O IMPACTO DOS DOCUMENTOS PRESCRITIVOS OFICIAIS E DOS PROGRAMAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA ELABORAÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS PARA A ALFABETIZAÇÃO Marcia A. Paganini Cavéquia Universidade Estadual de Londrina – PR/Brasil [email protected] Eixo Alfabetização e políticas públicas Resumo Neste texto, relatamos a experiência de produzir livros didáticos para alfabetização e procuramos analisar o modo como as políticas públicas para a alfabetização, incluindo aí os programas de formação continuada de docentes, influenciam na avaliação dos livros e, consequentemente, na elaboração destes. Esse estudo/relato tem por objetivo inspirar pesquisas que visem contribuir com o aprimoramento da elaboração e da utilização de livros didáticos para o ensino inicial de leitura e escrita. Palavras-chave: alfabetização, livro didático, formação continuada de professores Abstract In this paper, we present the experience of producing didactic material for literacy and attempt to analyze how public policies for literacy, including in them the continuing education programs for teachers, influence the evaluation of didactic material and, consequently, the elaboration of them. This study/report aims to inspire research concerned at contributing to the improvement in the preparation and use of didactic material for the initial reading and writing teaching. Keywords: literacy, didactic material, continuous teacher training O lugar de onde falamos Quando nos propomos a discutir um assunto, não é possível nos despojarmos de nossa constituição enquanto sujeito singular, construído social e historicamente. Essa conclusão tem por base os pressupostos de Bakhtin e Voloshinov (1995), quando definem o sujeito como resultado de um conjunto de relações sócio-históricas e a linguagem como fenômeno social, oriundo da necessidade de interação – política, social, cultural, econômica, familiar, afetiva – entre nós, seres humanos. Nessa perspectiva, produzir linguagem significa produzir discurso; implica em dizer algo a alguém, de uma determinada forma, em um determinado contexto histórico. A enunciação – o produto da interação de dois ou mais indivíduos socialmente organizados – é fortemente influenciada por fatores contextuais, pois quando dizemos algo, dizemos a alguém, em dado momento histórico, ocupando determinada posição social e levando em conta a posição social do interlocutor (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 1995). Portanto, cabe-nos esclarecer que o lugar social (o ponto de vista de onde se fala) da enunciadora deste discurso, que, além de ser o de pesquisadora acadêmica, é principalmente o de autora de livros didáticos. Isso se torna relevante na medida em que um texto expressa a ideologia de seu produtor, conscientemente ou não, conforme também postula Bakhtin e seu Círculo. Nós últimos 20 anos, temos nos dedicado à pesquisa e à elaboração profissional de livros didáticos para o ensino fundamental. Nesse percurso, vivenciamos um período histórico da evolução dos livros didáticos, inclusive e especialmente aqueles destinados ao ensino inicial de língua materna (neste texto, entendido como alfabetização). E é nesse mesmo período, e não por acaso, que se intensificou e aprimorou o que se convencionou chamar de formação continuada dos professores. Esses fatores nos permitem aventar que a transformação dos livros didáticos e a intensificação dos programas públicos de formação de professores em serviço estão imbricados; fazem parte de um mesmo contexto: o das políticas públicas para ensino de língua materna. Nas nossas reflexões, algumas perguntas se colocam: os cursos de formação de professores em serviço promovidos pelos poderes públicos têm sido suficientes para garantir a autonomia do professor em suas escolhas e modos de trabalho? Se têm sido, em que grau? Se não, por quais motivos? De que maneira(s) os professores apropriam-se dos livros didáticos com os quais trabalham? As mudanças ocorridas nos materiais didáticos buscam atender às expectativas do professor em relação ao material didático ou aos avaliadores do Ministério da Educação (MEC)? Ou a ambos? Não pretendemos, neste relato, responder a indagações tão complexas, mas refletir sobre esses questionamentos, de modo a despertar o interesse por pesquisas que venham a (des)construir o processo de formação de professores, a elaboração de materiais didáticos e a utilização