Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha
Do regime de contagem de prazos de caducidade aplicável ao art.255.º
RJEOP: dúvidas antigas que se protelam…
Verbo Jurídico
2012
Do regime de contagem de prazos de caducidade aplicável ao art.255.º RJEOP: dúvidas antigas que se protelam…
Do regime de contagem de prazos de caducidade aplicável ao art.255.º
RJEOP: dúvidas antigas que se protelam…
Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha*
I. Propomo-nos no presente estudo esclarecer dúvidas pretéritas e presentes que
surgiram no âmbito do anterior RJEOP – hoje revogado pelo CCP – a propósito da
aplicação das regras sobre prazos do art.274.º RJEOP ao prazo de caducidade do
art.255.º RJEOP. Como se faz a contagem do prazo de caducidade do art.255.º RJEOP:
à luz do art.274.º RJEOP ou à luz dos prazos gerais do art.279.º CC e o do art.144.º
CPC?
O art.255.º tem dado azo a outras controvérsias, como seja nomeadamente a da
sua aplicação apenas ao empreiteira ou igualmente ao dono da obra que queria acionar
aquele por incumprimento do contrato de empreitada: sem querer entrar a fundo na
questão, sempre se dirá patente o segundo entendimento1, contudo abordemos a questão
da aplicação do regime de prazos.
Quanto a esta questão, importa começar por reproduzir o que é dito no art.255.º
RJEOP: as acções deverão ser propostas no prazo de 132 dias contados desde a data da
notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar
actos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do
empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere
fundado. O prazo também se aplica ao empreiteiro que queira propor acção por
incumprimento da empreitada contra o dono da obra2.
A orientação mais consensual é a de que o prazo se suspende em sábados,
domingos e feriados, valendo o prazo geral do procedimento administrativo. Com
efeito, a orientação mais comum na jurisprudência e doutrina administrativas, tolhida
por (mendazes) considerações de distinção more geometrico entre Direito Público e
Privado, inclina-se para que se aplique a regra de contagem de prazos constante do
RJEOP, ou seja, o art.274.º, que aponta no sentido da regra de que o prazo se suspende
em sábados, domingos e feriados (cf.art.274.º, n.º1, b), RJEOP)3. Assim, invoca-se,
nesse sentido, o art.238.º DL 405/93, de 10 de Dezembro – que corresponde ao art.274.º
RJEOP – e que reproduz textualmente o art.72.º CPA, que é aplicável a este caso por ter
* Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa. Mestrando no âmbito do Mestrado
Científico em Ciências Jurídicas, na vertente de Direito dos Seguros e Bancário, na Faculdade de Direito
de Lisboa. Assistente-convidado da Faculdade de Direito de Lisboa. Advogado-estagiário na Gouveia
Pereira, Costa Freitas e Associados. Agradeço os importantes contributos e a discussão dos tópicos do
tema ao Dr. Anselmo Costa Freitas, à Dra. Sara Quaresma e ao Dr. José Borges Guerra.
1
Subscrevemos o entendimento de JORGE ANDRADE SILVA, Regime Jurídico das Empreitadas de Obras
Públicas10, Almedina, Coimbra, 2006, sub art.255.º, 3, pp.730-731.
2
Neste sentido, não obstante o teor literal do preceito, JORGE ANDRADE SILVA, Regime Jurídico das
Empreitadas de Obras Públicas10, Almedina, Coimbra, 2006, sub art.255.º, 3, p.730, e Ac.STA 4-III1992, Revista de Direito Público VI, 12.º, p.104. Contra, numa perspectiva literal (mais fraca) e favorável
ao empreiteiro, Ac.STA 14-I-1992, BMJ 413, p.587, aplicando o princípio geral de que as acções sobre
contratos administrativos e sobre responsabilidade das partes pelo incumprimento podem ser propostas a
todo o tempo, salvo o disposto em lei especial, aplicando o anterior art.71.º, n.º1, LPTA, e o novo art.41.º,
n.º1, CPTA.
3
Neste sentido, cf. Ac.TCAS 8-VI-2010 (CLARA RODRIGUES), proc.00172/06.0BESNT, Ac.TCAS 5-II2009 (RUI BOTELHO), proc.0938/08.
Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha
“vocação administrativa geral” por força do art.1.º deste diploma: ou seja, o art.72.º
CPA aplicava-se, e entendia-se desnecessário o art.238.º DL 405/93. Outro argumento
forte é o que diz que o prazo segue o regime de contagem do CPA, porque no DL
235/86, de 18 de Agosto, o prazo era de 6 meses, e o que acontece é que o prazo de 132
dias úteis do RJEOP bem visto corresponde também ele a 6 meses, se descontando
sábados, domingos e feriados4.
Argumenta-se em sentido contrário que uma coisa são as regras de contagem de
prazos do procedimento administrativo e outra a contagem de prazos de caducidade para
a propositura de acções, forma de contagem essa a que se aplica o CC e o CPC, maxime
os arts.279.º CC e 144.º, n.os1 e 4 CPC5. Com efeito, trata-se aqui de situações
diferenciadas, e ultrapassado o anacrónico brocardo ubi lex non distinguit nec nos
4
Ac.TCAS 8-VII-2010 (CRISTINA DOS SANTOS), proc.4414/08, e Ac.STA 17-III-2004 (EDMUNDO
MOSCOSO), proc.046978, em que se escreve o seguinte, que passamos a transcrever: “[d]etermina ainda o
art.236.º do mesmo RJEOP que “em tudo o que não esteja especialmente previsto no presente diploma
recorrer-se-á às leis e regulamentos administrativos que prevejam casos análogos, aos princípios gerais de
direito administrativo e, na sua falta ou insuficiência, às disposições da lei civil”. Ou seja, só no caso de o
RJEOP não prever as regras de contagem dos prazos nesse regime previstos é que se poderá atender ao
que determinam as normas ou diplomas previstos no art.236.º, o que não acontece no que respeita à
questão que ora nos ocupa, já que o art.238.º expressamente refere que “à contagem dos prazos são
aplicáveis as seguintes regras: (…) b) o prazo suspende-se nos sábados domingos e feriados nacionais”.
