O PÚBLICO E O PRIVADO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA
BRASILEIRA
¹Ivan de Oliveira
RESUMO
Na indistinção entre o público e o privado está a origem de uma socialização familiar,
doméstica e afetiva que impede que se criem as condições para uma real gestão da coisa
pública. Procura-se revelar a condição de interferência política na composição dos fatores
que determinam a escolha de quem deve ocupar o cargo público de diretor de escolas,
considerando-se, em especial, situações de compadrio e influência política do candidato.
Esse procedimento caracteriza o fenômeno como clientelismo, por meio do qual políticos
profissionais oferecem ajuda pública ao alcance como cargos, empregos e recursos
públicos, chancelas estatais e todo o tipo de privilégios que seu status lhe permite obter, em
troca de apoio e fidelidade pessoal. Observa-se que a relação de troca de favores que o
clientelismo abarca, é fácil entender a vontade com que os políticos caem sobre a escola
pública como braço estendido do Estado onde desejam implantar ou consolidar suas
influências. Concluindo podemos dizer que no Estado brasileiro, de fortes origens
patrimonialistas, a difícil separação entre o domínio público e o domínio privado fica ainda
reforçada pelos processos clientelistas que insistem em fazer parte da tradição da gestão dos
sistemas educacionais.
Palavras-chave: o público e o privado, educação pública, clientelismo.
_________________________________
¹Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará e Técnico em Assuntos Educacionais da
Universidade Federal do Ceará
1
ABSTRACT
Due to the lack of distinction between public and the private lies the origin of family
socialization, both domestic and affectionate that impedes the creation of real
administration in the public sector. It is sufficient to show the political interference in the
various factors like friendship and the political influence of the candidate. This procedure
characterizes the phenomenon known as “clientism”, through which professional politicians
offer help from the public financial sector to achieve these positions as well as all types of
privileges that their status permits them to get in exchange for political fidelity and help.
The relation between the exchanging of favors and what “clientism” demands makes it easy
to understand the fury with which the politicians resist any changes in the state of public
schools as State enterprises where they wish to implant or strengthen their influences. The
article concludes stating that the Brazilian State, of strong patrimonial origins, makes the
separation between the public domain and the private domain very difficult, and it becomes
even more difficult still when “clientism” becomes part of the administration tradition of
educational systems.
KEYWORDS: the public and the private, public education, “clientism”.
2
ANÁLISE SOBRE A GESTÃO ESCOLAR PARTICIPATIVA
O cenário educacional brasileiro, desde o século XX, vem sofrendo um acentuado
processo de mudanças de cunho social, político e didático-pedagógico, em função das
exigências atreladas ao advento da globalização da economia e do mundo do trabalho.
Afinal, já era uma necessidade iminente superar a concepção de gestão escolar
predominante nas décadas de 50 e 60 no Brasil. Essa ainda se embasava eminentemente no
modelo de administração taylorista, priorizando e fortalecendo a divisão de tarefas,
separando o pensar e o fazer, gerando a fragmentação do saber e a separação entre o
administrativo e o pedagógico no interior da escola.
Esse cenário foi, por muito tempo no processo histórico brasileiro, o modelo focal
de administração da educação básica. Seu caráter fortemente centralizador, identificado
como herança do regime colonial, o qual permaneceu enraizado na base da organização do
nosso sistema educacional, e, especialmente, no interior da própria sala de aula,
manifestava-se claramente através do autoritarismo e dos mecanismos rígidos de controle
do trabalho e das relações de ensino-aprendizagem.
A gestão da escola brasileira, a pública especialmente, sempre foi marcada pela
centralização e verticalização do poder decisório, interferências políticas partidárias, e
improvisações de ações. Desse modo, a escola não atendia aos interesses dos que a
freqüentavam, mas consolidava o regime político da época. A fragilização e incoerência das
instituições de ensino, com relação ao atendimento aos interesses dos que a freqüentam,
podem ser consideradas propulsoras do seu fracasso escolar em escala nacional.
A
comunidade
escolar
(diretores,
professores,
alunos,
pais
e
técnico-
administrativos) e comunidade local (associação de bairro), em muitas unidades escolares,
ainda se deparam com a dubiedade entre a administração tradicional com objetivos
previamente
definidos
por
interesses
políticos
partidários,
geralmente
sob
a
responsabilidade de diretores indicados por políticos, que desconhecem a realidade da
escola. Em muitos casos, esses diretores são parentes desses políticos e não possuem a
formação nem a competência necessárias para geri-la, e têm dificuldades de relacionamento
3
com o corpo técnico-admninistrativo-pedagógico. No seu repertório de competência, há
ausência de liderança adequada para mobilizar os mecanismos de distribuição de poder para
aproximar as comunidades escolar e local, e inseri-la nos processos administrativos e
pedagógicos.