deles. O contexto de que tratamos Benquisto por muitos, vilipendiado por tantos outros, o livro didático (LD) é um objeto controverso desde os seus primórdios. Inegável é o fato de que o LD consiste em um dos recursos pedagógicos mais presentes nas salas de aula brasileiras. Neles, cristalizam-se as concepções de ensino e aprendizagem predominantes e, quase sempre, acabam por influenciar o modo como o professor ensina. Por isso, preocupar-se com o processo de produção do didático e seus usos é preocupar-se com o próprio processo de ensino-aprendizagem. Conforme mostram muitos estudos, dentre eles o de Mortatti (2000), além da memória de quem viveu o período, até a década de 1970, predominava nas escolas brasileiras o ensino pautado nos chamados métodos mistos (analítico-sintético ou sintético-analítico), típicos das tradicionais cartilhas, e o diagnóstico do nível de maturidade com a finalidade de classificação do alunado.1 Em meados da década de 1980, passam a ser divulgadas no Brasil as pesquisas de Emilia Ferreiro e colaboradores, demonstrando que as crianças (e também os adultos não alfabetizados) formulam hipóteses acerca do funcionamento e das regras da língua escrita para dela se apropriarem. Essas investigações e suas conclusões foram descritas no livro Psicogênese da língua escrita, publicado no Brasil em 1985, de Emilia Ferreiro, em coautoria com Ana Teberosky. Nessa mesma época, popularizou-se no Brasil a obra Marxismo e filosofia da linguagem, de Mikhail Bakhtin e Valentin N. Voloshinov, cuja concepção de língua como um sistema de signos específico, social e historicamente constituído, pelo qual o ser humano consegue significar o mundo e a sociedade (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 1995), destoava da visão de língua como um instrumento de comunicação, proposta por Roman Jakobson, até então aceita como válida na esfera acadêmica (JAKOBSON, 1973). Essa revolução teórica teve o mérito de fazer com que o ensino de língua materna, inclusive o ensino inicial da língua escrita (a alfabetização) fosse repensado. É nesse contexto, no final da década de 1990, que surgem Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), documentos prescritivos elaborados sob a égide do MEC, com o intuito de se estabelecer orientações gerais acerca de currículo e abordagens metodológicas para o ensino fundamental. Nos PCN, dentre outros pressupostos, recomendam-se concepção de língua de Bakhtin e a abordagem psicogenética para o ensino da aquisição da língua escrita, como se evidencia no seguinte trecho: Para aprender a ler e escrever, a criança precisa construir um conhecimento de natureza conceitual: compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma ela representa graficamente a linguagem (BRASIL, 1997, p. 122). 1 Para mais informações sobre a História dos métodos e materiais de alfabetização, ver Mortatti (2011). Portanto, as cartilhas, predominantes nas salas de aula de alfabetização, mostraramse inapropriadas diante dos novos paradigmas de aprendizagem. A substituição desses materiais por outros mais condizentes com a nova abordagem teórica ocorreu de maneira vertical, de cima para baixo, especificamente a partir do novo modelo de Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), conforme veremos a seguir. Implantando em 1985, foi a partir de 1996, sob a responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que se instituiu um novo formato para o programa, que passou a se responsabilizar pelas avaliação, aquisição e distribuição gratuita de LDs, dicionários e outros materiais didáticos para escolas de Educação Básica públicas das redes federal, estadual, municipal e do Distrito Federal. Para que as obras possam participar do PNLD, é necessário inscrevê-las na data estipulada pelo MEC, conforme prediz o edital. A aquisição e a distribuição dos livros são feitas de acordo com a escolha dos professores e das escolas, a partir dos títulos definidos pela avaliação. Os critérios desta última referem-se à natureza conceitual (as obras devem ser isentas de erros ou indução a erros), política (devem ser isentas de preconceito, discriminação, estereótipos e doutrinação política e religiosa) e metodológica (devem propiciar situações de ensino e aprendizagem adequadas). A avaliação é desenvolvida, desde 2001, por universidades públicas, sob supervisão da Secretaria de Educação Básica (BATISTA, 2003; BATISTA, ROJO e CABRERA ZÚÑIGA, 2005). Com base no