Convém salientar que o Regime Jurídico de Empreitadas de Obras Públicas que resultava do DL 235/86,
de 18 de Agosto (revogado pelo DL 405/93 aplicável à situação em apreço), determinava que as acções
relativas à interpretação, validade ou execução dos contratos tinham de ser propostas dentro do prazo de
180 dias. Ora, com a introdução do prazo de 132 dias previsto no RJEOP aprovado pelo DL 405/93, não
se pretendeu certamente diminuir o prazo de propositura das acções mas antes, como resulta do
preâmbulo do DL 405/93, de 10 de Dezembro, “consagrar-se, no presente diploma…os princípios
orientadores e disposições fundamentais definidos pelo Código do Procedimento Administrativo, em
especial no que se refere à contagem de prazos”. Ou seja, tal alteração inseriu-se numa tentativa de
harmonizar esses prazos, nomeadamente no que respeita à sua contagem, ao regime de contagem de
prazos previsto no CPA, tanto mais que o prazo de 180 dias seguidos ou de calendário, correspondem
praticamente ao prazo de 132 dias úteis, contados nos termos do art.238.º do RJEOP aprovado pelo DL
405/93. É assim notório, tanto mais que a lei não faz qualquer ressalva, que ao prazo previsto no
art.226.º são aplicáveis as regras previstas no art.238.º do RJEOP”. Na esteira do precedente Acórdão,
veio também o Ac.TCAS 8-VII-2010 (CRISTINA DOS SANTOS), proc.04414/08, dizer que “[n]o DL 235/86
de 18.08, o prazo de caducidade do direito de acção (art.222.º) e o prazo moratório subsequente à
notificação da diligência de não conciliação (art.231.º) eram de, respectivamente, 180 e 30 dias, sendo
que o DL 405/93 de 10.12 introduziu os prazos de 132 (art.226.º) e de 22 dias (art.235.º). 2.
Descontando, em abstracto, os sábados e domingos aos 180 dias de prazo contínuo ou fazendo a
contagem pelo prazo de 132 dias úteis, em termos de calendário gregoriano o resultado de 6 meses é o
mesmo, o que significa que aos 180 e os 30 dias em prazo contínuo correspondem os 132 e 22 em prazo
convertido a dias úteis. Em sede de DL 59/99 de 02.03, tanto o prazo de 22 dias (art.264.º) como o prazo
de caducidade do direito de acção de 132 dias (art.255.º a que o art.264.º também se refere), são
contados em dias úteis, na medida em que no contencioso contratual o legislador quis manter ao longo
da sucessão de diplomas, do DL 235/86 ao DL 59/99, o reporte temporal abstracto dos 6 meses, sejam
eles contados em 180 dias contínuos ou 132 dias úteis”. Discordamos abertamente: veremos no decurso
da exposição o quão errada é a interpretação feita dos preceitos legais, sendo ainda de criticar a postura
positivista “literalista” de que ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, além do preconceito da
dicotomia axiomática e dogmática entre Direito Privado e Direito Público: de resto, tão-pouco se aquilata
da ratio dos preceitos em causa e se distinguem as situações jurídicas a aplicar in casu e visadas pelas
normas. Interessante é ainda reparar o afã em que se afadigam os tribunais administrativos em justificar a
(injustificável…) aplicação dos prazos (procedimentais, não processuais…) do contencioso
administrativo aos prazos de caducidade: o que denota claramente uma insegurança e uma oscilação no
seu sentir jurídico (para quem a este dê alguma importância). Vd, ainda sobre a questão da suspensão dos
prazos no caso de feriados nacionais, o Ac.STA 1-VII-2004 (RUI BOTELHO), proc.0175/04, no sentido de
que os prazos do art.238.º DL 405/93 apenas se suspendiam, nos termos da sua al.b), nos sábados,
domingos e feriados nacionais.
5
Ac.TCAS 20-X-2008 (CLARA RODRIGUES), proc.04414/08.
Do regime de contagem de prazos de caducidade aplicável ao art.255.º RJEOP: dúvidas antigas que se protelam…
distinguere debemus6, impõe-se efectivamente proceder a uma interpretação restritiva
do art.274.º RJEOP, uma vez que a sua letra suplanta o seu espírito: na verdade, uma
coisa são as situações jurídicas administrativas, entre os particulares e a Administração
Pública, e outra, bem diversa – ainda para mais se nos ancorarmos, como se sói, no
dogma/mito/princípio da separação de poderes –, as relações entre os particulares e os
Tribunais. Dito doutra forma: um prazo para valer no âmbito dum procedimento
administrativo, para a prática dum acto administrativo, é realidade bem distinta dum
prazo de que os particulares hão-de valer-se para agirem processualmente ante um
tribunal. E, in casu concreto, o recurso dum empreiteiro de obras públicas aos tribunais
para o exercício judicial dos seus direitos não se traduz, de modo algum, numa relação
administrativa, numa relação com a Administração, e, portanto, deste modo, se as
realidades são diversas, há que se lhes aplicar diferente regime: ou seja, o regime da da
suspensão do prazo nos fins-de-semana e feriados dar-se-á nas relações com a
Adminsitração, o regime e princípio da continuidade do prazo vale nas relações
processuais com os Tribunais, e em todos os outros casos residuais, porquanto se trata
da regra geral.
Mas falávamos de interpretação restritiva: vimos já que as situações materiais
são efectivamente diferentes. Importa agora aquilatar da ratio do art.274.º RJEOP de
forma a podermos aperceber-nos se o seu espírito é menos amplo que a letra: magis
dixit quam uoluit. O art.274.º RJEOP, na parte que nos interessa – saber se o prazo é
contínuo, ou se se conta apenas em dias úteis –, diz o seguinte:
Artigo 274.º
(Contagem dos prazos)
1. À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) (…)
b) O prazo começa a correr independentemente de quaisquer
formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados
nacionais;
c) (…)
Esta é, de facto, a única regra do art.274.º RJEOP diversa da regra geral da
continuidade dos prazos, consagrados nos arts.279.º CC e 144.º, n.º1, CPC (e também
no art.58.º, n.º3, CPTA, que segue o regime geral do CPC, e no art.104.º, n.º1, CPP). De
facto, o próprio preceito, no que toca aos prazos para a apresentação das propostas ou
6
Cf., p.e., OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral13, Almedina, Coimbra, 2005,
p.424, ao dizer a propósito da interpretação restritiva que “[a] prática jurídica tem demonstrado
considerável relutância em admitir esta operação. Gerou-se um brocardo, que circula como moeda
válida no foro: ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus. Tal afirmação não tem qualquer
verdade, pois ela levaria a que nos sujeitássemos inteiramente à letra da lei. Pode aparecer uma
formulação genérica e verificar-se depois que a ratio supõe uma distinção que o texto omitiu. Onde a lei
não distingue, podemos e devemos distinguir se a isso nos levar o espírito da lei”. Feita esta apropriação
das palavras do Autor, serve ela para dizer que é precisamente disto que aqui se trata. E finda, em termos
lapidares, e que subscrevemos integralmente: “[s]ó assim obedecemos efectivamente às valorações da lei.
