GESTÃO NAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DA REGIÃO DO CARIRI: APROXIMAÇÕES POLÍTICO-PARTIDÁRIAS, DISTANCIAMENTOS POLÍTICOEDUCACIONAIS. Rogério Paiva Castro [email protected] Universidade Regional do Cariri - URCA ASPECTOS LEGISLACIONAIS DOS PRINCÍPIOS DE DEMOCRATIZAÇÃO NA GESTÃO EDUCACIONAL Em princípio de observação ao estabelecido em Lei, no que se baseia a educação nacional, lembra-se que as intenções de gestão democrática relacionam-se com ações mais amplas que culminam com a consolidação dessa democracia. Apresentar-se-á, a partir de registros legais, avanços consolidados quanto à participação popular nas práticas de gestão, como também práticas antidemocráticas e, a partir destas, as possíveis reversões. O início dos anos oitenta do século XX foi marcado, em âmbito federal, pela experiência do “planejamento participativo” através do qual houve a elaboração do III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto – III PSECD – (BRASIL, 1980). Em 1988, o Brasil viveu a experiência de uma nova Constituição, da qual participaram os partidos políticos representados no congresso e diversos segmentos sociais. Pela primeira vez no Brasil, de fato, a sociedade civil organizada participa ativamente de um processo constitucional, estando presente nas emendas populares, no encaminhamento de propostas e nas audiências públicas. A execução da constituição de 1988 representa um marco importante para a educação brasileira. Marca algumas das principais demandas da sociedade envolvida com o fazer pedagógico e institui um conjunto de princípios orientadores para a política educacional. Dentre os princípios da Carta Magna, destaca-se a gestão democrática do ensino público na forma da lei (CF, Art. 206). No âmbito da gestão educacional, o início dos anos noventa do século passado passa por um período significativo de inovações, segundo o que apresenta o livro Eleição de diretores: O que mudou na escola?- da Secretaria de Educação Básica do Estado do Ceará (2001). Através de legislação complementar, a regulamentação do dispositivo constitucional ocorreu com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Nº. 9.394/1996), a qual expressa que a XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 gestão democrática do ensino público, na forma da Lei e da legislação dos sistemas de ensino Art. 3º. VIII. Ao certo, o registro da LDB não inclui a concepção de gestão do primeiro projeto aprovado, em junho de 1990, pela Câmera dos Deputados. Enquanto aquela proposta previa a participação da comunidade escolar na gestão e no processo de escolha dos dirigentes - Projeto Nº. 1.258/1990, Art. 21, II e III, a LDB foi bem mais modesta. A gestão democrática fica, aparentemente, restrita à participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; e à participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes - Lei Nº. 9.394/1996. Art. 14, I e II. A nova Lei não explicita, pois, a realização do processo de escolha de dirigentes que envolvam, além da qualificação técnica, a participação da comunidade escolar na escolha. Outrossim, as instâncias colegiadas que tiveram destaque no texto original da Câmara, a exemplo do Fórum Nacional de Educação - Projeto Nº. 1.258/1990, Art. 10, Parágrafo Único e Art. 25 - não figuram no texto da Lei aprovada. Assim, o princípio não se concretiza, embora a LDB de 1996 seja a primeira a incorporar algo sobre gestão democrática. A legislação, por si só, não é um instrumento suficiente para garantir a introdução de inovações educacionais. Muito tempo se viveu a experiência de que a grande norma jurídica poderia mudar a estrutura do sistema educacional, devido a herança de um contexto centralizado e autoritário. Hoje, é possível perceber que a legislação precisa associar-se a políticas que possibilitem efetivas mudanças no campo da educação. Vale lembrar que em virtude das freqüentes mudanças do poder político e técnico – nas dimensões do Poder Público - União, Estados e Municípios - a cada quadriênio, não há garantia da continuidade das inovações que estão sujeitas a avanços, mas também a retrocessos. Dessa forma, vários estados e municípios que desenvolvem experiências inovadoras não dão continuidade a tais processos. A gestão democrática, vinculada a ações políticas de partilha de poder decisório, articula-se com ações administrativas descentralizadas. Sua implementação nas escolas e essencialmente complexa, devido às necessárias mudanças político-culturais que tal processo requer. Uma vez que a escola é uma organização socialmente construída, que vivencia crenças, valores e sentimentos a partir das relações estabelecidas entre membros, códigos e sistemas de ação esta forma de conceber a escola constitui sua cultura organizacional. De acordo com Teixeira (1998, p. 7), a compreensão desse caráter de organização escolar – sistema sociocultural – implica no reconhecimento de que a cultura organizacional não é um XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 elemento imposto, ela é tecida na trama das relações internas e externas da organização, e a mudança, mesmo que motivada, não se faz por imposição. Desse modo, todo e qualquer processo de mudança cultural teria de compartilhar crenças e valores novos e considerar o tempo necessário à consolidação. Assim, a transformação de uma cultura de gestão centralizada para uma gestão descentralizada requer