Recentemente, muitas mudanças de cunho pedagógico e legal ocorreram no cenário
nacional. Os estudos sobre psicologia, sociologia e filosofia da educação preconizam a
necessidade da formação de sujeitos autônomos, críticos e criativos, e da construção de
uma escola voltada para a cidadania participativa e solidária. Esses conhecimentos aliados
às exigências do mundo do trabalho do século XXI exigem, pois, novas formas de pensar a
educação, bem como intervenções no campo da então administração da educação e da
escola. A gestão democrática e participativa, apontada para a substituição da administração
taylorista, representa novo referencial teórico que valoriza o ser humano e as formas mais
democráticas de orientar ações que priorizem a realização de atividades integradas e
busquem a consecução de objetivos comuns.
A partir de 1988, as leis e políticas educacionais sancionadas no país, por sua vez,
expressam tal preocupação e exigem da sociedade civil, em geral, e dos órgãos públicos
responsáveis pelo sistema educacional, em especial, que sejam cumpridas tais
determinações.
Assim, a partir da necessidade de transformação tão notável, ocorreram mudanças e
ressignificações na concepção da gestão escolar, e, por conseguinte, nova concepção de
aprendizagem, requerendo uma nova definição de educador e de educando, em consonância
com o conceito de sociedade, educação e o perfil de homem que se pretende formar. Ou
seja, a sociedade do conhecimento e da informação passou a demandar o sujeito ativo com
criatividade, pró-atividade, autonomia, capacidade de aprender a aprender e a fazer e,
fundamentalmente, com facilidade para adaptação à nova dinâmica social estabelecida,
mantendo-se sempre preocupado com as questões sociais do seu entorno.
Esse novo referencial suscita a reflexão e a ressignificação da educação e,
especificamente, da escola, implicando na necessidade de implementação do modelo de
4
gestão democrática participativa, de modo que corresponda às demandas atuais da
educação. Nas palavras de FREITAS (2000:12).
Essa mudança de paradigma é marcada por uma forte tendência de adoção de concepções e
práticas interativas, participativas e democráticas, caracterizadas por movimentos dinâmicos
e globais, com os quais, para determinar as características de produtos e serviços, interagem
dirigentes, funcionários e “clientes” ou “usuários”, estabelecendo alianças, redes
e parcerias, na busca de soluções de problemas e alargamento de horizontes.
O desafio colocado, portanto, é o de envolver os atores dos diversos segmentos que
compõem a escola e que constroem o processo ensino-aprendizagem desenvolvido dentro e
fora do âmbito escolar, para conjuntamente exercitarem ações em um clima relacional de
reciprocidade em que todos (diretor, alunos, pais, professores, funcionários e outros) sejam
atores e autores do conhecimento e do poder produzidos nesta relação.
Afinal, segundo Foucault (apud SILVA, 2001:126)
O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona
em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é
apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas
malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e
de sofrer sua ação; nunca são alvos inertes ou consentidos do poder, são sempre centros de
transmissão. Em outros termos o poder não se aplica aos indivíduos, passam por eles.
Nesse sentido, o conhecimento e o poder necessitam ser resultante do esforço de
criação através da pluralidade de experiências dos sujeitos envolvidos nesse processo, de
forma que eles se integrem, de modo participativo. Assim, pensar em gestão participativa
remete aos ideais de democratização do ensino e de educação para a democracia.
Além de tudo, a gestão democrática, quesito importante para o atendimento às
demandas pedagógicas atuais, tornou-se um preceito constitucional, resultado das
manifestações e demandas dos profissionais da educação no início dos anos 80. segundo
Ferreira (2001:165):
Gestão democrática é o processo de coordenação de estratégias de ação para alcançar os
objetivos definidos e requer liderança centrada na competência, legitimidade e
credibilidade. A gestão da escola e do município, por sua natureza, é um processo de gestão
de iguais, não de subordinação. Em boa medida, portanto, escolher um bom diretor é
escolher os rumos e a qualidade do processo da gestão da escola.
