UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Lucila Emiko Tsugiyama
Orientações legais para a inclusão de surdos no ensino regular
São Paulo
2009
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Lucila Emiko Tsugiyama
Orientações legais para a inclusão de surdos no ensino regular
Monografia apresentada ao Centro de Ciências
Biológicas e da Saúde da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como parte dos
requisitos exigidos para a conclusão do Curso de
Licenciatura Plena em Ciências Biológicas.
Orientador: Prof. Dr. Adriano Monteiro de Castro
São Paulo
“Não o prazer, não a glória, não o poder:
a liberdade, unicamente a liberdade.”
(Bernardo Soares)
AGRADECIMENTOS
À Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Ao Prof. Dr. Adriano Monteiro de Castro pelo longo caminho de orientação deste
trabalho e durante todo o curso de Licenciatura, por sua dedicação ao que acredita.
À Prof. Ms. Magda Medhat Pechliye, fundamental para a aprendizagem e crescimento
como pessoa.
À Prof. Dra. Rosana dos Santos Jordão, essencial para desenvolver multiplas facetas
do olhar crítico.
Ao Prof. Dr. Paulo Fraga da Silva, por gentilmente disponibilizar-se a compor a banca
e contribuir com seu conhecimento.
À Lic. Michelle Melina Gleica Del Pino Nicolau Pereira, por disponibilizar-se para
participar da banca e por compartilhar suas experiências no estudo da Educação
Inclusiva.
RESUMO
Esta pesquisa, de natureza qualitativa, teve como foco analisar alguns pontos
relacionados às políticas públicas de inclusão, questionando-as quanto ao acesso de
surdos no sistema regular de ensino. Os procedimentos metodológicos consistiram na
realização de análise das leis e declarações vigentes relacionadas à educação de
surdos, o que possibilitou constatar que há divergência entre seus conteúdos e o que
está ocorrendo na prática de acordo com os referenciais teóricos adotados. Os
problemas encontrados pelo estudo mostraram que há falhas tanto nas interpretações
das recomendações apresentadas nesses documentos, assim como nas ações das
escolas para a suposta inclusão do surdo, demandando maior preparo dos professores,
melhorias na organização de espaços e adequação das práticas pedagógicas para
atender às demandas da Educação Inclusiva.
Palavras-Chave: Necessidades educacionais especiais. Educação inclusiva. Educação
de surdos.
ABSTRACT
The present qualitative study is focused on some points related to public policies of
inclusion, questioning about the access of the deaf in the regular system of education.
The methodological procedures consists in conducting analysis of laws and declarations
related to education of the deaf, which showed that there are differences between laws
contents and what is happening in practice, according to the theoretical frameworks
adopted. The study showed that there are failure in interpretations of the
recommendations contained therein, as well as the actions of the schools to the
intending inclusion of the deaf, demanding a better preparation of teachers,
improvements in the space organization at schools and appropriateness of teaching
practices
to
attend
all
these
demands
of
Inclusive
Education.
Keywords: Special educational needs. Inclusive education. Education of the deaf.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................7
2. CONTEXTO HISTÓRICO DA SURDEZ.....................................................................9
3. DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA.......................................14
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..................................................................17
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO.........................................................................................18
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................31
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................32
ANEXO A – LEIS ANALISADAS..................................................................................34
7
1. INTRODUÇÃO
Ao lançar um olhar sobre a trajetória que a educação tem tomado, pode-se
perceber as mudanças que ocorreram social, cultural e politicamente, em relação ao
que se considerava deficiência. Com a criação de políticas públicas específicas, a
questão da educação inclusiva para a formação dos indivíduos ganhou maior espaço
na sociedade. Essas políticas lembram que a educação é direito de todos e que seu
acesso nunca pode ser negado.
No entanto, embora as escolas estejam procurando seguir esta recomendação,
possibilitando o ingresso desses alunos com necessidades educacionais especiais no
sistema regular de ensino, suas ações têm se mostrado insuficientes, pois a verdadeira
inclusão não está realmente ocorrendo.
Dessa maneira, o presente trabalho pretende analisar alguns pontos a respeito
das políticas públicas de inclusão, a partir de questionamentos quanto ao seu
funcionamento e compreender a surdez como uma diferença e não como condição de
sujeitos alheios ao mundo, vivendo em uma sociedade à parte.
O Ministério da Educação tem incentivado, desde a década de 90, o acesso de
alunos surdos no sistema regular de ensino, com base na proposta de Educação
Inclusiva. Essa política tem garantido a entrada de alunos com necessidades especiais
na escola, sobretudo na educação básica, tornando crescente o número de alunos
surdos matriculados nos sistemas de ensino. No entanto, ao passo que a proposta
inclusiva prossegue, a evasão escolar também tem ocorrido, devido aos obstáculos
presentes principalmente em relação à aprendizagem e ao atendimento a esses
alunos.
Segundo o IBGE (censo 2000), havia cerca de 57 milhões de surdos no mundo
e 2,25 milhões no Brasil, sendo 166.400 totalmente surdos. No estado de São Paulo há
480 mil surdos, enquanto na cidade há cerca de 150 mil. Nos países desenvolvidos,
entre 1000 nascimentos há um surdo pré-liguístico, sendo 60% dos mesmos por
causas genéticas. Já por causas ambientais, há 40%. Em países em desenvolvimento,
entre mil nascimentos há quatro surdos pré-linguísticos, sendo 20% por causas
8
genéticas e 80% por causas ambientais. Uma pequena porcentagem conhece a Língua
Brasileira de Sinais e a maioria dessas pessoas possuem renda de aproximadamente
dois salários mínimos. Do total de alunos matriculados, segundo o censo escolar de
2003, apenas 33% concluem o Ensino Médio.
Ao considerar o Censo escolar de 2006, realizado pelo MEC/INEP, a relação de
matrículas distribui-se da seguinte forma: 43.104 na Educação Básica, 10.912 no
Ensino Médio e 2.428 no Ensino Superior.
A partir desses, dados pode-se perceber que
há um grande problema
atualmente na educação inclusiva: a existência de propostas e leis, mas que não
necessariamente são respeitadas ou seguidas pelos sistemas educacionais. Dessa
maneira, torna-se essencial questionar e analisar o processo de inclusão, para que se
possa melhorar o acesso e o atendimento dos educandos surdos no sistema regular de
ensino.
Para tanto, este trabalho pretende abordar um breve histórico da educação de
surdos, contextualizando alguns dos diferentes pontos de vista apresentados passando da concepção clínico-terapêutica a sócio-antropológica, atendo-se à
caracterização da surdez. Será apresentada, em seguida, a diferença entre o oralismo
e a língua de sinais, e o que esta divergência acarretou e ainda tem influenciado na
educação dos surdos. Também será colocada a trajetória da educação especial e da
denominada educação inclusiva. Assim, foi objetivo do presente estudo analisar as
orientações legais vigentes para a inclusão de surdos no ensino regular, as quais são:
a Resolução CNE/CEB nº 2, de 2001; a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2007; e o Decreto Federal. n. 5.626, de 22 de
dezembro de 2005, que regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, a qual
dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19
de dezembro de 2000.
9
2. CONTEXTO HISTÓRICO DA SURDEZ
Ao tratar da inclusão e da educação de surdos, é importante entender o que é e
como a surdez era vista ao longo do tempo.
Segundo o Ministério da Educação – Saberes e Práticas da Inclusão –
Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais de
alunos surdos (BRASIL, 2005), o desenvolvimento auditivo na criança permite que esta
conheça e compreenda o que acontece ao seu redor, fatores que são essenciais para
aquisição da fala e da linguagem. A surdez é definida então como uma privação
sensorial, a qual interfere diretamente no processo de comunicação do indivíduo. Tal
privação é caracterizada por problemas no processamento auditivo normal,
independente da causa ou do grau.
Há dois tipos de surdez: congênita, que ocorre antes da aquisição da linguagem
e a adquirida, que pode ocorrer durante a vida, podendo ser tanto antes como depois
do desenvolvimento da linguagem. A surdez por pré-disposição genética e por
problemas durante a gravidez pode ser classificada como pré-natal; na ocorrência de
nascimento prematuro, traumas ou complicações ao nascer, é denominada peri-natal.
Caso seja adquirida, é chamada de pós-natal.(BRASIL, 2005).
O comprometimento auditivo pode se localizar em diferentes regiões da orelha,
a surdez pode ainda ser classificada como unilateral ou bilateral, abrangendo cinco
níveis: leve, moderada, acentuada, severa ou profunda, de acordo com a acuidade
auditiva, em dB (decibels). Em todos os casos, a comunicação do indivíduo fica
prejudicada.
Sendo assim, a surdez é como um deficit auditivo e o surdo é aquele que
constrói sua identidade a partir de uma comunicação visual – que difere da maioria das
pessoas que ouvem. Este fato acarreta problemas, principalmente, quando é
necessário conviver em uma sociedade, na qual a oralidade predomina.
Ao inserir a surdez em um breve contexto histórico, pode-se observar que os
surdos eram vistos de maneira bastante diversificada: nas civilizações antigas, como
no Egito, as pessoas surdas eram consideradas místicas, sendo respeitadas pela
10
sociedade da época, pois eram grandes observadores. Já na Grécia, os surdos não
tinham espaço, devido ao culto à perfeição e à beleza que os gregos tinham em sua
cultura. Dessa maneira, os surdos eram frequentemente isolados ou abandonados,
pois eram considerados incapazes. Já no contexto da época de 1500, Ponce d’Leon
era um monge que ensinava alguns surdos uma certa linguagem baseada em sinais,
provando que eles eram educáveis e também racionais.
Durante os séculos XVI a XVIII, a surdez era vista, tanto na Europa quanto nos
Estados Unidos, como incompatível à sociedade e a educação de surdos era
inimaginável naquela época. As crianças eram comumente abandonadas ou mesmo
confinadas dentro de casa, como cita Guarinello et al. (2006), uma vez que as crianças
ditas “diferentes” nos dias de hoje eram consideradas “anormais”. Apenas no decorrer
do século XVIII, este pensamento começou a mudar paulatinamente, com a fundação
de escolas para surdos.
O abade L’Epée foi um dos pioneiros nesse processo e fundou uma escola
pública de alunos surdos em Paris para ensiná-los a língua e a cultura francesa,
(BISOL et al., 2007; REILY, 2004). Paralelamente, na Alemanha, ocorria o mesmo:
Heinicke também tentava ensinar aos surdos uma forma de linguagem para que
pudessem ingressar na sociedade. Além disso, completa Bisol (2007), a diferença
consistia na abordagem metodológica de ambos: o primeiro utilizava uma linguagem
baseada em sinais, enquanto o segundo, utilizava-se de um enfoque oral, como a
leitura labial.