tais compartilhamentos e, sobretudo, a consideração de um tempo diferente, que pode ser lento e doloroso e, portanto, só é possível no longo prazo. (COX, 1996). O processo depende, pois, menos de qualidade técnica da proposta apresentada, relacionando-se mais às resistências presentes no interior da organização escolar ou da administração pública (gestor municipal) – que numa dependência político-partidária dividem “bens” públicos durante possíveis quatro anos – com a prática da indicação política na gestão das unidades de ensino. A Constituição do Estado do Ceará de 1989 institui, no Capítulo II – Da Educação – no Artigo 215, a educação baseada em princípios democráticos, na liberdade de expressão, na sociedade livre e participativa e contemplando o ensino a necessidades básicas como (ampliando o Inciso V I do Artigo 206 da Constituição Federal) – no Inciso V: gestão democrática da instituição na forma da lei, garantidos os princípios de participação de representantes da comunidade. É, assim, um marco para o princípio de um processo de escolha de diretores com participação das dimensões internas e externas da escola. Também, a Lei 12.442, de 18 de maio de 1995, dispõe sobre o processo de escolha de diretores de Escolas Públicas Estaduais de Ensino, em cumprimento ao disposto no Artigo 220 da Constituição Estadual que diz: a organização democrática do ensino é garantida, através de eleições, para as funções de direção nas instituições de ensino, na forma que a lei estabelecer. Esta lei foi regulamentada, pelo Decreto 23.689 de maio de 1995, para as escolas de Ensino Básico, especificamente. Portanto, a eleição direta para diretores é uma realidade em escolas públicas estaduais cearenses. Desde 1995 e consolidado em 1998, o processo de escolha registrou a decisiva participação da comunidade, trazendo uma nova visão ao ensino público do Ceará. Em 1995, duas etapas foram realizadas: avaliação de competência técnica dos candidatos através de provas escrita e de títulos e eleição pela comunidade escolar. Em 1998, além do candidato a diretor administrativo, participaram do processo os demais candidatos a cargos para formação do núcleo gestor – coordenador pedagógico, coordenador administrativo-financeiro e coordenador de articulação comunitária. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 Infelizmente, os gestores da maioria dos municípios do interior do Ceará ainda não aderiram à causa democrática na condução dos processos educacionais. Indubitavelmente, isto impede avanços neste campo da educação, sobretudo quando, em vez de haver desenvolvimento da política educacional - em pleno século XXI - há continuidades de práticas centralizadoras e autoritárias com as indicações político-partidárias. O que é preciso para garantir o processo democrático de escolha de diretores? Que iniciativas são indispensáveis para a legalização e exigência desse processo? A partir das análises posteriores tentaremos explicitas soluções a estes argumentos, através das quais temos intenções de que o posto nas Constituições Federal e Estadual seja cumprido pelos gestores das cidades do interior do Ceará, sobretudo dos municípios da Região do Cariri. DA ATUAL FORMA DE PROVIMENTO DO CARGO DE DIRETOR ESCOLAR À IDEAL – ESPECIFICIDADES NA REGIÃO DO CARIRI O desenvolvimento de processos de inovação de gestão educacional, envolvendo uma participação maior e com ênfase nas políticas educacionais avançou, em muitos estados e municípios brasileiros, a partir da década de oitenta do século passado. Neste percurso de mudanças, inclui-se a eleição direta para diretores escolares com a participação da comunidade. Embora estudos evidenciem a existência dessa eleição na maior parte dos Estados – como mostra a Pesquisa Nacional Qualidade na Educação do Inep em 2006 – ainda há, sobretudo no interior, a prática da indicação política para a gestão de escolas publicas. Atualmente existem basicamente três formas de escolha dos gestores das instituições de ensino público, a saber: Eleição direta pela comunidade educacional; concurso público e a já mencionada indicação política. As diversas formas de provimento ao cargo de diretor de escola estão associadas à política adotada pelo sistema de ensino ao qual a instituição está vinculada. De acordo com a pesquisa acima aludida – Inep 2006 – realizada por grupos de pesquisa de universidades públicas e por equipes específicas de algumas Secretarias Estaduais de educação, inclusive do Ceará, a escolha dos diretores pela comunidade é vista, pela maioria dos entrevistados e te pelas escolas que não têm eleição, como um fator positivo para as relações interpessoais e, conseqüentemente, para a qualidade da educação. Apesar da constatação anterior, alguns entrevistados se posicionaram diferentemente, ao apresentar situações de tensões nas relações, sobretudo nos períodos eleitorais. Estes afirmam interferir negativamente no ambiente escolar e nas relações interpessoais, uma vez que o processo de eleição gera discórdias entre os colegas de trabalho. Ainda, é dito que a tensão chega aos alunos, XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 quando estes se posicionam numa fiel defesa a seu candidato, inclusive com a prática da “boca-deurna”. Com isso, a validade do processo eleitoral para a escolha de diretores escolares – na garantia da qualidade educacional – é posta em questão. Qual a forma