre as quais se destacam: (a) a supressão da garantia de
proteção do direito do proprietário se desenvolvidas atividades por terceiros
a "uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em
impedi-las" (art. 1.229); (b) a proibição ao abuso do direito de propriedade
(§2º do art. 1.228); (c) diminuição do prazo de usucapião considerando a
fixação, no imóvel, de moradia habitual ou a realização de obras ou serviços
de caráter produtivo (par. único do art. 1.238); (d) a alienação forçada
prevista nos §§4º e 5º do art. 1.228; (e) a aquisição de propriedade por
meio de construção invasora (arts. 1.258 e 1.259); (f) a facilitação da
caracterização do abandono de imóvel foi facilitada; (g) a tolerância ao uso
nocivo da propriedade quando existente interesse público que justifique a
perturbação (art. 1.278, caput); (g) o direito de passagem de cabos,
tubulações e outros condutos subterrâneos de utilidade pública, em proveito
dos prédios vizinhos (art. 1.286); (h) a vedação de poluir as águas
indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos
imóveis inferiores (no art. 1.291); (i) a proibição de construções capazes de
poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia,
a elas preexistentes (art. 1.309), bem como de escavações ou quaisquer
obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às
suas necessidades normais (art. 1.310).
8. Nada obstante, tais inovações despertarão problemas sérios,
especialmente a alienação forçada, bem assim nem sempre representam
progressos, a exemplo do art. 1.309, se comparadas com a legislação
preexistente. No entanto, é positivo o saldo deixado pela nova codificação
em matéria de regulamentação do princípio da função social.
Notas
01. Mais exatamente, anota EROS ROBERTO GRAU, o pressuposto
da função social é a propriedade privada, pois seria pleonasmo falar-se em
função social da propriedade coletiva (Os princípios e as regras jurídicas. In
____. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica).
São Paulo: RT, 1990, p. 244). Ressalte-se que esse comentário de GRAU
consta em obra publicada em 1990. Porém, ele próprio já havia mencionado
a possibilidade de a função social se referir às empresas estatais, como veio
a ser recentemente positivado pela EC n. 19/98, que alterou a redação do
art. 173, referindo-se à função social das empresas públicas, sociedades de
economia mista e suas subsidiárias.
02. A expressão é de EROS ROBERTO GRAU (op. cit., p. 251).
03. Pela didática divisão das limitações da propriedade feita por
40
ARNOLDO WALD (Curso de direito civil brasileiro. Vol. III. Direito das coisas.
10. ed. São Paulo: RT, p. 114 e seguintes), podem-se distinguir três ordens
de limitações. As voluntárias formam aquelas criadas por ato dispositivo do
próprio proprietário, como a concessão de direitos reais limitados em favor
de terceiros (usufruto, servidão, uso), bem assim a instituição de cláusulas
resolutórias que eliminam o caráter perpétuo do direito (fideicomisso, venda
com reserva de domínio, alienação fiduciária) ou a faculdade de dispor do
bem (cláusula de inalienabilidade). As existentes no interesse particular são
limitações às quais se enquadram as regras de direito de vizinhança, em
caráter suplementar às limitações administrativas. Por fim, as limitações
existentes no interesse público, segundo WALD, são repercussão das
emanações da soberania estatal representadas pela tributação, a
desapropriação e a requisição. Sobre essas últimas, porém, os
administrativistas não concordam com tal classificação lato sensu de
limitações. Preferem eles distinguir espécies pertencentes ao gênero das
restrições do Estado sobre a propriedade privada, entre as quais se incluem
as chamadas limitações administrativas propriamente ditas (v. g., DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo:
Atlas, 1997, p. 101/153).
04. Nesse sentido, com fulcro em estudo de CARLOS ARI SUNFELD,
veja-se EROS ROBERTO GRAU, op. cit., p. 250-251. Cf. especialmente o
artigo de ARAÚJO SÁ, Adonis Callou de. Função social da propriedade e
preservação ambiental. Boletim dos Procuradores da República, n. 19, p.
10-18, nov. 1999).
05. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.
15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 276.
06. Função social da propriedade e preservação ambiental, Boletim
dos Procuradores da República, n. 19, p. 10-18, nov. 1999.
07. Cf. "O papel do Poder Judiciário na efetivação da função social
da propriedade". Cadernos Renap – Rede Nacional dos Advogados e
Advogadas Populares n. 2, nov. 2001, p. 36.
08. Teoria de derecho agrario, v. 2, p. 472-473, apud BORGES,
Paulo Torminn. Institutos básicos do direito agrário. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 1992, p. 8-9.
09. Apud TEPEDINO e SCHREIBER, op. cit., p. 40.
10. Direito agrário brasileiro. 2. ed. Goiânia: AB Editora, 1998, p.
49-53.
11. BORGES, op. cit., p. 5 e seguintes.
12. Apud MARQUES, op. cit., p. 49.
13. MARQUES, op. cit., p. 50.
41
14. Op. cit., p. 38.
15. Idem.
16. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p.
104/105.
17. É este o teor do art. 2º do Estatuto da Terra, na parte em que
tratou da função social:
"Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à
propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma
prevista nesta Lei.
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua
função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que
nela labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de
trabalho entre os que a possuem e a cultivem."
18. Cf. art. 157, III, da CF/67 e art. 160, III, da CF/69.
19. Op. cit., p. 105/106.
20. Sobre o assunto, cf. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do
direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1997, p. 350-389.
21. Nesse sentido, apoiando-se em ALEXY, DWORKIN e
CRISAFULLI, cf. PAULO BONAVIDES, Curso de direito constitucional. 5. ed.
São Paulo: Malheiros, 1994, p. 243. Outrossim, v.g.: CANOTILHO, J. J.
Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 1.086; GRAU, op. cit., p. 122-128; BARROSO, Luís
Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1998, p. 141; BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da
proporcionalidade e o controle de constitucionalidade de leis restritivas de
direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 153. Contra: JOSÉ
AFONSO DA SILVA, para quem a junção de regras e princípios no conceito
de normas "exige a conceituação precisa de norma e regras, inclusive para
estabelecer a distinção entre ambas, o que os expositores da doutrina não
têm feito, deixando assim obscuro seu ensinamento" (Curso..., p. 96).