5
A literatura produzida, até recentemente, sobre gestão das organizações
educacionais, buscava transferir, para o contexto escolar, a teoria e os processos de gestão
burocrática adotados pelas empresas. Sob essa perspectiva, Anísio Teixeira (1968:150),
com sua experiência nesse campo, já afirmava que
jamais [...] a administração escolar poderá ser equiparada ao administrador de empresa, à
figura hoje famosa do manager (gerente) ou do organization-man [...]. Embora alguma coisa
possa ser aprendida pelo administrador escolar de toda a complexa ciência do administrador
de empresa de bens materiais de consumo, o espírito de uma e outra administração são de
certo modo até opostos. Em educação, o alvo supremo é o educando a que tudo mais está
subordinado; na empresa, o alvo supremo é o produto material, a que tudo mais está
subordinado.
A Constituição Federal do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, trouxe
possibilidades de mudanças para a educação e sua gestão. Com relação à questão da
democratização e à descentralização do ensino, apresenta as seguintes determinações:
Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios
[...] VI – Gestão democrática do ensino público, na forma da lei. No que tange
especificamente à descentralização, cria os Sistemas Municipais de Ensino;
Art. 211 – A União, os Estado, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de
colaboração seus sistemas de ensino.
Mais recentemente, a Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) nº 9394/96,
também se expressa como forma de legitimação da proposta de democratização do ensino:
Art. 13 – Ressalta a participação dos professores na gestão da escola aos lhes incumbir de:
participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; elaborar e
cumprir o plano de trabalho; zelar pela aprendizagem dos alunos; estabelecer estratégias de
recuperação para os alunos de menor rendimento; ministrar os dias letivos e horas-aula
estabelecidos e colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a
comunidade.
Art. 14 – Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino
público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes
princípios:
I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político pedagógico
da escola;
II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
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Art. 15 – Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação
básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de
gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.
No Estado do Ceará, a SEDUC – Secretaria de Educação Básica, tem buscado a
ampliação do espaço na área pedagógica (processos de aprendizagem, metodologias de
ensino, mecanismos de avaliação de aprendizagem etc.); na área administrativa (definição
do calendário escolar, de organização das atividades de ensino, definição de prioridades na
escola etc.) e na área financeira (decisão de como aplicar os recursos financeiros recebidos
da Secretaria de Educação, Ministério da Educação e de outras fontes). (SEDUC, 1997:7).
Entretanto, os mecanismos utilizados para ampliação de decisão da escola são:
Conselho Escolar, escolha e seleção do diretor da escola por critérios democráticos e a
transferência automática e sistemática dos recursos às unidades escolares (SEDUC, série:
Educação Ceará, 1995/1998).
A Lei 12.452 de 06 de Junho de 1995 do Estado do Ceará, em seu artigo 4º, item
VII, que dispõe sobre o processo de municipalização do ensino do Ceará e dá outras
providências, observa que as escolas devem criar e manter conselhos escolares, com
atribuições de natureza consultiva, deliberativa, de avaliação e controle das atividades
pedagógicas, financeiras e administrativas com representação de professores, alunos, pais,
funcionários e comunidades.
Já a Lei nº 12681 de 18 de novembro de 1998 e o Decreto nº 25.297, também da
mesma data e ano, dispõem sobre o processo de escolha e indicação dos diretores das
escolas públicas estaduais de ensino básico.
No panorama atual, a gestão democrática escolar não se limita a simples eleição do
diretor da escola pela comunidade. Esse novo modelo tem se estruturado também através da
criação dos colegiados/conselhos escolares, com função deliberativa, consultiva, de
avaliação e fiscalização e da transferência de recursos financeiros para as escolas, para que
estas os apliquem onde e quando proceder. Segundo Freitas (2000:48), “começa-se a
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discutir a importância da preparação de diretores escolares que incentivem a participação
das comunidades escolar e local e atendam a legislação vigente”.
Essa forma de gerir tem como pressupostos básicos a autonomia administrativa,
pedagógica e financeira da unidade escolar e a criação de mecanismos de efetiva
participação da sociedade. Defende os valores da democracia e da prática participativa da
tomada de decisões no espaço escolar.
De acordo com Vieira (1977), o conceito de administração da educação vem sendo
substituído cada vez mais pelo conceito de gestão da educação, o qual assume o conceito de
estratégia, mas não como simples troca de nomenclatura e sim como alteração
paradigmática intensiva...