parecer das equipes de avaliadores, a SEB elabora um Guia de Livros Didáticos, do qual constam as resenhas das obras aprovadas. As obras excluídas não constam do Guia e, portanto, não podem ser escolhidas pelos professores. Ou seja, para chegar às escolas, é preciso receber a aprovação dos avaliadores e, para receber tal aprovação, é necessário estar de acordo com os critérios estabelecidos pelo edital, o que significa comungar das concepções prescritas oficialmente. As diretrizes oficiais, além de outros documentos prescritivos, são o que balizam a avaliação dos LDs e, consequentemente, a elaboração destes. Prova disso é o fato de que, atualmente, nas escolas públicas brasileiras, praticamente não se encontram materiais didáticos fornecidos pelo MEC nos moldes das antigas cartilhas. As coleções, ainda que com certas insuficiências, são pautas na teoria psicogenética. Caso não estejam de acordo com esse perfil, as obras sofrem a sanção do MEC. De acordo com Rangel (2001, p. 8), é possível afirmar que [...] o PNLD, especialmente a partir da Avaliação, estabeleceu perspectivas teóricas e metodológicas bastante definidas para o LDP, perspectivas estas que se tornaram possíveis graças a uma movimentação no campo da reflexão sobre o ensino de língua materna que bem poderíamos considerar como uma mudança de paradigma. Esse processo de produção, avaliação e usos do LD, aparenta ser, em princípio, um movimento isento de conflitos e até mesmo desejável: autores apropriam-se das prescrições oficiais e elaboram os LDs com base nelas, os avaliadores/MEC os aprovam e os professores os utilizam. Porém, há que se considerar o terceiro ator nesse triângulo: o professor. É aí que nos deparamos com a questão da formação desse profissional. O modo como o professor apropria-se dos materiais didáticos possui grande relação com sua formação. Os cursos de formação continuada têm garantido a apropriação dos LDs por parte dos professores? Se sim, em que grau? Se não, por quais motivos? Em nossa experiência enquanto autora de livros didáticos, pudemos observar que sempre houve uma tendência de a maioria do professores em adotar obras que fossem o mais próximas possíveis da abordagem das tradicionais cartilhas (no que se refere a textos curtos e a trabalhar uma letra por vez, entre outros aspcetos).2 O MEC, por diversas vezes, aprovou coleções que tinham essas características. Esses materiais foram aprovados por que, apesar desse viés “tradicional”, propunham diversidade de gêneros, promovendo assim o trabalho com o letramento. Tais obras acabaram sendo as mais adotadas pelos professores. Essa tendência tem-se mantido até os dias de hoje, o que leva autores ao seguinte dilema: como produzir um material como professores desejam, como o MEC exige e o qual acreditem enquanto proposta metodológica. Em nossa experiência, pudemos perceber ainda que, entre nós e outros colegas autores, nunca houve tanta preocupação com o Edital quanto no Edital para o PNLD 2016. Como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa3 assumiu proporções continentais (afinal, trata-se de um “pacto”), temos por pressuposto que suas proposições serão bastante levadas em consideração no momento da avaliação. A hipótese que temos para essa crença é de que o MEC terá por premissa o fato de que os professores, dessa vez, estarão mais bem preparados para a perspectiva teórico-metodológica oficial. Assim, sentir-se-ão mais seguros em adotar obras que trabalhem com os pressupostos psicogenéticos e, portanto, aprovarão 2 Existem vários trabalhos que tratam das escolhas do professor, dentre eles, o de Batista e Costa Val (2004) e o de Rangel (2001). Também os Guias do Livro Didático fornecem esse tipo de dados. Esclarecemos, no entanto, que neste texto, nosso objetivo é relatar nossa experiência pessoal. 