22. É importante de antemão evidenciar que o conceito adotado de
"disposição" é sinônimo do de "preceito", mas se difere daquele de "norma
42
jurídica". Com base em CANOTILHO e VITAL MOREIRA, designar-se-á "por
‘disposição’ ou ‘preceito’ o simples enunciado de um texto ou documento
normativo; e por ‘norma’ o significado jurídico-normativo do enunciado
lingüístico" (Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991,
p. 47). Equivale a dizer, "disposição é a parte de um texto ainda a
interpretar" e "norma é parte de um texto já interpretado" (CANOTILHO,
Dir. const. e teoria..., p. 1.128).
23. Cf. REVORIO, Franciso Javier Días. Valores superiores e
interpretación constitucional. Madrid: Centro de Estudos Políticos y
Constitucionales, 1997, p. 101-102.
24. Dir. const. e teoria..., p. 1.177.
25. Cf. REVORIO, op. loc. cit.
26. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros,
1996, p. 545-546. Esse conceito de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO
também é adotado por BARROSO, op. cit., p. 143 e citado por GRAU, op.
cit., p. 97.
27. Op. cit., p. 49.
28. Curso..., p. 96. Tal conceito é válido para o presente estudo, a
despeito de seu autor não concordar com a submissão dos princípios ao
gênero das normas.
29. Op. cit., p. 257.
30. Segundo CANOTILHO, a distinção entre princípios e regras pode
ser apontada pelos seguintes critérios: a) grau de asbtração; os princípios
são normas com grau de abstração superior; b) grau de determinalidade:
na aplicação do caso concreto, ao contrário dos princípios, as regras são
suscetíveis de aplicação direta; c) caráter de fundamentabilidade: os
princípios são normas com um papel fundamental no ordenamento jurídico,
devido à sua posição de hierárquica no sistema das fontes de direito ou à
sua importância estruturante dentro do sistema jurídico; d) "proximidade"
da idéia do direito: os princípios são "standards" juridicamente vinculantes
radicados nas exigências de "justiça" (DWORKIN) ou na "idéia de direito"
(LARENZ), enquanto as regras podem ser vinculativas em razão de
conteúdo meramente funcional; e) natureza normogenéticas: os princípios
são fundamentos que constituem a ratio das regras jurídicas. Cf. Direito
constitucional..., p. 1.086-1.087.
31. GRAU, de sua vez, utilizou-se de vários autores, com aparente
predileção pelas lições de RONALD DWORKIN.
32. Apud BONAVIDES, op. cit., p. 253. No mesmo sentido, GRAU,
op. cit., p. 107.
33. Contrariamente, ALEXY admite obtemperamento ao caráter
43
definitivo das regras exposto por DWORKIN. Diz o mestre alemão que, em
razão da decisão de um caso concreto, é possível introduzir numa regra
alguma cláusula de exceção a partir da qual aquela perde seu caráter
definitivo para a decisão. Afirma ainda que a cláusula de exceção pode ser
criada com base num princípio, daí por que, ao contrário do que pretende
DWORKIN, existiriam cláusulas de exceção que não poderiam sequer ser
teoricamente enumeradas, conferindo assim às regras certo caráter prima
facie (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 2. reimp.
Madrid: Centro de Estudos Políticos y Constitucionales, 2001, p. 99-100).
No entanto, como ficará melhor exposto, tal concepção de ALEXY gera
problemas no estudo da questão relativa ao afastamento ou não da regra
quando há de prevalecer, contra o princípio que lhe dá base, um princípio
opositor.
34. É bem verdade que, para atingir a abstração e generalidade
desejadas, as regras jurídicas devem ser formuladas em linguagem textual
aberta, mas nem por isso é acertado dizer que estejam elas sujeitas a
exceções que não podem ser previamente especificadas. De efeito, é
justamente em razão de sua "textura aberta" que se admite que uma regra
se aplique a esta e não àquela situação. Mesmo quando a regra não seja
aplicada em face de situações futuras, pois não contempladas em seu
enunciado, não há que se falar em exceção, e sim em não incidência da
regra. Cf. GRAU, op. loc. cit.
35. A idéia de conformação dos princípios como mandamentos de
otimização (Optimierungsgebot) é de ALEXY (Teoria..., cit.) e parece ser
também adotada por CANOTILHO, que trata os princípios como "normas
jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de
concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos" (Direito
constitucional e teoria..., p. 1.087). Mas nem por isso a idéia passa
incólume pelo crivo crítico da doutrina, como demonstra INOCÊNCIO
MÁRTIRES COELHO, ao dizer que o raciocínio de ALEXY não é utilizável
"somente na aplicação dos princípios, mas também na concretização de
todo e qualquer standard normativo" (COELHO, Inocêncio Mártires.
Elementos de teoria da Constituição e de interpretação constitucional. In
____; BRANCO. Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira.
Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília
Jurídica, 2000, p. 76op. cit., p. 51).
36. Teoría..., p. 99. CANOTILHO se vale de conceito praticamente
idêntico. Para ele, princípios "são normas que exigem a realização de algo,
da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e
jurídicas." (Op. cit., p. 1.177)
37. ALEXY, op. loc. cit.
38. ALEXY, idem.
39. Os princípios..., p. 113.
40. Os conceitos de concretização e densificação de uma norma são
aqueles mesmos expostos por CANOTILHO (Dir. constitucional e teoria..., p.
44
1.127).