É por esta capacidade de dar o justo valor aos preceitos em causa que se distingue um jurista de uma
pessoa que pode até porventura conhecer muitas leis”. Também este reparo vale para os nossos
“legistas”/”legalistas” (OLIVEIRA ASCENSÃO diria “literalistas”, uma vez que afirma orientação
positivista, mas cremos serem francamente sugestivas as suas palavras), maxime para a nossa
Administração Pública, com as suas míopes, quando não cegas, interpretações. Vd., entre nós, por todos,
CASTANHEIRA DAS NEVES, Metodologia jurídica – problemas fundamentais, Coimbra Ed., Coimbra, 2011
(reimpr.), pp.83 e ss.
Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha
dos pedidos de participação, bem como para o prazo de execução da empreitada,
determina que aqueles sejam contínuos.
Este prazo é igual ao que vem no art.72.º CPA, tendo-se já mesmo pugnado pela
desnecessidade e apontado a má legística na redacção do art.274.º RJEOP, dado o
princípio entia non sunt multiplicanda, i.e., se já há um preceito igual que dispõe o
mesmo e que se aplica no caso presente, para quê repeti-lo7? Transcrevamo-lo:
72.º
(Contagem dos prazos)
1. À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) (…)
b) o prazo começa a correr independentemente de quaisquer
formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados;
c) (…)
O art.274.º, n.º1, RJEOP – e, no que nos concerne especialmente e diverge do
regime geral, a al.b) – é, como se repara, a transcrição ipsis uerbis do art.72.º CPA. A
única originalidade do regime do RJEOP é o seu n.º2, que, de resto, é o único realmente
conatural e específico deste regime contratual. Resta, portanto, apurar qual a ratio do
art.72.º CPA e, subsequentemente, do art.274.º RJEOP, para saber qual o seu âmbito de
aplicação.
Para essa tarefa, importa recorremos ao ensinamento dos ilustres
administrativistas da nossa praça. Assim, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/COSTA
GONÇALVES/PACHECO DE AMORIM8 escrevem lapidarmente o seguinte, e que impor
transcrever: “[n]ão se inclui, obviamente, no conceito de prazos procedimentais, o
próprio prazo estabelecido na lei como condição de exercício (factor de caducidade ou
prescrição) do direito ou da sua posição jurídica, a cuja atribuição ou reconhecimento
o procedimento tende. É um prazo não procedimental, como acaba por o ser também,
por exemplo, o prazo para a revogação ex officio do acto administrativo – pois é fixado
por referência ao prazo para a interposição do recurso contencioso, que é um prazo
substantivo”. Ou seja, é manifesto que a ratio do art.72.º, n.º1, b), CPA, não é, de todo,
idónea, nem visou ab ovo, aplicar-se a situações jurídicas que determinem relações
judiciais, mas apenas meramente administrativas. E, na medida em que o art.274.º, n.º1,
b), RJEOP, é a transcrição ipsis verbis do art.72.º, n.º1, b), CPA9, a sua ratio não pode
7
JORGE ANDRADE DA SILVA, Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas10, Almedina,
Coimbra, 2006, sub art.274.º, Parecer MP 20-X-2008 (CLARA RODRIGUES), proc.04414/08. Este parecer é
importantíssimo e denota um aturado reflectir sobre a questão: com efeito, depois de repetir o que é dito
por JORGE ANDRADE DA SILVA, de que o art.274.º é igual ao art.72.º CPA, e portanto aquele seria em
grande medida dispensável, escreve que “[d]o que se acabou de transcrever afigura-se-nos que quer o
disposto no art.238.º do DL n.º 405/93, quer no art.274.º, n.º1, do DL n.º 59/99, que no fundo mais não
fazem do que reproduzir o art.72.º, n.º1, do CPA, tal como este tem aplicação apenas no que à contagem
dos prazos do regime próprio do procedimento administrativo e não já no que se refere à forma de
contagem dos prazos de caducidade ou de prescrição para a propositura de acções, forma de contagem
essa a que se aplica o CC e o CPC, designadamente arts.279.º CC e 144.º, n.os1 e 4 do CPC”. É este sine
dubio o entendimento correcto.
8
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/COSTA GONÇALVES/PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento
Administrativo comentado2, Almedina, Coimbra, 2006, p.368.
9
Neste sentido, cf., além da jurisprudência, v.g. Ac.STA 11-XI-2004 (RUI BOTELHO), proc.0310/04, vd.
JORGE ANDRADE DA SILVA, Regime jurídico das empreitadas de obras públicas10, Almedina, Coimbra,
2006, sub art.274.º, 2, p.785, que expressivamente refere, depois de enunciar o art.2.º CPA que diz ser o
CPA aplicável a todas as relações administrativas (e portanto também o art.72.º CPA), que “[a]ssim,
poderia pretender-se que o n.º1 deste preceito é inútil, já que sempre àqueles órgãos da Administração
Do regime de contagem de prazos de caducidade aplicável ao art.255.º RJEOP: dúvidas antigas que se protelam…
deixar de ser a mesma: e, sendo-a, este é inidóneo a aplicar-se a situações de prazos de
caducidade (ou de prescrição) de direitos. A única utilidade do art.274.º RJEOP (e que,
em abono da verdade, diga-se, não é muita) é a de que o âmbito de aplicação do RJEOP
extravasa o das pessoas colectivas do art.2.º CPA, e daí a sua pertinência10: mas não era
necessário reproduzir in toto um preceito já existente…
Quanto ao facto de no antecessor do RJEOP de 93, o DL 235/86, o prazo ser de
6 meses, e os 132 dias úteis corresponderem-lhe grosso modo, sempre se dirá que tal
argumento é tudo menos decisivo. Ora, se o legislador quisesse conceder 6 meses, por
que motivo não o disse expressamente quer no RJEOP de 93, quer no RJEOP de 1999?