3 Esse programa está descrito no Quadro 1, mais adiante. apenas as obras que reflitam a perspectiva do Pnaic. Se isso irá se efetivar, somente saberemos com o tempo. Quem viver verá! Programas públicos de formação continuada de professores alfabetizadores: algumas considerações Desde o início da redemocratização no Brasil, os temas erradicação do analfabetismo e melhoria na qualidade da educação têm feito parte dos discursos oficiais. Várias medidas têm sido tomadas para consolidar esses ideais, dentre elas, a formação docente continuada. Contudo, os resultados das avaliações que verificam as capacidades de ler e escrever e raciocinar matematicamente do alunado brasileiro, nos diferentes níveis de ensino, servemnos de indicadores de que algo não está funcionando como deveria. Podemos compreender um pouco melhor esse fenômeno tão complexo à luz de Gatti (2008) que, ao analisar os recentes estudos educacionais, deparou-se com a ambiguidade do tratamento do conceito “formação continuada”. Esse conceito, segunda a pesquisadora, ora é usado no sentido de cursos estruturados e formalizados oferecidos após a graduação, ou após ingresso no exercício do magistério, ora ele é tomado de modo amplo e genérico, compreendendo qualquer tipo de atividade que venha a contribuir para o desempenho profissional. A falta de definição, a nosso ver, reflete uma ausência de estratégias e planos a longo prazo. A pesquisadora defende a ideia de que o cerne do problema está na formação inicial do professor, ou seja, nos cursos de graduação, que deveriam formar o profissional de maneira mais eficaz para que a formação continuada não tivesse o caráter de “programas compensatórios” em vez de “cursos de atualização e aprofundamento em avanços do conhecimento” (GATTI, 2008, p. 58). Sendo assim, nos arriscamos a afirmar que os cursos oferecidos oficialmente seriam, de certa forma, decorrentes do problema da má formação inicial. Os professores, por suas vezes, ressentem-se de nem sempre terem a oportunidade de opinar sobre suas próprias formações. Uma pesquisa 4 feita em 2014 com profissionais do ensino fundamental de escolas públicas demonstrou que os professores em serviço sentem-se, 4 Trata-se da pesquisa quantitativa Conselho de classe: a visão dos professores sobre a educação no Brasil, realizada pela Fundação Lemann em parceria com o Instituto Paulo Montenegro e o Ibope Inteligência. Foi composta de mil entrevistas, em 50 municípios das cinco regiões brasileiras, entre os dias 19 de junho e 14 de outubro de 2014. A margem de erro é 3 pontos percentuais, e o nível de confiança, 95%. (TOKARNIA, 2015). Disponível em: <http://www.ebc.com.br/educacao/2015/04/professores-defendem-maior-formacao-para-educacao-de-qualidademostra-estudo>. Acessado em: 25/04/2015. por vezes, colocados à margem das decisões político-pedagógicas a que são submetidos. Ao serem perguntados sobre a implementação de programas e políticas na escola onde trabalham, 34% responderam não ter tido a possibilidade de opinar; 20% afirmaram ter a possibilidade de opinar apenas após a implementação; 45% disseram terem sido consultados antes e 1% disse não saber ou não respondeu (TOKARNIA, 2015, online). Em se tratando da própria escola, 56% afirmam que sempre têm a opinião levada em consideração por diretores, coordenadores e pedagogos, 41% dizem que são ouvidos algumas vezes e 3% alegam nunca serem levados em conta. Em se tratando da Secretaria de Educação à qual a escola está vinculada, 13% dizem sempre serem ouvidos; 61%, algumas vezes e 23%, nunca. Quanto a serem levados em consideração pelo Ministério da Educação (MEC), 4% responderam que sempre; 55%, algumas vezes e 40%, nunca. O 1% restante em cada categoria não soube ou não respondeu (idem, ibidem). O estudo constatou ainda que 80% dos professores acreditam que ter uma formação específica para orientar o trabalho a partir das avaliações externas influencia positivamente a educação em escolas públicas. Para 66% desses profissionais, saber o que se espera que os alunos aprendam a cada ano facilita o trabalho. Disponibilizar materiais didáticos digitais de qualidade é visto como algo positivo por 92% dos professores. Esse mesmo percentual considera positiva a capacitação profissional para a aplicação dessas tecnologias em sala de aula (idem, ibidem). Esses dados sugerem que os professores sentem necessidade de participarem mais das decisões que interferem diretamente em seus cotidianos de trabalho e são ansiosos por estarem mais bem preparados para enfrentar o desafio mor da profissão, que é o de ensinar. Em uma de nossas pesquisas, sobre dizeres de uma amostra de professores alfabetizadores acerca dos usos do LD, pudemos constatar que os docentes alegam sentirem dificuldades em encontrar materiais didáticos adequados às suas necessidades. Dizem também que os LDs geralmente apresentam discrepância entre o ano a que se destinam e o nível cognitivo em que se encontram seus alunos (CAVÉQUIA, 2011). Pelo discurso dos professores, pudemos concluir que as prescrições teórico-metodológicas oficiais cristalizadas