Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 ENSINO POR PROJETOS: EXPERIÊNCIAS DA ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR JOSÉ LUIZ DE MESQUITA, LAVRAS – MG Maria Aparecida de Sales (Escola Municipal Professor José Luiz de Mesquita) Alan Sales Barbosa (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG) Rayan Silva de Paula (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG) Aline Martins Moreira (Escola Municipal Professor José Luiz de Mesquita) Resumo: A sociedade contemporânea está se desenvolvendo de forma acelerada e diversificada, exigindo que novas práticas de ensino sejam aplicadas para desenvolver o sujeito-aluno frequentador da escola. O presente trabalho, realizado numa escola pública, relata a aplicação da metodologia de ensino por projetos bem como a importância de se estabelecer parcerias externas à escola (universidades, órgãos públicos, comunidade) para desenvolvimento de projetos diversificados e de qualidade desejável. Além disso, apresentamse resultados e benefícios, oriundos da aplicação dessa metodologia, no âmbito escolar e na sociedade. Palavras-chave: metodologias de ensino, ensino por projetos, relação escola-comunidade. O contexto geral Que o ensino tradicional, baseado exclusivamente em aulas expositivas em que o aluno é apenas um receptáculo passivo de conteúdo, apresenta grande chance de insucesso na aprendizagem da maioria dos estudantes já é amplamente documentado. Além disso, tal metodologia engessada contribui pouco ou nada para a formação humana e social dos discentes, sendo insuficiente para atender às demandas atuais. Com a mudança acelerada da sociedade, a educação sofre como nunca a pressão dessa mudança, profunda e permanente. Assim as instituições de ensino tornam-se lugares de importantes contradições, estando o professor no centro dessas contradições. (VIEIRA, 2009). Contudo, a seleção de metodologias alternativas adequadas aos contextos reais que o professor vivencia e de aplicação viável é sempre um desafio. A concepção que os professores possuem sobre a educação é a base para qualquer tomada de decisões sobre a organização de situações de ensino, de aprendizagem e de produção de conhecimento. A ação pedagógica revela sempre atitudes e intenções da prática educativa que se deseja desenvolver na formação de determinado tipo de homem, em um dado momento histórico (RAYS, 1996). Tornando esse quadro ainda mais desafiador, existe a baixa motivação de muitos professores em criar planejamentos mais audaciosos devido à falta de formação adequada, de tempo (por 5518 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 trabalharem frequentemente em mais de um turno) e de apoio, dos próprios colegas de trabalho, da escola ou de políticas governamentais. Embora não haja consenso quanto à prática, os objetivos de tais currículos para confrontar os diferentes e complexos problemas da sociedade citados por Vieira são bem delineados. Tal delineamento é bem visto no trabalho de Robin Millar, onde apresenta diversos argumentos para justificar a importância do ensino de ciências: o econômico, fazendo uma conexão entre o nível de compreensão de ciências pelo público e o nível de saúde econômica da nação; o da utilidade, sendo a compreensão de ciências e tecnologia útil do ponto de vista prático, especialmente para quem vive numa sociedade científica e tecnologicamente sofisticada; o democrático, segundo o qual para qualquer indivíduo tomar parte de uma discussão, debate ou decisão sobre temas com algum componente científico é necessária uma compreensão de ciências; o social, em relação à importância de manter ligações entre ciências e cultura geral; e, por fim, o cultural, sendo a ciência uma importante aquisição de nossa cultura, de modo a entendê-la e apreciá-la. (MILLAR, 2003). É também nesse sentido que apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) no Brasil, elegendo “o ensino por projetos como uma alternativa para o desenvolvimento de uma nova proposta curricular, na qual são enfatizadas: a interação entre áreas do conhecimento, a contextualização dos conteúdos e a participação ativa dos professores na elaboração do currículo e no desenvolvimento da metodologia