E porque não podemos igualmente entender que foi intenção do legislador,
precisamente, reduzir os prazos de reacção do empreiteiro? Esta parece, em face dos
argumentos expostos, e em face do facto de o CCP ter vindo acentuar a diminuição dos
prazos (arts.470.º e 471.º CCP)11, numa tendência já em trânsito e que hoje se
consolidou expressamente, a única solução admissível e correcta. Com efeito, hoje o
art.470.º CCP prevê para a contagem dos prazos nas impugnações administrativas das
decisões relativas à formação dos contratos (art.267.º, n.º2, CCP), e na fase de formação
dos contratos a aplicação do art.72.º CPA com suspensão nos sábados, domingos e
feriados (art.470.º, n.º1, CCP), bem como o prevê no caso de , mas já para a
apresentação das propostas, candidaturas e soluções os mesmos são contínuos (art.470.º,
n.º3, CCP), bem como na fase de execução dos contratos se segue o regime geral da
continuidade dos prazos (cf.art.471.º, n.º1, a), CCP). Mas o CCP confirma precisamente
tudo quanto dizemos: são realidades distintas a contagem de prazos no âmbito das
relações administrativas, e no âmbito das relações judiciais (mesmo quando estas
versem sobre questões administrativas: cf.art.58.º, n.º3, CPTA12).
Finalmente, não deixamos de relevar que os acórdãos que vêm concluindo pela
contagem "administrativa" do prazo consagrado no artigo 255.º do RJEOP reconhecem
todos eles que estamos perante um prazo de caducidade de um direito. Ora, se assim é,
não podemos então desconsiderar a natureza deste instituto e as regras próprias do seu
regime… E estas constam inelutavelmente do CC. Com efeito, quanto à questão da
“vocação universal” das regras da caducidade e da prescrição, o Autor do Anteprojecto
do Código Civil, VAZ SERRA, aquando da elaboração do Código, afirmou a generalidade
destas regras, nomeadamente no que toca à contagem de prazos13. No mesmo sentido
Pública seria aplicável o Código do Procedimento Administrativo e o seu artigo 72.º que estabelece o
regime da alínea b) do n.º 1”.
10
JORGE ANDRADE DA SILVA, Regime jurídico das empreitadas de obras públicas10, sub art.274.º, 2,
p.785.
11
Relembre-se que o preâmbulo do CCP menciona expressamente que “[o] CCP prossegue o objectivo
da simplificação da tramitação procedimental pré-contratual através da aposta nas novas tecnologias de
informação. (…) Desta forma, assegura-se ainda um importante encurtamento dos prazos
procedimentais, tanto reais quanto legais”. Aqui não se fala propriamente da redução dos prazos de
caducidade e de reacção do empreiteiro ou do outro contratante não público, mas sobretudo dos prazos
procedimentais em fase de formação do contrato, cremos. Por seu turno, JORGE ANDRADE DA SILVA,
Código dos Contatos Públicos comentado e anotado3, Almedina, Coimbra, 2010, sub arts.470.º e 471.º,
pp.1102-1104, vem referir que o art.274.º RJEOP já continha as mesmas soluções dos arts.470.º e 471.º
CCP: concordamos. Não é que o CCP tenha encurtado este prazo: apenas cristalizou e generalizou a
solução anterior, numa tendência já em trânsito.
12
Sobre este, vd., entre outros, AROSO DE ALMEIDA/FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de
Processo nos Tribunais Administrativos2, Almedina, Coimbra, 2007, sub art.58.º, 4, pp.347-349.
13
Quanto à caducidade, VAZ SERRA, “Prescrição e caducidade”, BMJ 107 (1961), pp.248-249, entra na
discussão de saber se à caducidade são aplicáveis os prazos aplicáveis à prescrição, se os aplicáveis aos
prazos judiciais, optando pela primeira opção, pois os prazos de caducidade são de Direito substantivo,
não são prazos judiciais e, portanto, as regras aplicáveis a esses prazos, por analogia, são as da prescrição,
solução esta que será facilitada, escrevia, se se estabelecerem regras gerais sobre o cômputo dos prazos,
Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha
apontam os arts.296.º e 298.º, n.os1 e 2, CC14, uma vez que no primeiro é dito serem
aplicáveis as regras constantes do art.279.º e ss., na falta de disposição legal em
contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra
autoridade, e no segundo é dito que, quando por lei ou por vontade das partes um direito
deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade.
Confirma-o o art.273.º, in fine, RJEOP, no que aqui nos interessa. Evidentemente, se
houver uma lei expressa que regule o regime da prescrição e da caducidade, esta
prevalecerá dentro do seu âmbito sobre as regras gerais constantes do Código Civil:
todavia, o que normalmente acontece é a lei especial estabelecer prazos específicos de
caducidade, e não regulamentá-la; aplicar-se-á, portanto, in omissis, o regime geral
constante do Código Civil.
Assim, nos precisos termos do art.328.º CC, a verdade é que “o prazo de
caducidade não se suspende, nem se interrompe senão nos casos em que a lei o
determine”. A ratio deste preceito reside no facto de na caducidade estarem em causa
motivos de certeza e segurança jurídica, e não de inércia do titular (como na prescrição):
e, por isso, à caducidade não são aplicáveis os regimes da suspensão e da interrupção da
prescrição, que atendem precisamente a razões de justificação de não exercício do
direito em função do seu titular (cf.arts.318.º e ss., e 323.º e ss. CC). Com efeito, a
suspensão e a interrupção da caducidade são anormais, ou, melhor, excepcionais
perante o nosso Direito, perante a norma geral do art.328.º CC. Peguemos nas palavras
de DIAS MARQUES15 para melhor divisar o intento do nosso legislador: “[a] ideia de
suspensão do prazo está ligada à ideia de não exercício do direito: o prazo de
prescrição suspende-se em certos casos de não exercício que a lei considera
justificados (v.g. menoridade, incapacidade, etc.). Ora na concepção de que a
caducidade é um direito cuja existência está limitada a um prazo não tem qualquer
interesse o conceito de «não exercício». Se o direito de acção existe durante um ano,
ele existe realmente durante esse período quer seja exercido ou não. Não há que pôr
um problema de «não exercício» e portanto de «não exercício justificado». Daí, a
inadequação ao caso do conceito de suspensão”16. Excepção a este entendimento é a
caducidade convencional em que, na dúvida, vale o regime da suspensão da prescrição
conforme propõe no Anteprojecto o Autor. Quanto aos prazos de prescrição, aplicáveis analogicamente à
caducidade, VAZ SERRA, “Prescrição e caducidade”, BMJ 105 (1961), pp.244-245, prescreve expressis
uerbis a sua vocação de aplicação geral: “[s]eria porventura preferível estabelecer regras gerais sobre o
cômputo de quaisquer prazos. Numerosos efeitos legais estão ligados ao decurso de prazos, quer no
direito privado (v.g., prescrição, usucapião, caducidade, maioridade), quer no direito público, além de
que as partes ou o juiz e outras autoridade podem fixar prazos de cuja observância ou não-observância
resultem vantagens ou prejuízos. (…) As disposições sobre prazos e termos são apenas regras
interpretativas, só sendo, portanto, aplicáveis quando da lei, da disposição judicial ou da autoridade ou
do negócio jurídico se não concluir coisa diferente”.