Influenciada pela Europa e pelos Estados Unidos, a educação para surdos
também chegou ao Brasil em 1857 e sistematizou-se pela vinda de Hernest Huet. A
partir disso, a primeira escola para meninos surdos foi fundada: o Imperial Instituto de
Surdos e Mudos – atual INES, que é o Instituto Nacional de Educação de Surdos
(BISOL, et al., 2007).
Dessas tentativas de tornar a comunicação acessível aos surdos, seja por
enfoque predominantemente oral ou sinalizado, travaram-se até os dias de hoje
discussões que dividem as opiniões de profissionais da saúde e da educação: a surdez
seria, então, um problema em que as pessoas necessitariam de cuidados médicos,
11
acompanhamento de fonoaudiologistas e desenvolvimento de aparelhos para ingressar
na sociedade como indivíduo comum, ou seria um fato que vai além dessas
interpretações e caminha a um novo modo de sentir e ver a mesma sociedade, sendo
uma questão mais política e cultural?
Para melhor compreender essas questões, é de grande relevância, segundo
Skliar (1997) apud Quadros (2003), entender a surdez a partir de duas perspectivas:
concepção clínica (ou clínico-terapêutica) e a concepção sócio-antropológica. A
primeira entende a surdez como anormalidade/deficiência, visando tratamentos e
também a utilização de mecanismos para “normalizar” o surdo, reabilitando-o e
inserindo-o na sociedade (BISOL, 2007). Dessa maneira, consiste em uma
interpretação em que a comunidade científica pode ser inserida, no sentido de
pesquisar tecnologias para sanar com essas condições adversas. Como o
desenvolvimento para a comunicação em português da pessoa que possui surdez fica
prejudicado, pois o seu acesso às informações auditivas é comprometido, na
concepção clínico-terapêutica, tenta-se fazer uma reabilitação oral para essas pessoas,
principalmente quando crianças.
Segundo o Ministério da Educação – Saberes e Práticas da Inclusão - (BRASIL,
2005), esse processo de reabilitação pode ser eficaz quanto à aquisição,
desenvolvimento e a manutenção dessa linguagem oral, sendo essencial a participação
de terapeutas, fonoaudiólogos e também o apoio familiar. Além disso, a utilização de
aparelhos como: implantes cocleares, sistema de frequência modelada e o aparelho de
amplificação sonora individual também são recomendados.
Desse
modo,
pode-se
dizer
que
nessa
perspectiva
destacam-se:
a
obrigatoriedade da fala, programas de reabilitação, práticas corretivas de estímulo tanto
oral como auditivo e leitura labial e, ao “dominar” a linguagem oral, o surdo pode se
integrar plenamente na sociedade já que esta é a forma “comum” e “normal” de
comunicação. No entanto, essa visão deixou de considerar muitas necessidades
importantes na educação de surdos, pois a assistência médica, o acesso escolar desde
o ensino infantil e a utilização de aparelhos auditivos não é acessível à maioria das
12
pessoas, o que acaba acarretando a exclusão não apenas na escola como na
sociedade.
Para tentar amenizar esses pontos negativos, é possível adotar uma concepção
mais recentemente abordada nos meios acadêmicos, que é a visão sócioantropológica. Esta leva em consideração a relação psico-social do indivíduo e entende
a surdez como uma “diferença”- uma maneira própria que o surdo possui de ver e se
relacionar com o mundo – considerando essa relação uma experiência sobretudo
visual. Além disso, para essa concepção, embora a surdez seja caracterizada por uma
limitação auditiva, como cita o Ministério da Educação – Saberes e Práticas da Inclusão
(BRASIL, 2005), as potencialidades dos surdos devem ser valorizadas.
Esta concepção pode ser caracterizada como uma proposta, a qual não se
detém às limitações auditivas, considerando que cada surdo é único e possui
diferenças tanto cultural como social ao longo da vida – em que a língua de sinais é
uma alternativa comunicativa a eles, apoiando a educação bilingue e a presença de
educadores surdos nas instituições educativas e/ ou intérpretes. Deste modo, pode-se
observar que há vários pontos de vista sobre a surdez os quais dependem da época e
também do grupo social em que a pessoa surda está inserida.
Para Quadros (2004), o bilinguismo rompe com a perspectiva clínico-terapêutica
na educação de surdos, focando-se principalmente em suas relações culturais, sociais
e políticas. Contudo, ressalta que ainda há vestígios dessa concepção, a qual se
unitiza da língua de sinais para ensinar a língua portuguesa e não traduzir o que se
chama de “experiência visual”. Ou seja, acabam sendo meros gestos utilizados como
ferramentas para o entendimento exclusivo da língua portuguesa – ocasionando muitos
problemas como os de aprendizagem nos alunos surdos.
Ao considerar tais pressupostos, segundo Guarinello et al. (2006) e Lacerda
(2006), os surdos que freqüentavam as escolas regulares no século XX não tinham
atendimento apropriado. Seria responsabilidade dos próprios alunos surdos se
adaptarem ao sistema educacional e corresponder às expectativas: “correr atrás de
seus interesses”.
13
A partir da década de 1990, iniciou-se uma preocupação maior a respeito da
inclusão e a política educacional de inclusão foi elaborada, chegando àqueles com
“necessidades educacionais especiais” (NEE), com uma denominação comum pelos
sistemas de ensino de “atenção à diversidade” (SKLIAR, 2003). As propostas de maior
respeito e socialização efetiva destes grupos chegavam também à comunidade surda,
sobretudo em relação ao acesso no sistema regular de ensino (BISOL et al. 2007).
Segundo Soares (1996), durante a década de 50, o objetivo da educação de
surdos visava capacitar a aquisição de um código linguístico para que pudessem
aprender diversos conteúdos curriculares nas escolas. Dessa maneira, completa que a
proposta de educação de surdos e a comum podem seguir o mesmo caminho,
necessitando apenas de algumas adaptações nesses conteúdos, facilitando a
aprendizagem desses alunos.
Sendo a linguagem essencial para ocorrer comunicação dentre os indivíduos há,
desta maneira, dois tipos de produção e também de reconhecimento da linguagem:
aquela que utiliza a vocalização, visualização e a audição – chamado sistema sensorial
e aquela que se utiliza de um sistema motor, que adota basicamente a visão e o tato. É
nesta segunda forma que se encontra a língua de sinais, que é uma comunicação
espaço-visual, segundo Chaveiro e Barbosa (2005), pois se utiliza da visão para
receber a informação e da reprodução de sinais com as mãos para transmiti-la.
Assim, é importante, como citam Guarinello et al. (2006), Lacerda (2006) e
também para o Ministério da Educação (BRASIL, 2005), reconhecer as dificuldades
existentes no aprendizado dos educandos surdos no sistema regular de ensino e
também o preparo dos professores e intérpretes para que auxiliem melhor esses
alunos. Além disso, também enfatizam que o giz e a lousa não são suficientes para a
aprendizagem dos surdos, necessitando ocorrer um redimensionamento do projeto
escolar. Deste modo, diferentes modos de contemplar a inclusão têm sido utilizados
(CHAVEIRO e BARBOSA, 2005).
14
3. DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À EDUCAÇÃO INCLUSIVA
As políticas nacionais baseiam-se em documentos e leis tais como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Objetivam assim o respeito, atendimento,
entendimento e inclusão daqueles que necessitam de educação especial, pois é direito
de todos e não prevê diferenças.
Ao relacionar com a realidade dos alunos surdos, as propostas dessas políticas
tornam-se essenciais para a sua educação, principalmente em relação à rede regular
de ensino. Dessa maneira, a educação inclusiva fundamenta-se na seguinte afirmação:
promover educação a todos, de maneira que o objetivo comum de todas essas políticas
está relacionado com o resgate do valor dos direitos humanos, o qual atualmente
encontra-se esquecido no papel.
A Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 2007), reconhece essa
dificuldade e propõe então mudanças na organização de escolas para que seja
possível atender às necessidades dos alunos e para que haja uma educação de
qualidade a todas as pessoas.
Ao considerar esta política, pode-se inserir o percurso histórico da Educação de
Surdos: a educação especial chegou ao Brasil durante o império, em 1857. O Instituto
dos Surdos Mudos (que agora é Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES), é
fundado a partir da visão daquela época, a clínico-terapêutica. Assim, essas
instituições teriam sido criadas para substituir o ensino comum, focando-se no
atendimento de pessoas com deficiência.
Em 1973, o MEC criou o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP –
voltado principalmente a pessoas deficientes, mas ainda com campanha de caráter
assistencial. A educação de alunos com deficiência possuía a concepção de “políticas
especiais”, sendo apenas na Constituição de 1988 apresentada a concepção de
“educação para todos” e a igualdade no acesso, direito à permanência na escola e
atendimento especializado, sendo estes deveres do Estado – retomando a Declaração
dos Direitos Humanos.
15
Contudo, embora a idéia de acesso de todos à educação estivesse proposta,
não estava tão clara quanto ao acesso comum de alunos com “necessidades
especiais” e alunos “normais”. É a partir da década de 90 que essas idéias tomam
rumos mais concretos.
A inclusão no Brasil sofreu influências da Conferência Mundial de Educação
para Todos, 1990, que ocorreu na Tailândia e da Conferência de Salamanca, 1994,
Espanha, as quais se complementam. A primeira ressalta a necessidade do
desenvolvimento de uma política educacional, na qual se visava uma educação com
qualidade enquanto a segunda foi importante para maior discussão a respeito da
educação inclusiva, a partir de um trabalho pedagógico de qualidade, que permitisse
aprendizagem a todos os alunos, pois centrava-se neles. (GUARINELLO, et al., 2006).
Assim, a Declaração de Salamanca, fruto desse encontro de vários países na
Espanha em 1994, prevê aos “alunos com necessidades educacionais especiais” um
sistema de educação que atenda às suas demandas. Procura esclarecer como o direito
à educação é importante, independente de suas diferenças ou deficiências. Esse direito
deve fazer parte do sistema educativo, chegando àqueles que necessitam de educação
especial, apresentando-a com uma visão que foca no atendimento das necessidades
educacionais dos alunos pelo sistema de ensino.
Essa declaração reconhece a relevância da educação às crianças, jovens e
adultos, não só aqueles considerados “normais” como os
com necessidades
educacionais especiais, e seu acesso no sistema regular de ensino – da mesma forma
que a Declaração dos Direitos Humanos (UNESCO, 1948) cita no artigo XXVI, que todo
ser humano tem direito à instrução, podendo esta ser gratuita, abrangendo o âmbito
técnico-profissional e também o acesso à educação superior. Desta maneira, considera
as diferenças entre os indivíduos, a diversidade de necessidades, e que esses
indivíduos devem ter acesso à escola regular.