41. Comentando os princípios constitucionais, é digna de nota a
delimitação de um sistema interno de princípios e regras constitucionais
exposto por CANOTILHO. Para o autor, também os princípios constitucionais
respeitam certa graduação, conforme os diferentes graus de concretização
(densidade semântica) que possuem. Dessa forma, CANOTILHO sugere a
articulação de esquema progressivo de densificação dos princípios
constitucionais (princípios estruturantes → princípios constitucionais gerais
→ princípios constitucionais especiais), até a densificação feita pela atuação
(→) das regras constitucionais, formando assim um sistema de
"esclarecimento recíproco". CANOTILHO diz ainda que os princípios
estruturantes não são densificados apenas por esses princípios e regras
constitucionais. Assevera que o processo de concretização acontece,
principalmente, pelas regras feitas pelo legislador (concretização legislativa)
e pela aplicação do direito pelos tribunais (concretização judicial),
culminando com a descoberta da "norma de decisão" do caso jurídicoconstitucional, ponta final do processo de concretização do princípio. A
despeito disso, porém, para CANOTILHO, todas as normas originais de uma
constituição têm o mesmo valor (Direito constitucional. 6. ed. Coimbra:
Almedina, 1993, p. 70-71), sendo improcedente a eleição de normas
constitucionais "fortes" e "fracas", bem como a doutrina da existência de
normas constitucionais originais inconstitucionais.
42. CANOTILHO. Dir. const. e teoria..., p. 1.127.
43. O choque pode ser evitado com a introdução de cláusula de
exceção em uma das regras, prevendo-se hipótese de aplicação da outra.
Nesse sentido, cf. ALEXY, op. cit., p. 88.
44. Por todos, confira-se a exposição de NORBERTO BOBBIO
(Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite
dos Santos. Brasília: UnB, 1999, p. 91-110) acerca da antinomia jurídica,
cujos critérios de resolução foram em três resumidos (lex superior derogat
inferiori, lex specialis derogat generalis e lex posterior derogat priori).
45. Op. cit., p. 251.
46. GRAU, op. cit., p. 134. Aqui, portanto, segue-se caminho
diverso do adotado para ALEXY, segundo o qual, diferentemente do
princípio, uma regra não é deixada de lado (soslayada, na tradução
espanhola) quando, num caso concreto que se deve decidir, o princípio
oposto tenha maior peso que o princípio sobre o qual se apóia a regra (op.
cit., p. 100). Afigura-se que o equívoco de ALEXY é reflexo de sua tentativa
de infirmar a tese do caráter definitivo das regras exposto por DWORKIN, o
que deu margem à afirmação de ser possível introduzir numa regra cláusula
de exceção baseada em determinado princípio contrário, daí por que a regra
perderia seu caráter definitivo para a decisão do caso concreto. Foi em
razão disso que ALEXY teve de aceitar ficasse de pé uma regra, a despeito
de prevalecer, no caso, o princípio oposto.
45
47. O que não impede, porém, como leciona CANOTILHO, que a
própria Constituição já alinhe certas regras que densifiquem o princípio da
função social da propriedade.
48. Cf. SILVA, Curso..., p. 285.
49. Aqui, porém, a utilização do princípio da função social se
desviou daquela empregada pelo Constituinte originário, pois se refere à
função social das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas
subsidiárias.
50. Op. cit., p. 247.
51. Nesse sentido: BENEDITO FERREIRA MARQUES, para quem o
princípio incide "sobre qualquer bem, corpóreo ou incorpóreo" (op. cit., p.
50). Ademais, nas palavras de JOSÉ AFONSO DA SILVA, a função social
atinge "a propriedade em geral" (Curso..., p. 284), daí por que se estende
"a todo e qualquer tipo de propriedade" (ibidem, p. 780).
52. SILVA, Curso..., p. 277. No mesmo sentido, ARAÚJO SÁ, op.
loc. cit.
53. Exceção é o artigo 186 da CF/88, que, ao cuidar da função
social da propriedade rural, acabou por reduzir a margem regulatória do
legislador, ao estabelecer os requisitos previstos nos incisos I a IV.
54. Sobre o assunto, afirma CELSO RIBEIRO BASTOS haver "uma
perfeita sintonia entre a fruição individual do bem e o atingimento da sua
função social." (Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
1998, p. 210).
55. Op. cit., p. 249.
56. BASTOS, op. cit., p. 210.
57. No caso, por exemplo, da propriedade sobre bens de consumo
e de uso pessoal, anota JOSÉ AFONSO DA SILVA que, em razão do princípio
da função social, justifica-se até "a intervenção do Estado no domínio da
sua distribuição, de modo a propiciar a realização ampla da função social."
(Curso..., p. 779.)
58. Op. cit., p. 276.
59. Op. cit., p. 48-49.
60. Tal norma foi recentemente regulamentada pela Lei
10.257/2001, cujo projeto aprovado pelo Congresso acabou por consagrar
(no Capítulo II da Seção II, que antecede os artigos 5º a 6º), ao lado do
parcelamento e da edificação compulsórios, a figura da utilização
compulsória, extrapolando assim a permissão constitucional contida no §4º,
inciso I, do art. 182, motivo pelo qual foi vetado o inciso II do §2º do art.
46
5º do Estatuto da Cidade, ao fundamento de que "em se tratando de
restrição a direito fundamental – direito de propriedade –, não é admissível
a ampliação legislativa para abarcar os indivíduos que não foram
contemplados pela norma constitucional" (Mensagem n. 730, de
10/07/2001, DOU de 11/07/2001, p. 5).
61. Norma disciplinada pela Lei 10.257/2001, artigo 7º.
62. Confira-se a regulamentação do art. 8º da Lei 10.257/2001.
63. Regulamentado pela Lei 8.257, de 26/11/91. Ainda sobre o
assunto, foi oposto veto ao §8º do art. 8º do projeto que deu origem à Lei
10.409, de 11/01/2002 (cf. DOU de 14/01/2002). O dispositivo vetado
excepcionava a expropriação se provada a boa-fé do proprietário que não
estivesse na posse direta da gleba onde encontrado plantio ilegal.
64. Op. cit., p. 286.
65. Sobre o assunto do "núcleo essencial" dos direitos
fundamentais, por todos, cf. BRANCO. Paulo Gustavo Gonet. Aspectos da
teoria geral dos direitos fundamentais. In ____; COELHO, Inocêncio
Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica constitucional e direitos
fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 127.
66. Entendendo assim: SILVA, Curso..., p. 778.
67. Nesse sentido, v. g., ALCIR GURSEN DE MIRANDA, citado por
FERREIRA MARQUES (op. cit., p. 52) e LIMA. Getúlio Targino. A posse
agrária sobre bem imóvel: implicações no direito brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 1992.