14
Cf. EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil,
Almedina, Coimbra, 2011 (6.º reimpr. 1992), p.214.
15
DIAS MARQUES, Teoria Geral da Caducidade, p.64.
16
ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, Prescrição e Caducidade, Coimbra Ed., Coimbra, 2008, p.168, vai na
esteira de DIAS MARQUES, VAZ SERRA e MENEZES CORDEIRO, ao escrever: “[o]s prazos de caducidade
justificam-se em nome da rápida definição da situação jurídica, fundamento que é inconciliável com a
suspensão ou interrupção dos prazos”. Por seu turno, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil V,
Almedina, Coimbra, 2011, p.219, e ID., “Da caducidade no Direito Português”, Estudos em memória do
Professor Doutor José Dias Marques, Almedina, Coimbra, 2007, pp.7-30 (e vd. tb., colorandi causa,
PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil6, Almedina, Coimbra, 2012, p.393), vem
dizer expressivamente: “[a] caducidade, uma vez em funcionamento, é inelutável. A caducidade só é
detida pela prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou uma convenção
atribuam o efeito impeditivo – 331.º/1”.
Do regime de contagem de prazos de caducidade aplicável ao art.255.º RJEOP: dúvidas antigas que se protelam…
(art.330.º, n.º1 e 2, CC), e, por móbiles específicos e in casu justificados, o art.2308.º,
n.º3, CC17. Daqui se retira que é necessário, salvo para os direitos disponíveis, que a lei
expressamente determine que a caducidade se suspende, ainda que só se suspenda nos
feriados e fins-de-semana, como sucede no CPA. Não é, pelo contrário, o que acontece
no RJEOP, em que o âmbito de aplicação do art.274.º RJEOP, por ser coincidente com
o art.72.º CPA, não abrange a aplicação a prazos processuais (mas apenas a prazos
advenientes de relações jurídicas administrativas com a própria Administração, e não já
com os Tribunais: relembre-se o tão famigerado princípio da separação de poderes).
Ou seja, a ratio ou âmbito de aplicação do art.274.º, n.º1, b), RJEOP, assim
como o art.72.º, n.º1, b), CPA (de que é cópia integral, ipsis verbis), restringe-se a casos
de natureza procedimental e às relações com a Administração Pública. É mais do que
óbvio e manifesto que um prazo de prescrição ou de caducidade não tem que ver com
uma relação com a Administração Pública, mas com um prazo processual judicial, o
que é coisa bem diversa.
Em Direito, não vale uma atitude apegada à letra da lei sem conhecer o seu
âmbito de aplicação e sem distinguir: o brocardo ubi lex non distinguit nec nos
distinguere debemus já não vale há longo tempo.
Só há de facto uma interpretação correcta – fazendo numa alusão ao
dworkiniano juiz “Hércules” –, a nosso ver: ao prazo de caducidade do art.255.º RJEOP
é aplicável o prazo geral do art.279.º CC e do art.144.º CPC: o princípio da continuidade
dos prazos. A opinião contrária tem singrado na Administração Pública por má
interpretação e aplicação da lei, e por uma postura exacerbadamente positivista e em
favor do Estado, que não se vê como se justifique.
II. Propomo-nos ainda abordar uma outra questão, conquanto com esta última
correlata: assim, e como se tem discutido, prevê o art.264.º RJEOP prevê uma vera
interrupção da prescrição ou uma suspensão? Nesta matéria rege o art.264.º CC, que
refere que o pedido de tentativa de conciliação interrompe o prazo de prescrição do
direito e de caducidade da respectiva acção, que voltarão a correr 22 dias depois da data
em que o requerente receba documento comprovativo da impossibilidade de realização
ou da inviabilidade da diligência.
Dividem-se a jurisprudência e doutrina em duas orientações: a de que se trata de
uma interrupção e a de que se trata de uma suspensão da prescrição.
A doutrina propensa à tese da suspensão aponta deficiências na redacção do
preceito. Uma é a de que a caducidade, por princípio, não se suspende, nem interrompe,
salvo se houver lei especial em contrário (art.328.º CC), ao contrário do que acontece
com a prescrição18: mas este argumento é contornável, uma vez que estamos
precisamente perante uma suspensão da caducidade decorrente da lei (cf.art.328.º in
fine). Outro argumento é o de que o preceito diz que os prazos “voltarão a correr 22 dias
depois da data”: ora, se voltarão a correr, então isso significa que se trata do mesmo
prazo, como sucede precisamente na suspensão. Assim, ensaia-se uma interpretação
restritiva do preceito19: o legislador magis dixit quam uoluit.
17
cf. ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, op.cit., pp.168-169, e MENEZES CORDEIRO, Tratado V, op.cit.,
pp.219 e 7 e ID, Da caducidade no Direito Português, op.cit., pp.7 e ss.
18
JORGE ANDRADE DA SILVA, Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas10, sub art.264.º, 2,
p.760.
19
JORGE ANDRADE DA SILVA, Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas10, sub art.264.º, 2,
pp.760-761, que escreve, e com toda a razão, que: “[a] redacção do preceito levanta a questão de saber
se, após aquela recepção, os mesmos prazos voltarão a correr, caso em que se conta o período de tempo
decorrido até ao período de tentativa de conciliação, mas em que não haverá, por isso, interrupção e
Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha
A tese mais consensual entre nós, quer ao nível da jurisprudência, quer ao nível
da Administração Pública20, é a propensa à interrupção: e (como não podia deixar de
ser) tem a seu favor a letra “nua e crua” do preceito e o art.9.º, n.os2 e 3, CC21; e, como
diriam ainda hoje em dia muitos, in claris non fit interpretatio.