de ensino.” (ALMEIDA E RIBEIRO DO AMARAL, 2005). Para o ensino de ciências é estabelecido, dentre outros, “o objetivo de desenvolver competências e habilidades que capacitem os alunos a enfrentar as transformações próprias do seu tempo, apresentando uma postura crítica perante a ciência, a sociedade e suas próprias vidas.” (BRASIL, 2006). A metodologia de ensino por projetos Segundo o próprio Vieira (2009), “especialmente a partir dos anos noventa, a pesquisa no campo educacional passou a destacar essa nova forma de organização do trabalho pedagógico da educação escolar, denominada de projetos, que são atividades criadas e planejadas com uma finalidade bem determinada e que têm sempre uma duração temporal definida, ou seja, uma vez atingidos os objetivos, o projeto finaliza e outro inicia”. Contudo, tal perspectiva se iniciou anteriormente na Europa, como remonta amplamente Cacilda Lages de Oliveira em sua dissertação de mestrado (OLIVEIRA, 2006). Com a chegada de tais influências aqui, Alairton Soares (2013) descreve: “No Brasil, nos anos sessenta, Paulo Freire é destaque na educação brasileira com a introdução de problemas 5519 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 políticos e socioculturais no processo escolar, através da educação libertadora e os chamados temas geradores.”. Jurjo Santomé e Fernando Hernandez, a partir da década de 1990 (Espanha), propõem o currículo integrado e os projetos de trabalho, que vão influenciar propostas pedagógicas e documentos oficiais brasileiros. Além disso, “de acordo com Hernandez e Montserrat (1998), a organização de projetos de trabalho toma por base uma concepção de globalização, entendida como um processo mais interno do que externo, na qual as necessidades e problemas que surgem no processo de aprendizagem determinam as relações entre conteúdos e áreas de conhecimento. Os projetos de trabalho envolvem estratégias de organização da informação e dos conhecimentos escolares partindo de uma abordagem disciplinar, mas tomando como foco alguns temas vislumbrados sob múltiplos ângulos e métodos, sugerindo uma interação entre disciplinas. Segundo Delizoicov et al. (2002), os projetos de trabalho fundamentam-se nos seguintes princípios: aprendizagem significativa, com base no que os alunos já sabem; articulação com uma atitude favorável para o conhecimento; previsão de uma estrutura lógica e sequencial dos conteúdos, na ordem que facilite sua aprendizagem; sentido de funcionalidade do que aprender; memorização compreensiva das informações; avaliação do processo durante toda a aprendizagem.” (ALMEIDA E RIBEIRO DO AMARAL, 2005). Portanto, “a Pedagogia de Projetos visa à ressignificação do espaço escolar, transformando-o num espaço vivo de interações, aberto ao real e às suas múltiplas dimensões. O trabalho com projetos inaugura nova perspectiva para compreendermos o processo de ensino-aprendizagem. Aprender deixa de ser um simples ato de memorização e ensinar não significa mais repassar conteúdos definidos ou prontos. Todo conhecimento passa a ser construído em estreita relação com o contexto em que é utilizado, sendo, por isso mesmo, impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais presentes nesse processo. A formação dos alunos não pode ser pensada apenas como uma atividade intelectual. Torna-se um processo global e complexo, no qual conhecer e intervir no mundo real não estão dissociados. O processo de aprendizagem ocorre através da participação, da vivência, da tomada de atitudes, escolhendo-se procedimentos para atingir determinados fins. Ensina-se não somente pelas respostas dadas, mas principalmente pelas experiências proporcionadas, pelos problemas criados, pela ação desencadeada.” (SOARES, 2013). Sob essa perspectiva, propõe-se “a adoção de uma metodologia para projetos de trabalho, que esteja em consonância com as concepções sobre desenvolvimento de projetos em geral, de modo que os alunos, ao desenvolverem seus projetos de trabalho, estejam desenvolvendo, ao mesmo tempo, conhecimentos e habilidades que são comuns às atividades 5520 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 de desenvolvimento de projetos e de pesquisas, em geral. De modo análogo, o