68. MARQUES, op. cit., p. 53.
69. Ap. Cível n. 196005284/Santo Ângelo, Tribunal de Alçada do
RS, 4ª Câmara Cível, Rel. Juiz WELLINGTON PACHECO BARROS, j.
11/04/96.
70. AGI n. 70001037027, 18ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. ILTON
CARLOS DELLANDREA, julgado em 29/06/2000. No mesmo sentido:
"Função social da propriedade não significa ensejar-se a invasão, a quem
assim entender. Respeito à ordem jurídica, como inabalável valor para a
coexistência civilizada." (APC n. 598450419, 20ª Câmara Cível, TJRS, Des.
ARMÍNIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, julgado em 26/10/1999.)
71. A Lei 10.257/2001, regulamentando os artigos 182 e 183 da
Constituição, cuida do Estatuto da Cidade.
72. Acerca da teoria dos poderes implícitos, segundo CARLOS
MAXIMILIANO, "quando a Constituição confere poder geral ou prescreve
dever franqueia também, implicitamente, todos os poderes particulares,
necessários para o exercício de um, ou cumprimento do outro"
47
(Hermenêutica e aplicação do direito. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994,
p. 312). Para maiores detalhes na doutrina pátria, cf. BONAVIDES, Curso...,
p. 430-434.
73. Esse dispositivo, atualmente, encontra-se com a redação
alterada por força da MP 2.183-56, de 24/08/2001, a qual, porém, não
alterou substancialmente esse aspecto da questão.
74. De qualquer modo, está atualmente em vigor a MP 2.18356/2001, cujo artigo 2º promove alteração na redação do art. 6º do
Estatuto da Terra, com a exata finalidade de deferir ao INCRA competência
para, mediante convênio, delegar aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios o cadastramento, as vistorias e avaliações de propriedades rurais
situadas no seu território, bem como outras atribuições relativas à execução
do Programa Nacional de Reforma Agrária, observados os parâmetros e
critérios estabelecidos nas leis e nos atos normativos federais.
75. O conceito de módulo fiscal é aquele decorrente da alteração do
texto do art. 50 do Estatuto da Terra, por força da Lei 6.746, de 10/12/79.
76. Sobre a definição de imóvel rural, cf. art. 4º, inciso I, da Lei
8.629/93. Porém, deve-se atentar à grande celeuma apontada pelos jusagraristas, que remontam a importância do critério da destinação da gleba
para fins de sua categorização como imóvel rural, o que encontra óbices em
razão da definição contida nos artigos 29 e 32 do Código Tributário
Nacional. Acerca do assunto, cf. o julgado do STF no RE 93.850/MG, Pleno,
Min. MOREIRA ALVES, RTJ 105/194 e especialmente a ótima exposição de
MARQUES, op. cit., p. 37-44.
77. Cf. SILVA, Curso..., p. 786.
78. Op. cit., p. 212.
79. Nesse sentido, citando trabalho de ROSALINA PINTO DA COSTA
RODRIGUES PEREIRA, cf. MARQUES, op. cit., p. 56-57.
80. Cf. ARAÚJO SÁ, Função social..., cit.
81. STF, Pleno, MS 22.328/PR, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJU de
19/09/97, p. 45.583.
82. Eis o teor dos dispositivos inseridos no art. 2º da Lei 8.629/93:
"§ 6o O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de
esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário
de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois
anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de
reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa
de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o
descumprimento dessas vedações.
48
§ 7o Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo
Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de
Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de
inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à
terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em
conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural
de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de
vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo
objeto de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse
ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado
como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça,
seqüestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em
cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal
praticados em tais situações.
§ 8o A entidade, a organização, a pessoa jurídica, o movimento ou
a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente,
auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasão de
imóveis rurais ou de bens públicos, ou em conflito agrário ou fundiário de
caráter coletivo, não receberá, a qualquer título, recursos públicos."
83. Sobre o assunto, não custa repetir, veja-se o excelente artigo,
já citado, do Procurador da República no Ceará ARAÚJO SÁ, que traça a
ligação entre o cumprimento da função social e a proteção do meio
ambiente.
84. Comentando a questão da "razoabilidade interna", cf.
BARROSO, Luís Roberto. O princípio da razoabilidade e da proporcionalidade
no direito constitucional, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência
Política, n. 23, p. 65-78, abr./jun. 1998.
85. Op. loc. cit.
86. Tanto já era princípio geral que WASHINGTON DE BARROS
MONTEIRO sustentava a existência de um interesse social que cerceava o
proprietário que quisesse se opor à passagem de cabos empregados na
tração do bonde aéreo do Pão de Açúcar ou à perfuração do solo para
instalação do metrô (cf. Curso de direito civil. 27. ed. São Paulo: Saraiva. 3.
v., p. 93).
87. Sem modificar, porém, a regulação especial das jazidas, minas
e demais recursos minerais, conforme dispõe o art. 1.230.
88. Tais comportamentos proibidos ocorrem com freqüência em
condomínios edilícios, onde é maior a interação entre vizinhos. Exemplo é a
intolerância frente ao uso de pequena parcela do espaço de garagem, inútil
a seu proprietário.
89. Esse é um dos argumentos utilizados por ROBERT ALEXY para
negar a existência de princípios absolutos (Teoria..., p. 106).
49
90. Em matéria de usucapião da propriedade móvel, manteve-se,
no substancial, o mesmo regime do Código de 1916.
91. Curiosamente, o novo Código trata usucapião no feminino,
enquanto o de 1916 o fazia no masculino. Corretas as duas utilizações,
conforme Dicionário Houaiss da língua portuguesa (Rio de Janeiro: Objetiva,
2001, p. 2.815), ainda que o Aurélio só aceite a forma feminina (14. reimp.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [ca 1986], p. 1.434), não havia motivos
para se alterar o tratamento legislativo.
92. Não olvidar a proibição de usucapião em imóveis públicos (arts.
183, §3º, e 191, par. único, da CF/88).
93. Atentar, porém, para o art. 2.029, que manda acrescer dois
anos à contagem do prazo par. único dos arts. 1.238 e 1.242, até que se
completem dois anos da entrada em vigor do novo Código.