A Declaração de Salamanca (1994) defende, ainda, a adoção da educação
inclusiva como se fosse uma lei ou como um princípio político, além de maior atenção
ao preparo dos professores para que possam receber estes alunos adequadamente,
uma vez que acreditam que
16
As escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem os meios
mais capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades
abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a
educação para todos; além disso, proporcionam uma educação adequada à
maioria das crianças e promovem a eficiência, numa ótima relação custoqualidade, de todo o sistema educativo. (UNESCO, 1994)
A Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº
3.956/2001 e, segundo a Política Nacional de Educação Especial (2007) também, visa
acabar com todo o tipo de discriminação às pessoas deficientes. Afirma que os direitos
fundamentais são iguais tanto às pessoas com deficiência quanto as demais. Este
documento defende uma nova interpretação da educação especial - uma vez que os
homens nascem livres e assim permanecem - seus direitos e sua liberdade devem ser
respeitados.
Estas declarações retomam a importância de entender o que é a surdez, uma
vez que a forma com a qual os surdos enxergam o mundo difere da dinâmica escolar
tradicional. É importante que haja interação direta entre aluno e professor para que
esse indivíduo possa entender o mundo e prosseguir seu desenvolvimento social e
cognitivo. Dessa maneira, a língua de sinais tornou-se um grande instrumento para os
surdos, permitindo sua maior expressão.
17
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa de abordagem qualitativa
que buscará analisar a legislação vigente com base nos referenciais teóricos,
discutindo sobre a questão da inclusão de alunos na rede regular de ensino.
Para tanto, optou-se por uma análise documental, a qual segundo Lüdke e
André (2003), é considerada um modo adequado de se proceder metodologicamente
frente à abordagem da pesquisa realizada.
Dessa maneira, foram selecionados, lidos e analisados os seguintes
documentos (anexados na íntegra no final do trabalho):
•
Resolução CNE/CEB nº 02 de 11 de setembro de 2001, que institui as
Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
•
Lei n.10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais - Libras, e o artigo 18º da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
regulamentadas pelo Decreto Federal. n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005.
•
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva de 05 de junho de 2007, documento elaborado pelo Ministério da
Educação/Secretaria da Educação Especial, que visa promover uma
educação de qualidade a todos.
18
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO
Ao levar em consideração que o acesso à educação é parte indispensável para
a formação do indivíduo, sendo essencial na construção de sua autonomia, as políticas
nacionais têm cada vez mais considerado a inclusão como um objetivo a ser
alcançado. No entanto, essa tentativa de incluir alunos com necessidades especiais
precisa ser reavaliada.
Um documento relevante na questão da inclusão escolar de alunos com
necessidades especiais é a Resolução CNE/CEB, nº 2, de 11 de setembro de 2001.
Nela estão contidas as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica, indicando que o sistema de ensino deve matricular à todos, desde a educação
infantil, e os alunos terão atendimento escolar especializado - desde que se evidencie a
necessidade, mediante avaliação da condição do educando - levando em consideração
a comunidade e os familiares. Segundo esta resolução, cabe à escola se adequar às
necessidades dos alunos e também promover uma educação de qualidade. Assim, o
censo escolar torna-se uma ferramenta bastante útil para constatar o andamento desse
processo.
Neste documento, no artigo 3º, entende-se como educação especial uma
proposta pedagógica pautada nos recursos para apoiar e complementar ou até mesmo
substituir a educação comum, possibilitando o desenvolvimento das capacidades dos
educandos com necessidades educacionais especiais. Já a realidade dos alunos
surdos está presente nos artigos 5º e 8º, em que são feitas considerações sobre as
necessidades especiais:
Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os
que, durante o processo educacional, apresentarem:
I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares,
compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;
19
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos,
demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os
leve
a
dominar
rapidamente
conceitos,
procedimentos
e
atitudes.
(Resolução CNE/CEB, n 2, de 11 de setembro de 2001)
Art. 8
o
As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na
organização de suas classes comuns:
I - professores das classes comuns e da educação especial capacitados e
especializados,
respectivamente,
para
o
atendimento
às
necessidades
educacionais dos alunos;
II - distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais pelas
várias classes do ano escolar em que forem classificados, de modo que essas
classes comuns se beneficiem das diferenças e ampliem positivamente as
experiências de todos os alunos, dentro do princípio de educar para a
diversidade;
III – flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o significado
prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e
recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao
desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais
especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a
freqüência obrigatória;
IV – serviços de apoio pedagógico especializado, realizado, nas classes
comuns, mediante:
a) atuação colaborativa de professor especializado em educação especial;
b) atuação de professores-intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis;
c)
atuação
de
professores
e
outros
profissionais
itinerantes
intra
e
interinstitucionalmente;
d) disponibilização de outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção
e à comunicação.
V – serviços de apoio pedagógico especializado em salas de recursos, nas quais
o professor especializado em educação especial realize a complementação ou
20
suplementação curricular, utilizando procedimentos, equipamentos e materiais
específicos;
VI – condições para reflexão e elaboração teórica da educação inclusiva, com
protagonismo dos professores, articulando experiência e conhecimento com as
necessidades/possibilidades surgidas na relação pedagógica, inclusive por meio
de colaboração com instituições de ensino superior e de pesquisa;
VII
–
sustentabilidade
do
processo
inclusivo,
mediante
aprendizagem
cooperativa em sala de aula, trabalho de equipe na escola e constituição de
redes de apoio, com a participação da família no processo educativo, bem como
de outros agentes e recursos da comunidade;
VIII – temporalidade flexível do ano letivo, para atender às necessidades
educacionais especiais de alunos com deficiência mental ou com graves
deficiências múltiplas, de forma que possam concluir em tempo maior o currículo
previsto para a série/etapa escolar, principalmente nos anos finais do ensino
fundamental, conforme estabelecido por normas dos sistemas de ensino,
procurando-se evitar grande defasagem idade/série;
IX
–
atividades
que
favoreçam,
ao
aluno
que
apresente
altas
habilidades/superdotação, o aprofundamento e enriquecimento de aspectos
curriculares, mediante desafios suplementares nas classes comuns, em sala de
recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive
para conclusão, em menor tempo, da série ou etapa escolar, nos termos do
Artigo 24, V, “c”, da Lei 9.394/96.
(Resolução CNE/CEB, nº 2, de 11 de setembro de 2001)
O educando surdo é considerado, por esta resolução, com necessidades
educacionais especiais, pois se utiliza de uma linguagem baseada em sinais para
comunicação. A importância de inseri-lo no ensino regular, para que possa se integrar
social e culturalmente com outros alunos, em salas de aula comuns, também é
defendida. Seus obstáculos na aprendizagem estão relacionados com limitações nesse
processo. Para tanto, são recomendadas algumas adaptações curriculares, de maneira
a atender às necessidades desses alunos e, principalmente, que haja preparo dos
professores, tanto intérpretes como especializados em educação inclusiva, além de
21
acompanhamento pedagógico, que são fatores essenciais para o desenvolvimento do
aluno.
Porém, embora essas políticas demonstrem grande preocupação com a
inclusão, na prática, muito pouco é realizado: mesmo abrindo vagas, garantindo-as e
permitindo o acesso a todos, para Quadros (2003), os alunos surdos se sentem
incapacitados e muitas vezes, inferiores dentro da sala de aula. Isto quer dizer que na
verdade está ocorrendo exclusão dentro da escola, ao invés da inclusão.
É possível observar que essas ações inclusivas são colocadas como obrigação
do sistema escolar, organizando e encontrando soluções para garantir e assegurar a
entrada desses alunos em sala de aula comum, o que acaba encarregando a escola de
toda responsabilidade. Dessa maneira, ao considerar toda a trajetória de inclusão, da
educação de surdos e da educação tradicional oralista, pode-se perceber que não é
surpresa essas falhas de inclusão-excludente acontecerem com frequência. Além
disso, como nenhum “modelo” ou “proposta de ação” é colocado como guia, as
instituições acabam procurando meios para atender a essas políticas e muitas vezes
cometem equívocos, promovendo novamente a exclusão.
Segundo Guarinello et al. (2006), tanto em escola especial quanto na regular, a
maioria dos alunos não está matriculada, apesar das leis brasileiras garantirem a
inclusão. Isso significa que o sistema não está contemplando a todos e também que
aqueles poucos com oportunidade de acesso, não estão recebendo educação
apropriada. Este fato condiz com o que afirmam os censos escolares de 2000, 2003 e
2006: na Educação Básica, o número de matrículas é de 43.104, enquanto no ensino
Médio é de 10.912 e, segundo o censo 2003, apenas 33% dos alunos matriculados
concluíram o Ensino Médio. Pode-se perceber pelos dados apresentados que à medida
que as propostas inclusivas vão ganhando espaço, a evasão escolar também tem
ocorrido. Considerando o fato como um problema central nas políticas inclusivas, podese dizer que a inclusão está funcionando perfeitamente enquanto há uma obediência
documental teórica. Porém, na prática, não está solucionando problemas, mas sim
criando um ciclo: a entrada e a seguinte saída do aluno na escola.
22
A ocorrência dessa situação pode ser explicada a partir de alguns pontos: o
contexto histórico, o desrespeito dessas políticas por parte das instituições, a
segregação social refletida na escola, o despreparo dos professores e da própria
escola para receber um aluno surdo e o desconhecimento da Libras, fazendo da
inclusão uma forma de exclusão.
Para Soares (1996), o problema da educação inclusiva encontra-se no decorrer
da história, em que a educação comum e a especial trilhavam caminhos paralelos.
Assim, a questão teria se tornado apenas de diferença metodológica, isto é, somente
entre abordagens da escola especial e da escola comum - desconsiderando fatores
sociais implicados na separação entre “ouvintes” e “comunidades surdas”, como Bueno
(1998) ainda cita. Dessa maneira, a falha no processo de inclusão consiste na falta de
uma visão sócio-cultural, na qual a identidade desses sujeitos reduz-se à surdez, o que
vai contra a Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 2007) cuja proposta
abomina qualquer tipo de discriminação e afirma que a educação inclusiva tem caráter
político, cultural e social;ou seja, como consta na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de
1996, a educação precisa ser mais integrada, propondo a inclusão dos alunos com
necessidades especiais na rede regular de ensino, pois a cultura surda deve ser
respeitada.
Pode-se citar, para tanto, o Artigo 9º da Resolução CNE/CEB nº2 de setembro
de 2001, em que a criação de salas especiais pode ser efetuada, de maneira
transitória, dependendo do grau de dificuldade que o aluno surdo sinta durante o
ensino e possa auxiliá-lo a participar e exercer atividades com maior autonomia:
o
Art. 9 As escolas podem criar, extraordinariamente, classes especiais,
cuja organização fundamente-se no Capítulo II da LDBEN, nas diretrizes
curriculares nacionais para a Educação Básica, bem como nos referenciais e
parâmetros curriculares nacionais, para atendimento, em caráter transitório, a
alunos que apresentem dificuldades acentuadas de aprendizagem ou condições
de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos e demandem
ajudas e apoios intensos e contínuos.
