Entrevista publicada no dia 15 de Dezembro de 2009 Para os pais da criança com o diagnóstico de Perturbação de Oposição e Desafio (POD), como podemos explicar e definir de forma simples esta patologia? Penso que o mais importante quando explicamos o que é a POD é não generalizar esta perturbação para qualquer tipo de comportamento considerado “menos apropriado”. É normal que as crianças se “portem mal” de vez em quando. É normal e faz parte de um desenvolvimento saudável. Contudo, quando existe um padrão de comportamento negativista, desafiante, desobediente e hostil em relação a figuras de autoridade (pais, professores e outros adultos envolvidos na vida da criança), que se repete com frequência, então podemos estar perante a POD. Especialmente, quando os comportamentos desafiantes e opositores começam a afectar a vida familiar e as relações na escola e comunidade. Insere-se no grupo alargado de perturbações do comportamento e pode manifestar-se na infância ou ado- Dra. Diana Ferreira de Sá Licenciada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Mestrado Integrado em Psicologia, área de Avaliação, Aconselhamento e Reabilitação. Bolseira de doutoramento do DFG (German Research Foundation) e do NWO (The Netherlands Organization for Scientific Research) no Grupo de investigação internacional "Psiconeuroendocrinologia do Stress", Departamento de Fisiologia Clínica, Instituto de Psicobiologia, Universidade de Trier. Membro de Society for Psychophysiological Research (SPR) e European Brain and Behaviour Society (EBBS). lescência. Quais as principais manifestações da Perturbação de Oposição e de Desafio? A POD manifesta-se sobre a forma de infracção de regras de menor importância, temperamento difícil e teimosia. Estas crianças tendem a discutir excessivamente com adultos, a não aceitar responsabilidades pelo seu comportamento, a apresentar dificuldades em aceitar regras, a perder facilmente o controlo de situações que não decorrem da forma como elas desejam, a responsabilizar os outros pelos seus erros, e a aborrecer deliberadamente as outras pessoas. Muitas vezes, mostram-se rancorosas e vingativas e recusamse a cumprir pedidos ou regras dos adultos. Contudo, tal como já foi dito, todos estes comportamentos de- Rua Cândido dos Reis, nº 53, 1º Dto. | 3770-209 Oliveira do Bairro | tlf. 234 284 744 | tlm. 910 324 492 | E-mail: [email protected] www.revistaperitia.org Entrevista publicada no dia 15 de Dezembro de 2009 vem ocorrer de forma frequente e disruptiva para que ciais e institucionais (como por exemplo relatórios es- se possa considerar como POD. colares). Como em qualquer perturbação, o importante é com- Pode haver dificuldades, por parte do clínico, em fa- binar uma diversidade de instrumentos de avaliação, zer o diagnóstico de POD? temdo em conta a sua abrangência e limites. O diagnóstico de POD nem sempre é fácil. Os compor- Algumas das escalas mais utilizadas nestas situações tamentos opositores típicos da POD são também com- são o Child Behavior Checklist e o Teacher Report portamentos mais visíveis em certas fases do desen- Form, ambas de Achenbach, juntamente com a escala volvimento da criança. Sendo esta uma perturbação de Conners. As escalas de Conners não são tão abran- da primeira e segunda infância ou adolescência, temos gentes na despistagem da psicopatologia, mas resulta- então que ter um cuidado redobrado para assegurar dos dentro das normas significam, na maioria das ve- que estes comportamentos ocorrem de forma mais zes, que a hipótese de POD ou de PHDA pode ser ex- severa e frequente do que seria esperado nestas faixas cluída. Pelo contrário, resultados fora das normas são etárias. É ainda importante ter em atenção qual o ní- apenas um ponto de partida para um destes diagnósti- vel de disfunção que estes comportamentos provocam cos, ou os dois em comorbilidade. na vida social da criança. Todas as escalas referidas encontram-se aferidas para Outra das dificuldades do diagnóstico reside nas co- a população portuguesa, sendo importante que se em- morbilidades típicas desta perturbação, sobretudo