94. Nesse sentido, CELSO RIBEIRO BASTOS enxerga nas previsões
de usucapião contidas nos arts. 191 e 183 da CF/88 afinidade com o
instituto da função social da propriedade (Comentários..., 7º vol, 1990, p.
336/337).
95. Omissa a previsão do usucapião nas Cartas de 1967 e 1969, o
art. 156, §3º, da CF/46, o art. 148 da CF/37 e o art. 125 da CF/37 também
falavam em "morada" do possuidor.
96. Cf. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001, p. 1.958.
97. Interpretando assim o art. 183 da CF/88, cf. CELSO RIBEIRO
BASTOS, Comentários..., 7º vol, 1990, p. 228, rodapé).
98. Diz o art. 9º do Estatuto, ao tratar da usucapião especial de
imóvel urbano:
"Art. 9o Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de
até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
§ 1o O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou
a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2o O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao
mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de
pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por
ocasião da abertura da sucessão."
50
99. Sobre o sentido lingüisticamente possível como limite objetivo
da interpretação, cf. COELHO, Elementos..., p. 76.
100. Conferir o art. 2.029, que manda acrescer dois anos à
contagem do prazo par. único dos arts. 1.238 e 1.242, até completar-se
dois anos da entrada em vigor do novo Código.
101. Motivo a mais para reforçar a desejada cautela do juiz na
verificação da hipótese do par. único do art. 1.238.
102. Confira-se o teor do dispositivo citado:
"Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta
metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua
moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for
possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são
susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores
não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por
este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas
sejam contínuas.
§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada
pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no
cartório de registro de imóveis.
§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a
cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um
ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo
frações ideais diferenciadas.
§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo
passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo,
dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior
à constituição do condomínio.
§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio
especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes,
obrigando também os demais, discordantes ou ausentes."
103. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19.
ed. atualiz. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 508.
104. De se ressaltar que o velho Código também previa casos de
alienação forçada, como no art. 632 (alienação de coisa indivisível em
condomínio) e no art. 237 (suprimento da outorga uxória), hipóteses essas
reguladas no novo Código nos artigos 1.322 e 1.648, respectivamente.
105. Por isso, deve o juiz condicionar o pagamento do preço ao
51
pagamento dos tributos eventualmente incidentes sobre o imóvel.
106. É bem verdade que o novo Código, até dois anos após sua
entrada em vigor, manda acrescer dois anos à contagem do prazo do §4º
do art. 1.228, conforme art. 2.030, c/c art. 2.029. Mas isso não se confunde
com condição de vigência.
107. Não é intenção deste trabalho o estudo dos aspectos
processuais que subjazem o tema. Mas, à guisa de simples visão superficial,
a petição inicial deverá fazer-se acompanhada da planta do imóvel, com
memorial descritivo das benfeitorias e com a identificação de todos os copossuidores (legitimados ativos necessários). Exige-se a citação dos
confrontantes, a exemplo do art. 942 do CPC. Além disso, há interesse
público na intervenção do órgão do Ministério Público (art. 82, III, do CPC),
ainda que se trate de imóvel urbano. Obrigatória também a intimação dos
titulares de direito real sobre o imóvel e dos representantes da Fazenda
Pública dos três níveis da Federação, pois a alienação forçada é forma de
aquisição originária da propriedade.
108. Não olvidar a regra de transição dos arts. 2.030 e art. 2.029,
que acresce dois anos à contagem do prazo do §4º do art. 1.228, no
período de até dois anos após a entrada em vigor do novo Código.
109. Com exceção, óbvio, das hipóteses em que o construtor era
beneficiário da usucapião.
110. Outra novidade diz respeito à entidade para qual será
revertida a propriedade dos imóveis rurais abandonados. O art. 589, §2º,
do Código antigo (com redação da Lei 6.969, de 10/12/81), destinava os
imóveis objeto de abandono ao Estado, Território ou ao Distrito Federal
onde se encontrassem, não importando fossem urbanos ou rurais; o novo
Código, mais consentâneo com a competência constitucional relativa à
desapropriação para fins de reforma agrária, transfere à União a
propriedade dos imóveis rurais.
111. A jurisprudência já se inclinava pela averiguação do grau de
tolerabilidade do uso incômodo da propriedade em face dos usos e
costumes locais (cf. fontes citadas por DINIZ. Maria Helena. Código Civil
anotado. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 426).
112. A matéria já era regulada pelo Código de Águas (Decreto
24.643, de 10/07/34), que revogou implicitamente os artigos 563 a 568 do
antigo Código Civil. Porém, ficou mais clara a proteção às águas destinadas
às primeiras necessidades dos imóveis inferiores. É que a disciplina do
Decreto 24.643/34, numa leitura desavisada, admitia, em certas condições,
a poluição de águas destinadas a interesses relevantes à agricultura ou
indústria (art. 111). Contudo, se analisado seu art. 71, §3º, percebe-se que
o Código de Águas dava preferência, sobre quaisquer outros, ao "uso das
águas para as primeiras necessidades da vida."
113. Sobre crimes especialmente relacionados com a poluição das
52
águas, cf. arts. 33, 53, I, e 54 da Lei 9.605, de 12/02/98.
Sobre o autor
Juliano Taveira Bernardes
E-mail: Entre em contato
Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº151 (4.12.2003)
Elaborado em 12.2001.
Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser
citado da seguinte forma:
BERNARDES, Juliano Taveira. Da função social da propriedade imóvel.
Estudos do princípio constitucional e de sua regulamentação pelo novo
Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 151, 4 dez. 2003.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4573>.
Acesso em:
12 jun. 2006.
JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA
Está se tornando comum algumas bancas de concurso exigirem do
candidato, não apenas específicos conhecimentos teóricos, mas também de
jurisprudência, especialmente dos Tribunais Superiores.
Com esta preocupação, selecionamos jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal acerca do importante tema “função social da propriedade” (você
pode acompanhar e atualizar-se acerca da evolução pretoriana no
www.stf.gov.br):
XXIII
-
a
53
propriedade
atenderá a sua
função social;
“O direito de edificar é relativo, dado que condicionado à
função social da propriedade.” (RE 178.836, Rel. Min. Carlos
Velloso, DJ 20/08/99)
“O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto,
eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar
que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art.