23
o
§ 1 Nas classes especiais, o professor deve desenvolver o currículo,
mediante adaptações, e, quando necessário, atividades da vida autônoma e
social no turno inverso.
o
§ 2 A partir do desenvolvimento apresentado pelo aluno e das condições para o
atendimento inclusivo, a equipe pedagógica da escola e a família devem decidir
conjuntamente, com base em avaliação pedagógica, quanto ao seu retorno à
classe comum. (Resolução CNE/CEB, nº 2, de 11 de setembro de 2001)
Em relação à aprendizagem, outro fator que contribui para a ineficácia do
sistema inclusivo na prática, segundo Guarinello et al. (2006), é que alguns professores
não associam a dificuldade para ensinar com a de aprender do surdo, como se o
desconhecimento da surdez e da Libras não implicasse diretamente no aprendizado
tanto no âmbito linguístico quanto comunicativo do aluno. Isso mostra que embora
essas políticas existam, os docentes não as conhecem e acabam cometendo muitos
erros ao lidar com a surdez, pois se espera do educando surdo o mesmo desempenho
daquele aluno ouvinte. Dessa maneira torna-se compreensível o fracasso escolar e o
sentimento de “inferioridade” que os alunos surdos acabam cultivando.
No documento do Ministério da Educação: Saberes e práticas da inclusão,
(BRASIL, 2005) consta que a língua de sinais tinha sido proibida, a partir de um
congresso mundial que ocorreu em Milão em 1880. Neste encontro, o método
puramente oralista e clínico-terapêutico foi priorizado. Isso revela o porquê da
estruturação da educação e da sociedade tal como é e explica o desconhecimento da
língua de sinais pela maioria das pessoas. Além disso, pode-se entender o porquê da
linguagem sinalizada ter sido encontrada presente apenas em guetos.
Em 2002, a lei nº.10.436, regulamentada pelo Decreto Federal. n. 5.626, de 22
de dezembro de 2005, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras – foi
sancionada pelo governo vigente e a Libras (Língua Brasileira de Sinais) tornou-se um
meio legal de comunicação. A partir disso, aquilo que era considerado exclusivo de
surdos, uma língua “gestual” apenas, como reitera Quadros (2003), acabou por tornarse
parte integrante do currículo nos cursos de formação de professores e de
fonoaudiologia. A autora completa ainda lembrando que muito embora a Declaração de
24
Salamanca, de 1994, tenha considerado a língua de sinais na educação de surdos, sua
utilização é apenas de caráter recomendativo nesse documento, contribuindo para
desconhecimento por parte de professores e também de familiares.
A Lei de libras consiste em um documento recente de extrema importância tanto
para a comunidade surda como para tudo aquilo que se relaciona à Educação
Inclusiva. O Artigo 1º define e apresenta o que a libras representa:
Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua
Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma
de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visualmotora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de
transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do
Brasil. (Lei nº 10436 de 24 de abril de 2002)
A partir da leitura do artigo pode-se inferir que a língua de sinais ganhou forças
dentro da maioria dessas comunidades de pessoas surdas, mostrando que esta língua
é tão importante como qualquer outra, mesmo não sendo de caráter oral. No entanto,
embora esta lei exista, as características da Língua Brasileira de Sinais muitas vezes
não são levadas em consideração na aprendizagem escolar do aluno surdo.
Quadros, (2003), diz que a língua de sinais é vista, em sua maioria, como gestos
para explicar e entender a língua portuguesa oral, tornando aquela uma língua a mais,
ignorando o seu real significado e relevância. A partir deste pensamento, não é à toa
que a aprendizagem dos alunos surdos fica comprometida. Dessa maneira faz-se
necessário entender a importância da Libras para o surdo, visando a melhoria da
condição do sistema de ensino e, para tal, é necessário reconhecer que:
•
Cada país possui uma língua de sinais própria, de maneira que não
pode ser considerada universal.
•
As
regras
gramaticais
e
significados
diferem
regionalmente
,
caracterizando um sistema composto por vários parâmetros, que
25
englobam: configuração de mãos, toque, movimento expressivo tanto
facial como corporal e, principalmente, o contato visual.
Através dessas características torna-se claro as peculiaridades presentes nessa
forma de comunicação e como é essencial que seja reconhecida e respeitada
plenamente.
Outra característica importante a ser mencionada é que esta língua não substitui
a língua portuguesa escrita, como é citado no artigo 4º:
Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais,
municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de
formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus
níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como
parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme
legislação vigente.
Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a
modalidade escrita da língua portuguesa.(Lei 10436 de 24 de setembro de 2002)
Contudo, vale observar que é essencial a relação da língua de sinais com a
língua portuguesa escrita.
A presença de um intérprete poderia tornar possível a comunicação entre o
surdo e o ambiente em sala de aula. Sem dúvidas, o aprendizado seria melhor
contemplado no sentido de entender o que o professor diz. Porém, deve-se levar em
consideração que a escola tem caráter socializador e, por esse motivo, um intérprete
pode melhorar o vínculo comunicativo em sala, mas não contribui totalmente para a
inclusão social de surdos e o exercício de sua autonomia, pois o intérprete não substitui
o “papel” do professor e deve auxiliar o educando surdo a se relacionar com outros
discentes da sala de aula.
O acesso à escola, historicamente, foi colocado como um privilégio de alguns e
acabou ocasionando exclusão de outros grupos, refletindo a sociedade de sua época –
o que não mudou atualmente. Ao considerar o processo pedagógico, o ensino feito
26
apenas em salas especiais das escolas comuns acaba privando o contato destes
alunos com os outros. A aprendizagem acaba não sendo tão produtiva e a troca de
experiências e cultura entre educandos ouvintes e surdos torna-se inexistente,
enquanto a exclusão acontece.
No entanto, quando se possibilitou o acesso de todos à educação, o paradoxo
inclusão-exclusão ainda pôde ser observado, já que ainda há grupos que não
conseguem ingressar no sistema de educação. Isto mostra o fracasso escolar,
podendo ter diferentes explicações: como o processo pedagógico – referente a um
problema interno da escola ou por questões políticas, sociais e econômicas (SOARES
1996).
Dessa maneira, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (BRASIL, 2007), apresenta a necessidade de mudanças históricas,
normativas e dos objetivos da Educação Especial. Segundo esta política, a educação
inclusiva é um paradigma educacional que leva em consideração, assim como as
propostas anteriores, os direitos humanos.
A Política Nacional de Educação Especial reconhece a dificuldade existente ao
se tratar da educação nos sistemas de ensino e propõe então mudanças na
organização de escolas para que seja possível atender às necessidades educacionais
dos alunos e para que haja uma educação de qualidade a todas as pessoas.
Esse documento pretende superar as práticas discriminatórias e as dificuldades
que o sistema de ensino possui quanto à questão da exclusão. Dessa maneira, tornase importante reavaliar a organização estrutural e cultural das escolas, com a finalidade
de atender à especificidade dos alunos e garantindo-lhes uma educação de qualidade.
Pode-se observar que os objetivos da Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007) mostram-se condizentes com o
percurso dos demais documentos apresentados, uma vez que a transversalidade da
educação inclusiva desde a educação infantil até a superior, com atendimento
especializado e a formação de professores capacitados além de outros profissionais
como intérpretes, são contemplados. Isto quer dizer que o acesso dos alunos com
deficiência, sua participação e sua aprendizagem estão sendo considerados.
27
Assim, quanto às questões inerentes aos problemas cercados pelo presente
estudo, nesta política, visa-se o acesso do surdo à escola, tendo a Libras como
disciplina curricular nos anos finais do Ensino Fundamental, segundo o decreto 5626,
artigo 15º, e que a formação e a certificação de professor, presença de instrutor e
tradutor/intérprete da língua de sinais sejam pré-requisitos para as escolas. A educação
bilíngüe – o ensino de Libras e o da Língua Portuguesa na modalidade escrita como
segunda língua no ensino regular - tornam-se fatores indispensáveis garantir aos
surdos uma educação de qualidade:
Para o ingresso dos alunos surdos nas escolas comuns, a educação bilíngüe –
Língua Portuguesa/Libras desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e
na língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na
modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de
Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da
escola. O atendimento educacional especializado para esses alunos é ofertado
tanto na modalidade oral e escrita quanto na língua de sinais. Devido à diferença
lingüística, orienta-se que o aluno surdo esteja com outros surdos em turmas
comuns na escola regular.
O atendimento educacional especializado é realizado mediante a atuação de
profissionais com conhecimentos específicos no ensino da Língua Brasileira de
Sinais, da Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do
sistema Braille, do Soroban, da orientação e mobilidade, das atividades de vida
autônoma, da comunicação alternativa, do desenvolvimento dos processos
mentais superiores, dos programas de enriquecimento curricular, da adequação
e produção de materiais didáticos e pedagógicos, da utilização de recursos
ópticos e não ópticos, da tecnologia assistiva e outros.
A
avaliação
pedagógica
como
processo
dinâmico
considera
tanto
o
conhecimento prévio e o nível atual de desenvolvimento do aluno quanto às
possibilidades de aprendizagem futura, configurando uma ação pedagógica
processual e formativa que analisa o desempenho do aluno em relação ao seu
progresso individual, prevalecendo na avaliação os aspectos qualitativos que
indiquem as intervenções pedagógicas do professor. No processo de avaliação,
o professor deve criar estratégias considerando que alguns alunos podem
demandar ampliação do tempo para a realização dos trabalhos e o uso da língua
de sinais, de textos em Braille, de informática ou de tecnologia assistiva como
uma prática cotidiana.
28
Cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a educação especial na perspectiva
da educação inclusiva, disponibilizar as funções de instrutor, tradutor/intérprete
de Libras e guia-intérprete, bem como de monitor ou cuidador dos alunos com
necessidade de apoio nas atividades de higiene, alimentação, locomoção, entre
outras, que exijam auxílio constante no cotidiano escolar.
Os sistemas de ensino devem organizar as condições de acesso aos espaços,
aos recursos pedagógicos e à comunicação que favoreçam a promoção da
aprendizagem e a valorização das diferenças, de forma a atender as
necessidades educacionais de todos os alunos. A acessibilidade deve ser
assegurada mediante a eliminação de barreiras arquitetônicas, urbanísticas, na
edificação – incluindo instalações, equipamentos e mobiliários – e nos
transportes escolares, bem como as barreiras nas comunicações e informações.
(Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,
BRASIL, 2007)
É interessante ressaltar que neste documento é lembrado como a educação
especial estar separada da educação comum era visto como algo apropriado,
enfatizando-se, na primeira, os aspectos relacionados à deficiência, preterindo-se a sua
dimensão mais pedagógica. Perante a visão trazida pelos documentos analisados,
torna-se clara a importância de ocorrer uma reestruturação das escolas de ensino
regular e da educação especial, afim de minimizar a discriminação que ainda se faz
presente.
Da mesma maneira, destaca-se um ponto colocado na Declaração de
Salamanca (1994), que apresenta intenções positivas quanto aos problemas existentes
no processo de inclusão, em que “escolas regulares constituem meios mais eficazes de
combater atitudes discriminatórias e que alunos com necessidades especiais devem ter
acesso à escola regular”, criticando que os sistemas de ensino não têm implementado
políticas que se proponham a esse objetivo.
Outro ponto relevante da Política Nacional é considerar o dinamismo das
pessoas em relação a si mesmas e ao contexto no qual estão inseridas, que está em
constante transformação. Então, este documento defende que é necessário haver uma
29
atuação pedagógica para que a realidade da exclusão seja mudada, uma vez que a
heterogeneidade em uma sala de aula torna o aprendizado dos alunos mais rico.
Entretanto, o que essa política determina e recomenda também não tem
funcionado adequadamente na prática. A falta de professores qualificados e
intérpretes, a escassa divulgação da Libras - mesmo esta sendo considerada a
primeira língua dos surdos, são alguns dos problemas enfrentados nas instituições.
Embora haja a legislação para incorporar a linguagem sinalizada nos currículos, esta
também não tem sido contemplada. Além disso, percebe-se que a questão torna-se
bastante focada no uso ou não da língua e que as diferenças sócio-culturais são
esquecidas. Isto quer dizer que as escolas precisam conhecer, primeiramente, a cultura
surda e, dessa maneira, adequar seus conteúdos escolares, para que haja integração
da língua de sinais.
É interessante observar também o ponto de vista de Lacerda (2006), sobre o
qual refletir aspectos sociais, culturais e políticos são essenciais na interação com
sujeitos de outras culturas. Assim, respeitar a identidade surda, suas diferenças e
reconhecer a existência de sua cultura são ações indispensáveis à melhoria da
realidade observada no sistema inclusivo atual, já que não é uma questão de inserir o
educando surdo em atividades de ouvintes (como tem ocorrido), mas propor meios que
essas atividades sejam integradoras e significativa a eles. Também é necessário que a
escola e a sociedade sejam inclusivas, que as culturas ouvinte e surda possam, juntas,
compô-la. Porém, a autora ainda questiona as políticas à realidade das escolas
públicas: salas superlotadas e a falta de recursos, questionando se as políticas levam
em consideração a realidade dessas instituições quando fazem suas proposições.
Outro ponto que vale ressaltar em relação ao sistema de inclusão, segundo
Quadros (2004), é que não é apenas uma questão de colocar o aluno surdo na escola,
em uma sala de aula. A verdadeira inclusão ocorre quando esta é considerada em
relação ao currículo, direitos e deveres, atendo-se às diferenças no contexto social,
político, linguístico e cultural. Então, esse currículo, considerada a presença de surdos
em salas de aula comuns, deve ser organizado a partir de uma perspectiva espaço-
30
visual, em que as possibilidades de acesso aos conteúdos sejam ampliadas, inclusive
pela presença da Libras.
Finalizando as discussões propostas, vale retomar aquilo que foi considerado
por Quadros (2004) e reforçar a importância de que novas políticas voltadas à inclusão
de surdos contem com a participação da própria comunidade surda na sua elaboração
e, assim, respeite-os como sujeitos competentes nas escolhas que dizem respeito à
sua educação.
31
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao lançar um olhar a respeito do que se é colocado no papel e o que realmente
é praticado, chega-se a conclusão que ainda há muito o que fazer quanto ao sistemas
de inclusão e suas políticas públicas. Assim, o estudo da surdez é bastante importante
por questões relacionadas ao preconceito social que o surdo sofre e também pela falta
de estímulos ao seu potencial cognitivo, prejudicando o desenvolvimento de sua
aprendizagem.
Os sistemas de ensino, então, precisam organizar as condições de acesso ao
espaço educacional, considerando os recursos pedagógicos e também quebrando a
barreira da comunicação entre os indivíduos, considerando um currículo em que tanto a
Libras quanto Língua Portuguesa estejam presentes. Assim, a aprendizagem e a
valorização das diferenças de forma a atender as necessidades educacionais de todos
os alunos podem ser atendidas e os seus direitos devidamente respeitados.
Nesse sentido, inclusão de surdos vai muito mais além do que a simples criação
e garantia de vagas, mas que a sociedade também seja inclusiva, com recursos
materiais e com professores capacitados. Dessa maneira, considerar um ambiente
heterogêneo para a inclusão de surdos no ensino regular, buscando meios para que
participe definitivamente da sociedade – como uma cultura diferente – é proporcionar
ao educando surdo meios de desenvolver sua autonomia, conhecimento e de se
expressar.
32
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33
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Convenção
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Guatemala. outubro de 2001.
Organização
dos
Estados
americanos.
Gatemala:
34
ANEXO A – LEIS ANALISADAS
RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 2, DE 11 DE SETEMBRO DE 2001.
Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, de conformidade com o disposto no Art. 9o, § 1o, alínea “c”, da Lei 4.024, de
20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei 9.131, de 25 de novembro de
1995, nos Capítulos I, II e III do Título V e nos Artigos 58 a 60 da Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, e com fundamento no Parecer CNE/CEB 17/2001, homologado
pelo Senhor Ministro de Estado da Educação em 15 de agosto de 2001,
RESOLVE:
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Nacionais para a educação de
alunos que apresentem necessidades educacionais especiais, na Educação Básica,
em todas as suas etapas e modalidades.
Parágrafo único. O atendimento escolar desses alunos terá início na educação
infantil, nas creches e pré-escolas, assegurando-lhes os serviços de educação especial
sempre que se evidencie, mediante avaliação e interação com a família e a
comunidade, a necessidade de atendimento educacional especializado.
Art 2º Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às
escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades
educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de
qualidade para todos.
Parágrafo único. Os sistemas de ensino devem conhecer a demanda real de
atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais, mediante a criação
de sistemas de informação e o estabelecimento de interface com os órgãos
governamentais responsáveis pelo Censo Escolar e pelo Censo Demográfico, para
atender a todas as variáveis implícitas à qualidade do processo formativo desses
alunos.
35
Art. 3º Por educação especial, modalidade da educação escolar, entende-se um
processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e
serviços
educacionais
especiais,
organizados
institucionalmente
para
apoiar,
complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais
comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das
potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais,
em todas as etapas e modalidades da educação básica.
Parágrafo único. Os sistemas de ensino devem constituir e fazer funcionar um
setor responsável pela educação especial, dotado de recursos humanos, materiais e
financeiros que viabilizem e dêem sustentação ao processo de construção da
educação inclusiva.
Art. 4º Como modalidade da Educação Básica, a educação especial considerará
as situações singulares, os perfis dos estudantes, as características bio-psicossociais
dos alunos e suas faixas etárias e se pautará em princípios éticos, políticos e estéticos
de modo a assegurar:
I - a dignidade humana e a observância do direito de cada aluno de realizar seus
projetos de estudo, de trabalho e de inserção na vida social;
II - a busca da identidade própria de cada educando, o reconhecimento e a
valorização das suas diferenças e potencialidades, bem como de suas necessidades
educacionais especiais no processo de ensino e aprendizagem, como base para a
constituição e ampliação de valores, atitudes, conhecimentos, habilidades e
competências;
III - o desenvolvimento para o exercício da cidadania, da capacidade de
participação social, política e econômica e sua ampliação, mediante o cumprimento de
seus deveres e o usufruto de seus direitos.
Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os
que, durante o processo educacional, apresentarem:
36
I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares,
compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos,
demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os
leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.
Art. 6o Para a identificação das necessidades educacionais especiais dos alunos
e a tomada de decisões quanto ao atendimento necessário, a escola deve realizar, com
assessoramento técnico, avaliação do aluno no processo de ensino e aprendizagem,
contando, para tal, com:
I - a experiência de seu corpo docente, seus diretores, coordenadores,
orientadores e supervisores educacionais;
II - o setor responsável pela educação especial do respectivo sistema;
III – a colaboração da família e a cooperação dos serviços de Saúde,
Assistência Social, Trabalho, Justiça e Esporte, bem como do Ministério Público,
quando necessário.
Art. 7º O atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais
deve ser realizado em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa ou
modalidade da Educação Básica.
Art. 8o As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na
organização de suas classes comuns:
I - professores das classes comuns e da educação especial capacitados e
especializados, respectivamente, para o atendimento às necessidades educacionais
dos alunos;
37
II - distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais pelas
várias classes do ano escolar em que forem classificados, de modo que essas classes
comuns se beneficiem das diferenças e ampliem positivamente as experiências de
todos os alunos, dentro do princípio de educar para a diversidade;
III – flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o significado
prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos
didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos
alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o
projeto pedagógico da escola, respeitada a freqüência obrigatória;
IV – serviços de apoio pedagógico especializado, realizado, nas classes
comuns, mediante:
a) atuação colaborativa de professor especializado em educação especial;
b) atuação de professores-intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis;
c)
atuação
de
professores
e
outros
profissionais
itinerantes
intra
e
interinstitucionalmente;
d) disponibilização de outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção
e à comunicação.
V – serviços de apoio pedagógico especializado em salas de recursos, nas quais
o professor especializado em educação especial realize a complementação ou
suplementação curricular, utilizando procedimentos, equipamentos e materiais
específicos;
VI – condições para reflexão e elaboração teórica da educação inclusiva, com
protagonismo dos professores, articulando experiência e conhecimento com as
necessidades/possibilidades surgidas na relação pedagógica, inclusive por meio de
colaboração com instituições de ensino superior e de pesquisa;
VII
–
sustentabilidade
do
processo
inclusivo,
mediante
aprendizagem
cooperativa em sala de aula, trabalho de equipe na escola e constituição de redes de
apoio, com a participação da família no processo educativo, bem como de outros
agentes e recursos da comunidade;
38
VIII – temporalidade flexível do ano letivo, para atender às necessidades
educacionais especiais de alunos com deficiência mental ou com graves deficiências
múltiplas, de forma que possam concluir em tempo maior o currículo previsto para a
série/etapa escolar, principalmente nos anos finais do ensino fundamental, conforme
estabelecido por normas dos sistemas de ensino, procurando-se evitar grande
defasagem idade/série;
IX
–
atividades
habilidades/superdotação,
que
o
favoreçam,
aprofundamento
ao
e
aluno
que
apresente
enriquecimento
de
altas
aspectos
curriculares, mediante desafios suplementares nas classes comuns, em sala de
recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para
conclusão, em menor tempo, da série ou etapa escolar, nos termos do Artigo 24, V, “c”,
da Lei 9.394/96.