mesmo pode ocorrer com os professores no desenvolvimento de seus projetos de ensino.” (OLIVEIRA, 2006). E esta foi exatamente a realidade observada no estudo em questão. O caso de estudo O presente estudo surgiu do acompanhamento à Escola Municipal Professor José Luiz de Mesquita, situada no bairro Cidade Nova, em Lavras – MG, escola que atende alunos de vários conjuntos habitacionais da periferia da cidade. Na maioria dos conjuntos, as casas são provenientes de programas populares do governo e muitas já sofreram melhorias feitas pelos moradores, além de usufruírem de água encanada, pavimentação asfáltica e iluminação, mas ainda há residências em situações bem precárias. O corpo discente da escola não difere muito de outras escolas públicas de periferia no país: é composto, em sua maioria, por filhos de pais e mães empregados nas indústrias, comércio e emprego doméstico e, frequentemente, oriundos de lares desfeitos, sendo muitos cuidados por avós ou outros parentes. A desestrutura familiar provocada por variados fatores de risco social, como a baixa renda ou desemprego, o alcoolismo e o uso de drogas ilícitas afeta muitos dos alunos. Nesse contexto, estudar para uns é, a princípio, a única forma de escapar desse ambiente familiar e, para outros, apenas uma atividade de rotina, desvinculada das finalidades reais de uma escola, que levam a tarefa diária de lhes oferecer as melhores condições possíveis de educação e inserção no ambiente social. Diante disso, destaca-se a necessidade da escola em focar na atuação social para atender à forte demanda da comunidade, o que acaba por delinear seu papel, evidenciado na missão proposta pela escola: “Promover o sucesso escolar baseado na equidade de tratamento e de oportunidades a todos os alunos, visando ao desenvolvimento da cidadania através de uma prática educacional voltada para compreensão da realidade social, dos direitos e das responsabilidades em relação à vida pessoal e coletiva, fundamentadas na gestão colegiada, participativa e democrática que envolve toda a comunidade escolar, visando a uma educação de qualidade”. Assim, em busca de atender às necessidades emergentes, a escola passou a formar parcerias com outras entidades, buscando propor atividades extra turno para seus alunos, com o objetivo de afastá-los da ociosidade e dos riscos sociais abundantemente encontrados. A partir dessas parcerias, foram criados e aplicados diferentes projetos, que se mostraram, de muitos modos, eficazes na educação dos alunos e transformadores da realidade da escola e da comunidade. Portanto, devido a seu contexto peculiar frente a uma dura realidade social e ao 5521 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 mesmo tempo de palco de iniciativas educacionais bem-sucedidas, a escola revelou-se bom objeto de estudo, evidenciando a validade do desenvolvimento de projetos como metodologia de ensino e plano gerencial, bem como os fatores subjacentes ao sucesso alcançado. O estudo do caso - As parcerias e projetos Muitas atividades surgidas de boas parcerias passaram a ser oferecidas na escola, como aulas de capoeira, dança e artesanato, ministradas por voluntários. Além disso, uma grande parceria com a Universidade Federal de Lavras (UFLA) levou à criação de projetos de extensão de atletismo e robótica, que trouxeram grandes benefícios a toda a escola, tanto financeiros/estruturais quanto motivacionais. Merece destaque o projeto de robótica, que começou recrutando alunos de bom desempenho do 6º ao 9º ano, apenas com um caráter formativo. A ideia original do projeto surgiu da proposta do professor Ricardo Rodrigues Magalhães, do Departamento de Engenharia da UFLA, o qual já possuía experiência com a aplicação de metodologias teóricopráticas em escolas particulares e sabia do potencial de se trabalhar temas inovadores como a robótica com alunos de ensino básico. Porém, com forte apoio dado pela escola e grande interesse e dedicação dos alunos envolvidos, o projeto foi expandido e, devido ao ótimo desempenho do grupo, foi possível a criação de equipes que participaram de competições de robótica, adicionando novos objetivos ao projeto original. A partir disso, muitas outras transformações positivas