5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera
dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os
limites, as formas e os procedimentos fixados na própria
Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos
conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do
imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais
disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem
elementos de realização da função social da propriedade.”
(ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/04/04)
“A única hipótese na qual a Constituição admite a
progressividade das alíquotas do IPTU é a do art. 182, § 4º,
II, destinada a assegurar o cumprimento da função social da
propriedade urbana.” (AI 456.513-ED, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJ 14/11/03)
“A progressividade do IPTU, que é imposto de
em que não se pode levar em consideração
econômica do contribuinte, só é admissível,
Constituição, para o fim extrafiscal de
cumprimento da função social da propriedade.”
Rel. Min. Moreira Alves, DJ 05/09/97)
natureza real
a capacidade
em face da
assegurar o
(RE 192.737,
“A própria Constituição da República, ao impor ao poder
público dever de fazer respeitar a integridade do patrimônio
ambiental, não o inibe, quando necessária a intervenção
estatal na esfera dominial privada, de promover a
desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária,
especialmente porque um dos instrumentos de realização da
função social da propriedade consiste, precisamente, na
submissão do domínio à necessidade de o seu titular utilizar
adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer
preservar o equilíbrio do meio ambiente.” (MS 22.164, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ 17/11/95)
“A garantia da função social da propriedade (art. 5º, XXIII da
Constituição) não afeta as normas de composição de conflito
de vizinhança insertas no Código Civil (art. 573 e seus
parágrafos), para impor gratuitamente, ao proprietário, a
ingerência de outro particular em seu poder de uso, pela
54
circunstância de exercer este último atividade reconhecida
como de utilidade pública.” (RE 211.385, Rel. Min. Octavio
Gallotti, DJ 24/09/99)
ENUNCIADOS – JORNADAS DE DIREITO CIVIL (DIREITOS REAIS)31
DIREITO DAS COISAS – I JORNADA
76 – Art. 1.197: O possuidor direto tem direito de defender a sua posse
contra o indireto, e este contra aquele (art. 1.197, in fine, do novo Código
Civil).
77 – Art. 1.205: A posse das coisas móveis e imóveis também pode ser
transmitida pelo constituto possessório.
78 – Art. 1.210: Tendo em vista a não-recepção, pelo novo Código Civil, da
exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2º) em caso de ausência de prova
suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final ancorada
exclusivamente no ius possessionis, deverá o pedido ser indeferido e
julgado improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de
direito real sobre o bem litigioso.
79 – Art. 1.210: A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações
possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu
a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório.
80 – Art. 1.212: É Inadmissível o direcionamento de demanda possessória
ou ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva
ilegítima, diante do disposto no art. 1.212 do novo Código Civil. Contra o
terceiro de boa-fé cabe tão-somente a propositura de demanda de natureza
real.
81 – Art. 1.219: O direito de retenção previsto no art. 1.219 do CC,
decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se
aplica às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.
82 – Art. 1.228: É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade
imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil.
83 – Art. 1.228: Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público,
não são aplicáveis as disposições constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228
do novo Código Civil.
84 – Art. 1.228: A defesa fundada no direito de aquisição com base no
interesse social (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser
argüida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo
pagamento da indenização.
31
Fonte: www.professorsimao.com.br
55
85 – Art. 1.240: Para efeitos do art. 1.240, caput, do novo Código Civil,
entende-se por "área urbana" o imóvel edificado ou não, inclusive unidades
autônomas vinculadas a condomínios edilícios.
86 – Art. 1.242: A expressão justo título, contida nos arts. 1.242 e 1.260 do
CC, abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a
propriedade, independentemente de registro.
87 – Art. 1.245: Considera-se também título translativo, para fins do art.
1.245 do novo Código Civil, a promessa de compra e venda devidamente
quitada (arts. 1.417 e 1.418 do CC e § 6º do art. 26 da Lei n. 6.766/79).
88 – Art. 1.285: O direito de passagem forçada, previsto no art. 1.285 do
CC, também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for
insuficiente ou inadequado, consideradas inclusive as necessidades de
exploração econômica.
89 – Art. 1.331: O disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil
aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como
loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo.
90 – Art. 1.331: Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio
edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar
interesse.
91 – Art. 1.331 - A convenção de condomínio, ou a assembléia geral,
podem vedar a locação de área de garagem ou abrigo para veículos a
estranhos ao condomínio.
92 – Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem
ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo.
93 – Art. 1.369: As normas previstas no Código Civil sobre direito de
superfície não revogam as relativas a direito de superfície constantes do
Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) por ser instrumento de política de
desenvolvimento urbano.
94 – Art. 1.371: As partes têm plena liberdade para deliberar, no contrato
respectivo, sobre o rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a área
objeto da concessão do direito de superfície.
95 – Art. 1.418: O direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novo
Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não se
condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de
registro imobiliário (Súmula n. 239 do STJ).
Enunciados propositivos de alteração legislativa:
56
96 - Alteração do § 1º do art. 1.336 do CC, relativo a multas por
inadimplemento no pagamento da contribuição condominial, para o qual se
sugere a seguinte redação:
“Art. 1.336 - ..................
§ 1 º - O condômino que não pagar sua contribuição ficará sujeito aos juros
moratórios convencionados ou, não sendo previstos, de um por cento ao
mês, e multa de até 10% sobre o ou eventual risco de emendas sucessivas
que venham a desnaturá-lo ou mesmo inibir a sua entrada em vigor.
Não obstante, entendeu a Comissão da importância de aprimoramento do
texto legislativo, que poderá, perfeitamente, ser efetuado durante a
vigência do próprio Código, o que ocorreu, por exemplo, com o diploma de
1916, com a grande reforma verificada em 1919.
DIREITO DAS COISAS – III JORNADA
236 – Arts. 1.196, 1.205 e 1.212: Considera-se possuidor, para todos os
efeitos
legais, também a coletividade desprovida de personalidade jurídica.