Art. 9o As escolas podem criar, extraordinariamente, classes especiais, cuja
organização fundamente-se no Capítulo II da LDBEN, nas diretrizes curriculares
nacionais para a Educação Básica, bem como nos referenciais e parâmetros
curriculares nacionais, para atendimento, em caráter transitório, a alunos que
apresentem dificuldades acentuadas de aprendizagem ou condições de comunicação e
sinalização diferenciadas dos demais alunos e demandem ajudas e apoios intensos e
contínuos.
§ 1o Nas classes especiais, o professor deve desenvolver o currículo, mediante
adaptações, e, quando necessário, atividades da vida autônoma e social no turno
inverso.
§ 2o A partir do desenvolvimento apresentado pelo aluno e das condições para o
atendimento inclusivo, a equipe pedagógica da escola e a família devem decidir
conjuntamente, com base em avaliação pedagógica, quanto ao seu retorno à classe
comum.
Art. 10. Os alunos que apresentem necessidades educacionais especiais e
requeiram atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e social, recursos,
ajudas e apoios intensos e contínuos, bem como adaptações curriculares tão
significativas que a escola comum não consiga prover, podem ser atendidos, em
39
caráter extraordinário, em escolas especiais, públicas ou privadas, atendimento esse
complementado, sempre que necessário e de maneira articulada, por serviços das
áreas de Saúde, Trabalho e Assistência Social.
§ 1º As escolas especiais, públicas e privadas, devem cumprir as exigências
legais similares às de qualquer escola quanto ao seu processo de credenciamento e
autorização de funcionamento de cursos e posterior reconhecimento.
§ 2º Nas escolas especiais, os currículos devem ajustar-se às condições do
educando e ao disposto no Capítulo II da LDBEN.
§ 3o A partir do desenvolvimento apresentado pelo aluno, a equipe pedagógica
da escola especial e a família devem decidir conjuntamente quanto à transferência do
aluno para escola da rede regular de ensino, com base em avaliação pedagógica e na
indicação, por parte do setor responsável pela educação especial do sistema de
ensino, de escolas regulares em condição de realizar seu atendimento educacional.
Art. 11. Recomenda-se às escolas e aos sistemas de ensino a constituição de
parcerias com instituições de ensino superior para a realização de pesquisas e estudos
de caso relativos ao processo de ensino e aprendizagem de alunos com necessidades
educacionais especiais, visando ao aperfeiçoamento desse processo educativo.
Art. 12.
Os sistemas de ensino, nos termos da Lei 10.098/2000 e da Lei
10.172/2001, devem assegurar a acessibilidade aos alunos que apresentem
necessidades
educacionais
especiais,
mediante
a
eliminação
de
barreiras
arquitetônicas urbanísticas, na edificação – incluindo instalações, equipamentos e
mobiliário – e nos transportes escolares, bem como de barreiras nas comunicações,
provendo as escolas dos recursos humanos e materiais necessários.
§ 1o Para atender aos padrões mínimos estabelecidos com respeito à
acessibilidade, deve ser realizada a adaptação das escolas existentes e condicionada a
autorização de construção e funcionamento de novas escolas ao preenchimento dos
requisitos de infra-estrutura definidos.
§ 2o Deve ser assegurada, no processo educativo de alunos que apresentam
dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais educandos, a
40
acessibilidade aos conteúdos curriculares, mediante a utilização de linguagens e
códigos aplicáveis, como o sistema Braille e a língua de sinais, sem prejuízo do
aprendizado da língua portuguesa, facultando-lhes e às suas famílias a opção pela
abordagem
pedagógica
que
julgarem
adequada,
ouvidos
os
profissionais
especializados em cada caso.
Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de
saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos
impossibilitados de freqüentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique
internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em
domicílio.
§ 1o As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar
continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de
alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e
reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças,
jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu
posterior acesso à escola regular.
§ 2o Nos casos de que trata este Artigo, a certificação de freqüência deve ser
realizada com base no relatório elaborado pelo professor especializado que atende o
aluno.
Art. 14. Os sistemas públicos de ensino serão responsáveis pela identificação,
análise, avaliação da qualidade e da idoneidade, bem como pelo credenciamento de
escolas ou serviços, públicos ou privados, com os quais estabelecerão convênios ou
parcerias para garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de seus
alunos, observados os princípios da educação inclusiva.
Art. 15. A organização e a operacionalização dos currículos escolares são de
competência e responsabilidade dos estabelecimentos de ensino, devendo constar de
seus projetos pedagógicos as disposições necessárias para o atendimento às
necessidades educacionais especiais de alunos, respeitadas, além das diretrizes
curriculares nacionais de todas as etapas e modalidades da Educação Básica, as
normas dos respectivos sistemas de ensino.
41
Art. 16. É facultado às instituições de ensino, esgotadas as possibilidades
pontuadas nos Artigos 24 e 26 da LDBEN, viabilizar ao aluno com grave deficiência
mental ou múltipla, que não apresentar resultados de escolarização previstos no Inciso
I do Artigo 32 da mesma Lei, terminalidade específica do ensino fundamental, por meio
da certificação de conclusão de escolaridade, com histórico escolar que apresente, de
forma descritiva, as competências desenvolvidas pelo educando, bem como o
encaminhamento devido para a educação de jovens e adultos e para a educação
profissional.
Art. 17. Em consonância com os princípios da educação inclusiva, as escolas
das redes regulares de educação profissional, públicas e privadas, devem atender
alunos que apresentem necessidades educacionais especiais, mediante a promoção
das condições de acessibilidade, a capacitação de recursos humanos, a flexibilização e
adaptação do currículo e o encaminhamento para o trabalho, contando, para tal, com a
colaboração do setor responsável pela educação especial do respectivo sistema de
ensino.
§ 1o As escolas de educação profissional podem realizar parcerias com escolas
especiais, públicas ou privadas, tanto para construir competências necessárias à
inclusão de alunos em seus cursos quanto para prestar assistência técnica e convalidar
cursos profissionalizantes realizados por essas escolas especiais.
§ 2o As escolas das redes de educação profissional podem avaliar e certificar
competências laborais de pessoas com necessidades especiais não matriculadas em
seus cursos, encaminhando-as, a partir desses procedimentos, para o mundo do
trabalho.
Art. 18. Cabe aos sistemas de ensino estabelecer normas para o funcionamento
de suas escolas, a fim de que essas tenham as suficientes condições para elaborar seu
projeto pedagógico e possam contar com professores capacitados e especializados,
conforme previsto no Artigo 59 da LDBEN e com base nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal, e nas Diretrizes
42
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível
superior, curso de licenciatura de graduação plena.
§ 1º São considerados professores capacitados para atuar em classes comuns
com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais aqueles que
comprovem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos
conteúdos sobre educação especial adequados ao desenvolvimento de competências
e valores para:
I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a
educação inclusiva;
II - flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo
adequado às necessidades especiais de aprendizagem;
III - avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento
de necessidades educacionais especiais;
IV - atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação
especial.
§ 2º São considerados professores especializados em educação especial
aqueles
que
desenvolveram
competências
para
identificar
as
necessidades
educacionais especiais para definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de
estratégias
de
flexibilização,
adaptação
curricular,
procedimentos
didáticos
pedagógicos e práticas alternativas, adequados ao atendimentos das mesmas, bem
como trabalhar em equipe, assistindo o professor de classe comum nas práticas que
são necessárias para promover a inclusão dos alunos com necessidades educacionais
especiais.
§ 3º Os professores especializados em educação especial deverão comprovar:
I - formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de
suas áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para
educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental;
43
II - complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da
educação especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para
atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio;
§ 4º Aos professores que já estão exercendo o magistério devem ser oferecidas
oportunidades de formação continuada, inclusive em nível de especialização, pelas
instâncias educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 19. As diretrizes curriculares nacionais de todas as etapas e modalidades da
Educação Básica estendem-se para a educação especial, assim como estas Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial estendem-se para todas as etapas e modalidades
da Educação Básica.
Art. 20. No processo de implantação destas Diretrizes pelos sistemas de ensino,
caberá às instâncias educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, em regime de colaboração, o estabelecimento de referenciais, normas
complementares e políticas educacionais.
Art. 21. A implementação das presentes Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica será obrigatória a partir de 2002, sendo facultativa no
período de transição compreendido entre a publicação desta Resolução e o dia 31 de
dezembro de 2001.
Art. 22. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação e revoga as
disposições em contrário.
FRANCISCO APARECIDO CORDÃO
Presidente da Câmara de Educação Básica
44
BRASIL. Decreto Federal. n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no
10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras,
e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
LEI N.º 10.436 de 24 de abril de 2002
Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua
Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma
de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora,
com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de
idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas
concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e
difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e
de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.
Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos
de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos
portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.
Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais,
municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de
Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e
superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.
45
Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a
modalidade escrita da língua portuguesa.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 24 de abril de 2002; 181º da Independência e 114º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Paulo Renato Souza
46
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
MEC/SEESP
Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº
555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de
2007.
I – APRESENTAÇÃO
O movimento mundial pela inclusão é uma ação política, cultural, social e
pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos,
aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva
constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos,
que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em
relação à idéia de eqüidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da
produção da exclusão dentro e fora da escola.
Ao reconhecer que as dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino
evidenciam a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas
para superá-las, a educação inclusiva assume espaço central no debate acerca da
sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão. A
partir dos referenciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a
organização de escolas e classes especiais passa a ser repensada, implicando uma
mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos tenham suas
especificidades atendidas.
Nesta perspectiva, o Ministério da educação /Secretaria de educação Especial
apresenta a Política nacional de educação Especial na Perspectiva da educação
inclusiva, que acompanha os avanços do conhecimento e das lutas sociais, visando
constituir políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os
alunos.
47
II - MARCOS HISTÓRICOS E NORMATIVOS
A escola historicamente se caracterizou pela visão da educação que delimita a
escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas
políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A partir do processo de
democratização da educação se evidencia o paradoxo inclusão/exclusão, quando os
sistemas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluindo indivíduos e
grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola. Assim, sob
formas distintas, a exclusão tem apresentado características comuns nos processos de
segregação e integração que pressupõem a seleção, naturalizando o fracasso escolar.