foram alcançadas, como discutiremos a seguir. Ainda em função da parceria com a universidade, alguns alunos, professores, gestores da escola e um membro da comunidade tiveram a oportunidade de participar de um curso de sustentabilidade oferecido pela universidade. Como resultado, foram criadas hortas na escola e ministradas oficinas para confecção de tapetes a partir de retalhos e para produção de sabão a partir do reaproveitamento de óleo de cozinha, o que, além dos benefícios ecológicos, ajudou a suprir as necessidades de consumo da escola, tornou-a mais alegre e envolveu amplamente a comunidade, que passou a acompanhar as novidades do Projeto Nossa Escola Sustentável pelo blog da escola (BLOGUE DA EM PROFESSOR JOSÉ LUIZ DE MESQUITA, 2013). Somado ao esporte e ao lazer, a íntima relação entre a escola e órgãos que prestam serviços de saúde, como atendimento médico, odontológico, especial, psicológico e de assistência social, permitiu uma melhora geral na qualidade de vida dos alunos e de seus 5522 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 familiares. Além disso, a grande colaboração com o Conselho Tutelar e com a Polícia Militar que, inclusive, desenvolve um projeto contra o uso de drogas (Proerd), minimiza as situações de risco encontradas. Outra grande parceria foi feita com a comunidade. A partir de tais vivências, foi despertada uma nova consciência e as famílias se tornaram mais envolvidas, vendo maiores perspectivas para o futuro de seus filhos e investindo mais ativamente nisso, inclusive participando efetivamente na tomada de decisões que afetam o ambiente escolar. Ademais, projetos multidisciplinares de leitura estão em andamento, alguns deles com propostas transdisciplinares e uma nova parceria com a UFLA almeja a implantar um projeto de literatura, introduzindo os alunos a diferentes vertentes culturais literárias. - Benefícios aos alunos Muitos dos benefícios começam diluídos em um âmbito tão pessoal/familiar que, inicialmente, não podem ser mensurados, na escola, senão pela maior tranquilidade e pelos sorrisos dos alunos. Contudo, rapidamente isso se reflete em compromisso com os estudos e envolvimento com a escola, resultando em mais aprendizado do que se poderia esperar e melhores notas, além de ser positivamente contagiante, recrutando mais daqueles ao redor, seja dentro ou fora da escola. Assim, os alunos são beneficiados enquanto sujeitos, em sua saúde de modo geral, seja esta física, psicológica, intelectual ou social. É fato que os benefícios não atingem a todos os alunos de modo igual e no mesmo ritmo, até mesmo por individualidades de cada um, inclusive em contextos além do ambiente escolar. Contudo, seja comendo hortaliças frescas, cultivadas e colhidas na escola, seja podendo utilizar a quadra da escola em períodos extraclasse e usufruir do núcleo de atletismo lá instalado, ou ainda participando de comemorações, festas típicas, eventos culturais, oficinas, campanhas e mobilizações na escola, onde os familiares são sempre bem-vindos, os alunos sentem melhoras progressivas em sua qualidade de vida. Além de aprendizado, boa alimentação e lazer, em casos específicos, os alunos têm podido receber suporte especializado de psicólogos ou pedagogos para necessidades especiais, ou ainda intervenções de órgãos de assistência social, Conselho Tutelar e Polícia Militar, em um trabalho conjunto e orientado por informações oriundas da atenção aos alunos por parte da escola, removendo-os de situações de risco em seu contexto familiar ou comunitário. Dessa forma, não são raros os casos de alunos que puderam voltar a se concentrar na escola com a minimização de problemas pessoais que os afligiam. 