MECANISMOS DE ESCOLHA DE DIRETORES
A forma de escolha de diretores escolares talvez seja o tema que mais tem motivado
pesquisadores na produção de reflexões teórico-conceituais e de investigação empíricas
sobre a gestão democrática da educação, especialmente a análise do processo de eleições e
das experiências em alguns sistemas de ensino. No debate sobre administração democrática
das escolas, a forma como se escolhe o diretor tem ocupado lugar de destaque, sendo,
freqüentemente, colocada como primeira questão.
Para alguns, o mecanismo utilizado para a escolha do diretor chega, mesmo, a
exercer influência no comportamento mais ou menos democrático do dirigente.
O que se constata é que a forma como é escolhido o diretor tem papel relevante – ao lado de
múltiplos outros fatores – seja na maneira como tal personagens se comportará na condução
de relações mais ou menos democráticas na escola, seja em sua maior ou menor aceitação
pelos demais envolvidos nas relações escolares, seja, ainda, na maior ou menor eficácia com
que promoverá a busca de objetivos, seja, finalmente, nos interesses com os quais estará
comprometido na busca desses objetivos (PARO, 1996:8).
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Particular ênfase tem sido dada aos estudos sobre as eleições de diretores como
forma de provimento do cargo. A importância desse elemento da gestão democrática é
compreensível pela vinculação do processo eleitoral com a democracia e pelo espaço que
esse mecanismo ocupou como bandeira de luta dos movimentos sociais. De fato, no Brasil,
no início da década de 1980, a discussão sobre gestão democrática foi polarizada pela
questão da indicação de dirigentes escolares, de tal modo que a luta dos movimentos
sindicais pela implantação de processos democráticos de escolha de diretores fez a ampla
temática da gestão democrática fosse, de certa maneira, reduzida erroneamente a esse
mecanismo.
Carlos Marés já chamava a atenção para esse fato no início da década de 1980, logo
após a eleição de governadores de oposição em diversas Unidades da Federação, mostrando
que, quando a discussão sobre a democracia se abriu na escola e saiu do aspecto
estritamente conceitual para ganhar contornos de experiência prática, perdeu-se nas
eleições:
Parece, porém que ao descer à prática, o tema perdeu a magnitude de sua essência e
restaram apenas os aspectos de sua forma. A discussão tem se centrado na escolha de
diretores para as escolas. Entretanto, escolher diretores de escolas não é a essência da
democracia na Educação, nem sequer chega a ser toda a sua forma (MARÉS, 1983:49).
Talvez a eleição de diretores tenha polarizado tanto a luta pela democratização da
gestão escolar por ter sido a bandeira mais concreta pela qual lutar. Os métodos
centralizadores da administração, o papel exercido pelos diretores de escola e os processos
certamente exerceram importante influência na organização em torno da idéia das eleições
como processo de indicação de dirigentes.
A eleição de diretores inscreve-se num conjunto de outras modalidades possíveis de
provimento. A análise da legislação e das normas que regem os sistemas de ensino das
unidades da Federação e dos municípios das capitais, além das indicações presentes nos
vários estudos e pesquisas consultados, permitem distinguir formas puras e formas mistas
de provimento do cargo de diretor escolar. Dentre as formas puras, estão incluídas a livre
indicação pela autoridade, as eleições diretas e o concurso público. Dentre as formas mistas
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estão as que se desdobram em duas ou mais etapas. Podem ser incluídas nesse rol as que
adotam a seleção prévia de candidatos – em geral por meio de provas de conhecimento e de
títulos – seguida de algum tipo de processo eleitoral, as que se utilizam consulta formal ou
informal às comunidades escolares como critério preliminar. Para a indicação pela
autoridade, as que determinam realização de curso de capacitação obrigatório para os
candidatos à eleição, dentre outras.
No sentido de tornar mais clara a visão de um panorama nacional dos
procedimentos adotados pelos sistemas de ensino, sintetizo esses mecanismos em quatro
categorias. Chamo de provimento por indicação aquele em que é livre a nomeação por
autoridade do Estado, inclusive quando o nome indicado é o resultado de pressões políticopartidárias. A categoria concurso engloba os procedimentos que aplicam o concurso
público de provas e de títulos para a escolha e nomeação dos primeiros colocados.
Considero provimento por eleição aquele em que o nome do escolhido para ocupar o cargo
de diretor de escola é resultado de processo em que a manifestação da vontade dos
segmentos da comunidade escolar é manifestada pelo voto. Os processos que adotam
eleição de candidatos previamente selecionados em provas escritas são designados seleção
e eleição. Neste artigo, para ser coerente com o seu próprio título, tratarei especificamente
dos cargos de provimento por indicação.