A partir da visão dos direitos humanos e do conceito de cidadania fundamentado
no reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos, decorre uma
identificação dos mecanismos e processos de hierarquização que operam na regulação
e produção das desigualdades. Essa problematização explicita os processos
normativos de distinção dos alunos em razão de características intelectuais, físicas,
culturais, sociais e lingüísticas, entre outras, estruturantes do modelo tradicional de
educação escolar.
A educação especial se organizou tradicionalmente como atendimento
educacional especializado substitutivo ao ensino comum, evidenciando diferentes
compreensões, terminologias e modalidades que levaram a criação de instituições
especializadas,
escolas
especiais
e
classes
especiais.
Essa
organização,
fundamentada no conceito de normalidade/anormalidade, determina formas de
atendimento clínico terapêuticos fortemente ancorados nos testes psicométricos que
definem, por meio de diagnósticos, as práticas escolares para os alunos com
deficiência.
No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência teve início na época do
Império com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em
1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos, em
1857, atual Instituto nacional da educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de
48
Janeiro. No início do século XX é fundado o Instituto Pestalozzi - 1926, instituição
especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954 é fundada
a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE e; em 1945, é
criado
o
primeiro
atendimento
educacional
especializado
às
pessoas
com
superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff.
Em 1961, o atendimento educacional às pessoas com deficiência passa ser
fundamentado pelas disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei
nº.
4.024/61,
que
aponta
o
direito
dos
“excepcionais”
à
educação,
preferencialmente dentro do sistema geral de ensino.
A Lei nº. 5.692/71, que altera a LDBEN de 1961, ao definir ‘tratamento especial’
para os alunos com “deficiências físicas, mentais, os que se encontrem em atraso
considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados”, não promove a
organização de um sistema de ensino capaz de atender as necessidades educacionais
especiais e acaba reforçando o encaminhamento dos alunos para as classes e escolas
especiais.
Em 1973, é criado no MEC, o Centro Nacional de Educação Especial –
CENESP, responsável pela gerência da educação especial no Brasil, que, sob a égide
integracionista, impulsionou ações educacionais voltadas às pessoas com deficiência e
às pessoas com superdotação; ainda configuradas por campanhas assistenciais e
ações isoladas do Estado.
Nesse período, não se efetiva uma política pública de acesso universal à
educação, permanecendo a concepção de ‘políticas especiais’ para tratar da temática
da educação de alunos com deficiência e, no que se refere aos alunos com
superdotação, apesar do acesso ao ensino regular, não é organizado um atendimento
especializado que considere as singularidades de aprendizagem desses alunos.
A Constituição Federal de 1988 traz como um dos seus objetivos fundamentais,
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º inciso IV). Define, no artigo 205, a
49
educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o
exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. No seu artigo 206, inciso I,
estabelece a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” , como um
dos princípios para o ensino e, garante, como dever do Estado, a oferta do atendimento
educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208).
O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.069/90, artigo 55, reforça os
dispositivos legais supracitados, ao determinar que "os pais ou responsáveis têm a
obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. Também,
nessa década, documentos como a Declaração Mundial de Educação para Todos
(1990) e a Declaração de Salamanca (1994), passam a influenciar a formulação das
políticas públicas da educação inclusiva.
Em 1994, é publicada a Política Nacional de educação Especial, orientando o
processo de ‘integração instrucional’ que condiciona o acesso às classes comuns do
ensino regular àqueles que "(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as
atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos
ditos normais”. (p.19). Ao reafirmar os pressupostos construídos a partir de padrões
homogêneos de participação e aprendizagem, a Política não provoca uma
reformulação das práticas educacionais de maneira que sejam valorizados os
diferentes
potenciais
de
aprendizagem
no
ensino
comum,
mantendo
a
responsabilidade da educação desses alunos exclusivamente no âmbito da educação
especial.
A atual Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional - Lei nº 9.394/96, no
artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos currículo,
métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades;
assegura a terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível exigido para a
conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências e; a aceleração de
estudos aos superdotados para conclusão do programa escolar. Também define,
dentre as normas para a organização da educação básica, a “possibilidade de avanço
nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado” (art. 24, inciso V) e “[...]
50
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado,
seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames” (art. 37).
Em 1999, o Decreto nº 3.298 que regulamenta a Lei nº 7.853/89, ao dispor sobre
a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, define a
educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades
de ensino, enfatizando a atuação complementar da educação especial ao ensino
regular.
Acompanhando o processo de mudanças, as Diretrizes Nacionais para a
educação Especial na educação Básica, Resolução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 2º,
determinam que:
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas
organizar-se
para
o
atendimento
aos
educandos
com
necessidades
educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma
educação de qualidade para todos. (MEC/SEESP, 2001).
As Diretrizes ampliam o caráter da educação especial para realizar o
atendimento educacional especializado complementar ou suplementar a escolarização,
porém, ao admitir a possibilidade de substituir o ensino regular, não potencializa a
adoção de uma política de educação inclusiva na rede pública de ensino prevista no
seu artigo 2º.
O Plano Nacional de educação - PNE, Lei nº 10.172/2001, destaca que “o
grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de uma
escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana”. Ao estabelecer
objetivos e metas para que os sistemas de ensino favoreçam o atendimento às
necessidades educacionais especiais dos alunos, aponta um déficit referente à oferta
de matrículas para alunos com deficiência nas classes comuns do ensino regular, à
formação docente, à acessibilidade física e ao atendimento educacional especializado.
A Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº
3.956/2001, afirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e
51
liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo como discriminação com
base na deficiência, toda diferenciação ou exclusão que possa impedir ou anular o
exercício dos direitos humanos e de suas liberdades fundamentais. Esse Decreto tem
importante repercussão na educação, exigindo uma reinterpretação da educação
especial, compreendida no contexto da diferenciação adotada para promover a
eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização.
Na perspectiva da educação inclusiva, a Resolução CNE/CP nº1/2002, que
estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, define que as instituições de ensino superior devem prever em sua
organização curricular formação docente voltada para a atenção à diversidade e que
contemple conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades
educacionais especiais.
A Lei nº 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de
comunicação
e
expressão,
determinando
que
sejam
garantidas
formas
institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão da disciplina de
Libras como parte integrante do currículo nos cursos de formação de professores e de
fonoaudiologia.
A Portaria nº 2.678/02 aprova diretriz e normas para o uso, o ensino, a produção
e a difusão do Sistema Braille em todas as modalidades de ensino, compreendendo o
projeto da Grafia Braile para a Língua Portuguesa e a recomendação para o seu uso
em todo o território nacional.
Em 2003, o Ministério da Educação cria o Programa Educação inclusiva: direito
à diversidade, visando transformar os sistemas de ensino em sistemas educacionais
inclusivos, que promove um amplo processo de formação de gestores e educadores
nos municípios brasileiros para a garantia do direito de acesso de todos à
escolarização, a organização do atendimento educacional especializado e a promoção
da acessibilidade.
52
Em 2004, o Ministério Público Federal divulga o documento O Acesso de Alunos
com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, com o objetivo de
disseminar os conceitos e diretrizes mundiais para a inclusão, reafirmando o direito e
os benefícios da escolarização de alunos com e sem deficiência nas turmas comuns do
ensino regular.
Impulsionando a inclusão educacional e social, o Decreto nº 5.296/04
regulamentou as leis nº 10.048/00 e nº 10.098/00, estabelecendo normas e critérios
para a promoção da acessibilidade às pessoas com deficiência ou com mobilidade
reduzida. Nesse contexto, o Programa Brasil Acessível é implementado com o objetivo
de promover e apoiar o desenvolvimento de ações que garantam a acessibilidade.
O Decreto nº 5.626/05, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002, visando a
inclusão dos alunos surdos, dispõe sobre a inclusão da Libras como disciplina
curricular, a formação e a certificação de professor, instrutor e tradutor/intérprete de
Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos e a
organização da educação bilíngüe no ensino regular.
Em 2005, com a implantação dos Núcleos de Atividade das Altas
Habilidades/Superdotação – NAAH/S em todos os estados e no Distrito Federal, são
formados centros de referência para o atendimento educacional especializado aos
alunos com altas habilidades/superdotação, a orientação às famílias e a formação
continuada aos professores.
Nacionalmente, são disseminados referenciais e
orientações para organização da política de educação inclusiva nesta área, de forma a
garantir esse atendimento aos alunos da rede pública de ensino.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela
ONU em 2006, da qual o Brasil é signatário, estabelece que os Estados Parte devem
assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em
ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com a
meta de inclusão plena, adotando medidas para garantir que:
53
a. As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral
sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam
excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação de
deficiência;
b. As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo,
de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na
comunidade em que vivem (Art.24).
Em 2006, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, o Ministério da
Educação, o Ministério da Justiça e a UNESCO lançam o Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos que objetiva, dentre as suas ações, fomentar, no currículo da
educação básica, as temáticas relativas às pessoas com deficiência e desenvolver
ações afirmativas que possibilitem inclusão, acesso e permanência na educação
superior.
Em 2007, no contexto com o Plano de Aceleração do Crescimento - PAC, é
lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, reafirmado pela Agenda
Social de Inclusão das Pessoas com Deficiência, tendo como eixos a acessibilidade
arquitetônica dos prédios escolares, a implantação de salas de recursos e a formação
docente para o atendimento educacional especializado.
No documento Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e
programas, publicado pelo Ministério da Educação, é reafirmada a visão sistêmica da
educação que busca superar a oposição entre educação regular e educação especial.
Contrariando a concepção sistêmica da transversalidade da educação especial
nos diferentes níveis, etapas e modalidades de ensino, a educação não se
estruturou na perspectiva da inclusão e do atendimento às necessidades
educacionais especiais, limitando, o cumprimento do princípio constitucional que
prevê a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a
continuidade nos níveis mais elevados de ensino (2007, p. 09).
54
O Decreto nº 6.094/2007 estabelece dentre as diretrizes do Compromisso Todos
pela Educação, a garantia do acesso e permanência no ensino regular e o atendimento
às necessidades educacionais especiais dos alunos, fortalecendo a inclusão
educacional nas escolas públicas.
III - DIAGNÓSTICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
O Censo Escolar/MEC/INEP, realizado anualmente em todas as escolas de
educação básica, acompanha, na educação especial, indicadores de acesso à
educação básica, matrícula na rede pública, inclusão nas classes comuns, oferta do
atendimento educacional especializado, acessibilidade nos prédios escolares e o
número de municípios e de escolas com matrícula de alunos com necessidades
educacionais especiais.
A partir de 2004, com a atualização dos conceitos e terminologias, são
efetivadas mudanças no Censo Escolar, que passa a coletar dados sobre a série ou
ciclo escolar dos alunos atendidos pela educação especial, possibilitando, a partir
destas informações que registram a progressão escolar, criar novos indicadores acerca
da qualidade da educação.