5523 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Com relação ao projeto de robótica, que mais se desenvolveu até então e muitos benefícios notáveis trouxe, os alunos obtiveram desempenhos muito satisfatórios com o primeiro e o segundo lugares na etapa regional da Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR) em 2012, realizada em São João Del Rey - MG com a participação de outras 11 equipes. Assim, a primeira equipe se classificou para a etapa nacional, que seria realizada em Fortaleza - CE, ainda em outubro daquele ano, como foi inclusive noticiado (G1, 2013). Diante de tal êxito, a Secretaria de Educação de Lavras se propôs a pagar a viagem para os alunos, mas, devido a muitas outras dificuldades, só de última hora os alunos souberam que teriam condições de viajar e, assim, competir. Como resultado, a equipe “Os Mesquitas” terminou a etapa nacional da competição em 14º lugar e a experiência foi de muitos modos enriquecedora para os alunos. Além de terem oportunidades inéditas de viajarem e conhecerem novos locais e culturas, os alunos aprenderam a valorizar o conhecimento e a escola, bem como a gostar de aprender, segundo relatos dos próprios alunos. Adicionalmente, aprenderam a lidar bem com o clima de competição e a solucionar problemas inesperados, já que, durante uma apresentação, seu robô apresentou problemas técnicos que os alunos souberam resolver, evitando que perdessem mais pontos na avaliação da comissão julgadora. Já em 2013, outras mudanças foram feitas na proposta original. Alunos com dificuldade de aprendizado, especialmente em disciplinas de exatas, e em situação de risco social foram também convidados a participar do projeto, ampliando os benefícios a diferentes grupos discentes. Duas alunas que se enquadravam nesse novo perfil acabaram desistindo, mas outros permaneceram, apresentando grande melhora de rendimento escolar, de modo que tal critério foi também mantido. Assim, alunos da escola obtiveram o terceiro lugar na etapa regional da OBR realizada em Uberlândia – MG (OBR, 2013), incluindo mais duas medalhas, na categoria Inovação, devido ao uso de recursos diferenciados dos demais robôs, e na categoria Elegância, pela própria beleza do protótipo. Embora tal colocação não tenha sido suficiente para a classificação para a etapa nacional na modalidade principal em que participavam, surgiu a ideia de participarem de outras modalidades. Desse modo, inscreveram-se na Mostra Nacional de Robótica (MNR), onde apresentaram pôsteres dos trabalhos realizados no congresso que acontece junto à OBR, em Fortaleza. Participaram, ainda, da Competição Brasileira de Robótica (CBR), onde os robôs competiram na modalidade dança, para inscrição na qual foi redigido um artigo de apresentação da proposta (SALES et al., 2013, não publicado). Para essa modalidade, os 5524 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 alunos se dividiram em duas equipes e se apresentaram dançando coreografadamente junto ao robô ao som de paródias que criaram. Uma das equipes classificou-se em quarto lugar, tornando-se a escola pública melhor colocada do país (PREFEITURA MUNICIPAL DE LAVRAS, 2013). Com a preocupação de levar o conhecimento e o incentivo aos demais alunos, as equipes puderam realizar suas apresentações feitas nas competições também na escola, em diferentes turnos. Assim, foi dada a oportunidade a todos, inclusive pais e outros membros da comunidade, de verem de perto e ineditamente a qualidade do trabalho ali surgido, que conquistara tantos louros à escola, à comunidade e ao município. Com tudo isso, a escola vem experimentando mudanças positivas crescentes, de modo que o interesse dos demais alunos em participar dos projetos, especialmente o de robótica, vem lhes despertando o desejo de obter melhor desempenho escolar e a consciência da importância da escola em suas vidas. Claramente, observa-se o que, até então, nem se cogitava, o sonho de muitos deles em ingressar na universidade, caminho que, sabem, só será possível com mais dedicação e responsabilidade. - Benefícios aos professores e demais funcionários Mais que a motivação dos alunos que, por si só, já favorece o aprendizado, os professores, incluindo alguns professores que antes não gostavam de trabalhar na escola, pelo fato de estar localizada em lugar distante do centro da cidade e “ser de periferia”, hoje sentem orgulho e “vestem a camisa”, além de também se sentirem motivados a inovar suas práticas em sala de aula. Desse modo, interagem mais e são mais criativos, alcançando outro patamar em sua profissão, além de se sentirem realizados profissionalmente. Algo semelhante acontece com outros funcionários, que sentem mais prazer em trabalhar na escola e, assim, contagiam