nos LDs não condizem com o que de fato esses profissionais necessitam. Há uma discrepância entre o ideal e o real. Com o objetivo de fornecer uma visão das principais ações na esfera governamental federal pública referente ao PNLD e aos movimentos e programas de formação continuada, apresentamos o quadro seguinte.5 ANO OCORRÊNCIA 1993/ 1994 Publicação da “Definição de Critérios para Avaliação dos Livros Didáticos”. São definidos critérios para avaliação dos LDs. Desde então os editais de convocação para a inscrição nos PNLDs têm-se pautado nos critérios, que sofrem alterações pontuais a cada edital (BRASIL/FNDE, 2015, online). Publicação do primeiro “Guia de Livros Didáticos” de 1ª a 4ª série. Com base nos critérios, os livros foram avaliados pelo MEC. As obras que não apresentaram erros conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou discriminação de qualquer tipo (que caracterizaria a exclusão), mas cuja metodologia não condizia com as prescritas nos PCN, figuraram numa categoria Não recomendados, extinta no próximo programa (BRASIL/FNDE, 2015, online). Embora fossem “não recomendados”, ainda eram passíveis de escolha. Publicação dos PCN de 1ª a 4ª série. Elaborados para difundir os princípios da reforma curricular e orientar os professores na busca de novas abordagens e metodologias. (BRASIL/ INEP, 2015, online). Serviu como divisor de águas nos discursos oficiais em relação a pressupostos teóricometodológicos até então utilizados. Consolidação do PNLD no formato que perdura até os dias de hoje. Com a extinção da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), a responsabilidade pela política de execução do PNLD é transferida integralmente para o FNDE. Implantação dos “Parâmetros em Ação” Programa desenvolvido pela então SEF com o objetivo de facilitar a leitura, a análise, a discussão e a implementação dos Parâmetros e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Forneceu às escolas publicações impressas, organizadas em seis conjuntos de módulos, abrangendo os seguintes níveis e modalidades: Educação Infantil, Alfabetização, primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental, Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental, Educação de Jovens e Adultos e Educação Indígena (AGÊNCIA EDUCA BRASIL, 2015, online). 1996 SÚMULA 1997 1999 5 No quadro, estão inseridas as informações dos PNLDs referentes ao fornecimento de LDs para o 1º ciclo do ensino fundamental; não nos preocupamos com os demais níveis de ensino. Também referem-se ao fornecimento de livros didáticos apenas; não trataremos do PNLD destinado a outros materiais pedagógicos (como dicionários e livros de literatura). Também detivemo-nos aos principais programas de formação continuada promovidos pelo governo federal, descartando as iniciativas estaduais ou municipais. 2001 2001/ 2002 Publicação do Edital PNLD 2004 A partir de então, obras cuja metodologia não era condizente com as explicitadas nos PCN e em outros referenciais oficiais não seriam aprovadas. Implantação do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa) De responsabilidade da então SEF, teve como objetivo estabelecer referências para um modelo de formação continuada de alfabetizadores, a grande maioria pouco confortável com os novos paradigmas para alfabetizar. Dezoito estados e o Distrito Federal aderiram ao programa, que envolveu 89 mil alfabetizadores espalhados por 1.473 redes municipais de ensino (CEALE/FaE, 2014a). Criação da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores O objetivo dessa iniciativa consistiu em contribuir para a melhoria da formação de professores e alunos. O público-alvo prioritário da rede eram professores de educação básica dos sistemas públicos de educação (BRASIL/MEC, 2015, online). Publicação do Edital PNLD 2007 Esse Edital não trouxe grandes mudanças em relação ao anterior. Nele, lê-se “Por mais diversificadas que sejam as concepções e práticas de ensino e aprendizagem, propiciar ao aluno a apropriação do conhecimento implica escolher uma opção de abordagem, ser coerente em relação a ela e, ao mesmo tempo, contribuir satisfatoriamente para a consecução dos objetivos, quer da educação geral, quer da disciplina e do nível de ensino em questão.” (BRASIL/MEC/FNDE/SEF, 2004, p. 34, grifo nosso). 