Provimento por indicação.
Tradicionalmente, no Brasil, o procedimento de livre nomeação pela autoridade
executiva – governador ou prefeito – foi o que prevaleceu ao longo de décadas. Essas
nomeações, algumas vezes, estão ligadas a critérios de habilitação específica para o
exercício da função, especialmente por força de exigências normativas dos sistemas de
ensino. No entanto, obedecem principalmente a critérios políticos, cabendo ao deputado,
vereador, prefeito ou, até mesmo ao chefe do diretório partidário, a indicação daqueles que
devem ser nomeados. Muitas vezes, a escolha acaba recaindo sobre indivíduos sem
nenhuma vinculação com a escola ou a comunidade. Celina Ferreira Calaça (1993, apud
Paro, 1996), num estudo sobre a rede municipal de ensino de Goiana, GO, relata os
procedimentos empregados na indicação do diretor pela autoridade, registrando detalhes
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sobre as influências exercidas pelos chefes políticos sobre a Secretaria Municipal de
Educação, em especial os vereadores, dos quais foi possível encontrar mais de quatrocentos
pedidos assinados no arquivo pessoal da secretária.
Desta forma, no processo de indicação, além ou a despeito dos requisitos de ordem
técnico-profissional, impera uma condição mais importante, a da habilitação política para o
exercício da função, sendo o mandachuva local o responsável por determinar quem está, ou
não, habilitado politicamente para ocupar a direção de uma unidade escolar.
Esse procedimento está ligado às raízes patrimonialistas da formação do Estado
brasileiro, que permitiram sustentar relações de troca de favores na ocupação do emprego
público como lógica de seu funcionamento.
O cargo público, a velha realidade do estamento, será o único foco do poder, poder que dá
prestígio, enobrece e legitima a riqueza. Para conquistá-lo e para conservá-lo desencadeiamse energias, ferozes ou manhosas, de acordo com as circunstâncias e com a oportuindade
(FAORO, 1997:310).
Na indistinção entre o público e o privado está a origem de uma socialização
familiar, doméstica e afetiva que impede que se criem as condições para uma real gestão da
coisa pública (Holanda, 1971). Sérgio Buarque de Holanda chega a afirmar que sem a
transgressão desta “ordem familiar” não se pode, sequer falar de Estado ou de cidadão:
O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos
agrupamento, de certas vontades particulares, de quem a família é o melhor exemplo (...) só
pela transgressão da ordem doméstica e familiar, é que nasce o Estado e que o simples
indivíduo se faz cidadão, contribuinte, eleitor, elegível, recrutável e responsável ante as leis
da Cidade (HOLANDA, 1971:101).
Assim, a interferência política acaba por se constituir importante elemento na
composição dos fatores que determinam a escolha de quem deve ocupar o cargo público de
diretor da escolar, considerando-se, em especial, situações de compadrio e influência
política do candidato. Esse procedimento caracteriza o fenômeno do clientelismo¹, por meio
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do qual políticos profissionais oferecem ajuda pública ao seu alcance como cargos,
empregos e recursos públicos, chancelas estatais e todo o tipo de privilégios quem seu
status lhe permite obter, em troca de apoio e fidelidade pessoal.
O clientelismo como acesso ao emprego ou cargo público e sua relação com o
contexto de democratização do país foi analisado por Martine Droulers, que chama a
atenção para o fato desse fenômeno estar incrustado nas instituições, infiltrado nas malhas
da burocracia estatal com bastante eficácia, caracterizando-se como uma relação de troca.
Até uma sociedade como a brasileira que sempre distribuiu empregos públicos para que
uma elite pudesse assentar o seu poder político, a relação de clientelismo exprime mais do
que uma simples relação de dependência e de domínio, ela é antes de tudo uma relação de
troca que regula as relações sociais. O patrão fornece um emprego, e o cliente lhe trará a sua
ajuda no momento das eleições ficando ainda à sua disposição. Não se trata, pois, de uma
relação de exploração, nem mesmo de troca desigual, porque tanto o patrão quanto o cliente
encontram, nessa relação, alguma vantagem e, assim, ela acaba sendo considerada legítima
(DROULERS, 1989:127).