Ora, esta interpretação está claramente errada. Além de se desconsiderar a ratio
e a natureza da caducidade (e as diferenças entre esta e a prescrição: e daí o art.328.º
CC, regra geral de Direito), a verdade é que a interpretação feita pelos tribunais
administrativos estava claramente do ponto de vista metodológico errada, assim como
demonstra uma manifesta tendência duma tendenciosa, passe a expressão, inclinação
por soluções a favor do Estado, rectius em geral da Administração Pública. É que, no
plano metodológico, o que interessa é o regime e não a qualificação feita pelo
legislador22: o legislador não qualifica, regula; a qualificação é tarefa cometida ao
intérprete-aplicador do Direito, com base no seu regime. Ora, se o art.264.º diz
efectivamente que “voltarão a correr 22 dias depois da data”, a verdade é que o regime,
a regulação do legislador (e não a qualificação: que não lhe compete!), é no sentido de
se tratar dum caso de suspensão da prescrição e da caducidade, e não de interrupção:
não o contrário faria sentido. Ademais, mesmo que se entendesse tratar dum caso de
interrupção da prescrição (o que, como visto, é completamente descabido, apenas o será
para quem mantiver uma postura exegética radical), sempre seria de ponderar uma
solução não inteiramente equivalente para a caducidade, conquanto o preceito não as
distinga (e mal, porque efectivamente são diferentes…).
III. Versemos, a latere, uma nova questão, para passarmos à questão de saber se
pode ser alterado ou, rectius, prorrogado um prazo de caducidade já decorrido: assim,
pergunta-se, são as regras dos arts.328.º e ss., maxime do art.330.º, CC aplicáveis ao
RJEOP (e ao CCP), i.e., é possível um negócio jurídico que modifique os prazos de
caducidade no âmbito dos contratos públicos? Quanto a esta questão, tragamos à
colação a lição de VAZ SERRA. O ilustre Autor, nos estudos conducentes ao
Anteprojecto do Código Civil, distinguiu23 a caducidade da prescrição precisamente
(também) neste ponto: ao passo que os prazos prescricionais são inderrogáveis pelas
partes, sendo nulos os negócios em contrário, quer os encurtem, quer os prolonguem
(art.300.º CC), pelo contrário, os prazos de caducidade são derrogáveis pelas partes,
quer no sentido do seu alargamento, quer do encurtamento dos mesmos, desde que a
antes suspensão da contagem daqueles prazos; ou se, pelo contrário, há efectivamente interrupção dessa
contagem e, consequentemente, se anula todo o período de tempo decorrido até ao pedido de tentativa de
conciliação e os prazos iniciarão de novo a sua contagem por inteiro 22 dias após a recepção do
documento da não conciliação. Neste caso, ao contrário do que diz o preceito, os prazos não voltarão a
correr, mas antes começarão a correr novos prazos”. Cremos que a questão só surge porque o texto legal
aplica o termo interrompe com menos propriedade, pois se terá querido dizer suspende. Com efeito, a
suspensão da contagem dos prazos já protege suficientemente o requerente da tentativa de conciliação,
não se vendo razão justificativa para, por isso, se anular toda a parte dos prazos decorrida até àquele
requerimento. Não tem sido esse, porém, o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo”, ao que o
Autor cita os seguintes Acórdãos proferidos nos recursos n.º 28637 de 6-IV-1996, n.º38736 de 4-VI-1996,
n.º44697 de 17-III-2004, n.º310/03-11 de 11-XI-2004.
20
Ac.STA 4-VI-1996 (FERNANDES CADILHA), proc.038736, Ac.STA 17-III-2004 (EDMUNDO MOSCOSO),
proc.046978.
21
Cf. Ac.STA 6-IV-1996, recurso n.º28637, Ac.STA 4-VI-1996, recurso n.º38736, Ac.17-III-2004,
recurso n.º44697, e Ac.STA 11-XI-2004, recurso n.º310/04-11.
22
Relembrem-se as lições de OLIVEIRA ASCENSÃO, e na sua esteira de MENEZES CORDEIRO e PAIS DE
VASCONCELOS, nas suas diversas obras.
23
Depois de indagar se se deviam ou não distinguir: questão não despicienda, mas que não versaremos
por não ser essa a solução arreigada no nosso Direito (ainda que frequentemente o legislador e os
intérpretes-aplicadores confundam as duas figuras).
Do regime de contagem de prazos de caducidade aplicável ao art.255.º RJEOP: dúvidas antigas que se protelam…
matéria seja disponível e não haja fraude às regras legais da prescrição (art.330.º, n.º1,
CC). A ratio para a diferença de regimes assenta no facto de a prescrição assentar em
considerações de função social e de ordem pública, e já não a caducidade24: melhor, ao
passo que na prescrição se têm em conta a necessidade social de segurança jurídica e
certeza dos direitos, assim como a inércia negligente do titular do direito, na caducidade
estão apenas em causa objectivos de certeza e segurança, que podem ou não ser de
ordem pública25.
Não devem distinguir-se, neste âmbito, os negócios jurídicos de modificação do
regime supletivo da caducidade concomitantes do negócio principal ou posteriores –
i.e., já na pendência da execução do mesmo –, até porque o art.330.º, n.º1, CC, não
distingue nesse sentido, e não se vislumbram razões para o fazer; o art.331.º, n.º1, CC,
quando refere que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou
convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, não parece
impedir este entendimento. Por sua vez, o art.330.º, n.º1, apresenta-se como derrogação
do art.328.º CC.
IV. Passemos agora a outra questão que nos tormenta: pode ou não ser
prorrogado um prazo de caducidade que tenha já decorrido, e, se sim, quais os efeitos
jurídicos de tal negócio. A resposta à questão de saber se pode ser alterado um prazo de
caducidade depois de decorrido o mesmo pressupõe que se verifique a consequência da
caducidade. A prescrição é um facto extintivo das obrigações, tornando-as em
obrigações naturais, relativamente às quais valerá a regra da não repetição do indevido
(soluti retentio: art.403.º, n.º1, CC).
Já quanto à caducidade, tem-se discutido. VAZ SERRA entendeu que, se a
caducidade incide sobre direitos disponíveis, se o beneficiário da mesma paga, renuncia
à mesma, salvo se desconhecia a caducidade, caso em que terá direito à repetição do
indevido, pois trata-se do pagamento duma dívida inexistente; nos casos em que verse
direitos indisponíveis, o beneficiário não pode renunciar à mesma e, consequentemente,
se paga depois de verificada a caducidade, pode repetir o que pagou, nos termos gerais
da repetição do indevido, embora admita, neste último, caso que possa haver uma
obrigação natural26.