2004 Nesse edital, reiteravam-se os critérios para a avaliação das obras de alfabetização e 1ª a 4ª série. Os PCN continuaram fornecendo a tônica para a elaboração dos LDs. O que a prática tem demonstrado é que a escolha não é tão livre quanto se declara, pois não é possível passar pela avaliação sem estar alinhado com o que exige o edital, que, por sua vez, reflete as prescrições dos documentos oficiais (diretrizes e referenciais curriculares, PCN etc.). Implantação do PróLetramento Consistiu em curso de formação continuada para professores nas áreas de leitura e escrita e de matemática dos anos iniciais (1º ao 5º ano), no modelo semipresencial. Durante oito meses de atividades, baseadas em materiais impressos e em vídeos, os professores foram orientados por tutores, que receberam instruções em universidades formadoras ligadas à Rede Nacional de Formação Continuada de Professores. Em 2014, 29.360 professores cursistas finalizaram a formação e 5.403 foram certificados. Aproximadamente 180 mil professores, entre orientadores de estudos e cursistas, participaram do Pró-Letramento desde o lançamento do programa (CEALE/FaE, 2014a). Aprovação da Lei 11.274/06, que Essa lei impactou bastante a produção dos materiais didáticos, pois, para o próximo PLND, em vez de um livro introdutório 2005 2006 determina a implantação do Ensino Fundamental de nove anos. denominado “Alfabetização” e outros quatro livros para as quatro séries do ensino fundamental I, as obras deveriam ser organizadas em cinco volumes, para 1º a 5º ano. Publicação do Edital PNLD 2010 Em função do ensino fundamental de nove noves, a grande novidade desse edital foi a incorporação de mais um volume nas coleções de língua portuguesa. As obras seriam, a partir de então, formadas por duas coleções: a primeira composta de dois volumes consumíveis para os 1º e 2º anos, denominados Letramento e Alfabetização Linguística, e a segunda, de três volumes não consumíveis, destinados ao ensino de Língua Portuguesa para 3º a 5º ano. Na produção autoral, os volumes de alfabetização já existentes passaram a ser adaptados para o 1º ano, sem que se tivesse ainda muita clareza de como deveria ser tal volume (BRASIL/MEC/FNDE/SEF, 2007). Publicação do Edital PNLD 2013 A partir desse PNLD, o volume de 3º ano passou a ser consumível, vindo a fazer parte da coleção de Alfabetização e Letramento, juntamente com os volumes de 1º e 2º anos. 2007 2010 As discussões teóricas e os modelos de atividades do PróLetramento influenciaram a elaboração das coleções, contudo, o Edital não citou esse programa de formação docente (BRASIL/MEC/FNDE/SEF, 2010). Implantação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) 2012 Muitas escolas e pais ficaram apreensivos em compreender exatamente como seria esse novo ensino, o que seria esperado que uma criança de seis anos aprendesse. O documento Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade (FNDE, 2006) tratou de orientar a inclusão do 1º ano no novo formato de ensino fundamental. Trata-se de “um compromisso formal assumido pelos governos federal, do Distrito Federal, dos estados e municípios de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental” (BRASIL/MEC, 2015). O Pnaic, graças às campanhas do governo federal, teve recorde de adesão do professorado, através das secretarias de educação a que pertencem. O incentivo da bolsa (uma remuneração) para os professores participantes, o que nem sempre ocorria nos demais programas, também é um dos fatores responsáveis pela adesão. De acordo com adesão. De acordo com as informações da SEB/MEC, em 2013, 5.420 municípios de todos os estados brasileiros já haviam aderido ao Pacto, sendo 317 mil professores em curso (PLATAFORMA DO LETRAMENTO, 2015, online). Segundo Elaine Constant, o fato de os professores receberem bolsas (remuneração), o que nem sempre ocorria nos programas anteriores, durante o período em que estão em formação, também contribuiu para o alto número de aderidos (CEALE/FaE, 2014b). Publicação do Edital PNLD 2016 2014 Nesse edital, lê-se: “(...) o ensino-aprendizagem de cada um dos componentes curriculares previstos para o período passou a ser abordado, nas orientações oficiais, do ponto de vista de sua contribuição para a consecução do objetivo central desses anos: inserir a criança, da forma mais qualificada possível, na cultura da escrita e na organização escolar. O que tem levado as políticas públicas em educação, nos três níveis de governo, a reconhecer a necessidade de definirem-se, em âmbito nacional, metas, estratégias e prazos comuns para o período. Ao lado de outras medidas e programas