a todos com seu carisma e dedicação ao trabalho. Por isso, apesar dos desafios diários, o clima de trabalho na escola tende a ser bem alegre. - Benefícios à escola Também junto à comunidade, a escola passou a ter mais credibilidade. Todos participam mais frequente e ativamente de eventos, reuniões e projetos desenvolvidos no ambiente escolar e, com o acompanhamento e interesse geral, a qualidade do ensino também está melhorando, o que é visto também nos índices de avaliação do governo. Com tais resultados qualitativos e também quantitativos, a escola atraiu novas parcerias e ainda mais crédito com o governo municipal, gerando novos investimentos no 5525 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 local. Além disso, a escola se tornou bem conhecida pelos moradores da cidade em geral, uma vez que foi notícia várias vezes em jornais impressos e televisivos da região, bem como em boletins da prefeitura municipal. Diante de tais resultados, a Secretaria de Educação e a administração municipal decidiram estender o projeto a todas as escolas do município, visto que a Escola Municipal Professor José Luiz de Mesquita se transformou em modelo e orgulho para a cidade. - Benefícios à comunidade A partir do momento em que a comunidade consegue enxergar seu espaço junto ao ambiente escolar, faz com que ela se torne mais participativa e colaborativa com a escola. Contribui de modo a participar do crescimento do aluno, da escola e, talvez, até encontre uma “identidade própria”, no sentido de agir, pensar e executar seus planos, ações e estabelecimento de metas, como uma comunidade que se destaca e serve de exemplo para outras comunidades e para o aluno, que é um sujeito em formação e que será um cidadão atuante na sociedade. Ao participar das reuniões, eventos e elaboração/execução de projetos, a comunidade também aprende e restaura direta e indiretamente valores perdidos nos últimos anos, sobretudo restaura a base familiar que é tão importante na vida do aluno em seu percurso escolar. A parceria escola-comunidade fortalece a base educativa, que não deve ser de responsabilidade única e exclusiva da escola, de modo que ambas as partes assumindo seu papel, ora individual, ora em conjunto, com certeza estarão contribuindo para a formação de um sujeito-aluno crítico e autônomo. É de grande importância a criação e abertura de espaços para a comunidade na escola, principalmente se for uma sociedade carente e que possua vários riscos sociais iminentes, como é o caso. No momento em que essa comunidade consegue encontrar sua importância, valores humanos são reparados e renovados, o que gera um sentimento de confiança intrínseca (no indivíduo) e extrínseca (na comunidade) que partilha as mesmas dificuldades e felicidades, ocasionando assim uma identificação mútua e fazendo nascer um sentimento de querer sempre progredir e, se possível, tornar-se um bom exemplo para as demais comunidades. Além de tudo, essa comunidade mostrando-se mais participativa, faz com que os órgãos governamentais invistam mais no bem estar desta comunidade (o que inclui melhores condições escolares, entre diversas outras melhorias), já que será um bom investimento de verba pública, uma vez que o retorno a esse investimento feito torna-se 5526 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 bastante gratificante visto o perfil de tal comunidade. Portanto, trata-se mesmo de uma parceria, porque escola e comunidade se beneficiam enormemente deliberando juntas. - Benefícios ao município Ao município, por ser em maior escala, os benefícios chegam em ritmo mais lento, mas certamente já são sentidos e mais são previstos. Além da satisfação da população da cidade em sentir-se representada, é a visão dos administradores públicos de um bom investimento que permitiu o pagamento dos custos com passagens, hospedagem e alimentação para as últimas participações nas competições de robótica, bem como o ressarcimento de funcionários da escola com gastos pessoais anteriores ao apoio da prefeitura municipal no intuito de manter o sonho dos alunos. Ademais ao reconhecimento local como o município que auxiliou uma escola municipal a ser a melhor escola pública do país em um campeonato