237 – Art. 1.203: É cabível a modificação do título da posse – interversio
possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar
ato
exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por
efeito a
caracterização do animus domini.
238 – Art. 1.210: Ainda que a ação possessória seja intentada além de “ano
e dia”
da turbação ou esbulho, e, em razão disso, tenha seu trâmite regido pelo
procedimento ordinário (CPC, art. 924), nada impede que o juiz conceda a
tutela
possessória liminarmente, mediante antecipação de tutela, desde que
presentes
os requisitos autorizadores do art. 273, I ou II, bem como aqueles previstos
no art.
461-A e §§, todos do CPC.
239 – Art. 1.210: Na falta de demonstração inequívoca de posse que atenda
à
função social, deve-se utilizar a noção de “melhor posse”, com base nos
critérios
previstos no parágrafo único do art. 507 do CC/1916.
240 – Art. 1.228: A justa indenização a que alude o parágrafo 5º do art.
1.228 não
tem como critério valorativo, necessariamente, a avaliação técnica lastreada
57
no
mercado imobiliário, sendo indevidos os juros compensatórios.
241 – Art. 1.228: O registro da sentença em ação reivindicatória, que opera
a
transferência da propriedade para o nome dos possuidores, com
fundamento no
interesse social (art. 1.228, § 5o), é condicionada ao pagamento da
respectiva
indenização, cujo prazo será fixado pelo juiz.
242 – Art. 1.276: A aplicação do art. 1.276 depende do devido processo
legal, em
que seja assegurado ao interessado demonstrar a não- cessação da posse.
243 – Art. 1.276: A presunção de que trata o § 2o do art. 1.276 não pode
ser
interpretada de modo a contrariar a norma-princípio do art. 150, IV, da
Constituição da República.
244 – Art. 1.291: O art. 1.291 deve ser interpretado conforme a
Constituição, não
sendo facultada a poluição das águas, quer sejam essenciais ou não às
primeiras
necessidades da vida.
245 – Art. 1.293: Muito embora omisso acerca da possibilidade de
canalização
forçada de águas por prédios alheios, para fins da agricultura ou indústria, o
art.
1.293 não exclui a possibilidade da canalização forçada pelo vizinho, com
prévia
indenização aos proprietários prejudicados.
246 – Art. 1.331: Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte
final:
“nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse”.
Prevalece o texto: “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao
condomínio
edilício”.
247 – Art. 1.331: No condomínio edilício é possível a utilização exclusiva de
área
“comum” que, pelas próprias características da edificação, não se preste ao
“uso
comum” dos demais condôminos.
248 – Art.: 1.334, V: O quorum para alteração do regimento interno do
condomínio
edilício pode ser livremente fixado na convenç ão.
58
249 – Art. 1.369: A propriedade superficiária pode ser autonomamente
objeto de
direitos reais de gozo e de garantia, cujo prazo não exceda a duração da
concessão da superfície, não se lhe aplicando o art. 1.474.
250 – Art. 1.369: Admite-se a constituição do direito de superfície por
cisão.
251 – Art. 1.379: O prazo máximo para o usucapião extraordinário de
servidões
deve ser de 15 anos, em conformidade com o sistema geral de usucapião
previsto
no Código Civil.
252 – Art. 1.410: A extinção do usufruto pelo não-uso, de que trata o art.
1.410,
inc. VIII, independe do prazo previsto no art. 1.389, inc. III, operando-se
imediatamente. Tem-se por desatendida, nesse caso, a função social do
instituto.
253 – Art. 1.417: O promitente comprador, titular de direito real (art.
1.417), tem a
faculdade de reivindicar de terceiro o imóvel prometido à venda.
DIREITO DAS COISAS – IV JORNADA
301 – Art.1.198. c/c art.1.204. É possível a conversão da detenção em
posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em
nome próprio dos atos possessórios.
302 – Art.1.200 e 1.214. Pode ser considerado justo título para a posse de
boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse ad usucapionem,
observado o disposto no art. 113 do Código Civil.
303 – Art.1.201. Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé
do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse,
esteja ou não materializado em instrumento público ou particular.
Compreensão na perspectiva da função social da posse.
304 – Art.1.228. São aplicáveis as disposições dos §§ 4º e 5º do art. 1.228
do Código Civil às ações reivindicatórias relativas a bens públicos
dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de Direito
Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos.
59
305 – Art.1.228. Tendo em vista as disposições dos §§ 3º e 4º do art.
1.228 do Código Civil, o Ministério Público tem o poder-dever de atuação
nas hipóteses de desapropriação, inclusive a indireta, que envolvam
relevante interesse público, determinado pela natureza dos bens jurídicos
envolvidos.
306 – Art.1.228. A situação descrita no § 4° do art. 1.228 do Código Civil
enseja a improcedência do pedido reivindicatório.
307 – Art.1.228. Na desapropriação judicial (art. 1.228, § 4º), poderá o juiz
determinar a intervenção dos órgãos públicos competentes para o
licenciamento ambiental e urbanístico.
308 – Art.1.228. A justa indenização devida ao proprietário em caso de
desapropriação judicial (art. 1.228, § 5°) somente deverá ser suportada
pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma
urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde
que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não
sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado
84 da I Jornada de Direito Civil.
309 – Art.1.228. O conceito de posse de boa-fé de que trata o art. 1.201 do
Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228.
310 - Art.1.228. Interpreta-se extensivamente a expressão “imóvel
reivindicado” (art. 1.228, § 4º), abrangendo pretensões tanto no juízo
petitório quanto no possessório.
311 - Art.1.228. Caso não seja pago o preço fixado para a desapropriação
judicial, e ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o crédito
correspondente, estará autorizada a expedição de mandado para registro da
propriedade em favor dos possuidores.
312 – Art.1.239. Observado o teto constitucional, a fixação da área máxima
para fins de usucapião especial rural levará em consideração o módulo rural
60
e a atividade agrária regionalizada.
313 – Arts.1.239 e 1.240. Quando a posse ocorre sobre área superior aos
limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial,
ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir.