pregue as aferições em vez de simples traduções dos com a Perturbação de Hiperactividade e Défice de instrumentos, respeitando a especificidade da nossa Atenção (PHDA). Sabe-se que é importante um dia- população. gnóstico das comorbilidades, pois estas crianças estão A entrevista de avaliação é igualmente indispensável sujeitas a um maior espectro de problemas de com- para a avaliação psicológica, juntamente com a obser- portamento e prognóstico mais reservado. vação comportamental. Obviamente, no final, tudo se Além disso, o facto de a POD e PHDA terem aspectos resume à sensibilidade do técnico em combinar os di- em comum, faz com que muitas vezes se confundam ferentes instrumentos disponíveis de forma a fazer um os dois diagnósticos. diagnóstico cuidado. Quais os principais instrumentos a que o clínico se Existe alguma(s) causa(s) específica(s) ou factor(es) pode socorrer para efectuar um correcto diagnóstico precipitante(s) para que a criança apresente este dia- desta perturbação? gnóstico? De todos os métodos disponibilizados para avaliação, Na base da etiologia da POD está uma complexidade os mais utilizados são as escalas de comportamento, de factores biopsicosociais, desde um cluster familiar as entrevistas e as observações comportamentais. É de certas perturbações, a determinados estilos paren- igualmente aconselhável o uso de bases de dados so- tais e condições económicas específicas. É comum, nas crianças com POD, encontrar familiares com outras Rua Cândido dos Reis, nº 53, 1º Dto. | 3770-209 Oliveira do Bairro | tlf. 234 284 744 | tlm. 910 324 492 | E-mail: [email protected] www.revistaperitia.org Entrevista publicada no dia 15 de Dezembro de 2009 perturbações de comportamento, sintomas depres- mais severa e frequente comparativamente às crian- sivos e abuso de substâncias. Esta perturbação é so- ças dentro da mesma idade cronológica e mental. bretudo diagnosticada em famílias de classes sócio- Ainda que seja comum encontrar os primeiros sinto- económicas baixas, inseridas em comunidades violen- mas em idade pré-escolar, isto não significa que os tas, com falta de estrutura e supervisão parental, com mesmos não possam só aparecer (ou tornarem-se estilos parentais coercivos ou inconsistentes. O com- mais evidentes) num período mais tardio do desenvol- portamento opositor é também visto como um sinal vimento. especial de reacção a certos estilos parentais, em que as crianças tendem a apresentar um processamento Qual a importância do estudo dos perfis neuropsico- distorcido da informação social (desvalorização de pis- lógicos para a distinção da POD de outras perturba- tas sociais, atribuição errada de intenções, diminuta ções, ou seja, para o diagnóstico diferencial? capacidade para criar soluções, expectativa de recom- O facto de ser possível associar um padrão neuropsi- pensa por respostas agressivas). O temperamento da cológico às crianças com POD permite-nos introduzir criança é também um factor importante, sobretudo na os testes neuropsicológicos como meio de diagnóstico. evolução da perturbação. Num estudo realizado em parceria com a Universidade De uma perspectiva biológica, investigações sugerem de Coimbra e o departamento de Pedopsiquiatria do a existência de alterações no córtex pré-frontal, na ac- Centro Hospitalar de Coimbra, concluímos que as cri- tividade de neurotransmissores dos sistemas seroto- anças com POD apresentam défices neuropsicológicos nérgico, noradrenérgico e dopaminérgico, níveis bai- nas áreas da atenção, linguagem e funções executivas. xos de cortisona e níveis elevados de testosterona. Desta forma, mostramos também que uma bateria Existem também estudos genéticos que apontam para neuropsicológica, neste caso a Bateria de Avaliação a relação entre certos genes e a POD. Contudo, a ne- Neuropsicológica de Coimbra (BANC), permite descri- cessidade de mais estudos é evidente e ainda não exis- minar este grupo clínico. te consenso acerca de causas específicas para esta Da mesma equipa da Universidade de Coimbra exis- perturbação. tem outros estudos com esta bateria