oficiais, firmou-se, com esse objetivo, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC)” (BRASIL/MEC/FNDE/SEF, 2014, p. 43). Portanto, a abordagem sugerida no Pnaic (que, na verdade, é uma retomada do programa anterior, o Pró-Letramento) balizou a elaboração das coleções didáticas para o PNLD 2016, inclusive as das demais disciplinas. Quadro 1 – Principais movimentos referentes ao PNLD e aos programas de formação continuada de professores da rede pública de ensino. Uma análise do quadro sugere-nos que há coerência entre as ações governamentais para a formação de professores e para alcançar os objetivos de promover educação de qualidade. As publicações, os programas de formação e os editais do PNLD dialogam em relação à linha teórico-metodológica e procuram complementarem-se. Contudo, não se consegue encontrar respostas satisfatórias para as razões de os indicadores de melhoria na aprendizagem dos alunos não alavancarem. Se considerarmos que os professores alfabetizadores estão participando dos programas de formação continuada promovidos pelo governo federal desde 1999, conforme se verifica no quadro, somos levados a pensar que a formação continuada não tem sido eficiente. Santos (2008), ao analisar as possibilidades de construção da autonomia profissional de um grupo de professores participantes do Programa Pró-Letramento, pôde identificar a permanência de um modelo de formação aplicacionista em detrimento de uma formação socioconstrutivista. Segundo a pesquisadora, a formação de docentes em serviço possui mais significado na medida em que se ancora à experiência reflexiva do professor. Pela abordagem reflexiva, entende-se que o processo formativo deve se constituir fundamentalmente sobre a maneira com que o professor se relaciona com seu trabalho, fornecendo-lhe meios para um pensamento autônomo em contraposição a processos formativos mais tradicionais, organizados previamente a partir de uma lógica de adaptação dos professores a novas políticas educativas, em que predomina a difusão de questões técnicas aos diversos grupos e profissionais (NÓVOA, citado por SANTOS, 2008, p. 144). Se os programas de formação continuada não têm sido suficientes para garantir a autonomia docente, concordamos com Santos (2008), ao concluir que os cursos partem do pressuposto de que sempre é necessário recomeçar e que os professores possuem características iguais e necessidades iguais. Investigações futuras que busquem compreender esses aspectos seriam de grande monta para a educação em nosso país. Dizeres finais O processo de constituição da autoria é gradual (não se nasce autor, mas se faz autor) e nem sempre emancipatório, pois são muitas as variáveis com as quais é preciso lidar e que acabam por direcionar o nosso fazer: orçamentos restritos, cronogramas ajustados demais para o volume de trabalho, impedimentos de usos de textos e imagens devido a não autorização pelos detentores dos direitos, perfil da editora na qual se pretende ou se consegue publicar etc. Dentre as tantas variáveis, a mais impactante é sem dúvida a avaliação feita pelo MEC. A avaliação é pautada em critérios pré-definidos, nem sempre tão claros, e que refletem, em maior ou menor grau, o que prescrevem os documentos oficiais. Os critérios repercutem nas características dos livros, pois são elaborados com base neles. São esses materiais que chegam às mãos dos professores. Portanto, quanto mais bem preparados estiverem os professores, mais eficazmente farão as escolhas de materiais didáticos com quais pretendem trabalhar ou suas reivindicações por materiais de qualidade, que atendam às suas necessidades. Nesse processo, os cursos de formação continuada possuem papel fundamental. Referências bibliográficas AGÊNCIA EDUCA BRASIL. Dicionário Interativo da Educação Brasileira. Parâmetros em Ação. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=391>. Acessado em: 14/04/2015. BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich; VOLOSHINOV, Valentin N. Marxismo e filosofia da linguagem: um esboço crítico. 7. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara F. Vieira. São Paulo: Hucitec, 1995. BATISTA, Antônio Augusto Gomes. A avaliação dos livros didáticos: para entender o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). In: ROJO, Roxane; BATISTA, Antônio Augusto Gomes. (Org.). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura da escrita. 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