nacional de robótica, ele se beneficia das melhorias no rendimento escolar, sensíveis nas avaliações oficiais, e também na qualidade de vida e diminuição de riscos na comunidade. Assim, reduzem-se os custos com medidas contentivas e paliativas de problemas sociais. Com isso, além das medidas do município passarem a servir de modelo, atraindo mais investimentos para a cidade e melhorando a aceitação política da administração municipal, trata-se de uma conquista de valor inestimável do ponto de vista sociocultural. E, assim, prova-se, uma vez mais, como a educação pode transformar mesmo as realidades mais duras e onde há mais descrença. Considerações finais Analisando tudo isso, é possível ver como um pequeno projeto pode crescer, uma ideia pode se disseminar e transformar todos à volta, e tudo gerar uma retroalimentação positiva de motivação e benefícios. Os maiores resultados alcançados não foram planejados outrora, logo de início, mas foram consequências de novos objetivos e oportunidades surgidos ao longo do desenvolvimento do projeto, segundo as novas demandas dos idealizadores e executores, selecionando o que era melhor. Esse é um forte potencial da metodologia de ensino por projetos que, além de buscar chegar aos objetivos propostos a priori, provê grande abertura ao “remodelamento” necessário às demandas do público e ao seu bom aprendizado. Assim, os alunos sentem-se livres (e, assim, estimulados) para pensar, envolvendo-se ativa e interessadamente com seu aprendizado, alcançando, desse modo, patamares que dificilmente alcançariam com metodologias mais tradicionais e menos participativas. 5527 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Fica claro ainda que, muitas vezes, a escola assume mais funções além das pedagógicas iniciais. Na ausência de suporte familiar adequado, a escola se torna identificadora de problemas pessoais e riscos sociais (nem sempre tão evidentes) e mediadora para outros órgãos públicos responsáveis por atuar em diferentes desses setores, na tentativa de criar condições mínimas para que seus alunos possam de fato aprender. Observa-se, nesse contexto, que a escola é o suporte da comunidade, capaz de nortear alunos e familiares na busca por uma qualidade de vida melhor. Algumas das necessidades acabam sendo supridas pela própria escola, seus professores e funcionários, como oferecimento de merenda, atenção e mesmo carinho, mas, certamente, o segredo está no estabelecimento de íntimas parcerias, pois, só assim, integrando esforços e despertando inspiração e motivação na comunidade escolar, é possível transformar sua realidade. No caso da escola citada, houve a colaboração da universidade federal na idealização e aplicação de alguns projetos, o que mostra, mais uma vez, o poder das boas parcerias. Contudo, independente delas, outras propostas, outros pequenos projetos, começaram a surgir no interior da escola, e estes também são igualmente promissores. Revela-se, pois, que a ideia não precisa estar brilhantemente redigida e formatada logo de início para, então, o projeto começar; precisa só ser capaz de despertar o interesse de mais e mais pessoas, e que, na prática, os projetos se constroem e reconstroem enquanto são executados. E é exatamente esse processo dinâmico do próprio ensino que mais faz os alunos crescerem, especialmente no entendimento de uma educação científica, direta, mas não exclusivamente, ligada ao ensino de ciências, além de possibilitar o contato dos alunos com novos contextos sociais e culturais. Por fim, este é o diferencial visto no sucesso na aprendizagem dos alunos: neles são motivados novos interesses e, assim motivados, valorizam mais a escola e acreditam em seu potencial, tornando o aprender mais significativo e abrindo, em si, expectativas de um presente e um futuro mais promissores. Referências ALMEIDA, N.P.G.; RIBEIRO DO AMARAL, E.M. Projetos temáticos como alternativa para um ensino contextualizado das ciências: análise de um caso. Enseñanza de las ciencias. Número extra. VII Congresso, 2005. BLOGUE DA EM PROFESSOR JOSÉ LUIZ DE MESQUITA. Disponível em: <http://emprofessorjoseluizdemesquitalavras.blogspot.com.br/>. 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