e populações com PHDA ou outras perturbações. Em termos de di- Com que idade normalmente se manifestam os pri- agnóstico diferencial, este poderá ser o passo necessá- meiros sintomas? rio para que, em Portugal, passemos a ter um instru- A sintomatologia pode surgir entre os 3 e os 18 anos. mento de avaliação que além de permitir descriminar Contudo, é necessário não perder de vista que os pe- grupos clínicos da chamada “população normal”, per- ríodos pré-escolar e da adolescência são tipicamente mita diferenciar entre diferentes perturbações. caracterizados por comportamentos de oposição tran- Outra das implicações do estudo dos perfis neuropsi- sicionais. Assim, durante estas fases é necessário asse- cológicos é na intervenção, visto que a partir do mo- gurar que estes comportamentos ocorrem de forma mento que sabemos quais são os principais défices destas crianças podemos entender melhor os seus Rua Cândido dos Reis, nº 53, 1º Dto. | 3770-209 Oliveira do Bairro | tlf. 234 284 744 | tlm. 910 324 492 | E-mail: [email protected] www.revistaperitia.org Entrevista publicada no dia 15 de Dezembro de 2009 comportamentos e elaborar planos de intervenção A Terapia Comportamental tem como objectivo ajudar mais adequados. a criança a erradicar uma grande variedade de comportamentos não adaptados, substituindo-os por com- Quais os principais modelos de intervenção utilizados portamentos que permitam atingir e manter objecti- na terapia com estas crianças e qual o prognóstico vos pré-estabelecidos, sendo por isso também utiliza- para a evolução da POD? da na intervenção. De forma geral, a intervenção aplicada a crianças com Recorre-se igualmente à terapia farmacológica, que POD corresponde ao conjunto de intervenções associ- deve ser sempre prescrita e acompanhada por um Pe- adas ao tratamento de outras perturbações de com- dopsiquiatra. Contudo, antes de se passar ao uso da portamento, sendo necessária uma adaptação destas medicação, deve-se apostar na intervenção psicológi- técnicas à especificidade de cada caso. É necessário ca. A utilização isolada da medicação é altamente de- ter em conta não apenas os sintomas característicos saconselhável, pois nem todas as crianças mostram da perturbação mas também as condições da criança, respostas positivas, nem abrange todo o espectro de pais, família e do contexto, para que o tratamento seja sintomatologia. eficaz. A terapia familiar, além da individual e de gru- O prognóstico para a evolução da POD depende sobre- po, são essenciais no tratamento da POD. É igualmen- tudo das comorbilidades existentes e da estrutura fa- te importante considerar eventuais comorbilidades, miliar. O tratamento da POD deve ser, na maior parte sobretudo com a Perturbação de Hiperactividade e dos casos, um compromisso a longo prazo, pois nem Défice de Atenção. sempre é possível verificar resultados imediatos. Esta Usualmente, a técnica mais utilizada é o Treino Paren- perturbação é um factor de risco para patologias mais tal, que deverá ajudar os pais a lidar com os comporta- graves como a Perturbação de Comportamento ou, já mentos da criança de uma forma saudável e pró-soci- em adulto, para a Perturbação de Personalidade Anti- al. Na maior parte dos casos, esta é bastante eficaz e Social. Por este motivo, é muito importante o trata- pode produzir efeitos quase imediatos. mento precoce da POD e o seu acompanhamento por O Treino de Resolução de Problemas é igualmente efi- técnicos especializados. ciente, visto que consiste em ensinar competências de resolução de problemas em situações sociais. Normalmente, as crianças com POD vêem menos soluções alternativas para resolver os seus problemas, focam-se mais em objectivos do que em passos intermédios para os conseguir e têm maior dificuldade em prever as consequências dos seus actos. Assim, este tipo de treino pode providenciar à criança novas competências que a ajudem a gerir as relações sociais. Rua Cândido dos Reis, nº 53, 1º Dto. | 3770-209 Oliveira do Bairro | tlf. 234 284 744 | tlm. 910 324 492 | E-mail: [email protected] www.revistaperitia.org