de provimento do cargo de diretor mais adequada? Se por um âmbito os conflitos durante o processo eleitoral podem afetar as relações no ambiente escolar, por outro a ausência de um processo democrático de escolha da direção é – conforme anunciado pelo Inep – concebida como centralização e autoritarismo, na medida em que ocorrem situações nas quais a direção demonstra pouco compromisso em considerar a opinião do conjunto e em manter um permanente diálogo com professores, alunos e funcionários, cumprindo, muitas vezes sem nenhum questionamento, as determinações das Secretarias de Educação, principalmente quando o mesmo é cargo de confiança do gestor municipal. A inexperiência de eleição para diretores pode resultar na fragilidade do trabalho realizado no interior das escolas, bem com na inviabilidade da possibilidade do estabelecimento de relações pessoais mais positivas para o ambiente educacional devido à insegurança vivenciada pela equipe da instituição. Em alguns casos revelados pela pesquisa que é uma das bases para a nossa análise – Inep 2006 – trazem contradição na fala de uma diretora escolhida por critérios políticos e não por técnicos ou profissionais: embora a diretora procure dizer que o critério de sua investidura ao cargo não interfira nas relações estabelecidas a interferência fica evidente devido à falta de autonomia da direção em relação ao poder local. Contradições entre “ser democrática” e “não dar abertura” é uma possibilidade de administração de quem ocupa um cargo de confiança com pouca crítica em relação a essa realidade. A partir dessas observações, é possível dizer que a indicação política – prática ainda existente em municípios como do triângulo CRAJUBAR (Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha) entre vários outros do interior do Ceará, é um mecanismo menos democrático de definição do diretor, além de ser um sistema prejudicial à qualidade da educação, quando considerada também no âmbito da gestão. Além disso, embora um concurso público impeça as influências de natureza político-partidária na definição do gestor, a realização de eleições diretas permite que a escola vivencie em seu mais alto grau do papel de educar para a sociedade democrática, por meio da própria vivência da democracia. Outros aspectos que deveriam ser considerados no processo de escolha do diretor escolar dos municípios da Região do Cariri seriam a formação e as experiências do candidato ao cargo. O perfil do diretor contribui para a democracia no interior da escola e, conseqüentemente, para a XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 qualidade do ensino. A capacidade de comunicação e de mobilização da comunidade escolar, características por vezes definida como carisma, liderança ou capacidade de mobilização colaboraria para que a comunidade desenvolva um espírito comunitarista (CEARÁ, 2004 apud INEP, 2006). As eleições para diretores escolares têm limites que só pode ser superados quando se conjugarem, ao processo eletivo, outras medidas que atinjam a própria organização do trabalho e a distribuição da autoridade e do poder na escola. Como todo processo de democracia, a participação e envolvimento dos segmentos que integram a escola não é uma garantia de qualidade para a educação, mas é uma possibilidade diante das práticas centralizadoras e autoritárias advindas da indicação política para a gestão escolar. Em suma, sugere-se, como uma extrema necessidade de ruptura às atuais práticas ao provimento do cargo de diretor escolar, a execução de concurso público - especializado e qualificado - de provas escritas e de títulos, seguida por escolha pelas comunidades interna e externa da instituição de ensino. Não há como desconsiderar que alguns poucos casos de indicação dêem algum resultado positivo. Muito menos, não há como deixar de enfatizar as conseqüências explicitadas antes – dessa prática. O processo democrático já é fato em muitas cidades brasileiras, igualmente pode ser nos municípios da Região do Cariri. REFERÊNCIAS BRASIL – Constituição da República Federativa do Brasil. (1988). Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2006. _______. MEC. SG. III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desportos (1980/1985) - PSECD – Brasília: MEC/DDD, 1980. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, PLC 1258 - D/88. Texto aprovado na Câmara Federal em 13/5/93, Brasília, 1993 (mimeo). CEARÁ – Leis Básicas da Educação. Ceará: Secretaria de Educação Básica, 1997. _______ – Secretaria da Educação Básica do Estado. Eleição de diretores: o que mudou na escola? Estudo de Avaliação de Impacto. Brasília: Editora Plano, 2001. COX, Christian. Conversatorio IV. In: SEMINÁRIO – TALLER REGIONAL DE POLÍTICAS Y GESTIÓN EDUCATIVAS, 8, 1996, Santiago do Chile. Anais... Santiago do Chile: UNESCO / OREALC. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 PARO, Vitor Henrique. Eleição de Diretores de Escolas Públicas: Avanços e Limites da Prática. Revista Portuguesa de Educação, Universidade do Minho, Braga, Portugal, v.10, n.2, 1997. INEP – Pesquisa Nacional Qualidade na Educação. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006. TEIXEIRA, Lúcia Helena G. Reorganização do ensino fundamental em Minas Gerais: uma mudança decretada. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 21., 1998, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPEd. (mimeo).