Contudo, a doutrina hodierna é francamente mais assertiva, senão mesmo
unânime, quanto à eficácia extintiva da caducidade: a caducidade extingue in limine o
direito, não o modifica em obrigação natural. A doutrina unânime sói apontar este factor
como um dos critérios distintivos da caducidade e da prescrição, porquanto esta apenas
24
VAZ SERRA, BMJ 105, pp.119 e ss., ID., “Prescrição e caducidade”, BMJ 106 (1961), pp.239 e ss., ID.,
“Prescrição e caducidade”, BMJ 107 (1961), pp.206-209 e 255 e ss.
25
VAZ SERRA, “Prescrição e caducidade”, BMJ 107 (1961), p.256, CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral
do Direito Civil4, com a colaboração de PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, Coimbra Ed./Wolters
Kluwer, Coimbra, 2011, pp.375-376, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil4,
Almedina, Coimbra, 2007, p.380, segurança no tráfego jurídico e desvalorização da inércia do titular do
direito.
26
VAZ SERRA, “Prescrição e caducidade”, BMJ (1961), p.274, na esteira de AZZARITI/SCARPELLO e de
JAEGER, embora discuta a última solução proposta: “[d]estas soluções, a segunda não é talvez muito
segura. Se a caducidade é estabelecida em matéria disponível pelas partes, poderá sempre dizer-se que o
pagamento, depois de produzida a caducidade, não é nunca o cumprimento de uma obrigação natural?
Que, deste modo, se, por exemplo, o vendedor de uma coisa com vícios não se prevalece da caducidade
do direito da outra parte (por falta de denúncia, no prazo legal, do vício) e lhe restitui o preço dessa
coisa, não cumpre uma obrigação natural? Não parece (…). Uma vez que, na orientação proposta na
presente exposição, a caducidade pode aplicar-se também a direitos de crédito, não há, em princípio,
obstáculo à admissão de uma obrigação natural, após a verificação da caducidade”.
Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha
transmuta a obligatio ciuilis em naturalis27; a solução adoptada dependerá da posição
jurisfilosófica (nomeadamente para os mais positivistas e tendentes a aceitar a
coercibilidade como pressuposto do ordenamento e da norma jurídica, a postura
preferencial e tendencial será a de considerar a prescrição facto extintivo/excepção
peremptória extintiva, e não facto modificativo da obrigação civil) de cada Autor, mais
ainda do que de argumentos normativos, pois que todos concordam na aplicação do
regime constante dos arts.403.º a 404.º CC, scilicet da soluti retentio28 (e tão ou mais
importante seria ainda não olvidar as nãos despiciendas regras dos arts.476.º, n.º1,
430.º29, 615.º, n.º2, 1246.º, e 1895 CC).
Mas quando haja um negócio jurídico de prorrogação do prazo, após a
caducidade do mesmo, quid juris?
27
Cf., neste sentido, distinguindo prescrição e caducidade com base no facto de a segunda extinguir o
direito e a primeira não (ou seja, englobando nas obrigações jurídicas também as naturais), EWALD
HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra,
2011 (6.ºreimpr.1992), p.215, que lapidarmente escreve: “[n]a verdade a situação jurídica é diferente da
da prescrição. Enquanto o direito prescrito continua a existir, o direito caducado perdeu a sua
existência”; MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigações, pp.73 e ss., considerando obrigações
jurídicas as naturais, ainda que obrigações imperfeitas; tb. PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do
Direito Civil4, Almedina, Coimbra, 2007, pp.380-381 e 391, distingue a caducidade da prescrição, na
medida em que a segunda não extingue o direito (o Autor vai mais longe, e distingue ainda as obrigações
prescritas das obrigações naturais, pois “[e]mbora tenham em comum a irrepetibilidade, são diferentes a
respectiva essência e fundamento. As obrigações naturais têm a sua natureza e regime por
corresponderem a uma vinculação que é do foro moral, mas que não ganha vinculatividade jurídica.
Mais exactamente, não geral actio. Mas o seu regime nada tem a ver com a inércia do titular do direito
no seu exercício. Diferentemente, a obrigação prescrita é uma obrigação normal, que não é uma
obrigação natural, cuja especificidade de regime decorre apenas da inércia do titular do correspondente
direito”). No sentido contrário, considerando a prescrição facto extintivo, vd. OLIVEIRA ASCENSÃO,
Direito Civil – Teoria Geral, vol.III, Coimbra Ed., Coimbra, 2002, pp.333-334 e 341-345, CARVALHO
FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil II, p.650, CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito
Civil4, pp.373-377, ou, em termos lapidares, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações11, pp.171-193 e
1119 e ss., que, embora englobe as obrigações naturais (e aí as prescritas) nas obrigações jurídicas
(aderindo à posição clássica de MANUEL DE ANDRADE), considera a prescrição um facto extintivo de
direitos: “[i]nteressa-nos aqui a prescrição enquanto causa de extinção dos direitos de crédito. E assim
cabe considerá-la, não obstante o cumprimento de obrigação prescrita, depois de invocada com êxito a
prescrição, ser havido pela lei como a satisfação de uma obrigação natural (art.304.º, n.º2).
Consequentemente, a prescrição constitui apenas causa extintiva das obrigações civis ou perfeitas”;
MENEZES LEITÃO, O Enriquecimento sem causa, pp.492 e ss., (na reed., pp.475 e ss.), ID., Direito das
Obrigações, vol.I6, pp.125-130, e ID., Direito das Obrigações, vol.II5, p.116, que, depois de escrever - na
última obra citada, ser a prescrição uma hipótese de transformação da obrigação civil em natural, diz que
“[n]a medida em que recusámos atribuir a natureza de verdadeiras obrigações jurídicas às obrigações
naturais, entendemos que a prescrição deve ser incluída entre as causas de extinção das obrigações”
(pois considera que o regime da soluti retentio se baseia no facto de o legislador reputar o cumprimento
espontâneo de obrigação natural um dever de justiça, o qual constitui causa jurídica para a recepção da
prestação, o que exclui a aplicação do enriquecimento sem causa).