314 – Art. 1.240. Para os efeitos do art. 1.240, não se deve computar, para
fins de limite de metragem máxima, a extensão compreendida pela fração
ideal correspondente à área comum.
315 – Art. 1.241. O art. 1.241 do Código Civil permite que o possuidor que
figurar como réu em ação reivindicatória ou possessória formule pedido
contraposto e postule ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião,
a propriedade imóvel, valendo a sentença como instrumento para registro
imobiliário, ressalvados eventuais interesses de confinantes e terceiros.
316 – Art. 1.276. Eventual ação judicial de abandono de imóvel, caso
procedente, impede o sucesso de demanda petitória.
317 – Art. 1.243. A accessio possessionis, de que trata o art. 1.243,
primeira parte, do Código Civil, não encontra aplicabilidade relativamente
aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade
do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191,
respectivamente.
318 – Art.1.258. O direito à aquisição da propriedade do solo em favor do
construtor de má-fé (art. 1.258, parágrafo único) somente é viável quando,
além dos requisitos explícitos previstos em lei, houver necessidade de
proteger terceiros de boa-fé.
319 – Art.1.277. A condução e a solução das causas envolvendo conflitos de
vizinhança devem guardar estreita sintonia com os princípios constitucionais
da intimidade, da inviolabilidade da vida privada e da proteção ao meio
ambiente.
61
320 – Art.1.338 e 1.331. O direito de preferência de que trata o art. 1.338
deve ser assegurado não apenas nos casos de locação, mas também na
hipótese de venda da garagem.
321 – Art. 1.369. Os direitos e obrigações vinculados ao terreno e, bem
assim, aqueles vinculados à construção ou à plantação formam patrimônios
distintos e autônomos, respondendo cada um dos seus titulares
exclusivamente por suas próprias dívidas e obrigações, ressalvadas as
fiscais decorrentes do imóvel.
322 – Art. 1.376. O momento da desapropriação e as condições da
concessão superficiária serão considerados para fins da divisão do montante
indenizatório (art. 1.376), constituindo-se litisconsórcio passivo necessário
simples entre proprietário e superficiário.
323 - É dispensável a anuência dos adquirentes de unidades imobiliárias no
“termo de afetação” da incorporação imobiliária.
324 - É possível a averbação do termo de afetação de incorporação
imobiliária (Lei n. 4.591/64, art. 31b) a qualquer tempo, na matrícula do
terreno, mesmo antes do registro do respectivo Memorial de Incorporação
no Registro de Imóveis.
325 - É impenhorável, nos termos da Lei n. 8.009/90, o direito real de
aquisição do devedor fiduciante.
PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS
326 - Propõe-se alteração do art. 31A da Lei n. 4.591/64, que passaria a ter
a seguinte redação: Art. 31A. O terreno e as acessões objeto de
incorporação imobiliária, bem como os demais bens, direitos a ela
vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e
constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da
incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos
62
respectivos adquirentes
327 - Suprima-se o art. 9° da Lei n. 10.931/2004. (Unânime).
328 - Propõe-se a supressão do inciso V do art. 1.334 do Código Civil.
FIQUE POR DENTRO
Pensão alimentícia incide sobre o décimo terceiro e o terço
constitucional de férias
27/11/2009
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, conforme o
rito do recurso repetitivo (Lei 11.672/08), processo que questionava a
incidência da pensão alimentícia sobre o décimo terceiro salário e o terço
constitucional de férias, também conhecidos, respectivamente, por
gratificação
natalina
e
gratificação
de
férias.
A Seção, seguindo o voto do relator, desembargador convocado Paulo
Furtado, firmou a tese de que a pensão alimentícia incide sobre o décimo
terceiro e o terço constitucional de férias, pois tais verbas estão
compreendidas nas expressões ‘vencimento’, ‘salários’ ou ‘proventos’ que
consubstanciam a totalidade dos rendimentos recebidos pelo alimentante.
No caso, um menor, representado por sua mãe, recorreu ao STJ após
decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que considerou não
abrangida na pensão alimentícia a gratificação natalina e a gratificação de
férias recebidas pelo alimentante.
Fonte:
http://www.stj.gov.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.are
a=398&tmp.texto=94849
Processos: Resp 1106654
Ação de beneficiário do DPVAT prescreve em três anos
10/06/2009
O DPVAT (seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos
automotores de vias terrestres) tem caráter de seguro de responsabilidade
civil, razão pela qual a ação de cobrança de beneficiário da cobertura
prescreve em três anos. A decisão é da Segunda Seção do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), ao julgar processo remetido pela Quarta Turma.
O caso trata de viúva de vítima atropelada em 2002 que deu início à ação
apenas em 2006. O juiz inicial negou seguimento ao pedido, afirmando
estar prescrito o direito da autora de buscar a indenização. O Tribunal de
63
Justiça
paulista
manteve
o
entendimento.
Para o relator, ministro Luis Felipe Salomão, o DPVAT teria finalidade
eminentemente social, de garantia de compensação pelos danos pessoais
de vítimas de acidentes com veículos automotores. Por isso, diferentemente
dos seguros de responsabilidade civil, protegeria o acidentado, e não o
segurado. A prescrição a ser aplicada seria, portanto, a da regra geral do
Código Civil, de dez anos. O entendimento foi seguido pelos
desembargadores convocados Vasco Della Giustina e Paulo Furtado.
Em voto vista, o ministro Fernando Gonçalves divergiu. Para ele, embora o
recebimento da indenização do seguro obrigatório independa da
demonstração de culpa do segurado, o DPVAT não deixa de ter caráter de
seguro de responsabilidade civil. Por isso, as ações relacionadas a ele
prescreveriam em três anos. O voto foi acompanhado pelos ministros Aldir
Passarinho Junior, João Otávio de Noronha e Sidnei Beneti.
Os dois últimos ressaltaram também a tendência internacional de reduzir os
prazos de prescrição nos códigos civis mais recentes, em favor da
segurança jurídica.
Fonte:
http://www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area
=398&tmp.texto=92416 acessado em 11 de junho de 2009.
Processos: RESP 1071861
Revisado.2009.2ok
c.D.s.
Paz e Luz, sempre!
O amigo,
Pablo.
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