Os dados do Censo Escolar/2006, na educação especial, registram a evolução
de 337.326 matrículas em 1998 para 700.624 em 2006, expressando um crescimento
de 107%. No que se refere à inclusão em classes comuns do ensino regular, o
crescimento é de 640%, passando de 43.923 alunos incluídos em 1998, para 325.316
alunos incluídos em 2006, conforme demonstra o gráfico a seguir:
55
Quanto à distribuição das matrículas nas esferas pública e privada, em 1998,
registra-se 157.962 (46,8%) alunos com necessidades educacionais especiais nas
escolas privadas, principalmente em instituições especializadas filantrópicas. Com o
desenvolvimento de políticas de educação inclusiva, evidencia-se um crescimento de
146% das matrículas nas escolas públicas, que passaram de 179.364 (53,2%) em
1998, para 441.155 (63%) em 2006, conforme demonstra o gráfico a seguir:
56
Com relação à distribuição das matrículas por etapa e nível de ensino, em 2006:
112.988 (16%) são na educação infantil, 466.155 (66,5%) no ensino fundamental,
14.150 (2%) no ensino médio, 58.420 (8,3%) na educação de jovens e adultos, 46.949
(6,7%) na educação profissional (básico) e 1.962 (0,28%) na educação profissional
(técnico).
No
âmbito
da
educação
infantil,
as
matrículas
concentram-se
nas
escolas/classes especiais que registram 89.083 alunos, enquanto apenas 24.005 estão
matriculados em turmas comuns, contrariando os estudos nesta área que afirmam os
benefícios da convivência e aprendizagem entre crianças com e sem deficiência desde
os primeiros anos de vida para o seu desenvolvimento.
O Censo das matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais na
educação superior registra que, entre 2003 e 2005, o número de alunos passou de
5.078 para 11.999 alunos. Este indicador, apesar do crescimento de 136% das
matrículas, reflete a exclusão educacional e social, principalmente das pessoas com
57
deficiência, salientando a necessidade de promover a inclusão e o fortalecimento das
políticas de acessibilidade nas instituições de educação superior.
A evolução das ações da educação especial nos últimos anos se expressa no
crescimento do número de municípios com matrículas, que em 1998 registra 2.738
municípios (49,7%) e, em 2006 alcança 4.953 municípios (89%), um crescimento de
81%. Essa evolução também revela o aumento do número de escolas com matrícula,
que em 1998 registra apenas 6.557 escolas e chega a 54.412 escolas em 2006,
representando um crescimento de 730%. Destas escolas com matrícula em 2006,
2.724 são escolas especiais, 4.325 são escolas comuns com classe especial e 50.259
são escolas comuns com inclusão nas turmas de ensino regular.
O indicador de acessibilidade arquitetônica em prédios escolares, em 1998,
aponta que 14% dos 6.557 estabelecimentos de ensino com matrícula de alunos com
necessidades educacionais especiais possuíam sanitários com acessibilidade. Em
2006, das 54.412 escolas com matrículas de alunos atendidos pela educação especial,
23,3% possuíam sanitários com acessibilidade e 16,3% registraram ter dependências e
vias adequadas (indicador não coletado em 1998).
Em relação à formação dos professores com atuação na educação especial, em
1998, 3,2% possuíam ensino fundamental; 51% possuíam ensino médio e 45,7%
ensino superior. Em 2006, dos 54.625 professores que atuam na educação especial,
0,62% registraram somente ensino fundamental, 24% registraram ensino médio e
75,2% ensino superior. Nesse mesmo ano, 77,8% destes professores, declararam ter
curso específico nessa área de conhecimento.
IV - OBJETIVO DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
tem como objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas
de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e
58
continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de
educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do
atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento
educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão;
participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes,
nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na
implementação das políticas públicas.
V - ALUNOS ATENDIDOS PELA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Por muito tempo perdurou o entendimento de que a educação especial
organizada de forma paralela à educação comum seria mais apropriada para a
aprendizagem dos alunos que apresentavam deficiência, problemas de saúde, ou
qualquer inadequação com relação à estrutura organizada pelos sistemas de ensino.
Essa concepção exerceu impacto duradouro na história da educação especial,
resultando em práticas que enfatizavam os aspectos relacionados à deficiência, em
contraposição à dimensão pedagógica.
O desenvolvimento de estudos no campo da educação e a defesa dos direitos
humanos vêm modificando os conceitos, as legislações e as práticas pedagógicas e de
gestão, promovendo a reestruturação do ensino regular e especial. Em 1994, com a
Declaração de Salamanca se estabelece como princípio que as escolas do ensino
regular devem educar todos os alunos, enfrentando a situação de exclusão escolar das
crianças com deficiência, das que vivem nas ruas ou que trabalham, das superdotadas,
em desvantagem social e das que apresentam diferenças lingüísticas, étnicas ou
culturais.
O conceito de necessidades educacionais especiais, que passa a ser
amplamente disseminado, a partir dessa Declaração, ressalta a interação das
características individuais dos alunos com o ambiente educacional e social, chamando
a atenção do ensino regular para o desafio de atender as diferenças. No entanto,
mesmo com essa perspectiva conceitual transformadora, as políticas educacionais
59
implementadas não alcançaram o objetivo de levar a escola comum a assumir o
desafio de atender as necessidades educacionais de todos os alunos.
Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a constituir a
proposta pedagógica da escola, definindo como seu público-alvo os alunos com
deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a
educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o
atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos.
Consideram-se alunos com deficiência àqueles que têm impedimentos de longo
prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com
diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na
sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que
apresentam
alterações
qualitativas
das
interações
sociais
recíprocas
e
na
comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e
repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do
autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram
potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas:
intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam
elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em
áreas de seu interesse. Dentre os transtornos funcionais específicos estão: dislexia,
disortografia, disgrafia, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre outros.
As definições do público alvo devem ser contextualizadas e não se esgotam na
mera categorização e especificações atribuídas a um quadro de deficiência,
transtornos, distúrbios e aptidões. Considera-se que as pessoas se modificam
continuamente transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige
uma atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, enfatizando a
importância de ambientes heterogêneos que promovam a aprendizagem de todos os
alunos.
60
VI - DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis,
etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza
os serviços e recursos próprios desse atendimento e orienta os alunos e seus
professores quanto a sua utilização nas turmas comuns do ensino regular.
O atendimento educacional especializado identifica, elabora e organiza recursos
pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação
dos alunos, considerando as suas necessidades específicas. As atividades
desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas
realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse
atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à
autonomia e independência na escola e fora dela.
O
atendimento
educacional
especializado
disponibiliza
programas
de
enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de
comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva, dentre outros. Ao
longo de todo processo de escolarização, esse atendimento deve estar articulado com
a proposta pedagógica do ensino comum.
A inclusão escolar tem início na educação infantil, onde se desenvolvem as
bases necessárias para a construção do conhecimento e seu desenvolvimento global.
Nessa etapa, o lúdico, o acesso às formas diferenciadas de comunicação, a riqueza de
estímulos nos aspectos físicos, emocionais, cognitivos, psicomotores e sociais e a
convivência com as diferenças favorecem as relações interpessoais, o respeito e a
valorização da criança. Do nascimento aos três anos, o atendimento educacional
especializado se expressa por meio de serviços de intervenção precoce que objetivam
otimizar o processo de desenvolvimento e aprendizagem em interface com os serviços
de saúde e assistência social.
61
Em todas as etapas e modalidades da educação básica, o atendimento
educacional especializado é organizado para apoiar o desenvolvimento dos alunos,
constituindo oferta obrigatória dos sistemas de ensino e deve ser realizado no turno
inverso ao da classe comum, na própria escola ou centro especializado que realize
esse serviço educacional.
Desse modo, na modalidade de educação de jovens e adultos e educação
profissional, as ações da educação especial possibilitam a ampliação de oportunidades
de escolarização, formação para a inserção no mundo do trabalho e efetiva
participação social. A interface da educação especial na educação indígena, do campo
e quilombola deve assegurar que os recursos, serviços e atendimento educacional
especializado estejam presentes nos projetos pedagógicos construídos com base nas
diferenças socioculturais desses grupos.
Na educação superior, a transversalidade da educação especial se efetiva por
meio de ações que promovam o acesso, a permanência e a participação dos alunos.
Estas ações envolvem o planejamento e a organização de recursos e serviços para a
promoção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas de
informação, nos materiais didáticos e pedagógicos, que devem ser disponibilizados nos
processos seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que envolvem o
ensino, a pesquisa e a extensão.
Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngüe Língua Portuguesa/LIBRAS, desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na
língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade
escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua
Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendimento
educacional especializado é ofertado, tanto na modalidade oral e escrita, quanto na
língua de sinais. Devido à diferença lingüística, na medida do possível, o aluno surdo
deve estar com outros pares surdos em turmas comuns na escola regular.
62
O atendimento educacional especializado é realizado mediante a atuação de
profissionais com conhecimentos específicos no ensino da Língua Brasileira de Sinais,
da Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema Braille,
do soroban, da orientação e mobilidade, das atividades de vida autônoma, da
comunicação alternativa, do desenvolvimento dos processos mentais superiores, dos
programas de enriquecimento curricular, da adequação e produção de materiais
didáticos e pedagógicos, da utilização de recursos ópticos e não ópticos, da tecnologia
assistiva e outros.
Cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a educação especial na perspectiva
da educação inclusiva, disponibilizar as funções de instrutor, tradutor/intérprete de
Libras e guia intérprete, bem como de monitor ou cuidador aos alunos com
necessidade de apoio nas atividades de higiene, alimentação, locomoção, entre outras
que exijam auxílio constante no cotidiano escolar.
Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua
formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e
conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no
atendimento educacional especializado e deve aprofundar o caráter interativo e
interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos,
nos centros de atendimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade
das instituições de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes
domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de educação especial.
Esta formação deve contemplar conhecimentos de gestão de sistema
educacional inclusivo, tendo em vista o desenvolvimento de projetos em parceria com
outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica, os atendimentos de saúde, a
promoção de ações de assistência social, trabalho e justiça.
63
VII - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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4.024, de 20 de dezembro de 1961.
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24 de outubro de 1989.
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Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994.
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº 10.048, de
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64
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Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Secretaria de Educação
Especial - MEC/SEESP, 2001.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei Nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o
Plano Naiconal de Educação e dá outras providências.
BRASIL. Decreto Nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção
Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Pessoas Portadoras de Deficiência. Guatemala: 2001.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei Nº. 10.436, de
24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras
providências.
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subsídios para a gestão dos sistemas educacionais – orientações gerais e marcos
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65
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Educação: razões,
princípios e programas. Brasília: MEC, 2007.
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Orientações Legais para a Inclusão de Surdos no