28
Em sentido consímile, RUI CAMACHO PALMA, Da Obrigação Natural, AAFDL, Lisboa, 1999, pp.223 e
ss., embora não possamos de todo acompanhar o Autor quando a p.237 refere que “o ius não inclui a
actio. Esta destina-se a assegurá-lo, mas não o integra” (em trilho idêntico, mas chegando a diferentes
conclusões, pode ver-se PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil4, p.381): trata-se este
claramente dum equívoco histórico; cronologicamente e em termos puramente abstracto-conceptuais, era
a actio que não incluía o ius (se assim pode dizer-se em termos tão simplistas), uma vez que surge antes
deste, conceito ignoto da iurisprudentia romana clássica. Vd., dentre tantos, colorandi causa, SANTOS
JUSTO, Direito Privado Romano I, JORGE SILVA SANTOS, Delimitação do negócio jurídico e historicidade
do direito: análise, crítica e superação do conceito, Tese de Mestrado, FDL, Lisboa, 2008.
29
Sobre este preceito, vd. FERREIRA MÚRIAS/LURDES PEREIRA, “Sobre o conceito e a extensão do
sinalagma”, Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, vol.I, Almedina,
Coimbra, 2008, pp.379 e ss., e FRANCISCO RODRIGUES ROCHA, “Da retenção sobre coisa de terceiro e
sobre coisa própria”, RFDUL LI (2010), 1-2, pp.599-600.
Do regime de contagem de prazos de caducidade aplicável ao art.255.º RJEOP: dúvidas antigas que se protelam…
A solução parece ser a de que, nestes casos, se entende que as partes, sabendo da
caducidade do direito, reconheceram a dívida, “ressuscitando” a obrigação extinta, pelo
que começará a correr novo prazo de caducidade30. A invocação posterior por uma das
partes de que o direito já caducara constituirá abuso de direito, na modalidade de venire
contra factum proprium, redundando na ineficácia de tal declaração (art.334.º CC). Se a
parte a quem a caducidade aproveita desconhecesse que a caducidade já decorrera
(hipótese menos frequente, tendo em conta que as partes que estipulam sobre um novo
ou diferente prazo de caducidade, nomeadamente prorrogando-o, fazem-no
precisamente porque não querem que o prazo termine), e a parte contrária soubesse ou
não pudesse ignorar que a outra parte não contrataria caso soubesse dessa circunstância,
o negócio é anulável por erro ou dolo, nos termos gerais dos arts.247.º e ss. CC.
V. Por último, versemos a derradeira questão de saber se os direitos atribuídos
ao empreiteiro no âmbito do RJEOP, e mesmo no âmbito do CCP, são indisponíveis,
para efeitos da aplicação do regime da caducidade. Conquanto a análise deve sempre ser
feita casuisticamente, tendo em conta a natureza e intensidade dos interesses tutelados,
cremos que não (não obstante haja quem, por princípio, tenha os direitos de cariz
público como indisponíveis, como MENEZES CORDEIRO: e a verdade é que sê-lo-ão mais
frequentemente do que os direitos de cariz privado). Aponta nesse sentido, desde logo, o
facto de ser previsto nos arts.260.º e ss. RJEOP um processo de conciliação – que
interrompe os prazos de prescrição e de caducidade, precisamente (art.264.º RJEOP) –,
onde se refere expressamente a acordo (cf.art.262.º RJEOP)31: ora, se é possível acordo,
o direito não é naturalmente indisponível. Por outro lado, de acordo com a antiga Lei da
Arbitragem Voluntária (LAV), aplicável (à data do RJEOP) em geral a todas as
hipóteses de arbitragem, ainda que necessárias, só são arbitráveis situações jurídicas
disponíveis32: ora, a verdade é que o próprio RJEOP prevê a arbitrabilidade do direito
antes de caduco (art.258.º RJEOP). O regime das situações jurídicas arbitráveis fornece
um bom quadro comparativo para aquilatar da natureza disponível do direito in casu
concreto.
VI. Podemos agora concluir.
Os regimes da prescrição e da caducidade aplicam-se a todo o ordenamento
jurídico por força dos arts.296.º e 298.º CC, e neste caso aplicar-se-á aos contratos
públicos, até porque nem o RJEOP, nem o CCP têm um regime geral de prescrição ou
de caducidade.
É possível um negócio de prorrogação do prazo de caducidade na pendência do
contrato, não obstando a tal o carácter público dos direitos ou situações jurídicas
passivas sujeitas à caducidade: com efeito, uma questão é a situação jurídica ser
disponível, outra ser de natureza publicista.
Um acordo de prorrogação da caducidade posterior ao evento da mesma traduzse num reconhecimento de dívida que comporta a contagem de novo prazo de
caducidade, precisamente – e consoante a interpretação e/ou integração da vontade das
partes – o prazo estipulado.
30
Em termos consímiles, para o tema do penhor e das obrigações naturais, vd. RAMOS ALVES, Do Penhor,
Almedina, Coimbra, 2010.
31
Cf., sobre este regime, JORGE ANDRADE DA SILVA, Regime Jurídico das Empreitadas de Obras
Públicas10, Almedina, Coimbra, 2006, sub arts.260.º e ss., pp.751 e ss.
32
O critério hoje é o da patrimonialidade das situações jurídicas, alargando a nova LAV (art.1.º, n.º1, da
Lei n.º63/2011, de 14 de Dezembro) o seu âmbito de aplicação em relação à antiga LAV.
Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha
A invocação do decurso do prazo em momento anterior ao termo do prazo
acordado33 constitui abuso do direito (art.334.º CC), o que determina a ineficácia da
desvinculação daquele que o invoque.
O art.264.º RJEOP prevê, de acordo com o entendimento maioritário, um caso
de interrupção da caducidade, mas a verdade é que se trata rectius dum caso de
suspensão.
É mais consensual e acriticamente “trauteada” a aplicação dos prazos de teor
administrativo: todavia, a única posição correcta é a que distingue os prazos do
procedimento administrativo, e, por outro lado, os prazos para propositura de acções
judiciais, pelo que se aplicarão os prazos gerais do CC e do CPC. A posição contrária
enferma dos males de toda a doutrina e jurisprudência administrativas: além da errada
interpretação do princípio da separação de poderes, crêem o Direito Público e o Direito
Privado estanques na sua summa divisio, e não acolhem os ensinamentos milenares da
(vera) dogmática jurídica e que tem aplicação a todo o Direito: a que provém do Direito
Civil de base romanista34.
33
Porque se já tiver decorrido, não haverá problema nenhum: o direito caducou.
E do Direito Público (Ius Publicum) romano, que no entanto não influenciou decisivamente o Direito
Público moderno, tanta a soberba do Estado e o brio no “seu” Direito: mas do tergiversar da dogmática
moderna publicista ao Direito Romano falar-se-á noutra oportunidade, além de que o presente estudo
seria manifestamente insuficiente e inidóneo para tal.
34
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