Caracterizada a relação de troca de favores que o clientelismo abarca, é fácil
entender a sanha com que os políticos caem sobre a escola pública como braço estendido
do Estado nas comunidades onde desejam implantar ou consolidar suas influências. Ter um
diretor escolar como aliado e dependente político é ter a possibilidade de deter o controle
de uma instituição que atende diretamente parte significativa da população por meio de um
contato direto e sistemático. O diretor pode convocar a população a estar presente na escola
pelos mais diferentes motivos, pode atender, solicitar, cobrar, pressionar, algumas vezes
impor. Por isso, não é difícil supor que, tendo em vista a importância da manutenção de
relações clientelistas para os políticos descomprometidos com os interesses da maioria da
população, tudo façam para mantê-las, impedindo que regras democráticas para escolha do
diretor escolar sejam instituídas.
Para melhor compreendermos essa situação vamos citar um exemplo de Vitor Paro
apoiando-se em estudos realizados por pesquisadores que investigaram o clientelismo nos
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¹ A expressão clientelismo, de uso corrente na Sociologia e na Ciência Política está ligada ao fenômeno da
clientela romana que deu origem ao termo e é seu exemplo mais conhecido. O termo definia a relação de
dependência econômica e política entre um indivíduo de posição mais elevada e seus clientes, ou protegidos.
Enquanto o patrono tinha o compromisso de defender seus protegidos em juízo, destinar-lhes terra, os clientes
retribuíam com submissão, deferência, auxílio, testemunho a seu favor.
12
sistemas de ensino de Goiás e no município de Volta Redonda/RJ. No primeiro caso, é
descrita a pressão exercida por prefeitos do estado para impedir a aprovação de lei
regulamentadora das eleições de diretores pela Assembléia Legislativa do Estado de Goiás,
bem como a mudança de posição de políticos que defendiam eleições durante a campanha e
exigiram indicar diretores quando chegaram ao poder. No caso do município de Vitória/RJ,
o autor se reporta ao fato inusitado de que, com receio da perda dos privilégios dos
vereadores na indicação dos diretores, a câmara Municipal, além de rejeitar um projeto de
lei que instituía eleições, aprovou outro em seu lugar, proibindo qualquer tipo de eleição
para a escolha dos diretores e das funções técnico-pedagógicas em escolas municipais.
O provimento do cargo de diretor escolar por meio de indicação exige pouca ou
nenhuma regulamentação. A legislação relativa à indicação de diretores, de modo geral, é
promulgada tendo em vista a superação daquele mecanismo. Por isso os critérios que
norteiam a escolha dos indicados são, quase sempre nebulosos, prevalecendo a pressão ou a
força de lideranças políticas, para as quais importa, apenas, a correspondente fidelidade dos
que são contemplados com a indicação.
CONCLUSÃO
No Estado brasileiro, de fortes origens patrimonialistas, a difícil separação entre o
domínio público e o domínio privado fica ainda mais reforçada pelos processos clientelistas
que teimam em fazer parte da tradição da gestão dos sistemas educacionais. É Sérgio
Buarque de Holanda quem aponta características que permitem classificar os diretores
indicados como funcionários patrimoniais.
Para o funcionário ‘patrimonial’, a gestão política apresenta-se como assunto de seus
interesses particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere, relacionamse a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no
verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço
para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos (HOLANDA, 1971:105-106).
O patrimonialismo pode, ainda, ser constatado em outro elemento inerente ao
processo de indicação de diretores. Assim como a admissão do protegido é feita por
critérios subjetivos e pessoais, a sua exoneração dá-se sob a mesma lógica. Sendo a escolha
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dos indicados competência da autoridade constituída subsidiada pela interferência política
de lideranças regionais ou locais, a substituição daqueles que não lograrem retribuir a
prebenda com lealdade pode ser executada sem impedimentos legais. O funcionário
entronizado no cargo público pelo critério da confiança pessoal é demissível ad nutum, não
cabendo, portanto, questionamento sobre o ato de exoneração realizado pela mesma
autoridade que o nomeou. “Este processo facilita a substituição de Diretores com
desempenho insatisfatório” (Dourado & Costa, 1983:36). Nesse caso, no entanto, é preciso
assinalar que a insatisfação pode dar-se não apenas por critérios técnicos-pedagógicos, mas,
sobretudo, por critérios políticos e pessoais, já que no âmbito da dominação doméstica e
patrimonial, o senhor pode despojar os dependentes da possessão de privilégios por
ingratidão aos princípios de lealdade.
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FORTALEZA-CE
2005
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